Faz falta falar do que não vira pauta
por
João Curi
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17/04/2024 - 12h

É confortável escrever sobre o que já conhece. Mas o jornalismo não precisa ser confortável. Na verdade, não deve. A imprensa não sobreviveu a ferro nos anos de chumbo sendo confortável - ainda que também exista esse papel. É preciso renovar os votos de Gutemberg, lá do século XV, e levar a notícia às mãos de quem ainda não a tem nos ouvidos. Não tomem como exemplo a mecanização, justamente para não cair na esteira das máquinas. Você não é uma.

 

Nem eu. Por isso este texto. É cansativo enxergar tantos sonhadores desistindo de si ainda no começo da caminhada. Existe todo um sistema envolvido nessa mentalidade, de fato, mas não precisamos fugir. Não daqui. O jornalismo não é válvula de escape, é o motor do carro. É a imprensa que aciona o povo às pautas que não chegaram a ele. Então por que se prender ao que já aparece?

 

Claro que é justo cobrir o que já tem cobertura, até porque o ineditismo é privilégio de poucos. Mas não dá pra ignorar o que já é ignorado. Se não, a quem estaremos servindo a notícia? E o quê? Pense num restaurante que serve o mesmo menu todos os dias, e tudo que varia é o preço. É confortável, é conhecido, e se continua aberto é porque funciona, é verdade. Só não precisa ser o único restaurante aberto. 

 

Ouça as vozes que não têm ouvidos, nem que seja para uma aspa de duas linhas ou uma. Busque a informação na fonte. Deixa o sofá esfriar. Abra os ouvidos, desacostume os olhos. Você vai enxergar tudo diferente. Às vezes, a pauta nasce com um rosto e envelhece com outro

 

Permita-se surpreender, perguntar o que ainda não foi respondido porque ninguém perguntou. Tem muita história pra pouco contador. Não precisa colher todas de uma vez. E nem escrever tudo pra todos. 

 

Um texto às vezes é para uma pessoa só. Não parece, mas é permitido. A regra é não deixar falhar a caneta. A tinta precisa aparecer por completo, sem deixar dúvida. Fato por fato, olho no olho, queixo erguido e nariz deitado. Nada é grande demais que não caiba na ponta de uma caneta. 

 

Inclusive, nenhum sonho é grande demais. Pode ser que o resultado não alcance as proporções que se almejava, mas isso não cabe a um. A diferença se faz no coletivo, na pluralidade de um povo que não se homogeniza e faz acender a individualidade de cada célula que mantém o corpo vivo.

 

O mundo não precisa de mais profissionais quadrados, condicionados à fórmula do um mais um iguala em dois. A Terra vai continuar girando, com ou sem a gente. O que vale aqui é o que fizer o seu mundo girar. O que te acender os olhos. O que fizer a sua caneta dançar na mão. Escrever sem amarras, sem precisar seguir um padrão que não te cabe e não tem que fazer caber. Peça que não encaixa não completa quebra-cabeça. 

 

E a nossa cabeça está em formação, faminta por oportunidades de crescer, de alcançar, de realizar, de ser o que tanto projetava com a cabeça sobre o travesseiro. Nosso teto é mais alto do que parece. A gente é mais do que um peão de notícias.

 

A gente é um coletivo de vozes. Então façam-se ouvir. Doa a quem doer. Demore o que demorar. Escrevam sobre o que quiserem, e porque querem. Aproveitem. Não existem tantos lugares com esta oportunidade. A gente só é a gente porque você compõe este plural. 

 

Por isso, faz um favor? Não esquece do que está na sua frente. Se for a sua vontade cobrir o que já tem cobertura, faça isso, mas faça do seu jeito. Dê motivo para o seu nome estampar a matéria. Torne-a sua, reclame-a ao seu gosto. Mas faça. Produza. Não deixe pra outra pessoa escrever. 

 

Se não a gente, quem? 

O quarto dia de desfiles trouxe temáticas voltadas à literatura modernista, ao artesanato e à homenagem familiar.
por
Giovanna Montanhan
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15/04/2024 - 12h

Weider Silveiro, estilista piauiense, que fundou sua marca homônima em 2002, apresentou nesta edição da SPFW, uma coleção que exaltava a beleza africana sem deixar de lado as técnicas artesanais,que contavam com a presença de bordados e crochês.  O estilista que participou durante quinze anos da ‘Casa de Criadores’, e é um dos idealizadores da Célula Preta - um coletivo organizado por estilistas negros da Casa de Criadores, com o propósito de fornecer equidade de oportunidades a esse grupo em relação aos branco - embalou seu desfile ao som de batuques. 

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Foto: Divulgação Agência Fotosite

 

 As modelos desfilaram na passarela vestindo tons terrosos, com toques de  amarelo e verde-água. Apostando em cinturas bem marcadas, a coleção também carregava tecidos fluidos, sem deixar  o streetwear de lado (sua marca registrada!). Vestidos com franjas, conjuntos de alfaiataria com bolas penduradas, estampas da Vênus Grega em algumas peças, e até chegou a resgatar uma técnica chamada ‘panejamento’, que significa dar volume a partir de novas sobreposições e amarrações nas roupas.

 

Rafael Caetano 

 Homenageou o escritor modernista Mário de Andrade em uma coleção chamada ‘Intransitivo’, que a partir do instrumental da canção de Tom Jobim, ‘Carinhoso’, tocado para embalar o desfile, os modelos transitaram na passarela usando lurex, peças em cetim que continham estampa de pássaros, calças e camisas listradas. Essa é uma das primeiras vezes que o estilista paulista, especializado em moda masculina, se debruça sobre uma personalidade concreta para inspiração de suas criações. Sem deixar de lado sua marca registrada de pele à mostra, essa coleção de Caetano abaixou um pouco o tom de suas anteriores. As referências a obra de Mário de Andrade se dava através da transposição com símbolos marcantes da capital paulista. 

 

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Foto: Divulgação Agência Fotosite

 

 

Catarina Mina, marca cearense criada por Celina Hissa há catorze anos, tem como  foco desde o começo de sua história a produção handmade de crochês. E a coleção ‘ Guardiãs da Memória’, apresentada na noite desta sexta-feira não poderia ser diferente, reverenciando as artesãs do Ceará, que estavam presentes no evento e, ao final, receberam aplausos da plateia.

 

 

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Foto: Divulgação - Agência Fotosite

A protagonista do dia, foi a renda labirinto - uma técnica que se encontra quase que em extinção, e só é praticada pelas costureiras mais antigas, pois é algo considerado muito difícil de executar.  Além disso, usou palha de uma árvore chamada carnaúba e do croá - extraída de palmeiras. Usou e abusou do crochê, do bordado, da marchetaria, da alfaiataria feita de seda e de linho. 

 

Thear, marca inaugurada pelo goiano Theo Alexandre especializada em fibras naturais, como algodão e linho, impactou com a coleção denominada  Elementos". Nela foi exaltado a beleza natural do cerrado. A silhueta marcada em forma de corset ou simplesmente pela modelagem e os os diferentes tipos de corpos foram destaque, assim como as peças que visavam o conforto. As cores transitavam do neutro para simbolizar as paisagens da região do Centro-Oeste, e o vermelho que ilustrava as flamas do calor exacerbado que vêm dilacerando o segundo maior bioma do país. 

 

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Foto: Divulgação Ze Takahashi/ @agfotosite

 

Walério Araújo, etiqueta vanguardista que habita o cenário da moda nacional há 30 anos.

Consagrou-se pelos acessórios de cabeça, e era o queridinho da cantora Rita Lee. Trabalha com frequência criando adereços para a compositora Gaby Amarantos, Marisa Monte, Cléo, Pabllo Vittar, entre outras. E, já desenhou roupas para a apresentadora Sabrina Sato, a cantora Ivete Sangalo, a jornalista Glória Maria, etc. 

É famoso pelo seu estilo excêntrico e pela sua mente brilhantemente criativa. Suas últimas coleções tiveram como inspiração a personalidade famosa, Ehlke Maravilha, e a Astrologia, onde cada modelo representava um signo do zodíaco.

Nesta edição, transformou a passarela do shopping em um tributo às suas raízes nordestinas e a matriarca da família, sua mãe. O compasso do desfile foi marcado pela canção ‘As Andorinhas’ da banda sertaneja Trio Parada Dura, ritmo musical que sua mãe aprecia. 

Coincidência ou não, a data do desfile calhou de ser no mesmo dia em que completou 54 anos de vida. As modelos vestiam trajes de gala no melhor estilo que Walério sabe oferecer, com balões estampados nos vestidos pretos de gala, estampas de porcos que remetiam a um período de sua infância, peças verdes que faziam alusão a samambaias e espadas-de-são-jorge, ambas plantas que sua mãe vendia e ele ajudava. 

O cuscuz e o ovo frito, comidas que com forte apelo nostálgico para o estilista, foram retratadas de uma maneira ousada, usando tule e vinil. Uma parcela das peças continham retratos de família com porta-retratos acoplados nas roupas. Os cabelos de algumas modelos eram estilizados igual ao que sua mãe costuma usar, com muito laquê adornado com lenço que seguia a mesma estampa do vestido. 

 

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Foto: Divulgação - Ze Takahashi/ @agfotosite

 

 

 

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Foto: Divulgação Ze Takahashi/ @agfotosite

 

 

 

 

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Foto: Divulgação Ze Takahashi/ @agfotosite

 

 

 

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Foto: Divulgação Ze Takahashi/ @agfotosite

 

Para finalizar a noite, Walério apagou as velinhas em uma festa privada para amigos e clientes em um dos endereços mais badalados do centro histórico de São Paulo. 

 

Martins, criada por Tom Martins, com foco em peças oversized, trouxe uma  coleção dividida em dois momentos. A atriz Agatha Moreira abriu o desfile e fez seu retorno à passarela após dez anos fora. Em contrapartida, o ator Rodrigo Simas fazia sua estreia. 

O primeiro ato, se baseou no estilo marinheiro, com listras azul e branco, lenço amarrado na cabeça dos modelos como se fossem piratas, os colares eram conchas em formatos diversos, e os brincos continham pérolas. 

 

 

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Foto: Divulgação Ze Takahashi/ @agfotosite

 

 

No segundo, o punk rock dominou.  A maquiagem  das modelos era marcada  por  olhos pretos com aplicações de piercings fake. Os acessórios iam de meias arrastão com tênis all star preto e coturnos a cintos de oncinha e colares prateados de correntes. As roupas mesclavam camisetas de banda do estilo como Sex Pistols, Misfits, The Runaways com saias de tule com babados na ponta, cintos coloridos e grandes de ilhós e uma padronagem que visava totalmente o maximalismo. Uma das novidades da marca neste ano, foi que algumas estampas foram feitas por meio de uma IA (Inteligência Artificial). 

 

 

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Foto: Divulgação Ze Takahashi/ @agfotosite

 

 

 

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Foto: Divulgação Ze Takahashi/ @agfotosite

 

 

 

 

 

Confira os destaques da maior feira de arte da América Latina, incluindo a nova exposição de Gabriel Wickbold.
por
Helena Maluf
Gabriela Jacometto
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08/04/2024 - 12h

Durante a primeira semana de abril (3 a 7), o SP-Arte, uma das mais renomadas feiras de arte da América Latina, abriu suas portas para colecionadores, entusiastas e curiosos do mundo da arte.

Realizada anualmente na cidade de São Paulo, Brasil, a feira comemorou nesta edição 20 anos de trajetória no Pavilhão da Bienal e reuniu, mais de 190 expositores, como galeristas, colecionadores, entusiastas da arte e artistas consagrados e emergentes, proporcionando um panorama abrangente e diversificado do cenário artístico contemporâneo.

Com uma curadoria extensa e variada de obras que exploravam diferentes técnicas, estilos e temáticas, incluindo pinturas, esculturas, mobiliários, fotografias e instalações, a SP-Arte contribui significativamente para o fortalecimento do cenário artístico nacional e internacional.

A feira conta com exposições de doze países: Argentina, Brasil, Bolívia, Colômbia, Estados Unidos, Espanha, França, Inglaterra, Itália, México, Noruega e Uruguai.

O artista carioca Gabriel Wickbold — que participa da SP-Arte pela sétima vez este ano — revelou para a AGEMT o processo de criação de sua exposição: "Esse ano eu estou apresentando uma série inédita, chamada Maze, que é o labirinto. São fotografias antigas, distorcidas e impressas sob mangueiras de incêndio. Depois eu desmancho e tranço elas pra esconder certas partes e mostrar certas partes".

"Essa série fala sobre a nossa hereditariedade, o que a gente carrega de carga genética, e como a gente traz luz para esses espaços, para poder quebrar os ciclos de repetição da nossa vida", disse ele, sobre sua conexão com o tema.

Gabriel explicou que a série é inédita, e completou: "Está sendo muito legal, porque é bem diferente de tudo que eu já fiz. Um outro suporte, um outro tipo de imagem. E as pessoas estão, assim, impressionadas por eu ter me re-colocado de uma forma tão diferente"

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Obras do artista Gabriel Wickbold feitas com mangueiras de incêndio em exposição na SP-Arte. Foto: @gabrielwickbold via Instagram

Além das obras exibidas, o evento ofereceu uma programação diversa de palestras, debates e programas educacionais, promovendo o diálogo e a troca de ideias no campo da arte. Esse ambiente de troca de conhecimento enriquece ainda mais a experiência dos visitantes e contribui para a construção de um diálogo crítico e enriquecedor.

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Intervenção artística ao vivo.
Foto: Helena Maluf.                                                                                                                                                                                                                                              
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Obra de Rikrit Travanija, feita com jornais em exposição na SP-Arte.  Foto: Gabriela Jacometto                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                               
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Obra do artista Alê Jordão exposta na SP-Arte. Foto: Helena Maluf                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                               

Este ano, o foco recaiu sob a expressão artística como forma de reflexão e diálogo com questões sociais, políticas e ambientais, refletindo a diversidade e a complexidade do mundo atual.

Na vigésima edição da SP- Arte, fica evidente que a arte contemporânea continua a desafiar fronteiras e inspirar novas formas de expressão, consolidando São Paulo como um centro vital para o diálogo artístico global.

 

A vitória de Oppenheimer como Melhor Filme e a confirmação de que o cinema "mainstream" ainda é próspero
por
Maria Eduarda Camargo
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20/03/2024 - 12h

No primeiro domingo de março (10), ocorreu a 96ª edição do Oscar. A premiação é o reduto dos maiores filmes do ano de 2023, e encerra a disputa anual na corrida do cinema. Oppenheimer, filme de Nolan, emplacou como Melhor Filme, levando o diretor junto em Melhor direção. Mas nem tudo que brilha é ouro.

O filme Oppenheimer, de Christopher Nolan, levou sete estatuetas do Oscar
O filme Oppenheimer, de Christopher Nolan, levou sete estatuetas do Oscar. Foto: Getty Images

Tendo em vista que a premiação é muito mais do que apenas um “reconhecimento” da indústria para as melhores obras, é importante lembrar como a ela é, na verdade, um aviso para o mercado publicitário. E se a estatueta de Melhor Filme é um aviso coletivo, a de Melhor Direção é um aviso individual.

A verdade é que a vitória de Oppenheimer pouco fala sobre a obra em si. Ela é um aviso para a indústria: guerra, Estados Unidos e masculinidade dão certo. E Nolan, por mais que se destaque em obras anteriores, como Interestelar e A Origem, não deveria ser um exemplo de “prêmio DiCaprio”: ainda há tempo de ganhar com outros longas.

Ao analisar obras um pouco mais antigas, como Túmulo dos Vagalumes e Gen Pés Descalços, exibidos há 30 anos, e que tratam da perspectiva civil japonesa sobre a Segunda Guerra, é possível notar a tendência mercadológica da premiação com o filme. Oppenheimer é uma tentativa de retomada do brilho americano que Rambo entregou ao mainstream de presente, e que vende muito bem.

Um bom exemplo da situação é o fatídico Oscar de 2010, que concedeu a estatueta de Melhor Filme a Guerra ao Terror, deixando para trás dois filmes que valem uma análise mais detalhada: Avatar e Bastardos Inglórios.

O primeiro, sucesso de bilheteria, não emplacou por motivos óbvios: não adianta funcionar com o público, o prêmio vai ao filme que deveria ser um “modelo” para os próximos. É possível comparar a derrota de Avatar, na época, com a não-indicação de Barbie: a Academia não se importa muito com o que o público quer, mas com o que ele deveria querer.

A derrota do segundo, Bastardos Inglórios, dirigido por Quentin Tarantino, é de um estudo um pouco mais detalhado, no entanto. Vale lembrar que em 2008, os Estados Unidos passavam por uma crise econômica. O país do “orgulho capitalista” afundava. O público precisava de um filme “cereja do bolo”: algo que levantasse a moral estadunidense.

E é nesse tipo de momento que as dores do público americano devem ser acalentadas: o 11 de setembro ainda era ferida aberta no imaginário popular. Logo, nada melhor do que um filme sobre a invasão ao Iraque. Guerra ao Terror levantou a bandeira americana de “superação” que o público deveria querer. O resultado? 2011 foi o ano de lançamento do pupilo americano da Marvel: Capitão América. A guerra voltou ao mainstream.

É certo, no entanto, que a temática do americano “dono do mundo” vem sumindo aos poucos, e é aí que mora a cartada final da premiação: quer ganhar? Copie o que dá certo e venda.

Retomando uma última vez o tópico mercadológico do Oscar, é interessante a análise sobre O Menino e a Garça, de Miyazaki. É a segunda vez que o diretor ganha a premiação e se recusa receber o prêmio. A primeira ocorreu em 2003, ano da invasão ao Iraque. Miyazaki condenou a invasão, se recusou a ir ao evento, e deixou Cameron Diaz de braços vazios.

Vale analisar então por que a premiação escolheu este, ao invés de Homem Aranha: Através do Aranhaverso. O primeiro tópico é que a Academia normalmente decide não premiar filmes sem final: se Homem Aranha tivesse sido o último da trilogia das animações, o debate seria outro. Mas existe outro ponto nisso, que é o aviso da Academia com relação ao amor pela animação tradicional. O aviso, dessa vez, vai ao mainstream, que anda escondendo a Inteligência Artificial na porta dos fundos. Quantidade não é qualidade, e a produção fordista dos desenhos atuais não agrada.

Colocando uma lupa sob as outras categorias também, é um pouco contraditório ver o Oscar de Melhor Atriz indo à Emma Stone e o de Melhor Atriz Coadjuvante à Da’Vine. A verdade é que Yorgos, que emplacou Pobres Criaturas em outras categorias mais irrisórias, como maquiagem, logo sofrerá a sina de Scorsese, DiCaprio, e tantos outros: não ganhou quando deveria, e corre contra o tempo.

O espírito jovem de Pobres Criaturas e de Os Rejeitados não passa de uma brisa na tempestade que é o Oscar, isso é fato. Mas, muito além da vitória de Oppenheimer, a derrota de Pobres Criaturas tem a dizer também.

Pobres Criaturas não ter ganhado é, na verdade, um pouco óbvio: a obra não tem aquele formato quadrado que se espera de uma comédia, e decai nos olhos de Hollywood com a duração das cenas de sexo. É fato que entre as prováveis 20 ou 30 cenas sexuais que rolam no longa, a monotonia da sexualização que vemos em filmes como Blonde e o recente Ferrari não acontece: o que incomoda a crítica não é o sexo, mas a falta de sensualidade em Emma Stone.

A derrota de Lily Gladstone, portanto, é o aviso da vez na categoria de Melhor Atriz. A Academia não está preparada para “coroar” uma mulher indígena. Emma, apesar da brilhante atuação, foi o tapa-buraco perfeito. 

A conclusão a que se chega é que, independente do gosto do público, a escolha do Oscar é uma montagem muito bem pensada sobre como a indústria cinematográfica deve andar: o que vende, quem vende, como vender e de qual forma. Oppenheimer é, portanto, apenas mais um dos acasos da Academia. 

 

Em cartaz no Tucarena, Kiko Mascarenhas fala sobre temas sensíveis em peça aclamada de McMillan e Donahue, com tradução de Diego Teza
por
Giovanna Montanhan
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13/03/2024 - 12h

Na última sexta-feira (08), o intérprete carioca desembarcou em São Paulo, mais especificamente, no Tucarena, após uma temporada de sucesso no Rio de Janeiro, no Teatro Poeira, para apresentar o espetáculo “Todas as Coisas Maravilhosas”, sob direção de Fernando Philbert. 

A trama se concentra em um garoto de sete anos que, ao notar que sua mãe está lutando contra a depressão, cria uma lista e enumera tudo o que, aos seus olhos, é maravilhoso. Seu objetivo é ajudá-la a reencontrar a alegria de viver. Conforme ele cresce, acaba sendo confrontado com os impactos que o estado mental de sua mãe teve sobre ele, refletindo sobre como isso o afetou. 

A interação entre ator e espectador se mostra bastante evidente, e é justamente através dessa conexão que a performance evolui. Embora possa parecer um monólogo, a presença de Kiko somada à disposição da plateia em engajar-se na experiência, compõem e complementam as cenas, fazendo com que o ator improvise em diversos momentos. 

O espetáculo aborda temáticas desafiadoras e complexas, com muita delicadeza e de forma sutil, ao mesmo tempo que incorpora nuances de humor, às vezes em um sentido até autodepreciativo, e que enriquecem a narrativa ao longo de seus setenta minutos.

É necessário enaltecer o trabalho magistral de Kiko, que, apesar de sua estatura não muito alta, expande sua presença quando pisa no teatro de arena. Sua habilidade extraordinária em retratar todos os gestos e maneirismos de uma criança é impressionante, mesmo estando encapsulado num corpo de homem adulto. 

Por um lado, entrega uma performance que emociona, e por outro, arranca gargalhadas do público, e isso acontece quase que simultaneamente. 

“Todas as Coisas Maravilhosas” merece ser vista e revista. Dificilmente você entra na sessão e sai do mesmo jeito. A sensação é quase como estar em uma sessão de terapia - daquelas que te balançam e te arrebatam.  

Como a divulgação ‘’boca a boca’’ é sempre a mais eficaz, prestigiem este espetáculo e o divulguem. Mais pessoas merecem vivenciar essa experiência transformadora. 

Para se programar: de quinta a sábado, às 21h, aos domingos, às 18h. Os ingressos estão disponíveis para vendas online e presenciais, tanto no aplicativo do Sympla como na bilheteria do teatro. Alunos da PUC-SP, inclusive, têm direito a um preço exclusivo, basta se identificar com os dados solicitados.

 

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas premiou os destaques do ano nas vinte e três categorias
por
Giovanna Montanhan
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12/03/2024 - 12h

A 96ª edição do Oscar aconteceu no domingo (10), em Los Angeles, no Dolby Theatre. O evento contou com a apresentação de Jimmy Kimmel, Jessica Lange, Sally Field, Danny DeVito, Arnold Schwarzenegger e Nicolas Cage. No Brasil, a transmissão aconteceu pelo canal de TV fechada, TNT, e pelo streaming MAX (antiga HBO), com tradução simultânea feita por Robert Greathouse e comentários de Ana Furtado, Aline Diniz e Andréia Horta.

Os filmes com mais indicações durante a noite foram: Oppenheimer, liderando com 13 nomeações, Pobres Criaturas e  Assassinos da Lua das Flores com 11 e Barbie com 8. 

A começar pela categoria de Melhor Filme, os indicados foram: Ficção Americana, Anatomia de Uma Queda, Barbie, Os Rejeitados, Assassinos da Lua das Flores, Maestro, Oppenheimer, Vidas Passadas, Pobres Criaturas e Zona de Interesse. 

O vencedor da categoria foi Oppenheimer, que já vinha carimbando como vencedora em quase todas as premiações anteriores, SAG (sigla para Screen Actors Guild), BAFTA (British Academy Film Awards), Critics Choice e Globo de Ouro. 

O ator Al Pacino chamou atenção nas redes sociais, pois enquanto apresentava os indicados da categoria de Melhor Filme, o ator foi direto ao ponto, dando a vitória para o longa de  Nolan, sem firulas. A quebra da tradição deixou os espectadores surpresos.

Os concorrentes à estatueta de Melhor Ator eram: Bradley Cooper por ‘’Maestro’’, Colman Domingo por ‘’Rustin’’, Paul Giamatti por ‘’Os Rejeitados’’, Cillian Murphy por ‘’Oppenheimer’’ e Jeffrey Wright por ‘’Ficção Americana’’. 

O vencedor foi Cillian Murphy, que interpretou Robert Oppenheimer, coroando mais uma vitória para o ator na temporada de premiações.

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Foto: Reprodução X

Em Melhor Atriz, as indicadas foram: Annette Bening por ‘’NYAD’’, Lily Gladstone por ‘’Assassinos da Lua das Flores’’, Sandra Hüller por ‘’Anatomia de Uma Queda’’, Carey Mulligan por ‘’Maestro’’ e Emma Stone por ‘’Pobres Criaturas’’.

A vencedora foi Emma Stone. A atriz recebeu o seu segundo Oscar pelo papel de ‘’Bella Baxter’’ em Pobres Criaturas.

 

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Foto: Reprodução X

 

Lily Gladstone era uma forte candidata à estatueta por ter levado previamente o SAG (Screen Actors Guild) e o Globo de Ouro por sua atuação como ‘’Mollie Burkhart’’.

Em entrevista para a revista The New Yorker, ela disse: "é circunstancial que eu seja a primeira, mas certamente não serei a última. Se eu ‘chutei a porta’, eu vou apenas tentar continuar aqui e deixá-la aberta para todos os outros". 

Se por um lado a categoria de Melhor Ator Coadjuvante ficou com Robert Downey Jr, por sua atuação em Oppenheimer, contra os indicados Sterling K. Brown (Ficção Americana), Robert de Niro (Assassinos da Lua das Flores), Robert Downey Jr. (Oppenheimer), Ryan Gosling (Barbie) e Mark Ruffalo (Pobres Criaturas), por outro, a de Melhor Atriz Coadjuvante foi para Da'Vine Joy Randolph, por Os Rejeitados. A estatueta não fugiu muito do roteiro já previsto em premiações anteriores na temporada. Da’Vine concorreu contra Emily Blunt (Oppenheimer), Danielle Brooks (A Cor Púrpura), America Ferrera (Barbie), Jodie Foster (NYAD), Da'Vine Joy Randolph (Os Rejeitados).

 

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Foto: Reprodução X

 

 

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Foto: Getty Images

 

Em Melhor Direção, a competição parecia já ter sido decidida em premiações anteriores: Christopher Nolan (Oppenheimer) foi o vencedor da noite nesta categoria, contra Justine Triet (Anatomia de Uma Queda), Martin Scorsese (Assassinos da Lua das Flores), Yorgos Lanthimos (Pobres Criaturas) e Jonathan Glazer (Zona de Interesse). 

 

 

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Foto: Getty Images

 

Apesar da filmografia do diretor não ser pequena, este é seu primeiro Oscar. Nolan conseguiu construir uma narrativa em Oppenheimer que crie pequenos momentos de tensão, fazendo com que o espectador tenha toda a atenção voltada para a linha do tempo, e não só mergulhe no enredo principal da criação da bomba atômica, mas também na trajetória política de Robert Oppenheimer. 

Na categoria de Melhor Filme Internacional, tivemos os longas: Io Capitano (Itália), Dias Perfeitos (Japão), A Sociedade da Neve (Espanha), The Teacher’s Lounge (Alemanha) e Zona de Interesse (Reino Unido), sendo Zona de Interesse o vencedor. 

Em seu discurso, o diretor, Jonathan Glazer, defendeu o povo palestino e pediu pelo cessar-fogo em Gaza. 

Em Melhor Roteiro Original, o filme Anatomia de Uma Queda ganhou de Os Rejeitados, Maestro, Segredos de um Escândalo e Vidas Passadas. E em Melhor Roteiro Adaptado, foi a vez de Ficção Americana levar o prêmio para casa.

Para Melhor Fotografia, os votantes da Academia escolheram Oppenheimer, mais uma vez. Os outros filmes indicados eram: El Conde, Assassinos da Lua das Flores, Maestro e Pobres Criaturas. 

Na categoria de Melhor Montagem, entre Anatomia de Uma Queda, Os Rejeitados, Assassinos da Lua das Flores, Oppenheimer e Pobres Criaturas, o vencedor foi Oppenheimer.

Zona de Interesse levou a estatueta de Melhor Som, após muitas críticas positivas. O que Jonathan Glazer fez com nossos ouvidos durante o longa-metragem foi impressionante, a qualidade do instrumental que escutamos o tempo todo era capaz de nos teletransportar para a atmosfera do horror da Segunda Guerra Mundial. 

Os indicados eram: Resistência, Maestro, Missão Impossível - Acerto de Contas Parte 1 e Oppenheimer. 

Em Melhores Efeitos Visuais, Resistência, Godzilla Minus One, Guardiões da Galáxia Vol.3, Missão Impossível - Acerto de Contas Parte 1 e Napoleão disputavam pelo prêmio, mas o Godzilla Minus One foi o ganhador, provando que é possível fazer um bom filme com apenas 15 milhões de dólares de orçamento, valor bem inferior se comparado à outras produções indicadas. Essa foi a primeira vez, em 70 anos de franquia, que o filme japonês foi premiado.

Na categoria de Melhor Design de Produção estavam: Barbie, Assassinos da Lua das Flores, Napoleão e Oppenheimer, mas quem subiu no palco foi Pobres Criaturas.

Pobres Criaturas também ganhou em Melhor Cabelo e Maquiagem. O ator Willem Dafoe comentou em entrevistas que o processo da maquiagem para entrar no personagem demorava cerca de seis horas. Emma, por sua vez, revelou que usava um mix de extensões no cabelo, e sua maquiagem ou era “nada” ou tinha cores arroxeadas (para simular hematomas), verdes (para as veias que saltavam, de forma sutil) e rosas (para uma cor de saúde na pele). Pobres Criaturas levou também Melhor Figurino

A figurinista Holly Waddington se inspirou na era vitoriana para criar os visuais de Bella Baxter, mas deixou de lado os espartilhos. Segundo ela, “se a intenção era fazer um filme feminista, colocá-la vestindo a peça só reforçaria ainda mais o estereótipo que todos conhecem do corpo da mulher visto de um jeito totalmente idealizado”. Com silhuetas bem ajustadas, roupas disruptivas, coloridas e exageradas, Holly fez com que o prêmio não pudesse pertencer a mais ninguém, se não a Pobres Criaturas. 

Nas categorias de Melhor Trilha Sonora Original, a música instrumental de Ludwig Göransson fez Oppenheimer ganhar de Ficção Americana, Indiana Jones e a Relíquia do Destino, Assassinos da Lua das Flores e Pobres Criaturas; e em Melhor Canção Original, foi a vez de ‘’What Was I Made For’’ de Billie Eilish (que se tornou a pessoa mais jovem a ter duas estatuetas) para Barbie, que disputava com ‘’I’m Just  Ken’’ do mesmo filme, ‘’The Fire Inside’’ de Flamin’ Hot: O Sabor que Mudou a História, ‘’It Never Went Away’’ de American Symphony e ‘’Wahzhazhe’’ (A Song For My People) de Assassinos da Lua das Flores. 

O Menino e a Garça, Elementos, Nimona, Meu Amigo Robô, Homem Aranha: Além do Aranhaverso, estavam em Melhor Animação em Longa-Metragem. O Menino e a Garça, de Hayao Miyasaki, foi o vencedor nesta categoria.

O último Oscar do diretor foi há 21 anos, com ‘’A Viagem de Chihiro’’ (2001). No ano de 2003, ele também se recusou a ir presencialmente receber o prêmio, pois no passado, chegou a ir na contramão com atitudes dos Estados Unidos relacionadas à invasão do país no território do Iraque.

E War Is Over! Inspired by the Music of John & Yoko ganhou em Melhor Animação em Curta-Metragem, em que  concorria com: Letter to a Pig, Ninety-Five Senses, Our Uniform, Pachyderme. 

Em Melhor Curta-Metragem em Live Action, A Incrível História de Henry Sugar  levou a estatueta. Os outros indicados foram The After, Invincible, Knight of Fortune, Red, White and Blue.

Esse foi o primeiro Oscar do diretor Wes Anderson em sua carreira.

A categoria Documentário contemplava duas categorias:

- Longa-Metragem, com 20 Dias em Mariupol sendo o vencedor, contra Bobi Wine: The People's President, The Eternal Memory, Four Daughters, To Kill a Tiger

- Curta-Metragem, com A Última Loja de Reparações recebendo o prêmio contra: O ABC da Proibição de Livros, The Barber of Little Rock, Island in Between,Ni Nai & Wài Pó (Grandma & Grandma).

 

Houveram performances de canções de filmes indicados, com a de Ryan Gosling em destaque. Ele cantou a música-tema de seu personagem,  ‘’I’m Just Ken’’, com a participação de Slash na guitarra. 

 

ryan g
Reprodução: Getty Images

 

Messi, o cachorro ator de Anatomia de Uma Queda, também marcou presença na cerimônia, mesmo após boatos nas redes sociais de que não compareceria. Tudo começou depois que o portal The Hollywood Reporter relatou que alguns estúdios de filmes indicados alegavam que a presença de Messi poderia ter aberto algum tipo de vantagem sobre o longa, ofuscando os outros atores humanos, durante o almoço dos indicados. Porém sua participação foi permitida, além de ter “roubado a cena”, ao aparecer “aplaudindo” Robert Downey Jr., por meio de uma edição gravada antecipadamente.

 

messi
Reprodução: X (antigo Twitter)

 

 

messi
Foto: Reprodução: Instagram

 

Resenha do livro Infocracia, de Byung-Chul Han expõe falsa liberdade e vigilância nas redes sociais
por
Catarina Pace
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13/11/2023 - 12h

Lançado em 2022, o livro Infocracia analisa as relações sociais e democráticas da era da tecnologia. Byung-Chul Han une em sua obra aspectos da política digital, da sociedade e da maneira em que a própria informação é manipulada nesse momento. Em cinco partes, o autor consegue analisar e descrever as questões em torno de cada situação em que as redes sociais e a tecnologia incidem na liberdade e na capacidade de gerir informações. “O sujeito submisso do regime de informação não é nem dócil, nem obediente. Ao contrário, supõe-se livre, autêntico e criativo. Produz-se e se performa”, enfatiza o autor. No primeiro capítulo, Han faz uma análise profunda da maneira como a sociedade começou a lidar com a liberdade. O mundo sempre viveu momentos de lutas constantes por liberdade, e finalmente na era da internet, ele “alcançou”. Pelo menos, é o que se parece. 

Mas, a liberdade que as redes sociais costumam propagar faz parte de um modelo diferente. O autor compara o regime de informação com o regime disciplinar de Foucault, em que a sociedade não teria liberdade de se livrar da vigia. Mas, na sociedade da informação essa vigilância se desfaz em redes abertas, ou seja, nas redes sociais. A visibilidade é produzida então, pela conexão e não mais pelo isolamento. 

A tecnologia funciona através de bases de dados, assim como as redes sociais, o que se torna uma grande ironia. A sensação de liberdade que se tem ao usar a internet, gera dados e só aumenta mais a vigilância. “Nos regimes de informação, as pessoas não se sentem, além disso, vigiadas, mas livres. Paradoxalmente, é o sentimento de liberdade que assegura a dominação. [...] A dominação se faz no momento em que liberdade e vigilância coincidem.”

Os influenciadores são hoje, o maior exemplo dessa dominação digital que Han frisa. Eles são adorados, tem fãs como se fossem donos de verdades e de identidades que todos gostariam de ter. A autenticidade no capitalismo moderno não existe mais. Todos querem ter a roupa de fulano, o mesmo cabelo de ciclano e a vida de beltrano, mas ainda sim, acreditam que isso é liberdade. Outra questão que pode ser relacionada com essa análise é a das recompensas digitais. Os usuários das redes anseiam por recompensas e por isso continuam alimentando sua necessidade. Por exemplo, quando uma foto é publicada no Instagram o usuário costuma receber likes por ela e assim, continua publicando para receber cada vez mais likes e seguidores. Mas por que esse tipo de recompensa só funciona na vida digital?

É simples. Ninguém é 100% verdadeiro no ambiente digital, os usuários mostram o que querem que seus seguidores vejam e achem que são na vida real. E talvez por decepção ou por não querer se decepcionar, criam a vida “perfeita” em um ambiente que não é nada verdadeiro. E assim, criam uma era do egoísmo, do ego inflado e da individualidade. No capítulo “O fim da ação comunicativa”, Han ainda problematiza essa questão da autopropaganda. “Levam igualmente a perda de empatia. Hoje, cada um presta homenagem ao culto de si mesmo. Cada um performa e se produz”. Ele usa o termo “tribos digitais”, para caracterizar esses grupos que criam uma falsa noção de identidade e liberdade e os espalham nas redes. 

Mas tudo isso está atrelado a facilidade de criar e de espalhar as informações. Há uma crise da verdade quando toda e qualquer informação pode ser divulgada e assim, hoje, ela já chega nas pessoas com o pré conceito de desconfiança fundamental, termo que Han usa para explicar. 

E não dá para esquecer que a crise da verdade é uma crise da sociedade. Ela gera diversos conflitos em uma democracia e acaba impedindo que seja feita da maneira correta e como tudo no cenário atual, se torna uma mercadoria. Como o autor explica, estamos presos em uma caverna digital, com muitas informações, mas sem verdade ou interpretação do que acontece. Tudo vira fútil no mundo digital e o que foi criado para facilitar e conectar pessoas, está individualizando e separando-as. Parece que na internet não há mais tempo para conversas sinceras ou exposições de verdades nuas e cruas. Quem se mostra realmente, é martirizado, leva uma enxurrada de comentários negativos que são frutos da toxicidade cultivada nos ambientes virtuais. 

Isso deixa cada vez mais claro que a sociedade virtual quer continuar mantendo a mentira, a falsa vida e a falsa felicidade, porque se não existe na vida real, pode ser forjada em um ambiente que aceita esse tipo de “falsa liberdade”. Mas talvez, ainda falte pouco tempo para que as pessoas percebam que a liberdade das redes não é real, ela se esconde atrás de dados e informações roubadas de cada usuário e cada personalidade, que acaba sendo perdida no mundo real. 

As novas tecnologias de informação vem sendo usadas pelo capitalismo moderno de uma maneira que ameaça as sociedades democráticas
por
Felipe Abel Horowicz Pjevac
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13/11/2023 - 12h

A digitalização cada vez mais intensa vivida nos dias atuais está presente em todas as esferas da vida e ajudou a inaugurar o capitalismo da informação, uma nova era em que são usados algoritmos por grandes empresas e companhias através de bases de dados; o importante é trabalhar através dos conceitos de informação. Essa interferência digital, que no início era tratada por muitos como algo meramente restrito ao ambiente virtual, tomou proporções enormes e atualmente já atinge o mundo off-line com consequências perigosas na política e nos processos de relacionamento dentro de uma sociedade.

No livro ‘Infocracia: Digitalização e a Crise da Democracia’ (Ed. Vozes, 2022), o autor e filósofo sul-coreano Byung-Chul Han traz como tema central a tese de que a maioria dos aspectos da digitalização vivida nos tempos de hoje ao redor do mundo ameaçam em muito as democracias como sistema político dominante no planeta. Han estudou Filosofia na Universidade de Friburgo e Teologia em Munique e escreveu diversas obras a respeito das relações entre as sociedades contemporâneas e o trabalho, as novas tecnologias, as dinâmicas sociais e o poder na era da pós-modernidade.

Percebe-se que o autor trata a questão da imersão digital relacionada aos problemas do sistema capitalista com uma visão extremamente pessimista e negativa. Inclusive, Han traz argumentos para rebater autores que encaram o tema com mais positividade, com teses como a de que a acessibilidade à internet pode conectar os cidadãos globais em favor de uma sociedade mais unida e eficiente.

O autor diz que tanto o conceito de inserção global quanto a imaginada formação de um coletivo consciente não passam de uma ilusão dos sonhadores. Na realidade, o que mais se enxergaria é a divisão de usuários em ‘enxames digitais’ que se comportam de maneiras radicais e promovem a organização de grupos em bolhas, quase impossibilitando o cruzamento de informações e opiniões distintas.

Quando essas informações de fato são apresentadas a grupos virtuais fechados, elas são rapidamente rebatidas com narrativas decoradas ou são simplesmente ignoradas. Isso se dá devido ao domínio da subjetividade na digitalização: fake news, chamadas sensacionalistas e frases ou falas retiradas de contexto motivam essa ruptura de um determinado grupo com uma grande parcela da sociedade que está ‘do outro lado’.

Esse comportamento é facilmente enxergado nos dias de hoje em grupos de Facebook ou WhatsApp, especialmente em épocas turbulentas da sociedade como períodos eleitorais ou debates sobre novas leis. Nos comentários de notícias, reportagens e até mesmo colunas opinativas, o que se vê são comentários odiosos, falácias repetidas quase que de maneira robótica e muito pouco de fato acrescentado ao debate. Outro ponto de crítica do autor é em relação a propagação de conteúdos cada vez mais rápidos e fragmentados; a atenção é dispersa e o foco é retirado por uma quantidade imensa de informações que chegam de todos os lados sem serem desenvolvidas da maneira adequada; o cérebro humano se habilita a receber muito conteúdo, mas não a interpretá-lo e parar para entendê-lo. A paciência de ler sobre algum determinado assunto por mais de um minuto já não se faz presente.

Esse fato é facilmente exemplificado pela ascensão do TikTok, aplicativo de vídeos curtos e sucintos que, muitas vezes, tenta resumir um assunto extremamente complexo a uma opinião de minutos ou até mesmo segundos. Filmes também são recortados e exibidos em forma de trechos no aplicativo, e o usuário sente que sabe de tudo quando, na verdade, não sabe muito sobre nada. O autor compara a época atual com as críticas feitas na época do domínio da televisão. Han reforça que, apesar da TV criar conflitos midiáticos e resumir muitos assuntos complexos a exposições visuais, ela não produzia notícias ou discursos confusos e falsos e não exercia tantas técnicas de dominação do espectador.

A grande manobra dos produtores e coletores digitais é passar uma falsa sensação de liberdade ao usuário, que se parar para se atentar vai perceber que não consegue mais sobreviver sem esse ciclo de informações e interações digitais. ‘Infocracia: Digitalização e a Crise da Democracia’ traz um alerta forte sobre as possibilidades bem perigosas que a digitalização e a imersão virtual da maneira que estão sendo feitas podem trazer para a humanidade em futuros a curto, médio e longo prazo. Muitas das estruturas que sustentam a base do sistema democrático podem estar em xeque com essa supervalorização do capitalismo de informação; os usuários devem tomar cuidado com o conteúdo que acessam, compartilham e replicam nas redes, além de buscar se informar e debater por outras plataformas e em bolhas diferentes da sua.

por
Felipe Bragagnolo Barbosa
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13/11/2023 - 12h

O livro “Infocracia: Digitalização e a crise da democracia” foi escrito por Byung-Chul Han em 2022 (Ed. Vozes), o livro complementa outra obra do ator, “sociedade do cansaço”. Em ambos os livros, o ensaísta analisa a digitalização que vivemos hoje, sendo ela uma ameaça para a democracia, o principal argumento desenvolvido é de que esta digitalização rápida e cada vez mais intensa estaria criando diversas novidades, entre elas a nova era do capitalismo, o capitalismo da informação e da vigilância. Comparado à obra de Pierre Lévy, em que prega o aprimoramento da democracia pela pela inteligência coletiva, pois os feedbacks seriam imediatos e a melhorariam o coletivo, Han é pessimista, diz que seria uma grande ilusão, já que a internet potencializa fanáticos, abrindo a própria cultura do cancelamento atual, e como as redes levaram extremismos novamente, como por exemplo nas eleições argentinas de 2023, esses fanáticos seriam como gados de representantes políticos, sem poder de decisão e de discernimento, transformando grupos desses fanáticos em bolhas.

Han vence o “debate” com Levy sobre esta questão, pois o francês idealiza uma realidade utópica, diferente do sul-coreano .Ele também  argumenta e traz a obra a obsessão pelo entretenimento na sociedade atual e como nos tornamos escravos das telas, vivendo em uma própria teatrocracia, isso abrange e aproxima a outras obras, como “1984” de George Orwell. O autor nos instiga com a questão de sermos observados e vigiados a todo momento nas redes, e de como isso a afeta por fora, no offline, destacando eleições e manipulações políticas, usou Donald Trump, “o presidente tuiteiro”  como exemplo a essa sociedade da informação. A grande busca por informações rápidas transforma a sociedade imediatista, e a fragmenta com o excesso de informações, e nesse meio as fake news ganham força, já que o discernimento não é influenciado, além de que estas notícias falsas podem ser confortantes para certas bolhas políticas, não existindo a busca pela verdade exata, apenas para a “sua” verdade, com sensacionalismo e distorções, as verdadeiras e sem grandiosidades sensacionalistas são renegadas.

Estas bolhas muitas vezes são controladas pelos próprios mentirosos, em que divulgam essas mentiras e teorias da conspiração, estes grupos criam identidades para quem as participa, como por exemplo o bolsonarismo, sair dessas bolhas machuca, pois o pertencimento e a afirmação constante é confortante, por isso para a maioria não faz sentido buscar a verdade.  O autor sul-coreano acerta ao mostrar a forma em que a sociedade está sendo conduzida, de forma passiva e sem perceber, e também ao citar a embriaguez por informações, principalmente as que não nos afetam mais, por serem tão frequentes. Sobre a vigilância e dados da população, o filósofo mantém sua coerência, porém explora áreas parecidas com de outras obras literárias, um buraco que poderia ser preenchido.  
Han cita e concorda com Orwell, autor de "1984", na questão das teletelas e controle da sociedade, mas discorda de ser de um “grande irmão”, deixando mais em questão das grandes corporações nos controlarem, sendo que o estado tem um poder muito forte em sua sociedade, ele determina de forma mais extrema de que será desta sociedade, sendo o governo um grande potencializador do controle de informação, como no livro distópico.
 
Para um contraponto a essas ideias, recomendamos os livros do já citado Pierre Lévy, sendo eles: “cibercultura”, “ciberdemocracia” e “o que é o virtual?”. Mas para quem quer entrar mais afundo sobre o que Han diz, recomendamos “sociedade do cansaço” e “psicopolitica: neoliberalismo e as novas técnicas de poder”. O autor é filósofo e ensaísta sul-coreano, tem como destaque os livros: “Sociedade do Cansaço” e “Agonia do Eros”. O coreano também é professor da Universidade de Artes de Berlim, o filósofo se inspira em Michael Foucalt. Ele se formou na Universidade de Freiburg em filosofia e em teologia na Universidade de Munique. 
  

A necessidade de se retomar a presença e a conexão com o mundo real
por
Giovanna Montanhan
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09/11/2023 - 12h

O livro ‘’Como Sair das Bolhas?’’ de Pollyana Ferrari começa sendo apresentado por Martha Gabriel, formada em Engenharia Civil pela Unicamp, pós-graduada em Comunicação de Marketing pela ESPM-SP e professora de pós-graduação na PUC-SP do TIDD (Tecnologias da Inteligência e Design Digital). Ela inicia falando sobre o ser humano e sua relação com a tecnologia, e, lista os desafios que implicam a velocidade com que se propaga as informações. Além, de introduzir os conceitos de fake news e pós-verdade. O prefácio é feito por Lúcia Santaella, formada em Letras Português/Inglês, professora titular no programa de pós-graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP, que aborda sobre como somos invadidos diariamente por notícias e informações falsas através das redes sociais, como por exemplo, o Facebook. Para embasar a sua análise, cita alguns teóricos, sendo um deles Sigmund Freud quando fala sobre a bondade inata do homem e que isso parece até uma miragem nos dias de hoje. Atribui a notabilidade da expressão pós-verdade após a vitória de Donald Trump na eleição americana de 2016 e do plebiscito do Brexit, no Reino Unido, no mesmo ano.   

Além disso, menciona os três fatores que fomentam a indústria de fake news - que são, respectivamente: o ambiente de alta polarização política, a descentralização da informação pelos meios de comunicação independentes e o ceticismo generalizado entre as pessoas em relação às instituições democráticas, com os principais alvos sendo os governos, partidos e veículos de mídia tradicional. Santaella classifica esta obra de Ferrari como ‘’um verdadeiro manifesto contra a leviandade ingênua ou deliberada das crenças e dos compartilhamentos às cegas.’’  

O manuscrito possui doze capítulos, no total, e a cada seção, a autora escolheu colocar uma frase ou um excerto dito por um escritor, com exceção do primeiro.  Pollyana abre o livro contando um pouco sobre sua vida pessoal e compartilha sua visão espiritual com os leitores, cita o poder da meditação e destaca a importância de se viver o presente. No mundo agitado em que vivemos, muitas vezes nos encontramos escravizados pela correria diária e pela dependência dos nossos dispositivos móveis. Isso nos leva a realizar múltiplas tarefas simultaneamente, resultando na perda da conexão conosco mesmos e no esquecimento de apreciar o momento presente e a profundidade do silêncio.   

Ela explica, também, que vivemos em uma bolha, e isso significa que, às vezes, não percebemos que estamos dentro dela, portanto, não buscamos formas de sair. É algo que já se tornou intrínseco e automatizado em nós, mas basta repararmos se só frequentamos os mesmos estabelecimentos, se só ouvimos o mesmo gênero musical, entre outros comportamentos limitadores, que devemos evitar ceder à zona de conforto imposta por essas ‘'bolhas’’.  A escritora relata que este livro foi feito a partir dos oito passos do Shastra Abhidharma Mahavibhasha em mente, e enfatiza a influência dos ensinamentos de Buda e da filosofia védica para a construção desta obra.   

Aponta as ferramentas necessárias para identificarmos se a notícia é falsa ou verdadeira, apresenta algumas agências de fact-checking (checagem de fatos) como a Lupa, a primeira no Brasil, uma empresa privada patrocinada pelo Instituto Moreira Salles. Aos Fatos, que teve seu surgimento por meio de investimento próprio dos fundadores, sendo suas três fontes de financiamento: as parcerias editoriais, as contribuições da iniciativa privada e de organizações da sociedade civil e apoio de leitores e de financiamento coletivo (crowdfunding). Preto no Branco, primeiro blog de checagem de fatos do Brasil, criado com o objetivo de testar o grau de veracidade dos políticos durante as campanhas eleitorais, possui classificação própria para dar suas notícias e usa termos como: falso, ainda é cedo para dizer, insustentável, verdadeiro, mas…; contraditório e exagerado. Chequeado, site pioneiro da América Latina dedicado à verificação do discurso, está entre as dez primeiras organizações do mundo, é comandado por uma jornalista, advogada e professora chamada Laura Zommer, especializada em direito à informação pública, e mantém-se com um plano de negócios diversificado, obtém sua fonte de renda por meio de indicações de particulares, colaborações com empresas na realização de eventos e parcerias internacionais.  

A autora cita o Instituto Poynter, líder mundial em jornalismo, e o código elaborado por eles a ser compartilhado por meio da Rede Internacional de Fact-Checking (IFCN), que vem sendo adotado por diversos veículos e contém cinco itens, que são: 1) Compromisso de apartidarismo e equidade, 2) Compromisso pela transparência das fontes, 3) Compromisso pela transparência de financiamento e organização, 4) Compromisso com transparência de métodos, 5) Compromisso com correções francas e amplas. Este código é usado desde 2017 pelo Facebook para filtrar informações. Ademais, a rede social incluiu o item fake news no menu para denúncias.  

Ao longo de sua reflexão, Ferrari explora algumas concepções para abordar a questão da credibilidade das informações publicadas. Ela sugere que, com a volta dos jornais por meio de assinaturas, os leitores passarão a valorizar mais a veracidade das notícias e procurarão fontes que ofereçam serviços de checagem. Ela observa, também, que as notícias falsas se espalham de forma rápida devido à intervenção dos algoritmos e dos bots (robôs). Além do mais, Ferrari aponta que os jornalistas também têm uma parcela de responsabilidade na disseminação das notícias falsas, já que na busca pela primazia na divulgação das informações, a devida apuração dos fatos muitas vezes é negligenciada, resultando em possíveis notícias que não são verdadeiras por completo.   

Declara, que a tecnologia não é a vilã da história, basta sabermos como utilizá-la da melhor forma possível, usufruindo de todas as ferramentas que ela nos oferece, para assim, domá-la ao nosso favor. Visto que, até mesmo os empresários e CEOs das grandes empresas de big techs da Califórnia não matriculam seus filhos em escolas que têm acesso livre a internet, muito pelo contrário, suas escolhas são pautadas nas que proíbem o porte e o acesso a dispositivos eletrônicos.   

Por fim, nos propõe refletir quanto a dependência que a sociedade adquiriu em ser aceita a todo custo, um exemplo disso, é a foto lotada de filtros e efeitos que são capazes de nos transformar em outra pessoa - o famoso efeito degradante do ‘’Photoshop’’.   

Para fundamentar a sua análise, referencia o filósofo polonês Zygmunt Bauman, quando aborda a questão de que vivemos em uma sociedade onde tudo é efêmero, o que sobrecarrega nosso cérebro diante da avalanche de conteúdo a que somos expostos a cada minuto por meio de nossos dispositivos.  Contudo, não podemos embasar a nossa felicidade em coisas que não fazem parte da nossa realidade e em padrões inalcançáveis.   

A partir do avanço da informação e do estímulo que desenvolvemos para recebermos novidades a cada segundo, nos tornamos ‘’reféns’’ dessa sociedade capitalista de consumo, e sempre quando compramos algo novo, imediatamente já estamos desejando o próximo item.   O fato é que nos tornamos seres insaciáveis.