“Frankenstein” de Guillermo Del Toro, traz uma perspectiva sensível sobre o clássico
por
Isabelli Albuquerque
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03/11/2025 - 12h

A nova adaptação cinematográfica do clássico da literatura gótica, “Frankenstein”, chegou aos cinemas brasileiros no dia 25 de outubro por um curto período de tempo. O filme, dirigido pelo ganhador do Oscar, Guillermo Del Toro, é uma produção da Netflix e será lançado mundialmente na plataforma dia 7 de novembro. A produção traz uma nova perspectiva sobre a história, contando com a sensibilidade de Del Toro, que é especialista em mostrar o lado humano de criaturas assustadoras.

 

Alerta de Spoiler!

 

A trama é dividida em três partes: um curto prólogo, o ponto de vista do Dr. Victor Frankenstein (Oscar Isaac) e, por fim, o ponto de vista do Monstro (Jacob Elordi). Já no prólogo, podemos ter uma ideia da relação de Victor com sua criação, por mais que essa primeira impressão se prova errada ao longo da história.

Primeiramente, o público é introduzido à uma embarcação presa no gelo, cuja tripulação tenta desesperadamente libertá-la. Em meio ao caos de homens trabalhando duro, o corpo inconsciente de Victor é avistado e imediatamente transportado para a cabine do capitão. Após seu resgate, a criatura ressurge em meio ao deserto congelado e ataca o navio durante um acesso de raiva, enquanto seu frágil e ferido criador se encolhe na cabine e implora ao capitão para ser sacrificado em prol de seus marinheiros. Essa introdução engana a audiência propositalmente, mostrando um Monstro desregulado e violento que faz de seu pobre criador sua vítima.

Após o caos ser controlado, Victor começa a narrar sua história de vida e explica o que o levou a criar o Monstro. De uma criança sensível a um adulto enlouquecido com ideais de grandeza, nós somos introduzidos à natureza narcisista do doutor aos poucos.

Sua maior motivação em seus estudos é a morte de sua mãe no parto e o fato de que seu pai - outro grande médico, outro mesquinho Victor - não conseguiu salvá-la de seu destino. O até então doce garoto, cresce com uma raiva reprimida que se torna seu combustível ao desenvolver ideias malucas e apresentá-las em frente a outros doutores em busca de financiamento.

 

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Oscar Isaac caracterizado como Victor. Foto: Divulgação/Netflix

Nessa sequência, somos introduzidos a outro personagem, Heinrich Harlender, um rico nobre e entusiasta da medicina que passa a apoiar Frankenstein em seu projeto. Herr Harlender patrocina o cientista e cede uma torre inóspita para seus experimentos.

Após cerca de 30 minutos do longa, um instrumental romântico toca ao fundo enquanto a câmera aos poucos se aproxima de Elizabeth Harlander (Mia Goth), a curiosa sobrinha de seu patrocinador, que cativa Victor com suas opiniões fortes e interesses “não-femininos” em ciência e política.

Durante o desenvolvimento da relação de ambos os personagens, já é possível perceber a presunção de Victor, que se apaixona por Elizabeth por mais que ela seja noiva de seu irmão mais novo, Will (Felix Kammerer). Os dois possuem uma natureza semelhante, obscura e melancólica, que faz com que se aproximem mais do que deveriam. Em seguida, ao confessar seu amor pela cunhada, o conde se zanga ao receber uma negativa.

O diálogo da cena é muito interessante e reflete sobre os papéis de gênero numa sociedade inglesa do século XIX. Elizabeth até possuía os mesmos sentimentos românticos que Victor expressou em sua confissão, porém fez a escolha segura de se casar com Will ao ver a propensão obsessiva do cunhado por seus projetos.

É na torre que Victor dá vida à sua obra-prima, o Monstro. O primeiro contato dos dois é lindo de se ver, uma criatura tão grande agindo como uma criança perante seu entusiasmado criador poderia ser cômico se não fosse uma obra de Del Toro.

O diretor é conhecido por abordar temáticas fantásticas com criaturas monstruosas, submergindo as regras e transformando essas bestas em seres lindos e humanizados. Afinal, “Frankenstein” é sobre isso. Um ser de aparência assustadora sendo tudo aquilo que seu belo e nobre criador nunca conseguiu:, um ser humano sensível.

O estilo de Del Toro continua ao longo de toda essa parte, mostrando as diferenças de comportamento entre Victor e o Monstro: o primeiro um homem bonito e inteligente que age com violência, e o segundo uma junção de partes humanas de aparência medonha que possuí mais alma que o doutor.

Um dos momentos mais significativos do filme é quando a criatura diz sua primeira palavra: Victor. Essa única palavra que contéêm tantos sentimentos por trás se torna a sina de Frankenstein. O que antes demonstrava ternura, virou a prova de sua falha como criador.

A partir deste momento que a loucura começa a sangrar pela bela fachada. Victor se mostra um homem violento e frustrado, descontando toda sua raiva em sua criação. Destaca-se a atuação de Oscar Isaac nos momentos de loucura de seu personagem, que interpreta um cientista paranóico com maestria. Em seus expressivos olhos é possível enxergar a mente perturbada do doutor, que fere a criatura sem motivos e causa nojo na audiência.

A atuação de Goth também é excepcional, em especial na cena mencionada anteriormente e no momento em que encontra a criatura pela primeira vez. Sua personagem é uma mulher inteligente e sensível, sendo retratada como uma figura materna em contraste com a paternidade tóxica de Victor. 

O primeiro contato que ela tem com o Monstro é doce, gentil e emocionante. Imediatamente ela evoca um sentimento de ternura misturado com raiva pelas ações de Victor. Mais um ponto importante é a química entre Goth e Elordi, que atuam com uma leveza e naturalidade juntos, se encaixando perfeitamente com o objetivo da cena: montar um cenário para o futuro romance.

 

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O primeiro encontro da criatura com Elizabeth. Foto: Divulgação/Netflix

 

No auge de sua loucura e raiva, evocada pelas opiniões de Elizabeth sobre seus métodos, Victor ateia fogo na torre de Harlender após a visita de seu irmão e da noiva. O gesto impulsivo é rapidamente arrependido, mas já é tarde para salvar sua criação.

Quem duvidou da capacidade de atuação de Elordi como o Monstro, foi positivamente surpreendido com sua retratação, sendo um dos pontos altos do filme. Desde os maneirismos da criatura ao nascer, remetente aos movimentos de um filhote que está conhecendo o mundo, à raiva melancólica que cresce por seu criador ao longo da película.

Seu capítulo, mesmo sendo mais curto que o de seu criador, mostra como é crescer num mundo onde tudo é novo sendo diferente dos demais. O telespectador é transportado para a mente do personagem imediatamente após Victor atear fogo à torre e vê a pobre criatura desesperada para se libertar do fim iminente. Assim, presa às correntes, ela se assemelha a um animal trancafiado em uma cela, lutando ao máximo para se libertar de seu captor.

A fuga é bem sucedida e o Monstro se depara com o mundo fora da torre escura pela primeira vez. A sensação da terra abaixo de seus pés, a luz do sol, tudo é novo para ele, que compartilha uma cena adorável com um cervo na floresta ao alimentar o animal.

Entretanto, sua inocência é repentinamente abalada quando encara a morte pela primeira vez e é atacado por outros seres humanos. Ele foge de seus caçadores e se esconde no celeiro de uma casa de camponeses, onde rapidamente desenvolve uma afeição por seus anfitriões, os ajudando secretamente. Esses camponeses são os mesmos que o atacaram anteriormente, mas a criatura, em sua inocente gentileza, cuida dos moradores sem esperar nada em troca. 

Mais para a frente, uma amizade entre ele e o ancião da casa nasce, e essa sequência é essencial para a formação do caráter da criatura. O velho possui um grande interesse por literatura, e ensina a besta a ler e escrever, além de ensinamentos importantes sobre filosofia e religião, que abrem a mente do Monstro e o ajudam a amadurecer.

Após uma tragédia acontecer na pequena casa, a criatura enfrenta sua própria mortalidade ao fugir mais uma vez. A percepção de que é imortal a devasta, ao ponto de ir atrás de Victor suplicar pela criação de uma companhia para sua alma solitária. O confronto acontece na noite do casamento de Elizabeth e Will e, ao ter o pedido negado pelo conde - que têm o ego ferido ao enfrentar sua obra falha - o Monstro destrói a cerimônia e leva sua paixão, Elizabeth, consigo.

 

A arte por trás das câmeras

 

A cenografia do longa é excepcional e foi assinada por Dan Lausteen, que já colaborou com Del Toro em outras obras. As cores são utilizadas de forma muito inteligente e esteticamente satisfatórias, tons vibrantes (como o vestido vermelho da mãe de Victor) em meio a cenários pálidos e quase que monocromáticos, criam um contraste belíssimo que valorizam e ajudam a contar a história sem a necessidade de diálogos.

A cena da criação do Monstro é multissensorial, desde a beleza dos cenários ao design de som, que juntos provocam uma explosão de sentimentos na audiência, que observa maravilhada pai dar vida ao filho em meio a uma tempestade torrencial.

Del Toro afirmou em uma entrevista no Festival de Veneza - onde o filme teve seu lançamento - que era muito importante para ele a utilização de cenários reais e efeitos práticos. "Sempre esperei que o filme fosse feito nas condições certas, criativamente, em termos de atingir o escopo necessário, para torná-lo diferente, para fazê-lo em uma escala que permitisse reconstruir o mundo inteiro", contou. Essa exigência do diretor foi essencial para o ar surrealista do longa, que conta com explosões e cenários ricos em detalhes. O laboratório do Dr. Frankenstein, por exemplo, remete ao Palácio de Esmeraldas de Oz, com seus tons de verde brilhante e arquitetura.

 

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Os cenários do filme foram todos construídos, exigência do diretor. Foto: Divulgação/Netflix

 

O diálogo final, entre Elordi e Isaac, é poderoso e tocante. Enfim, ambos deixam a raiva um pelo outro de lado e aceitam seus respectivos papéis: Frankenstein como pai e o Monstro como filho. A última fala da criatura no filme é “Victor”, o nome de quem ao mesmo tempo o trouxe ao mundo e se tornou seu mundo.

O filme é finalizado com um frame da criatura de costas observando o nascer do sol após a morte de seu criador. Além de visualmente fantástica, é uma perfeita representação do arco do personagem no longa, que passa de uma criatura que foi presa por quem a deu vida, para alguém livre para ver o mundo como quiser, com a alvorada trazendo um mundo de recomeços.

Entretanto, certos aspectos causam alguns incômodos. A obra chama a atenção por seus visuais impressionantes, mas faltou criatividade nos jogos de câmera, que não fazem juz à beleza do cenário. Em sua maioria, são quadros fechados focando apenas no objeto central da cena, sem explorar os arredores.

Outro ponto que desagrada, foi a obviedade de ser um filme para a TV. Produções da Netflix possuem estéticas parecidas, e precisam ser filmadas de certa forma para a imagem imprimir bem em uma televisão. Infelizmente, essa formatação é bem notável no longa, que, mesmo sendo uma obra incrível de experienciar no cinema, se encaixa melhor numa tela de 40 polegadas. “Frankenstein” é uma adaptação única e sensível sobre um clássico já conhecido no imaginário popular, uma perspectiva interessante que com certeza vale a pena ser presenciada numa tela de cinema. E, quem sabe, até mudar a visão do público sobre a verdadeira natureza humana.

Sob o foco de um olhar revolucionário, em sua primeira grande retrospectiva no Brasil, o IMS Paulista apresenta a obra multifacetada de Gordon Parks, artista que usou a imagem para expor injustiças e humanizar histórias silenciadas.
por
Anna Cândida Xavier
Manuela Amaral
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27/10/2025 - 12h

Imagem retirada do arquivo de fotografia - Fundação Gordon Parks

Quando Gordon Parks escolheu a fotografia como linguagem, não foi por acaso, foi por urgência. Afro-americano em um país que institucionalizava a exclusão, ele transformou a câmera em meio de combate, compreensão e memória. A partir deste mês de outubro, o público brasileiro tem a chance inédita de conhecer esse legado de perto.

A exposição "Gordon Parks: A América sou eu", em cartaz no Instituto Moreira Salles, na Avenida Paulista, entre os dias 4 de outubro de 2025 e 1º de março de 2026, reúne cerca de 200 obras que atravessam décadas da história dos Estados Unidos, e revelam como a arte pode ser um testemunho radical do seu tempo.

Entre fotografias, vídeos, publicações e documentos raros, a mostra percorre os anos de 1940 a 1970 com um foco preciso: revelar as marcas da desigualdade racial, os bastidores da luta por direitos civis e os pequenos gestos cotidianos que resistem à opressão. Através de sua lente, Parks não só documentou uma era, ele nos desafia a revê-la sob outra perspectiva.

Imagem retirada do arquivo de fotografia - Fundação Gordon Parks

Quem foi Gordon Parks

Nascido em 1912, no Kansas, Gordon Parks enfrentou a pobreza e o racismo desde muito jovem. Sem formação formal em fotografia, aprendeu por conta própria e, com uma mistura de talento, persistência e urgência política, se tornou o primeiro fotógrafo negro a trabalhar para revistas como Life e Vogue.

Seu trabalho ultrapassou as páginas editoriais e assumiu contornos de manifesto. Parks não registrava apenas o que via, ele buscava o que precisava ser visto. Sua lente alcançou desde os bastidores da luta pelos direitos civis até os lares da população marginalizada, revelando a vida com rara empatia e senso de justiça.

Mas Gordon Parks não era apenas fotógrafo. Dirigiu filmes (como o cultuado Shaft, de 1971), compôs trilhas sonoras, escreveu romances e memórias. Essa multiplicidade criativa se reflete na exposição, que apresenta não só sua obra visual, mas o pensamento e o ativismo que moldaram sua trajetória.

 

A exposição: 

 

· Escopo e curadoria

 A curadoria, assinada por Janaina Damaceno (curadora‑chefe) e Iliriana Fontoura Rodrigues (assistente) do IMS, foi organizada em parceria com a The Gordon Parks Foundation, que detém e preserva o acervo do fotógrafo.

 A mostra ocupa os 7º e 8º andares da sede paulista do IMS, com entrada gratuita, de terça-feira a domingo (10h às 20h), exceto às segundas-feiras.

 · Conteúdo e destaques

Cerca de 200 obras entre fotografias, filmes, matérias de revistas e livros;

Imagens de grandes personalidades do movimento pelos direitos civis dos EUA, como Martin Luther King Jr., Malcolm X e Muhammad Ali.

Séries que documentam a segregação racial e o cotidiano das comunidades negras, sobretudo no sul dos EUA.

Surpresa brasileira: imagens de Parks no Brasil, em 1961, onde ele fotografou em favelas cariocas a convite da revista Life. 

  · Por que visitar

 Porque a mostra combina excelência estética com peso histórico e político. É uma oportunidade não apenas de ver belas fotografias, mas de se inserir em narrativas cruciais da modernidade, racismo, dignidade, arte e memória.

A exposição assume uma relevância atual enorme: registrando o olhar de um fotógrafo negro sobre o próprio povo negro, em tempos de segregação e resistência, Gordon Parks coloca‑se na linha de frente da arte comprometida. 

 A presença de imagens no Brasil, que muitas vezes não são tão conhecidas, amplia o alcance da narrativa: mostra que o fotógrafo não se limitou aos EUA, mas teve também diálogo com o Brasil e sua própria complexidade social.

 Para o público contemporâneo, a mostra questiona: como lidamos hoje com as desigualdades raciais, que formas de visibilidade permitimos e quais vozes continuamos a silenciar? A arte de Parks nos convida a olhar de frente.

Imagem retirada do arquivo de fotografia - Fundação Gordon Parks

Como aproveitar sua visita

Verifique o horário de funcionamento: terças a domingos e feriados, 10h às 20h. Última admissão 30 minutos antes do fechamento. 

Local: IMS Paulista, Av. Paulista 2424, São Paulo (SP).

A entrada é gratuita.

Dica: dedique tempo para observar não só o “clique” famoso, mas as legendas, contexto histórico, objetos de revista ou filme que complementam as imagens.

Leve algum espaço para reflexão pessoal, ao ver uma fotografia de segregação, de infância, de cotidiano, vale pensar: “O que essa imagem me provoca? Qual história ela conta ou esconde?”

“A América sou eu” é muito mais do que uma exposição de fotografias: é um convite ao encontro com uma das vozes visuais mais poderosas do século XX, que articulou arte, denúncia, beleza e humanidade. Ver Gordon Parks é ver, e reconhecer a complexidade da vida negra, e a força de quem escolheu empunhar a câmera como arma de luz e de memória.

 

Após sua visita à exposição, teste seu conhecimento nesse quiz!

https://pt.quizur.com/trivia/a-vida-e-obra-de-gordon-parks-1r6mV

Protagonizado por IU e Park Bo-gum, o K-drama mostra como é possível florescer em meio às limitações e às inevitáveis dificuldades de cada momento
por
Ana Julia Bertolaccini
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11/09/2025 - 12h

Dirigida por Kim Won-seok e escrita por Lim Sang-choon, a produção sul-coreana “Se a vida te der tangerinas” não traz muita novidade em relação aos dramas sobre a inconstância da vida, mas é exatamente isso que a faz tão comovente. No tempo em que a racionalidade suprime as emoções, a obra é construída a partir de cenas que nos estimulam a sentir, antes de pensar. Estrelada por IU e Park Bo-gum, a série explora as experiências e os sentimentos que são frequentemente sufocados pelas circunstâncias de um contexto social menos favorecido. 

A protagonista, “Ae-sun” (IU), é filha de Jeon Gwang-rye (Yeom Hye-ran), que trabalha como haenyeo, uma mergulhadora tradicional da Ilha de Jeju. Um trabalho árduo, cansativo e mal remunerado. De início, cria-se uma expectativa de que o drama venha a se desenvolver a partir de uma história de superação, mas não é em cima disso que a obra é estruturada. O amor chega à porta de Ae-sun ainda criança e, na adolescência, ela é obrigada a escolher entre se casar com um homem mais velho, rico e sem empatia, ou permanecer na ilha com seu companheiro de vida por quem é apaixonada, Gwan-sik, interpretado por Bo-gum. 

Bo-gum tem carisma e uma grande facilidade de expressar sentimentos através do olhar e das expressões faciais, o que contribui para as cenas românticas do casal. IU, por sua vez, expressa bem a astúcia e a ambição de uma personagem que é sufocada pelas limitações impostas pela sua condição social. A amante de livros que sonha em ser poetisa, mas que precisa vender repolhos para sobreviver, funciona como denúncia de uma sociedade que privilegia poucos e exclui os desfavorecidos. 

O clichê acaba quando uma grande tragédia atravessa a vida da família. É neste momento que um dos assuntos mais importantes da trama entra em cena: o luto. Em grande parte dos filmes e séries, essa experiência tão complexa e particular é tratada como um período único de tristeza e falta de propósito quando, na verdade, precisa ser vivida ao mesmo tempo em que todas as outras coisas da vida continuam a acontecer. 

No drama, é possível perceber como cada parte do casal protagonista vive o luto. A dificuldade em olhar para outras famílias nas ruas, a culpa e o vazio deixado pela falta de um integrante da família; todos esses detalhes são experimentados por ambos os personagens durante anos. O silêncio, no entanto, fica no centro dessa experiência tão difícil. E essa angústia reprimida é muito bem retratada na sucessão de episódios. 

Um salto cronológico coloca Geum-myeong, a filha mais velha de Ae-sun, e seu irmão Eun-myeong, no foco da narrativa. Essa transição acontece quase que naturalmente no enredo e apresenta uma reflexão sobre o peso que traz a hierarquia familiar. Ver a filha alcançar objetivos que pareciam tão distantes da sua realidade é tão gratificante que os contratempos parecem ser mais leves para Ae-sun. A jovem, por sua vez, sente uma profunda culpa por saber das situações que seus pais precisam passar para mantê-la. Em meio ao caos da relação entre os pais e a filha mais velha, Eun-myeong cresce na sombra da irmã, sempre em busca da atenção dos pais.

Geum-myeong que, assim como Ae-sun na fase da adolescência, também é interpretada por IU, têm a essência da mãe, mas lida com desafios completamente diferentes. O diferencial da obra é traduzir como isso acontece na prática, deixando claro as perspectivas de ambas as personagens. “Se a Vida Te Der Tangerinas” ensina que a grande maioria dos problemas não podem ser resolvidos por meio de soluções pré-estabelecidas por experiências individuais. 

O irmão mais novo, Eun-myeong, não consegue resolver todos os problemas e assumir as responsabilidades que batem à porta. O filho que sempre foi deixado em segundo plano - não por falta de atenção, mas por uma rivalidade silenciosa, constante e internalizada - acaba tendo dificuldades em lidar com a vida adulta. A sensação de insuficiência aparece com as atitudes do personagem, que busca na ambição inconsequente uma saída para a tentativa salvar a família da pobreza. 

A linha do tempo muito bem definida é um dos principais pilares do drama. Enquanto os filhos vão crescendo, os pais vão envelhecendo. A filha, que agora é mãe, ainda precisa ser a preferida dos pais quando as coisas se tornam difíceis. O mais novo, apesar de não ser representado com a devida importância, tem parte de sua identidade pessoal construída e consolidada na narrativa. “Se a Vida te der Tangerinas” mostra que ser pai, mãe, filho, filha, companheiro e companheira são tarefas conjuntas e que podem ser destinadas aos mesmos personagens. 

A direção não poupa o enredo de grandes tragédias, o que traz uma maior veracidade e aproxima a ficção da vida real. Nenhum personagem é intocável. O recomeço é representado inúmeras vezes como uma saída para os obstáculos vividos pelos personagens durante as cenas, mais uma característica de uma narrativa ficcional que imita a realidade.

Nenhuma das ideias iniciadas fica em aberto na obra e o sonho de Ae-sun de se tornar poetisa é um exemplo disso. Se há uma lição que essa obra nos ensina, é que apesar de qualquer acontecimento, a vida continua, e para seguir, é preciso se reinventar.

 

Em seu sétimo álbum, cantora mistura ironia, sensualidade e melancolia em um pop cheio de identidade
por
João Luiz Freitas
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08/09/2025 - 12h

No dia 29 de agosto de 2025, Sabrina Carpenter lançou “Man’s Best Friend”, seu sétimo álbum de estúdio, já disponível em todas as plataformas. Com versões físicas em pré-venda, o disco tem até quatro capas alternativas, uma delas apelidada de “aprovada por Deus” após a primeira versão gerar polêmica.

Construído em parceria com Jack Antonoff, John Ryan e Amy Allen, os mesmos colaboradores de “Short n’ Sweet” (2024), o álbum explora uma pegada pop refinada, satírica e cheia de atitude. Contendo 12 faixas e cerca de 38 minutos, ele mistura elementos de disco, country-pop e grooves retrô, com influências que vão de ABBA e Fleetwood Mac a Dolly Parton e Donna Summer.

O single de abertura, “Manchild”, foi lançado em junho de 2025 e logo se tornou um fenômeno global, chegando ao topo das paradas nos Estados Unidos, Reino Unido e Irlanda, e se consagrando como o segundo número 1 de Carpenter na Billboard Hot 100.

O álbum trilha uma narrativa irreverente sobre relacionamentos modernos, Carpenter combina críticas aos homens imaturos com letras repletas de duplo sentido e frases afiadíssimas. A faixa-título “Manchild” já anuncia o tom: com country-pop animado, a faixa satiriza ex-amantes desengonçados.

Em “Tears”, a cantora se arrisca em uma faixa disco-pop sensual inspirada por Donna Summer, em que comportamentos aparentemente gentis de um homem provocam desejo. Já “House Tour” e “When Did You Get Hot?” seguem o clima provocador com letras que brincam com metáforas sexuais e chamam atenção por sua leveza e sagacidade.

Conforme a narrativa evolui, Sabrina transita entre o humor e o emocional, com “My Man On Willpower” e “Nobody’s Son” trazendo nuances mais reflexivas e vulneráveis, até chegar ao final com “Goodbye” — uma despedida que mescla melancolia com autoafirmação, acompanhada de piano honky-tonk, saxofone e camadas vocais quase lúdicas.

A recepção ao álbum tem sido majoritariamente positiva, com média de 76 no Metacritic e tom de “críticas geralmente favoráveis”. Publicações como Harpers Bazaar elogiam a versatilidade musical e a inteligência lírica da artista, que transita com naturalidade entre humor, empoderamento e sensualidade. A The Australian aplaude sua evolução e ousadia dentro do pop contemporâneo. A Financial Times destaca a mistura de satírico e emocional, notando que nem todas as experimentações funcionam, mas a produção se destaca.

Sabrina Carpenter posando para a capa principal de seu novo álbum
        Capa principal do álbum - Foto: Bryce Anderson

Outros meios, como El País e a imprensa norueguesa (Aftenposten), veem na provocação visual uma forma irônica e competente de subversão das expectativas sobre o comportamento feminino. A cantora tem defendido a imagem da capa controversa em entrevistas, afirmando que se trata de humor, poder e provocação consciente.

Já críticos mais reservados, como The Times (UK), apontam que o conteúdo musical não justifica a imagem polêmica e definem o álbum como “surpreendentemente sem complexidade”, com algumas letras que soam frouxas. De forma similar, Slant Magazine e The Independent destacam que as letras, embora espirituosas, podem pecar pela falta de profundidade.

Man’s Best Friend” reafirma Sabrina Carpenter como uma artista que domina o arsenal do pop moderno: carisma, humor sagaz, lirismo provocador e produção caprichada. É um disco confiante, pessoal e cheio de personalidade, ainda que soe como uma brincadeira que só funciona até ser repetida várias vezes.

Para quem espera canções radiofônicas semelhantes às de “Short n’ Sweet”, talvez faltem hits explosivos, mas para quem valoriza a narrativa sonora com atitude, charme e ironia, o álbum tem muito a oferecer.

Quem quiser conhecer de perto “Man’s Best Friend”, o álbum está disponível no Spotify. Ouça aqui!

Filme quebra paradigmas sobre originalidade e ancestralidade no cinema
por
Isabelle Rodrigues
|
07/05/2025 - 12h

“Pecadores”, a nova aposta do diretor, roteirista e co-produtor Ryan Coogler - a mente por trás dos sucessos “Creed” e “Pantera Negra” - estreou em abril de 2025. O longa acompanha uma história de liberdade e conflitos raciais com muito Blues e dança, sem perder o terror e o suspense de sua atmosfera surrealista.

Os gêmeos Stack e Smoke utilizam cores distintas durante o longa, como forma de demonstrar suas posições ao longo da narrativa. Foto / Reprodução IMDB
Os gêmeos Stack e Smoke utilizam cores distintas durante o longa, como forma de demonstrar suas posições ao longo da narrativa. Foto / Reprodução IMDB

O filme, situado em 1932, acompanha em seu elenco principal os gêmeos Fumaça e Fuligem, ambos interpretados por Michael B. Jordan. Tudo se centraliza no clube de Blues criado pelos gêmeos, o terreno que foi comprado de um senhor envolvido na Ku Klux Klan, com dinheiro roubado em Chicago com a ajuda do gangster norte americano, Al Capone, além do vinho e a cerveja importados que serviram como atrativo para a comunidade cansada da região. Mas claro, nada disso importa para os gêmeos, até o fim da noite todos os envolvidos no clube serão pecadores. Como dito pelo pastor e pai do personagem Sammie, “Se você continuar a dançar com o diabo, um dia ele vai te seguir até em casa".

Durante o desenrolar do longa, surgem outros personagens relacionados ao passado da dupla e o conflito central, como Sammie (Miles Caton), primo e filho do pastor local, Mary (Hailee Steinfeld), irmã de criação e Annie (Wunmi Mosaku), curandeira local. Todos têm seu lugar naquela sociedade, que situa de forma aguçada seu papel historicamente bem pensado. 

Destaque especial para Sammie, que demonstra a dualidade entre a religião e o conformismo, na qual, para ele, a música representa liberdade e salvação, o que fica ainda mais evidente após a chegada do personagem Remmick (Jack O'Connell). O roteiro utiliza diversos contextos históricos, que o torna um prato culturalmente cheio.

Por exemplo, o passado de Remmick demonstra ter relação com a opressão irlandesa, durante colonização dos ingleses no século XII, além das implicações a um proselitismo forçado, por conta das citações do personagem sobre ter sido obrigado a aprender hinos e cânticos religiosos no passado pelo homem que roubou as terras de sua família.

A ideia do vampiro, em uma narrativa banhada de elementos religiosos é uma escolha pensada e calculada aos mínimos detalhes, seja no batismo feito em Sammie ou na visão tida por Fumaça no ato final. O movimento do afro-surrealismo tem muita influência nessa decisão, em que os elementos do sobrenatural servem como analogia direta ao período de apagamento histórico e cultural que aconteceu com a população negra, o que torna ainda mais simbólica a representação do Blues na trama.

Outro elemento que vale a pena destacar é a posição da trilha sonora na narrativa.  O mérito vem da parceria entre Ludwig Göransson e Coogler que entraram em sintonia em todos os seus projetos. Mesmo não sendo um musical, a trilha sonora e seus números musicais fazem parte do âmago da história, principalmente nas músicas tocadas durante a sequência do clube, como “Lie to You” e “Rocky Road to Dublin”, performadas pelos atores.

Pecadores se torna uma das maiores apostas para o oscar de 2025, segundo a critica especializada Foto / Reprodução IMDB
Pecadores se torna uma das maiores apostas para o Oscar de 2025, segundo a critica especializada Foto / Reprodução IMDB

A recepção da crítica e público foi representativa, fazendo história além da tela, estando com 84% de aclamação no Metacritic. Além de ter conquistado uma das maiores bilheterias do ano, totalizando 230 milhões arrecadados por todo o mundo. 

O diretor Ryan Coogler conseguiu deixar um legado na indústria cinematográfica, com o contrato histórico feito para a produção do filme, no qual em vinte e cinco anos, todos os direitos relacionados a sua obra serão retornados para o diretor. 

Veja abaixo o trailer da produção: 

Título original: Sinners
Direção: Ryan Coogler
Roteiro: Ryan Coogler
Trilha sonora original: Ludwig Göransson
Produção: Ryan Coogler, Zinzi Coogler, Kevin Feige

Elenco principal: Michael B. Jordan, Miles Caton, Hailee Steinfeld, Wunmi Mosaku e Jack O’Connell.

Documentário I’m Not a Robot instiga o telespectador a refletir sobre a evolução das máquinas
por
Vítor Nhoatto
|
08/04/2025 - 12h

Não sou um robô, uma etapa de checagem comum ao navegar na internet e uma sentença obviamente verdadeira, ou talvez não. O curta-metragem de co-produção holandesa e belga de mesmo nome, problematiza o chamado teste Captcha, quando a protagonista Lara (Ellen Parren, produtora musical, entra em uma crise existencial ao não conseguir provar sua humanidade.

Logo de cara o enredo de Victoria Warmerdam, também diretora da obra,  pode parecer apenas cômico, e a interpretação de Parren colabora para essa atmosfera. Os diálogos curtos e a indignação diante de uma suposta certeza de Lara prendem a atenção do telespectador ao fazer com que haja identificação com a situação. Provavelmente todos nós já erramos um destes testes simples em algum momento.

A história com pouco mais de 20 minutos continua com a indicação que a personagem tem a chance de ser 87% um robô, segundo um quiz online, e a essência incômoda da ficção científica começa a reluzir. Conversas entre humano e máquina existem há cerca de 60 anos, com a criação do chatbot Eliza, e com o avançar dos anos é cada vez mais comum, de fato.

Seja aquele número para marcar consultas ou o serviço de atendimento ao cliente das operadoras, a Inteligência Artificial rodeia as esferas da vida cotidiana e vem evoluindo rapidamente. Tome como exemplo o robô humanoide que já foi capa de revista e é considerada cidadã saudita, Sophia, da Hanson Robotics desenvolvido em 2015. Ou ainda os influencers virtuais com milhões de seguidores do Instagram hoje como a carismática Lu da empresa de varejo brasileira, Magazine Luiza.

Robô Sophia
Sophia foi inclusive ao Talk Show do apresentador norte-americano Jimmy Fallon - Foto: Hanson Robotics / Divulgação

Parece que a barreira entre o físico e digital, natural e artificial vem sendo quebrada, como aborda a obra de Margareth Boarini, “Dos humanos aos humanos digitais e os não humanos”, lançada em julho do ano passado pela editora Estação das Letras e Cores. O primeiro livro da doutora em tecnologias da inteligência e mestre em comunicação se aprofunda nesses casos de coexistência entre robôs e pessoas, porém, até onde se sabe as diferenças entre máquinas e humanos são perceptíveis, ainda. 

Mas como uma boa teoria de ficção científica, o documentário explora justamente um possível futuro da humanidade, em que máquinas e humanos serão indistinguíveis, A saga de Lara por respostas acaba com a revelação de que Daniël (Henry van Loon), marido da personagem, a encomendou sob medida há alguns anos, como se faz com uma roupa hoje.

Suas memórias, sentimentos e até mesmo relações com outras pessoas, ou robôs, são todas fabricadas, como uma versão muito mais avançada do robô Sophia. A comédia permeia a narrativa um tanto quanto impensável aos olhos de hoje, mas curiosa. A seriedade da executiva da empresa que fabricou Lara, Pam (Thekla Reuten) cria uma atmosfera cômica ao assunto, completada pela tranquilidade que Daniël fala sobre sua “aquisição”.

Parren entrega uma atuação que transborda indignação, e o trabalho cinematográfico é inteligente, com cortes que acompanham a visão de Lara. Sobre o ambiente que o filme se passa, todas as gravações foram no CBR Building em Bruxelas, e a ambientação feita com cores vibrantes e apenas carros de época no estacionamento propõe um contraste entre antigo e moderno, frio e robótico, quente e humano. 

O desfecho se dá com o desejo da protagonista de ser dona do próprio destino, relegando o fato de não poder morrer antes de seu “dono”. Isso pode ser visto talvez como uma negação em aceitar a única coisa que a diferencia de um humano, ou como uma mensagem da autora da obra sobre uma rebelião das máquinas.

Fato é que Lara se joga do topo do prédio, em um take muito inteligente por parte da direção ao filmar de cima, e que apesar de pesado e grotesco consegue ser engraçado e não desagradável aos olhos. Tal qual uma morte comum, há muito sangue saindo do corpo, as necessidades fisiológicas também são como de humanos, mas após alguns instantes a robô volta à vida.

Lara e Daniel em um Volkswagen Fusca azul
Com cinematografia cativante e enredo inesperado, é um Sci-Fi cômico e dramático - Foto: Indie Shorts Mag / Reprodução

Incômodo e perspicaz são boas palavras para definir a quinta produção de Warmerdam, que a fez faturar uma série de prêmios internacionais incluindo o Oscar de Melhor Curta-metragem deste ano. Sua produção também se destaca por ser carbono neutro, com o plantio de uma agrofloresta na Holanda para compensar as emissões de gás carbônico (CO2) da obra.

I’m Not a Robot está disponível de forma gratuita no YouTube desde o dia 15 de novembro de 2025 no canal The New Yorker, com legendas apenas em inglês ou holandês. Mesmo com essa barreira linguística, o choque final é inevitável, e a reflexão provavelmente também, se o seu cérebro não estiver se perguntando se você pode ser também um robô.

Peça de Antônio Fagundes e Christiane Torloni tem temporada prevista até dezembro
por
Giovanna Montanhan
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01/10/2024 - 12h

A estreia da peça ‘Dois de Nós’ ocorreu no dia 05 de setembro, no Teatro TUCA. O elenco reúne grandes nomes do teatro e da televisão brasileira, como Christiane Torloni, Antônio Fagundes, Thiago Fragoso e Alexandra Martins. É dirigido por José Possi Neto, e concebido e escrito por Gustavo Pinheiro, jornalista que também assinou os textos de ‘Antes do Ano que Vem’ e ‘A Lista’. O palco do Teatro TUCA foi escolhido para ser a primeira casa do espetáculo, que ficará em cartaz até dia 15 de dezembro.

A premissa é de um mesmo casal, retratado em dois momentos distintos de suas vidas - na juventude, sendo interpretados por Alexandra e Thiago e na velhice, por Christiane e Antônio. Em um determinado momento, ambas as versões se encontram em um mesmo quarto de hotel, onde o passado e o futuro se entrelaçam, revelando segredos, frustrações e sonhos. O choque entre duas perspectivas de si mesmos desencadeia uma série de revelações e questionamentos. 

elenco
Elenco da peça 'Dois de Nós' - Reprodução: Instagram @doisdenosteatro

 

A química e o entrosamento entre os atores é um ponto de destaque na peça. Alguns membros do elenco da peça já haviam trabalhado juntos anteriormente, como Torloni e Fagundes, que contracenaram juntos em ‘Amizade Colorida’ (1981), ‘Besame Mucho’ (1987) ‘Louco Amor’ (1983),  ‘A Viagem’ (1994) e ‘Velho Chico’ (2016).

Alexandra Martins explicou, em entrevista à AGEMT, que o texto foi escolhido pelo próprio Gustavo Pinheiro, e escrito especificamente no elenco atual. Ela se apaixonou imediatamente pela obra assim que teve o primeiro contato com o roteiro, que discute a questão geracional nos relacionamentos. 

Antonio Fagundes afirmou, também para a AGEMT, que o texto é “perfeito para o momento atual, em um período em que tantas pessoas estão se afastando umas das outras em meio à polarização”.

Para ele, a peça traz uma mensagem importante de união. Ao comentar sobre suas contribuições ao personagem, mencionou que “todo ator sempre contribui para além do que está no texto de alguma forma”. 

Já Thiago Fragoso explicou que, embora o texto normalmente seja o primeiro fator a atrair um ator, foi o convite de Fagundes que o motivou para o trabalho. Segundo ele, que já havia trabalhado com o ator na televisão, a parceria no teatro seria um próximo passo. Rasgou elogios a Antônio, o reverenciando como “uma lenda do ofício”, como alguém que “continua a se superar”.

Por fim, mencionou que o encontro é uma honra e uma experiência muito especial, e, também fez questão de reafirmar a genialidade do texto. 

A peça utiliza do recurso da metalinguagem e leva o público para uma reflexão sobre as relações humanas e suas imperfeições, mostrando como elas são, na verdade, perfeitas em sua complexidade.Ao contrário das idealizações trazidas pelas comédias românticas norte-americanas, o espetáculo confronta o espectador com a realidade.

O espetáculo é recheado de momentos de gargalhadas intensas e emoções profundas, proporcionados por uma escrita atual e sagaz, que retrata os desafios da modernidade de maneira leve e divertida. O humor, aliado à reflexão, faz também com que o público não apenas se divirta com as situações cotidianas encenadas no palco, mas também se enxergue nelas, como um autorretrato. 

Os ingressos estão disponíveis na bilheteria do Teatro TUCA e também no site/app do Sympla. Os valores começam a partir de R$80. Entretanto, docentes e discentes da PUC-SP pagam R$20. 

Também é possível adquirir uma visita guiada pelos próprios atores aos bastidores, camarins e coxias por R$100 a mais. 

Ao fim de cada sessão, há um bate-papo onde os atores interagem com a plateia e respondem respectivas dúvidas e impressões sobre o espetáculo apresentado.

 

O grupo de super-heróis, expondo assuntos como genocídio e preconceito, é elevado a outro patamar
por
Matheus Henrique
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14/06/2024 - 12h

A Marvel, após enfrentar recepções mornas em longas como Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania (2023) e As Marvels (2023), e experimentar séries igualmente rejeitadas pelo público e crítica, como Invasão Secreta (2023) e She-Hulk (2022) conseguiu oferecer em X-Men '97 uma visão madura e consciente da sociedade, redimindo-se de suas últimas produções frequentemente criticadas pelo tom infantil e despolitizado.

A história se inicia um ano após o fim da quinta temporada da série clássica dos anos 90, na qual Charles Xavier supostamente morreu devido a um atentado de Henry Peter Gyrich, um dos vilões clássicos da série. Simultaneamente, o grupo ainda lida com extremistas que visam o extermínio da raça mutante. O ódio anti-mutante adquire aqui um pano de fundo político, simbolizando a aversão a qualquer minoria. Com a quase morte de Xavier, Scott Summers, o Ciclope, assume a liderança da equipe, que posteriormente é transferida para Erik Magnus Lehnsherr, o Magneto.

A repulsa, que também é o principal fio condutor da série, se demonstra nessa sociedade fictícia como algo brutal, em que visões de mundo, mesmo desejando o melhor para sua espécie, se chocam, convidando o público a tomar um lado. Em um polo, temos a ideologia de Magneto, que aposta na segregação de sua espécie mutante para cessar o ódio contra eles, enquanto Xavier, pacifista, idealizava a coexistência da raça evoluída com os seres humanos. Magneto, ao ser posto como líder do grupo, tenta assumir uma postura próxima à de Xavier, mesmo sendo recebido com desconfiança por líderes mundiais e pelos próprios X-Men.

No quinto episódio da temporada, intitulado "Lembre-se Disso", ocorre o genocídio mutante em Genosha, um evento devastador que resultou na morte de Gambit, um dos X-Men, e de milhares de outras vítimas. Genosha, originalmente apresentada na série clássica dos anos 90 como uma base para trabalho escravo, foi reinterpretada em X-Men '97 como uma criação de Magneto, destinada a ser um lar acolhedor para milhares de mutantes de diversas origens e habilidades.

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Vampira chora abraçada ao corpo de Gambit, que morreu após o massacre - Fonte: Disney

Além disso, os vilões da série também contribuem para a alegoria explorada. Bastion é retratado como o responsável pelo massacre de mutantes, incluindo crianças, que ocorreu com o aval da ONU. Paralelamente, há a presença de um lunático eugenista, cujo discurso se assemelha ao do nazismo, personificado na figura do Dr. Sinistro. Esses elementos reforçam a temática complexa da série e instiga os espectadores a refletirem sobre questões étnicas.

A animação faz questão de apresentar os problemas que essa sociedade enfrenta, desde um médico que se recusa a realizar um parto mutante por aversão a raça, até uma comunidade conservadora que rejeita a inclusão dos mutantes na sociedade, com medo de perder seus empregos, já que eles são vistos como superiores devido aos seus poderes, e representam uma ameaça ao estado de bem-estar dessa população, numa clara metáfora à xenofobia estadunidense. Este é um dos maiores acertos da Marvel, que nesta produção não teme criticar temas como conservadorismo e reacionarismo.

Personagens como Tempestade, que perde seus poderes no início da temporada e parte em uma jornada de autodescoberta, ou Madelyne Pryor, que reflete preocupações com o preconceito que sua prole mutante enfrentaria, simbolizam, respectivamente, questões ligadas à negritude, ao feminismo e à maternidade. Aqui, os X-Men são pensados não apenas como um coletivo, mas também através de histórias individuais, com suas nuances.

A primeira temporada da saga está completa no Disney+, e é criada e roteirizada por Beau DeMayo (The Witcher: A Lenda do Lobo). Nessa primeira leva de episódios, se mostra melhor amarrada em comparação à série original, em que o estilo de aventura procedural, com conflitos resolvidos em cada episódio, é deixado de lado para entregar uma narrativa coesa e muito bem construída, desenvolvida ao longo de toda a temporada.

A animação em si é um dos pontos altos da série, extremamente colorida, enérgica e com uma excelente trilha sonora inspirada em Michael Jackson e na banda Radiohead, com presença marcante de sintetizadores, que demarca bem a trilha de cada um dos personagens. As referências de época são outro ponto de destaque, como no quarto episódio, em que a série brinca com a estética noventista, referenciando jogos de 8 e 16 bits, populares na época, oferecendo uma experiência agradável e nostálgica de assistir.

Comparada a outras séries, X-Men '97 se destaca por seu enfoque crítico e principalmente político, no qual se alegoriza aos mutantes questões minoritárias integrado de forma coesa à narrativa, sem parecer forçado. É fácil perceber que a série dialoga com o que ocorre na realidade, como o próprio criador e roteirista da série fez questão de mencionar. DeMayo escreveu em uma postagem no X, antigo Twitter, que se inspirou em eventos reais, como os ataques em Tulsa, na boate Pulse e às Torres Gêmeas, para criação do quinto episódio.

A série, através de personagens complexos e temas relevantes, estabelece um novo padrão para animações de super-heróis. Ao utilizar os personagens como metáfora para temas como autoaceitação e preconceito, demonstra não temer uma experiência provocativa e que leve seu público à reflexão. A segunda temporada do seriado está em estágio de produção, com uma terceira confirmada pela Marvel Studios.

Pabllo Vittar celebra suas raízes no tecnobrega e forró ao resgatar hinos que fizeram parte da sua formação musical.
por
Pedro da Silva Menezes
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11/04/2024 - 12h

Na tarde desta terça-feira (09) Pabllo Vittar realizou uma listening party para mais de 300 pessoas, em parceria com a Apple Music, para iniciar a divulgação de “Batidão Tropical Vol. 2”, novo álbum da artista. Ingressos foram distribuídos através da sua central no X para os fãs ouvirem o álbum horas antes do lançamento oficial no Cinema Marquise junto a Drag Queen.

Fãs com Pabllo Vittar no cinema após a audição do álbum.
Fãs com Pabllo Vittar após a audição do álbum. FOTO: Divulgação /Central Pabllo Vittar

O álbum é a sequência do “Batidão Tropical”, obra lançada durante a pandemia, que surpreendeu os fãs ao trazer músicas com características das sonoridades do norte e nordeste do país. Estão presentes ritmos como o tecnobrega com a energética “Triste com T” e regravações de canções de bandas locais, como a de “Zap Zum” da Companhia do Calypso. Música que viralizou durante as Olimpíadas de Tóquio em 2021 através de vídeos feitos pelo jogador Douglas Souza do time brasileiro de vôlei, chegando até a tocar durante um dos jogos da seleção.

Eleito um dos melhores álbuns de 2021 pela APCA, o disco agradou público e crítica e iniciou um movimento nas redes pedindo sua continuação. Após dois anos do lançamento do original, o volume dois chegou e os vittarlovers conferiram as 11 faixas, incluindo duas já conhecidas pelo público, “Pede Pra Eu Ficar (Listen To Your Heart)” e “Ai Ai Ai Mega Príncipe”, uma inédita, “Idiota” e a gravação ainda conta com 3 músicas bloqueadas.

Na audição Vittar se mostrou alegre com resultado dos vídeos que ilustram a atmosfera construída pela sonoridade e resgata visuais dos anos 2000, época em que as composições repaginadas no volume dois se popularizaram. A Queen afirmou, em uma rodada de perguntas dos fãs durante o evento, que as 3 canções bloqueadas são colaborações. O cantor Nattanzinho já confirmou por meio de seu Instagram que irá lançar algo com a drag gerando expectativas sobre sua participação em uma das canções. Além disso, ela disse que seu visualizer favorito de gravar foi “Me Usa”, originalmente da Banda Magníficos.

O ponto alto do álbum é a nova “Idiota”. Em entrevista ao Papel Pop, Pabllo conta que a faixa está pronta a dois anos, contudo, a produção inicialmente era um sertanejo, mas teve um trecho vazado a um ano atrás. O que foi sua motivação para mudar o ritmo e transformá-la em um melancólico e ao mesmo tempo energético forró que fez todos os ouvintes levantarem de suas poltronas durante a audição no cinema para apreciar finalmente - e oficialmente - o que os fãs chamaram de hino.

A artista demonstra sua originalidade e visão em “Não Desligue o Telefone”, originalmente de Tony Guerra. Na sua versão, ela não se limita em reproduzir o original e imprime sua identidade fundindo suas referências pop eletrônicas com o forró. Uma excelente regravação que evoca os trabalhos de Charli XCX, se esta tivesse nascido no Maranhão nos anos 90, assim como a cantora pop brasileira.

O “Batidão Tropical vol. 2” cumpre uma função cultural ao preservar ritmos populares brasileiros e composições que já foram regravadas anteriormente. Como é o caso de “Rubi”, da Banda Ravelly que ficou famosa em todo Brasil na voz da Banda Djavu e agora ressurge para uma nova geração pela voz de Pabllo Vittar. Com o álbum, Vittar mantém viva a memória sem abdicar da sua assinatura pessoal, mostrando seu poder ao reinventar clássicos, seja em suas performances vibrantes, sonoridades únicas ou clipes inovadores.

Best-seller de Carla Madeira tornou-se um dos livros de ficção mais vendidos do país
por
Bruna Quirino Alves
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14/11/2023 - 12h

“Tudo é rio” é o romance de estreia de Carla Madeira. Publicado pela editora Record, está na seleta lista dos livros brasileiros de ficção mais vendidos. Em 2021 e 2022, a obra vem dividindo com Torto Arado, de Itamar Vieira Junior (o mais vendido da categoria no Brasil), a atenção de leitores e críticos. Também pela Record, a autora lançou Véspera (2021), o terceiro e inédito romance, e relançou A Natureza da Mordida (2022), o segundo, que havia sido publicado em 2018.

Tudo é rio de Carla Madeira é um livro sobre transbordamento, como a própria autora define. O processo de leitura te leva em uma montanha-russa onde o amor, o ódio e o perdão se misturam em um rio de sentimentos, os quais não se pode controlar.

A história traz três personagens principais: Lucy, prostituta da cidade, e o casal Dalva e Venâncio. Eles, até então muito apaixonados, tiveram o casamento marcado por uma tragédia, que mudou completamente a dinâmica entre eles, a partir desse momento Lucy atravessa a história dos dois e é atravessada por eles com a mesma intensidade.

Carla Madeira constrói camadas sem uma régua moral e seus personagens apresentam complexidade e profundidade, enquanto fogem de maniqueísmos. Ao longo do livro, o leitor se vê em uma posição de confusão constante e a autora provoca essa sensação intencionalmente, e com excelência.

Inventivo na forma, o romance organiza-se por capítulos que desobedecem a ordem cronológica e vão e voltam, tal como uma série televisiva em que a câmera muda a cada cena. O tema do amor e da tragédia não tem nada de original, mas o grande trunfo de Carla Madeira é a forma pela qual sua linguagem poética, suave, nos conta essa história.

A obra é questionadora e provocante em uma essência, mas o principal questionamento gira em torno do perdão: Como perdoar o imperdoável e lidar com o amor que permanece?

Carla não se atém à superficialidade ao narrar detalhadamente o quão excruciante é a dor que Dalva, a personagem principal, vivencia em sua jornada pelo luto, até o perdão. A escolha de repetir certas cenas durante a narrativa é proposital e enfatiza como a dor pode ser paralisante, se manter em um ciclo destrutivo parece ser a única escolha.

A violência doméstica é retratada a partir de uma perspectiva diferente. A autora se afasta do julgamento e demonstra empatia com as mulheres que não conseguem sair desse tipo de situação, o que pode ser visto no seguinte trecho da obra:

“Dalva poderia tantas coisas se pudesse. Mas só pôde o que fez. Quem vê de fora faz arranjos melhores, mas é dentro, bem no lugar que a gente não vê, que o não dar conta ocupa tudo.”

Após receber críticas por “romantizar” a agressão, a autora afirma que o intuito nunca foi esse. Ela explora a sua própria curiosidade que permeia as motivações que levam uma mulher violentada à escolher ficar.

Tudo é rio é uma investigação sobre a água, ou seja, sobre tudo aquilo que é tão potente que não se pode limitar à qualquer coisa além de seguir o próprio fluxo. O amor, o ódio, a raiva, são sentimentos que, quando represados, tensionam o sujeito que sente e acabam transbordando. Aqui temos uma obra que permanece ressonando no leitor, mas não em sua mente racional, mas nesse intangível lugar onde mora aquilo que não conseguimos traduzir em palavras, só sentir.