Em sua segunda temporada, o spin-off de “The Boys” mantém sua essência
por
Felipe Volpi Botter
|
07/11/2025 - 12h

A Prime Video lançou a segunda temporada de Gen em 17 de setembro, com três episódios para abrir a série e um por semana até chegar ao oitavo e último. Com novos personagens como o vilão de codinome “Cipher”, além de outros alunos importantes para a trama, a produção também trouxe personagens da série “The Boys”, que inspira esse universo.

Para quem está chegando agora, um alerta: entender essa temporada pode dar trabalho! É preciso ver as três primeiras de “The boys”; em seguida, assistir à primeira de Gen V; depois a quarta de “The Boys” e só então mergulhar nesta nova temporada. Para quem não é fã, a jornada pode parecer cansativa, mas para os amantes de histórias com super heróis, o entretenimento de altíssimo nível é garantido.

(ALERTA DE SPOILER)

Após os eventos da última temporada de “The Boys”, os heróis da Godolkin (Marie Moreau, Jordan Li, Emma Meyer e Andre Anderson) estão presos em uma prisão para supers chamada Elmira. Infelizmente, com a morte do ator que fazia o personagem Andre (Chance Perdomo), os produtores também criaram uma morte para o seu personagem na própria Elmira.

X
Marie, Jordan e Emma Foto: Reprodução/Prime Video

Maurie consegue fugir da prisão e após a morte de Andre - e mais uma bela jogada de marketing da Vought - Emma e Jordan Li voltam para a universidade. Após alguns dias, Marie também retorna com o acordo entre os três personagens e a Vought, no qual eles iriam para o time principal de supers da empresa, se parassem de lutar contra ela. Porém, com Cipher como reitor, as coisas não serão tão simples.

Cipher começa a se aproximar de Marie e se mostra muito perigoso. Ele tem grandes planos, não só para a Marie como também para a Godolkin. O projeto "Odessa", nova descoberta dos jovens, promete ser capaz de dar um fim ao Capitão Pátria. 

Com novos supers, novos poderes e novos desafios, Marie e os demais enfrentam muitos perigos nesta temporada, que acaba com um incrível gancho para o futuro do universo. Vale conferir!

Tags:
Compositor foi um dos responsáveis pelo clássico ‘Clube da Esquina’
por
Maria Mielli
|
04/11/2025 - 12h

Lô Borges teve a morte confirmada pela família nesta segunda-feira (3), em Belo Horizonte. O artista estava internado desde o dia 17 de outubro no Hospital Unimed de BH, por conta de uma intoxicação medicamentosa. Segundo o boletim médico, Lô morreu na noite de domingo (2) às 20:50 em decorrência de falência múltiplas dos órgãos. O cantor deixa um filho, Luca Arroyo Borges, de 27 anos. 

Nas redes sociais oficiais de Lô, a família pediu privacidade e agradeceu todas as manifestações de carinho. O irmão de vida e parceiro na criação do ‘Clube da Esquina’, Milton Nascimento, o Bituca, publicou em seu Instagram: “Lô nos deixará um vazio e saudades enormes, e o Brasil perde um de seus artistas mais geniais, inventivos e únicos. Desejamos muito amor e força à família Borges, a qual acolheu Bituca em sua chegada a Belo Horizonte, lá nos anos 60 e, principalmente, ao seu filho Luca. Descanse em paz, Lô.

0
Bituca e Lô foram os grandes heróis das estradas. / Foto: Reprodução Instagram Milton Nascimento

Salomão Borges Filho, nasceu em Santa Tereza, região leste de Belo Horizonte. Sua casa passava por algumas obras, por isso, ainda criança, se mudou para o centro da cidade e foi exatamente lá que sua história com a música se iniciou. 

Aos 10 anos, Lô conheceu seu vizinho: Milton Bituca Nascimento. Em entrevista cedida ao jornalista Pedro Bial, em seu programa Conversa com o Bial, de 2023, Lô contou que estava sentado na escadaria do Edifício Levy, na rua Amazonas, quando deu de cara com um homem tocando violão. “…era o Bituca. Eu tinha 10(anos) ele tinha 20. Fiquei vendo o Bituca tocando violão, e ele assim comigo: ‘Você gosta de música, né, menino?”. Ainda durante essa entrevista, ele contou que a vivência no centro lhe fez conhecer, certo tempo depois, Beto Guedes que mais tarde foi seu parceiro de composição.

Já crescido, o artista e a família Borges voltaram a morar em Santa Tereza. Na época, já não eram mais vizinhos, mas o cantor relatou que Bituca continuava visitando a casa da família. “Tocou a campainha lá na casa da minha mãe, era o Milton Nascimento falando: 'Cadê o Lô?'. 'Ah, o Lô tá na esquina, num lugar que eles chamam de 'clube da esquina', ele está lá'. Aí o Bituca veio com o violãozinho dele, comecei a mostrar a harmonia que eu estava fazendo, era uma harmonia do Clube da Esquina, ele começou a fazer a melodia, e aí a gente fez a parceria Clube da Esquina. E na época ele já era famoso, eu era anônimo", contou Lô ainda no programa do Bial.

0
Família Borges / Foto: Reprodução Telo Borges Instagram

Em 1972, Alaíde Costa, Beto Guedes, Lô Borges e Bituca lançaram o álbum Clube da Esquina. O álbum conta com sucessos como: “Tudo O Que Você Podia Ser” e “Um Girassol da Cor de Seu Cabelo”. Foi aclamado no mundo todo e em 2023, foi eleito pela revista norte americana ‘Paste Magazine’, o 9° melhor álbum de todos os tempos. 

Clássico atemporal, o Clube da Esquina volume 1 & 2, fizeram história nacionalmente e mundialmente , criando nos corações de todo um povo um sentimento de encantamento e de curiosidade. Afinal de contas, o que será que o clube da esquina tinha de tão especial assim? Para o mineiro e apaixonado pela música Richard Lucas, de 19 anos, é a identificação e representatividade que esses garotos conseguiam transparecer: “Falar do Lô Borges e do Clube da Esquina é falar da nossa casa, aquilo lá é Minas puro, ‘saca?’”. E também lembrou que, fora do Clube da Esquina, as músicas e composições de Lô seguiam sendo “fenomenais”. 

Fato é que, Lô fez história. Marcou o coração de todo um povo que jamais vai esquecer sua voz e seus dizeres. Suas letras estão gravadas no coração de cada amante da música e suas melodias, fixadas na memória. Nosso eterno Lô recebeu milhares de homenagens, dentre elas um encontro de fãs na esquina das ruas Divinópolis e Paraisópolis – lugar que deu origem ao Clube da Esquina. 

0
“Se eu morrer não chore, não. É só a lua”-Um Girassol da Cor de Seu Cabelo/ Foto: Reprodução Twitter @thalescmachado

O velório aconteceu nesta terça-feira (4), no Foyer do Grande Teatro Cemig do Palácio das Artes, em Minas. Das 9h às 15h, a cerimônia esteve aberta ao público. Já o enterro, que ocorreu logo em seguida, foi restrito à família e amigos. 

O governo do Estado de Minas Gerais decretou luto oficial de três dias pelo falecimento do artista.

 

Tags:
“Frankenstein” de Guillermo Del Toro, traz uma perspectiva sensível sobre o clássico
por
Isabelli Albuquerque
|
03/11/2025 - 12h

A nova adaptação cinematográfica do clássico da literatura gótica, “Frankenstein”, chegou aos cinemas brasileiros no dia 25 de outubro por um curto período de tempo. O filme, dirigido pelo ganhador do Oscar, Guillermo Del Toro, é uma produção da Netflix e será lançado mundialmente na plataforma dia 7 de novembro. A produção traz uma nova perspectiva sobre a história, contando com a sensibilidade de Del Toro, que é especialista em mostrar o lado humano de criaturas assustadoras.

 

Alerta de Spoiler!

 

A trama é dividida em três partes: um curto prólogo, o ponto de vista do Dr. Victor Frankenstein (Oscar Isaac) e, por fim, o ponto de vista do Monstro (Jacob Elordi). Já no prólogo, podemos ter uma ideia da relação de Victor com sua criação, por mais que essa primeira impressão se prova errada ao longo da história.

Primeiramente, o público é introduzido à uma embarcação presa no gelo, cuja tripulação tenta desesperadamente libertá-la. Em meio ao caos de homens trabalhando duro, o corpo inconsciente de Victor é avistado e imediatamente transportado para a cabine do capitão. Após seu resgate, a criatura ressurge em meio ao deserto congelado e ataca o navio durante um acesso de raiva, enquanto seu frágil e ferido criador se encolhe na cabine e implora ao capitão para ser sacrificado em prol de seus marinheiros. Essa introdução engana a audiência propositalmente, mostrando um Monstro desregulado e violento que faz de seu pobre criador sua vítima.

Após o caos ser controlado, Victor começa a narrar sua história de vida e explica o que o levou a criar o Monstro. De uma criança sensível a um adulto enlouquecido com ideais de grandeza, nós somos introduzidos à natureza narcisista do doutor aos poucos.

Sua maior motivação em seus estudos é a morte de sua mãe no parto e o fato de que seu pai - outro grande médico, outro mesquinho Victor - não conseguiu salvá-la de seu destino. O até então doce garoto, cresce com uma raiva reprimida que se torna seu combustível ao desenvolver ideias malucas e apresentá-las em frente a outros doutores em busca de financiamento.

 

N/A
Oscar Isaac caracterizado como Victor. Foto: Divulgação/Netflix

Nessa sequência, somos introduzidos a outro personagem, Heinrich Harlender, um rico nobre e entusiasta da medicina que passa a apoiar Frankenstein em seu projeto. Herr Harlender patrocina o cientista e cede uma torre inóspita para seus experimentos.

Após cerca de 30 minutos do longa, um instrumental romântico toca ao fundo enquanto a câmera aos poucos se aproxima de Elizabeth Harlander (Mia Goth), a curiosa sobrinha de seu patrocinador, que cativa Victor com suas opiniões fortes e interesses “não-femininos” em ciência e política.

Durante o desenvolvimento da relação de ambos os personagens, já é possível perceber a presunção de Victor, que se apaixona por Elizabeth por mais que ela seja noiva de seu irmão mais novo, Will (Felix Kammerer). Os dois possuem uma natureza semelhante, obscura e melancólica, que faz com que se aproximem mais do que deveriam. Em seguida, ao confessar seu amor pela cunhada, o conde se zanga ao receber uma negativa.

O diálogo da cena é muito interessante e reflete sobre os papéis de gênero numa sociedade inglesa do século XIX. Elizabeth até possuía os mesmos sentimentos românticos que Victor expressou em sua confissão, porém fez a escolha segura de se casar com Will ao ver a propensão obsessiva do cunhado por seus projetos.

É na torre que Victor dá vida à sua obra-prima, o Monstro. O primeiro contato dos dois é lindo de se ver, uma criatura tão grande agindo como uma criança perante seu entusiasmado criador poderia ser cômico se não fosse uma obra de Del Toro.

O diretor é conhecido por abordar temáticas fantásticas com criaturas monstruosas, submergindo as regras e transformando essas bestas em seres lindos e humanizados. Afinal, “Frankenstein” é sobre isso. Um ser de aparência assustadora sendo tudo aquilo que seu belo e nobre criador nunca conseguiu:, um ser humano sensível.

O estilo de Del Toro continua ao longo de toda essa parte, mostrando as diferenças de comportamento entre Victor e o Monstro: o primeiro um homem bonito e inteligente que age com violência, e o segundo uma junção de partes humanas de aparência medonha que possuí mais alma que o doutor.

Um dos momentos mais significativos do filme é quando a criatura diz sua primeira palavra: Victor. Essa única palavra que contéêm tantos sentimentos por trás se torna a sina de Frankenstein. O que antes demonstrava ternura, virou a prova de sua falha como criador.

A partir deste momento que a loucura começa a sangrar pela bela fachada. Victor se mostra um homem violento e frustrado, descontando toda sua raiva em sua criação. Destaca-se a atuação de Oscar Isaac nos momentos de loucura de seu personagem, que interpreta um cientista paranóico com maestria. Em seus expressivos olhos é possível enxergar a mente perturbada do doutor, que fere a criatura sem motivos e causa nojo na audiência.

A atuação de Goth também é excepcional, em especial na cena mencionada anteriormente e no momento em que encontra a criatura pela primeira vez. Sua personagem é uma mulher inteligente e sensível, sendo retratada como uma figura materna em contraste com a paternidade tóxica de Victor. 

O primeiro contato que ela tem com o Monstro é doce, gentil e emocionante. Imediatamente ela evoca um sentimento de ternura misturado com raiva pelas ações de Victor. Mais um ponto importante é a química entre Goth e Elordi, que atuam com uma leveza e naturalidade juntos, se encaixando perfeitamente com o objetivo da cena: montar um cenário para o futuro romance.

 

N/A
O primeiro encontro da criatura com Elizabeth. Foto: Divulgação/Netflix

 

No auge de sua loucura e raiva, evocada pelas opiniões de Elizabeth sobre seus métodos, Victor ateia fogo na torre de Harlender após a visita de seu irmão e da noiva. O gesto impulsivo é rapidamente arrependido, mas já é tarde para salvar sua criação.

Quem duvidou da capacidade de atuação de Elordi como o Monstro, foi positivamente surpreendido com sua retratação, sendo um dos pontos altos do filme. Desde os maneirismos da criatura ao nascer, remetente aos movimentos de um filhote que está conhecendo o mundo, à raiva melancólica que cresce por seu criador ao longo da película.

Seu capítulo, mesmo sendo mais curto que o de seu criador, mostra como é crescer num mundo onde tudo é novo sendo diferente dos demais. O telespectador é transportado para a mente do personagem imediatamente após Victor atear fogo à torre e vê a pobre criatura desesperada para se libertar do fim iminente. Assim, presa às correntes, ela se assemelha a um animal trancafiado em uma cela, lutando ao máximo para se libertar de seu captor.

A fuga é bem sucedida e o Monstro se depara com o mundo fora da torre escura pela primeira vez. A sensação da terra abaixo de seus pés, a luz do sol, tudo é novo para ele, que compartilha uma cena adorável com um cervo na floresta ao alimentar o animal.

Entretanto, sua inocência é repentinamente abalada quando encara a morte pela primeira vez e é atacado por outros seres humanos. Ele foge de seus caçadores e se esconde no celeiro de uma casa de camponeses, onde rapidamente desenvolve uma afeição por seus anfitriões, os ajudando secretamente. Esses camponeses são os mesmos que o atacaram anteriormente, mas a criatura, em sua inocente gentileza, cuida dos moradores sem esperar nada em troca. 

Mais para a frente, uma amizade entre ele e o ancião da casa nasce, e essa sequência é essencial para a formação do caráter da criatura. O velho possui um grande interesse por literatura, e ensina a besta a ler e escrever, além de ensinamentos importantes sobre filosofia e religião, que abrem a mente do Monstro e o ajudam a amadurecer.

Após uma tragédia acontecer na pequena casa, a criatura enfrenta sua própria mortalidade ao fugir mais uma vez. A percepção de que é imortal a devasta, ao ponto de ir atrás de Victor suplicar pela criação de uma companhia para sua alma solitária. O confronto acontece na noite do casamento de Elizabeth e Will e, ao ter o pedido negado pelo conde - que têm o ego ferido ao enfrentar sua obra falha - o Monstro destrói a cerimônia e leva sua paixão, Elizabeth, consigo.

 

A arte por trás das câmeras

 

A cenografia do longa é excepcional e foi assinada por Dan Lausteen, que já colaborou com Del Toro em outras obras. As cores são utilizadas de forma muito inteligente e esteticamente satisfatórias, tons vibrantes (como o vestido vermelho da mãe de Victor) em meio a cenários pálidos e quase que monocromáticos, criam um contraste belíssimo que valorizam e ajudam a contar a história sem a necessidade de diálogos.

A cena da criação do Monstro é multissensorial, desde a beleza dos cenários ao design de som, que juntos provocam uma explosão de sentimentos na audiência, que observa maravilhada pai dar vida ao filho em meio a uma tempestade torrencial.

Del Toro afirmou em uma entrevista no Festival de Veneza - onde o filme teve seu lançamento - que era muito importante para ele a utilização de cenários reais e efeitos práticos. "Sempre esperei que o filme fosse feito nas condições certas, criativamente, em termos de atingir o escopo necessário, para torná-lo diferente, para fazê-lo em uma escala que permitisse reconstruir o mundo inteiro", contou. Essa exigência do diretor foi essencial para o ar surrealista do longa, que conta com explosões e cenários ricos em detalhes. O laboratório do Dr. Frankenstein, por exemplo, remete ao Palácio de Esmeraldas de Oz, com seus tons de verde brilhante e arquitetura.

 

N/A
Os cenários do filme foram todos construídos, exigência do diretor. Foto: Divulgação/Netflix

 

O diálogo final, entre Elordi e Isaac, é poderoso e tocante. Enfim, ambos deixam a raiva um pelo outro de lado e aceitam seus respectivos papéis: Frankenstein como pai e o Monstro como filho. A última fala da criatura no filme é “Victor”, o nome de quem ao mesmo tempo o trouxe ao mundo e se tornou seu mundo.

O filme é finalizado com um frame da criatura de costas observando o nascer do sol após a morte de seu criador. Além de visualmente fantástica, é uma perfeita representação do arco do personagem no longa, que passa de uma criatura que foi presa por quem a deu vida, para alguém livre para ver o mundo como quiser, com a alvorada trazendo um mundo de recomeços.

Entretanto, certos aspectos causam alguns incômodos. A obra chama a atenção por seus visuais impressionantes, mas faltou criatividade nos jogos de câmera, que não fazem juz à beleza do cenário. Em sua maioria, são quadros fechados focando apenas no objeto central da cena, sem explorar os arredores.

Outro ponto que desagrada, foi a obviedade de ser um filme para a TV. Produções da Netflix possuem estéticas parecidas, e precisam ser filmadas de certa forma para a imagem imprimir bem em uma televisão. Infelizmente, essa formatação é bem notável no longa, que, mesmo sendo uma obra incrível de experienciar no cinema, se encaixa melhor numa tela de 40 polegadas. “Frankenstein” é uma adaptação única e sensível sobre um clássico já conhecido no imaginário popular, uma perspectiva interessante que com certeza vale a pena ser presenciada numa tela de cinema. E, quem sabe, até mudar a visão do público sobre a verdadeira natureza humana.

Da foto de Gordon Parks às quebradas brasileiras, o movimento transforma comunidades e mantém viva a herança cultural negra
por
Mariane Beraldes
Victória Miranda
|
28/10/2025 - 12h

Em 12 de novembro é celebrado o Dia Mundial do Hip Hop, a imagem “Um grande dia para o Hip Hop” (1998), de Gordon Parks, disponível na exposição “A América sou eu” realizada no Instituto Moreira Salles (IMS), em São Paulo, traz destaque para o movimento. A foto, que reuniu mais de 177 artistas, produtores e influenciadores em frente a um prédio no bairro Harlem, em Nova York, vai além do registro histórico e se conecta às periferias brasileiras, onde o movimento continua a ocupar espaços, narrar realidades e afirmar a força da cultura negra. 

Gordon Parks (1912–2006) foi um renomado fotojornalista, escritor, compositor e cineasta norte-americano que retratava em suas obras o que não gostava na América: a pobreza, o racismo e a discriminação. Assim como o Hip Hop, o fotógrafo traz em sua narrativa a realidade das periferias, contestação social, violência policial e desigualdades. Sua imagem sobre o movimento foi publicada pela primeira vez na capa da sétima edição da revista XXL como uma homenagem à fotografia de Art Kane, feita em 1958, que reuniu 57 músicos do jazz na escadaria de arenito do Harlem para a revista Esquire. 

"Um grande dia para o Hip Hop" (1998). - Foto: Victória Miranda
"Um grande dia para o Hip Hop" (1998). - Foto: Victória Miranda

O Hip Hop é composto pela junção de quatro segmentos: rap, DJs, breakdance e grafite. O rap é a forma musical, baseada em rimas faladas sobre batidas, usada para expressar ideias, experiências e críticas sociais. Os DJs são responsáveis pelas bases sonoras, mixagens e manipulação de discos. O breakdance é a vertente de dança, marcada por movimentos acrobáticos, coreografias e sincronização com a música. E o grafite é a expressão visual que transforma muros e espaços urbanos em telas que refletem a arte, identidade e mensagens políticas. 

Há mais de 50 anos, o movimento nasceu nas periferias de Nova York como forma de resistência e expressão coletiva. A foto de Gordon Parks, simboliza essa força ao retratar a influência da música entre gerações e comunidades. No Brasil, o movimento chegou nos anos 1980, especialmente em São Paulo. Desde então, movimenta a cena musical, dita tendências e reafirma o poder da cultura negra nas ruas e nos palcos. 

Inaugurado em 2023, o Museu da Cultura Hip Hop, localizado no Rio Grande do Sul se dedica a preservar e difundir o impacto social do movimento no país. O local reúne salas expositivas, estúdio de gravação, biblioteca, loja, café, acervo, salas multiuso para oficinas, área para grafite, breaking, discotecagem, espaços para shows, sala administrativa, anfiteatro e quadra poliesportiva, que se tornam um verdadeiro espaço de referência do estilo no país. 

Museu do Hip Hop no Rio Grande do Sul. -Foto: Leo Zanini/TMDQA!
Museu do Hip Hop no Rio Grande do Sul. - Foto: Leo Zanini/TMDQA!

Outro elemento central do movimento que ganha destaque nas periferias brasileiras e entre a juventude negra são as batalhas de rima. Essas competições, que se tornaram uma forma de expressão cultural e resistência, se espalharam pelo mundo e também se consolidaram no Brasil. Em São Paulo, a Batalha da Aldeia (BDA), a Batalha da Leste, a Batalha da Norte, entre outras, mostram o talento das ruas e impulsionam o rap nacional do gueto para os palcos. 

Mais do que música ou dança, o hip-hop se afirma como um espaço de identidade e resistência que une ritmo, moda, poesia, arte e movimento. Uma expressão cultural que continua a influenciar gerações e transformar a paisagem urbana brasileira. 

Tags:
Sob o foco de um olhar revolucionário, em sua primeira grande retrospectiva no Brasil, o IMS Paulista apresenta a obra multifacetada de Gordon Parks, artista que usou a imagem para expor injustiças e humanizar histórias silenciadas.
por
Anna Cândida Xavier
Manuela Amaral
|
27/10/2025 - 12h

Imagem retirada do arquivo de fotografia - Fundação Gordon Parks

Quando Gordon Parks escolheu a fotografia como linguagem, não foi por acaso, foi por urgência. Afro-americano em um país que institucionalizava a exclusão, ele transformou a câmera em meio de combate, compreensão e memória. A partir deste mês de outubro, o público brasileiro tem a chance inédita de conhecer esse legado de perto.

A exposição "Gordon Parks: A América sou eu", em cartaz no Instituto Moreira Salles, na Avenida Paulista, entre os dias 4 de outubro de 2025 e 1º de março de 2026, reúne cerca de 200 obras que atravessam décadas da história dos Estados Unidos, e revelam como a arte pode ser um testemunho radical do seu tempo.

Entre fotografias, vídeos, publicações e documentos raros, a mostra percorre os anos de 1940 a 1970 com um foco preciso: revelar as marcas da desigualdade racial, os bastidores da luta por direitos civis e os pequenos gestos cotidianos que resistem à opressão. Através de sua lente, Parks não só documentou uma era, ele nos desafia a revê-la sob outra perspectiva.

Imagem retirada do arquivo de fotografia - Fundação Gordon Parks

Quem foi Gordon Parks

Nascido em 1912, no Kansas, Gordon Parks enfrentou a pobreza e o racismo desde muito jovem. Sem formação formal em fotografia, aprendeu por conta própria e, com uma mistura de talento, persistência e urgência política, se tornou o primeiro fotógrafo negro a trabalhar para revistas como Life e Vogue.

Seu trabalho ultrapassou as páginas editoriais e assumiu contornos de manifesto. Parks não registrava apenas o que via, ele buscava o que precisava ser visto. Sua lente alcançou desde os bastidores da luta pelos direitos civis até os lares da população marginalizada, revelando a vida com rara empatia e senso de justiça.

Mas Gordon Parks não era apenas fotógrafo. Dirigiu filmes (como o cultuado Shaft, de 1971), compôs trilhas sonoras, escreveu romances e memórias. Essa multiplicidade criativa se reflete na exposição, que apresenta não só sua obra visual, mas o pensamento e o ativismo que moldaram sua trajetória.

 

A exposição: 

 

· Escopo e curadoria

 A curadoria, assinada por Janaina Damaceno (curadora‑chefe) e Iliriana Fontoura Rodrigues (assistente) do IMS, foi organizada em parceria com a The Gordon Parks Foundation, que detém e preserva o acervo do fotógrafo.

 A mostra ocupa os 7º e 8º andares da sede paulista do IMS, com entrada gratuita, de terça-feira a domingo (10h às 20h), exceto às segundas-feiras.

 · Conteúdo e destaques

Cerca de 200 obras entre fotografias, filmes, matérias de revistas e livros;

Imagens de grandes personalidades do movimento pelos direitos civis dos EUA, como Martin Luther King Jr., Malcolm X e Muhammad Ali.

Séries que documentam a segregação racial e o cotidiano das comunidades negras, sobretudo no sul dos EUA.

Surpresa brasileira: imagens de Parks no Brasil, em 1961, onde ele fotografou em favelas cariocas a convite da revista Life. 

  · Por que visitar

 Porque a mostra combina excelência estética com peso histórico e político. É uma oportunidade não apenas de ver belas fotografias, mas de se inserir em narrativas cruciais da modernidade, racismo, dignidade, arte e memória.

A exposição assume uma relevância atual enorme: registrando o olhar de um fotógrafo negro sobre o próprio povo negro, em tempos de segregação e resistência, Gordon Parks coloca‑se na linha de frente da arte comprometida. 

 A presença de imagens no Brasil, que muitas vezes não são tão conhecidas, amplia o alcance da narrativa: mostra que o fotógrafo não se limitou aos EUA, mas teve também diálogo com o Brasil e sua própria complexidade social.

 Para o público contemporâneo, a mostra questiona: como lidamos hoje com as desigualdades raciais, que formas de visibilidade permitimos e quais vozes continuamos a silenciar? A arte de Parks nos convida a olhar de frente.

Imagem retirada do arquivo de fotografia - Fundação Gordon Parks

Como aproveitar sua visita

Verifique o horário de funcionamento: terças a domingos e feriados, 10h às 20h. Última admissão 30 minutos antes do fechamento. 

Local: IMS Paulista, Av. Paulista 2424, São Paulo (SP).

A entrada é gratuita.

Dica: dedique tempo para observar não só o “clique” famoso, mas as legendas, contexto histórico, objetos de revista ou filme que complementam as imagens.

Leve algum espaço para reflexão pessoal, ao ver uma fotografia de segregação, de infância, de cotidiano, vale pensar: “O que essa imagem me provoca? Qual história ela conta ou esconde?”

“A América sou eu” é muito mais do que uma exposição de fotografias: é um convite ao encontro com uma das vozes visuais mais poderosas do século XX, que articulou arte, denúncia, beleza e humanidade. Ver Gordon Parks é ver, e reconhecer a complexidade da vida negra, e a força de quem escolheu empunhar a câmera como arma de luz e de memória.

 

Após sua visita à exposição, teste seu conhecimento nesse quiz!

https://pt.quizur.com/trivia/a-vida-e-obra-de-gordon-parks-1r6mV

Produção da TV Cultura contará com imagens inéditas e entrevistas com figuras importantes na luta pela verdade e justiça
por
Gianna Flores
|
24/10/2025 - 12h

No sábado (25) completam-se 50 anos da morte de Vladimir Herzog. Mesmo após tantos anos, o legado dele continua presente. Em homenagem à data, a TV Cultura lançará em sua programação o documentário “A vida de Vlado, 50 anos do caso Herzog”. A obra será, em sua maior parte, uma retrospectiva desse meio século após a morte do jornalista que era diretor de jornalismo da emissora quando foi morto. O filme conta com materiais de arquivo e entrevistas inéditas de personalidades que marcaram a luta por responsabilização e justiça para o caso. 

 

Cartaz oficial do documentário
Cartaz oficial do documentário. Divulgação/Tv Cultura

Vladimir Herzog foi um jornalista formado pela Universidade de São Paulo (USP), que construiu uma carreira marcada pelo compromisso com os direitos humanos e a liberdade de expressão. Durante a Ditadura Militar e enquanto na TV Cultura, Vlado foi chamado a depor sob acusação de suposto envolvimento com o Partido Comunista Brasileiro. Apresentou-se voluntariamente ao Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna, o DOI-CODI, onde foi torturado e morto. Um crime que o regime tentou mascarar como suicídio. 

A morte dele foi um marco importante na luta contra a Ditadura no Brasil, pois gerou grande mobilização, unindo diferentes setores da sociedade. Diversas iniciativas recebem o nome dele, por exemplo, o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, a Praça Vladimir Herzog e o Instituto Vladimir Herzog. 

O documentário da TV Cultura, contará brevemente a história de Vladimir vivo e terá seu foco voltado a 11 personagens cruciais na luta por justiça no caso. Entre eles estão: a esposa, Clarice Herzog; os filhos, Ivo e André Herzog; o cientista político João Guilherme Vargas Neto; o juíz Márcio de Morais e a fotógrafa Elvira Alegre. Além de produzido com base em entrevistas recentes realizadas com muitos dos personagens, a obra conta com materiais retirados do acervo próprio da emissora e também do Instituto Vladimir Herzog. 

Em entrevista para a Agemt, o diretor e roteirista do documentário, Simão Sholtz, diz que uniram "50 anos de arquivo com depoimentos [feitos] em 2025”. Ele também conta que como a produção entrou em contato com pessoas importantes para o caso, eles conseguiram alguns registros pouco vistos. Elvira Alegre é um exemplo, já que foi a responsável por tirar as únicas fotos que existem do enterro de Vlado.

Segundo Scholtz, o documentário também tratará uma nova versão para um fato até então entendido como verdade para a grande maioria: “Henry Sobel não estava nem em São Paulo no dia do enterro”, ele conta, dando um spoiler.

O lançamento oficial do documentário inédito "A vida de Vlado, 50 anos do caso Herzog" acontece na Cinemateca de São Paulo, em sessão especial da 49ª Mostra Internacional de Cinema. Depois, a estreia na programação da TV Cultura acontece no sábado (25), às 23h.

 

Tags:
Movimento que dá voz à juventude e revive espaços públicos luta por reconhecimento e apoio das autoridades
por
Antonio Amorim
Bruno Caliman
Caio Moreira
|
23/10/2025 - 12h

Na última quinta-feira (16), aconteceu a edição 303 da Batalha do Ana Rosa. Realizada uma vez por semana ao lado da estação de metrô, a batalha de rima reúne não só disputas entre os MCs como principal atração para o público presente, mas também comércios parceiros e independentes do evento, como venda de camisetas temáticas, alimentos e bebidas, e até mesmo cortes de cabelo.

Assim como outras batalhas de rimas, a Batalha do Ana Rosa não é diferente e tem a proposta de oferecer muito mais do que duelos de rap. Criado em 2017, o evento acontece no bairro da Vila Mariana, em São Paulo, e contribui para a cultura hip-hop nesses 8 anos com mais de 300 edições. De acordo com o organizador Bruno Baueb, 25, a batalha é um movimento que agrega e salva vidas de muitos, como MCs que compartilham suas vivências e experiências através do rap, e hoje influenciam positivamente os espectadores do evento. Além disso, não há apoio do poder público, o movimento é feito de forma colaborativa, do som improvisado à divulgação nas redes. Ele declara que a batalha não gera remuneração suficiente para se manter e enfrenta desequilíbrio financeiro.

batalha
Edição 303 da Batalha do Ana Rosa. Foto: Bruno Caliman/Agemt

Com mais de 20 participantes e organizada em fases de mata-mata, - preliminar, primeira, segunda, semifinal e final - a edição 303 da Batalha do Ana Rosa começou por volta das 19h15. Na fase preliminar, oito participantes se enfrentam por apenas uma vaga, e então o vencedor se junta a outros 15 MCs classificados anteriormente à primeira fase. Nesta etapa, que teve seu início aproximadamente 19h40, era perceptível um aumento do público. Após animação da plateia e rima de sobra por quase três horas, a final foi decidida entre Bask e o campeão Mandacaru, que pela primeira vez venceu a Batalha do Ana Rosa, além de se tornar o segundo campeão do evento nascido no Ceará.

Atualmente, a Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa de São Paulo tem uma política pública para subsidiar financeiramente atividades artístico-culturais de grupos ou coletivos, o Programa VAI (Valorização de Iniciativas Culturais), instituído pela lei 13.540 e regulamentado pelo decreto 43.823/2003, com prioridade para jovens de baixa renda e regiões com falta de equipamentos e estruturas. Há duas modalidades para inscrição, o VAI l, destinado para pessoas físicas, prioritariamente jovens de baixa renda, com idade entre 18 e 29 anos, residentes de regiões do município desprovidas de recursos e equipamentos culturais. Já o VAI mantém os mesmos critérios, mas prioriza quem tenha histórico de, no mínimo, 2 anos de atuação em regiões do município ou que foi contemplado na modalidade VAI I desde sua instituição. 

Em entrevista à Agemt, Bruno Baueb relata as dificuldades para obter ajuda do poder público. Segundo ele, o Programa VAI é muito concorrido pela quantidade de grupos ligados à arte periférica na cidade: “fora isso, infelizmente temos que fazer algumas parcerias com vereadores para a liberação de algum tipo de verba”. Baueb afirma que, atualmente, a batalha se mantém por meio do perfil no TikTok e do canal no YouTube. No entanto, após arcar com despesas como fotógrafo, designer e até a água oferecida aos participantes, o saldo financeiro costuma zerar e, em algumas ocasiões, negativar. Outra maneira de subsistir são os patrocínios privados. “Empresas que acreditam no nosso trabalho injetam um dinheiro, mas ainda assim não é muito”, comenta.

baueb
Bruno Baueb, organizador da Batalha do Ana Rosa. Foto: Caio Moreira/Agemt

A última eleição para prefeito de São Paulo, em 2024, impactou nesse movimento cultural. De acordo com o representante da batalha, quatro candidatos pediram para falar com o público que participava do evento, mas Baueb e outros representantes não autorizaram a interação com os espectadores. “Eles não estão preocupados com a gente, só vão colocar um palco, um banheiro químico ou equipamento se colocarmos totem de político aqui”, exclama Bruno. Ele destaca que, embora o coletivo tende à esquerda, não têm “políticos de estimação”, pois muitos tentam se aproveitar da força do movimento artístico. “Já apareceram políticos de direita querendo algo em troca para oferecer apoio, e também vieram os de esquerda dizendo estar conosco, mas onde estão agora?”, questiona.

O representante menciona que o evento atua como um impulso econômico para a região. Além das rimas, a Batalha do Ana Rosa movimenta o comércio local, com ambulantes que vendem drinks, camisetas e churrasco. Nos últimos dois anos e meio, Gustavo Negrão, 31, também conhecido como MC Peixe, vive a vida tanto de marreteiro como a de participante da batalha. Atuando como vendedor de bebidas em praças, estádios e eventos, ele diz que as batalhas são importantes para as vendas durante a semana.  “Você vê 200 a 300 pessoas numa praça, então claro que acaba movimentando”, confirmou. 

peixe
MC Peixe, ambulante e participante da batalha. Foto: Caio Moreira/Agemt

Apesar de ainda rimar e ser ex-organizador da “Batalha dos Estudantes”, em Guarulhos, ele reconhece que seu foco hoje é o comércio. “Já foi essa época de querer viver de rima. Hoje me dedico a ganhar dinheiro com meu negócio, e também vou começar a vender um churrasquinho aqui, aos poucos”, afirma ao destacar que ainda gosta de batalhar, mas tira seu sustento das suas vendas, não das rimas.

A crise causada pelo escândalo do metanol impactou diretamente o trabalho dos ambulantes que vivem das vendas na batalha. Gustavo explica que, a falta de confiança dos consumidores diminuiu as vendas: “é uma questão de saúde pública, não dá para culpar ninguém. Eu mesmo parei de beber. Mas a gente vai se virando com outras coisas, vendendo água, refri e cerveja”. Segundo ele, o movimento ainda existe, mas a renda caiu a ponto de muitos buscarem alternativas, como ele próprio, que iniciou recentemente o negócio de churrasco.

Além dos desafios econômicos, Gustavo critica a ausência de apoio do poder público nas batalhas de rima. Segundo ele, são eventos que movimentam centenas de pessoas e geram comércio no local: “o máximo que eles fazem é liberar um alvará, e olhe lá. Quando passa do horário, chamam a polícia para dispersar. Não tem incentivo, é tudo independente”. Ele relembra que, quando organizava batalhas em Guarulhos, chegou a encerrar o projeto por causa de problemas com a polícia.

Entramos em contato com a Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa de São Paulo, sobre possíveis investimentos e incentivos culturais e até o momento desta publicação não obtivemos respostas.

 

Tags:
Projeto conta a história escondida da região que é associada a origem oriental
por
Daniella Ramos
Martim Tarifa
|
23/10/2025 - 12h

O Museu dos Aflitos tem como principal objetivo manter viva as raízes vindas de África no bairro da Liberdade, o qual atualmente é representado por decorações e comércios asiáticos. “O povo tem direito a ancestralidade”, reforça Cleide Aparecida Vitorino, mulher negra de 59 anos que estava acompanhando a visitação. 

Os guias, Luisão Cruz e Geovanna Perez descrevem o trabalho realizado como educação patrimonial. As caminhadas guiadas pelas ruas do centro da cidade vão além de lazer e turismo, buscam fatos históricos. As ruas por onde andamos hoje, já abrigaram pontos para linchamento de pessoas negras. O museu não tem um espaço físico como os tradicionais, seu acervo são as ruas, monumentos e histórias do centro de São Paulo.  

O escritor José Abílio Ferreira, mestre em Humanidades, Direitos e outras Legitimidades pela USP, reforça: "É importante, fundamental, essencial e indispensável nos reconhecermos em um espaço. Quando a história de São Paulo, no caso específico do bairro da Liberdade, é redescoberta estamos recuperando nossa humanidade".

Os educadores, além de lidarem com os desafios da missão educativa da visitação, enfrentam a dificuldade de locomoção em grupo na feira da Praça da Liberdade, mantendo sempre atenção para que nenhum visitante acabe se perdendo do grupo.  

O encontro com os participantes acontece na Igreja de São Gonçalo, que antigamente era o morro da forca. O passeio começa com uma conversa descontraída durante a primeira parte do trajeto: Luisão fala sobre a boa relação do projeto com o padre da igreja, relembrando que antigamente era necessário se ajoelhar no milho nas missas, mas que hoje os tempos são outros e conta como trata a relação com seu filho na atualidade e os desafios da paternidade. 

"A história negra e indígena do bairro da Liberdade é a história de uma periferia que já existia em relação ao triângulo histórico [tem como vértices os três conventos em torno ao Colégio dos Jesuítas, o Mosteiro de São Bento, o atual Poupa tempo da Sé e a Faculdade de Direito no Largo São Francisco]", complementa José Abílio. 

Ao chegar no largo Sete de Setembro, os educadores iniciam de fato as atividades pedindo a participação dos visitantes. São entregues cartas com números para cada um, que são lidas em ordem posteriormente. Ainda ali no largo, a carta de número 1 e 2 são lidas para contar a história dos escravizados que caminhavam da praça até a antiga prisão, onde hoje existe um prédio residencial.  

Um pouco mais a frente, passamos por um pelourinho que hoje funciona como sistema de ventilação do metrô e conta com uma discreta placa azul que marca sua história. Seguimos na Avenida da Liberdade até chegar à famosa Praça da Liberdade, onde a competição com outros grupos de passeio e a própria feira da praça fez a guia Geovanna, procurar um lugar mais calmo para nos sentarmos e onde pudéssemos ouvi-la.  

0
Placa no Largo Sete de Setembro que identifica que era o pelourinho. Foto: Daniella Ramos/AGEMT

A educadora então distribui imagens, ilustrações e documentos referentes a Francisco José das Chagas, pois ali ela conta toda a história de como ele se tornou o santo popular da capela dos aflitos, o Chaguinhas.  

Durante a visita, Cleide Aparecida Vitorino, chamou a atenção com seu largo sorriso e sempre muito atenta aos detalhes. Ela conta, em entrevista à AGEMT, que essa visita é sobre sua própria história. Professora e doutora em Direito voltado para os recortes étnicos raciais, ela elogia: “Dos grupos que já participei para visitação, achei esse mais consciente, você vê que foi investigada e bem construída”.  

A Praça da Liberdade, onde hoje se concentra grande parte da feira asiática, era onde aconteciam os enforcamentos. Naquele lugar, tentaram enforcar Chaguinhas três vezes, mas em todas a corda arrebentou. Geovanna então nos conta que o bairro acabou recebendo mais tarde o nome de Liberdade porque a população gritava “liberdade, liberdade, liberdade de Chaguinhas” e ainda complementa que vendo a força que ele vinha tomando, as autoridades resolvem matá-lo. Mas Chaguinhas já havia conquistado a população com sua história e o povo preto de São Paulo nunca deixou que se esquecessem de quem ele era e o que ele sofreu.  

Com isso, a Capela dos Aflitos se tornou um ponto de homenagem a Chaguinhas. Antes da capela ser fechada para restauração, em maio deste ano, Cleide conta que era comum entrarem na capela, bater 3 vezes na porta, fazer os pedidos e promessas, faziam uma reverência mesmo sendo de outras religiões. 

Cleide ainda conta que as reivindicações para a restauração da Capela dos Aflitos vêm desde o governo de Mario Covas, apesar do governador ter apoiado a importância da memória dessa ancestralidade, ele nunca olhou para essa questão de cuidar de um monumento que é importante para história negra. 

0
Placa localizada na saída do metrô que fica no meio da Praça da Liberdade. Foto: Daniella Ramos/AGEMT

  

A visitação continua no sentido da Rua dos Aflitos, onde fica localizada a Capela dos Aflitos. O caminho até lá é conturbado, pois enquanto o grupo tenta se manter unido para chegar à rua certa, a multidão da feira dificulta. A rua da capela, tomada por uma feira de produtos naturais, mal tem espaço para o grupo se juntar em frente ao patrimônio e ouvir os educadores.  

Enquanto Geovanna grita para que todos consigam ouvir sua explicação, um DJ ao fundo mantém um rock no último volume. Luisão então toma a frente e com uma voz mais alta complementa a explicação de que ali, onde existe a feira, é um lugar sagrado porque debaixo do asfalto existe o cemitério dos Aflitos e acredita-se que Chaguinhas tenha sido sepultado ali. “Você tem a capela ali, deveria ter esse cuidado com o som da feira”, comenta Cleide. 

Em uma conversa mais intimista ao fim da visita à Capela, Geovanna conta que estão tentando tornar a rua inteira um patrimônio tombado para que não haja mais toda aquela movimentação e barulho em um ambiente espiritual.  

"O bairro da Liberdade, a estação de metrô e a praça, não são Japão-Liberdade, formam apenas um território Liberdade, que abriga e acolhe as diversas etnias e nacionalidades que construíram essa região", finaliza Abílio Ferreira.

Tags:
Considerado o berço do hip-hop brasileiro, o Pátio São Bento se mantém vivo nos encontros realizados todo mês
por
Maria Mielli
|
23/10/2025 - 12h

 

No último sábado de setembro (27), aconteceu no Pátio Estação São Bento, o encontro do Hip-Hop. Este evento acontece todo último sábado do mês e tem como objetivo manter vivo o legado e a essência do hip hop nacional. Considerado o berço do hip-hop brasileiro, o pátio da São Bento é palco de encontros desde meados da década de 80. 

Na época, os encontros ocorriam todo sábado e serviam como um palco para troca de experiências, vivências e aprendizados. “Eu sou de São Mateus…então assim, nóis treinava lá, e aqui era o lugar [São Bento] onde a gente tirava a prova. Então aqui vinham várias gangues, várias turmas de vários lugares, e aí começava o racha. Aqui não tinha hora...e assim ia” conta o B-Boy–como são chamados os dançarinos de break– Kapote. Ainda em entrevista com AGEMT, ele lembra que, antigamente a vida era mais leve, “na cabeça era só dançar, dançar, dançar…era o que nóis tinha…não tinha mais nada, a não ser o barro, candomblé ou a igreja” e completou, com os olhos cheios de água, “se não fosse o break, eu não estaria aqui hoje. Não estaria mesmo”.  

0
O Guardião tocando no encontro na São Bento / Foto: Maria Mielli/AGEMT

Rooneyoyo O Guardião, um dos responsáveis pela execução da exposição Hip-Hop 80’SP– São Paulo na Onda do Break, no Sesc 24 de maio, reforça que falar da São Bento é também falar de sentimento afetivo e de legado. “O Hip-Hop pra mim é vida. Vida positiva, vida que você pode compartilhar coisas boas e aprender muita coisa interessante com os seus amigos, com seus parceiros. As pessoas que estão em volta de você são sua proteção, seu laço…é importante isso, é bem legal!”, declara. 

Durante um período, as atividades no Pátio foram encerradas, e só voltaram depois da produção coletiva de um abaixo assinado. Atualmente, o espaço é liberado uma vez por mês, e, apesar dessa mudança, o que realmente falta é um apoio, tanto financeiro quanto estrutural, que perdure. “A gente faz isso há 40 anos, então toda ajuda ou colaboração artística é sempre bem-vinda em questões financeiras, né…porque isso faz parte de um trabalho, que precisa ser remunerado por alguma parte. Muitas vezes ela é corporativa e muitas vezes pode ser também governamental pra poder fazer com que o trabalho se expanda e chegue a mais pessoas”, afirma O Guardião. 

O Hip-Hop têm o poder de unir e de aproximar pessoas com gostos, experiências pessoais e interesses em comum. Para Rooneyoyo, o mais especial sobre o movimento é o que ele proporciona na vida de cada um. Desde menino inserido no meio, ele garante que o sentimento ainda é o mesmo. “Eu saio de casa com a mesma intensidade, mesma vontade, é…eu faço isso há tanto tempo, que eu me sinto sempre igual: bem” e conclui, “é um lugar que tenho muitos amigos, fiz muitos amigos, e muitas vezes eu não sei nem o nome, nem o endereço, mas a gente empresta disco, empresta fita, empresta câmera, empresta as coisas e no outro mês ta aqui…é uma família”.

0
Parte da exposição disponível no Sesc 24 de Maio / Foto: Sergio Fernandes/Sesc 24 de maio

Carlos Heduardo, B-Boy de 9 anos e membro da Federação de Breaking do Mato Grosso do Sul, a FBMS, em entrevista à AGEMT, relata que o break (um dos pilares do movimento do hip-hop) é uma paixão herdada do pai, também Carlos Heduardo. Além de sentir-se orgulhoso por construir esse legado, o genitor afirma que é gratificante ver o filho seguir seus passos: “é um sonho passando de geração em geração”.

Somado a carreira de B-Boy, Heduardo é educador e acredita que a história do pátio deveria ser pautada em escolas e em pesquisas, a fim de promover um ensino amplo e que alavanque a cultura. “Por mais que [o hip-hop] já tenha avançado bastante, ainda precisamos de incentivo. Isso aqui é um patrimônio cultural. Todos os cantos do mundo, do Brasil, as pessoas falam de São Bento…É manter firme, fazer a São Bento continuar”, disse.

A nossa conversa aconteceu no mesmo dia que marcou a primeira visita de seu filho à São Bento. Era nítido no olhar e no jeito de falar do menino, o quão confortável ele estava. Era transparente que ele, mesmo com tão pouca idade, já se sentia pertencente àquele local.  Essa é a mágica do hip-hop. Ele te acolhe quando ninguém mais te acolhe. Ele te valoriza, quando ninguém mais te valoriza. Ele é único e eterno. 

E quando questionado sobre o que quer ser quando crescer, Carlos Heduardo respondeu: “eu? eu já estou sendo o que queria–sou B-Boy”. 

Além do break, rap e grafite, os patins também fazem parte do grande conglomerado Hip-Hop. Juliana Jeronimo, patinadora e frequentadora da São Bento há 3 anos, compartilha que os patins foram os responsáveis por fazer com que ela conhecesse o movimento hip-hop e o próprio pátio. “Aqui foi um lugar onde eu consegui ser acolhida pra vir dançar as músicas da cultura do hip-hop e do patins”. Para ela, essas atividades a ajudam a se expressar e ser o que quiser fora do sistema. 

Ainda que tenha se sentido acolhida quase que de imediato, Juliana comenta que o pessoal mais jovem tende a ser mais receptivo, enquanto os mais velhos ainda sofrem com os choques geracionais. “Tem alguns pontos ainda a melhorar, mas a galera nova vem chegando e vem trazendo essa informação e essa quebra de preconceitos.” 

Luiz Carlos “Paciência”, participante do movimento há mais de 30 anos, destaca que reunir o pessoal das “antiga” e os mais novos é a chave para manter o movimento vivo. O hip-hop vai além das gerações, ele atravessa o tempo, sobrevive e resiste durante anos. Seja pela audácia de quem lutou por isso ou pelo respeito de quem chega para somar.

Tags:
Nascido no berço industrial do país, o movimento ainda ecoa a indignação e o inconformismo nos dias atuais
por
Bianca Pisciottano Athaide
|
17/10/2025 - 12h

 

No meio do maquinário das fábricas, o punk do ABC Paulista nasceu gritando contra o preconceito, o autoritarismo e o conformismo social. No fim dos anos 1970, quando a ditadura ainda apertava o cerco e a classe trabalhadora tomava as ruas em luta por direitos, jovens de jaqueta de couro, tênis gastos e ideais inflamados transformaram o ruído elétrico de guitarras em discurso político. No cenário atual, essa revolta visceral dos punks ainda se faz presente, mas com uma roupagem mais inflamada.

No começo do mês de agosto deste ano, um trio de jovens punks tomou como avalanche a mídia brasileira e fez a sociedade relembrar da forte presença histórica do movimento nesta região da Grande São Paulo. Um estudante de 19 anos foi internado em estado grave na UTI após ser espancado no dia 05/08 por integrantes do movimento punk. A agressão ocorreu em uma praça em frente ao Teatro Santos Dumont, em São Caetano do Sul.

A agressora, de 19 anos, relatou aos policiais que a discussão começou após supostas ofensas racistas feitas a ela pela vítima do espancamento, segundo o g1. Ferido, o jovem conseguiu fugir dos agressores e buscou ajuda em uma loja, que chamou as autoridades. O caso foi registrado na Delegacia de São Caetano do Sul como tentativa de homicídio. O Tribunal de Justiça afirmou que o caso está em sigilo.

foto
Casal punk esteve envolvido em agressão a jovem de 19 anos de São Caetano do Sul (Foto: Reprodução/O Globo)

 

A história provocou debates online: até que ponto é legítimo aceitar o comportamento de revolta agressivo conhecido do movimento apenas pela sua bagagem histórica? 

Na década de 1970, ABC era o coração metálico do país. Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul formavam o triângulo do aço, o epicentro das fábricas automobilísticas que moviam a economia brasileira. Nesse contexto industrial, a insatisfação tomou forma. As greves lideradas pelos metalúrgicos, com figuras como Luiz Inácio Lula da Silva, simbolizavam o início do fim da ditadura militar, ao mesmo tempo que revelavam um país dividido, exausto e desigual. A juventude que crescia nesse ambiente via o mesmo Estado que prendia sindicalistas reprimir qualquer forma de expressão livre. O silêncio imposto pelo medo começou a rachar, e por essas frestas entrou o punk.

Grupos como Restos de Nada, Cólera, Inocentes e Olho Seco começaram a transformar as angústias suburbanas em hinos de resistência. Os shows eram improvisados em salões comunitários, garagens ou praças. Era o som da juventude operária tentando ser ouvida. A precariedade virou estética e política. Sem espaço na grande mídia e sem dinheiro para instrumentos decentes, o movimento se inventou por conta própria. 

Mas ser punk naquela época era também ser alvo. As autoridades tratavam o punk como sinônimo de delinquência, ignorando que por trás do som distorcido havia uma juventude tentando discutir desigualdade, repressão e direitos. Enquanto os pais enfrentavam a repressão nas greves, os filhos enfrentavam o mesmo aparato policial por ousarem existir de forma dissonante. 

Ivan Shupikov, fotógrafo e videomaker musical, entrevistado para a produção dessa reportagem, durante um show de punk no final de setembro deste ano em Santo André, defendeu o caráter contestatório do movimento: “A música sempre teve força para levar mensagens a lugares onde palavras isoladas não chegam. Muitos jovens não se interessam por política ou questões sociais, vivem sua rotina sem questionar. O punk, porém, penetra até os mais alienados, usando melodias marcantes para semear dúvidas sobre injustiças e desigualdades. Quando um jovem se identifica com o punk, ele passa a enxergar o mundo de outra maneira, sentindo-se parte de uma rede que desafia o status quo.”

Com o tempo, a cena punk se dividiu. Parte se inclinou para o anarquismo e o ativismo social, criando pontes com coletivos de esquerda e movimentos autônomos; outra parte mergulhou no niilismo, rejeitando qualquer forma de organização, inclusive política. Mesmo assim, o punk do ABC manteve a chama crítica acesa. 

O caso de agressão em São Caetano do Sul reacende um debate que acompanha o punk desde o seu surgimento: até que ponto a revolta, que foi combustível para um movimento de contestação social e política, pode ser confundida com violência gratuita? Embora o episódio tenha ganhado grande repercussão, ele não representa a totalidade de um movimento que, historicamente, encontrou no inconformismo uma forma de denúncia. 

Ao longo das décadas, essa estética de choque e confronto perdeu parte de seu alcance coletivo, mas não sua relevância simbólica. O punk sobreviveu às transformações do tempo, adaptando-se a novos contextos e plataformas, ainda que mais fragmentado e menos mobilizador do que nas origens. Hoje, enfrenta outros tipos de silenciamento: o esvaziamento político, a mercantilização da rebeldia e o distanciamento entre as novas gerações e as pautas sociais que antes sustentavam sua base.

Nesse cenário, o caso recente funciona como um espelho distorcido. Ele expõe como a imagem do punk segue cercada de estigmas que o associam à violência, enquanto seu caráter cultural e histórico permanece pouco reconhecido. Ao mesmo tempo, levanta questões sobre os limites entre a liberdade de expressão e a responsabilidade individual,  dilema que não é exclusivo do movimento, mas da sociedade que o observa.

Tags: