Na quinta-feira passada (02) aconteceu o Seminário “Ditadura Nunca Mais! – O Brasil e o descumprimento das condenações internacionais por Violações de Direitos Humanos”, promovido pela Faculdade de Direito e os Centros Acadêmicos Benevides Paixão e Reconvexo de jornalismo e direito, respectivamente, da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP).
A primeira parte do seminário teve a participação de Amélia Teles, presa política na ditadura e membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, a ex-prefeita de São Paulo e Deputada Federal, Luiza Erundina (PSOL), Rosalina Santa Cruz, professora de Serviço Social da PUC-SP, presa política durante a ditadura e membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos e Adriano Diogo, ex-deputado estadual e Presidente da Comissão da Verdade Rubens Paiva (ALESP/SP).
Ao falar sobre os casos de tortura durante a ditadura, a Dep. Luiza Erundina disse que “a ditadura nunca acabou durante esse tempo. Do período de 21 anos da vigência da ditadura militar” e seus desdobramentos contemporâneos, Erundina lembrou do caso de Genivaldo de Jesus Santos, 38, torturado e morto por policiais rodoviários federais em viatura da corporação após sofrer golpes e pontapés dos agentes e ser colocado no porta-malas do carro impregnado com gás lacrimogênio.
“Chegamos à dois, três dias atrás, num crime horrendo, que não se imaginava que em uma civilização, em um país dito democrático, se pudesse registrar um crime tão terrível, tão brutal, tão desumano, daquele cidadão lá em Sergipe. Nos deixa todos muito mal, nos deixa de uma certa forma nos perguntando, o que deixamos de fazer ou o que fizemos de errado para que as coisas chegassem a esse ponto”, lembrou a Deputada.
Amélia Teles começou falando sobre o papel que a universidade teve como palco de resistência no regime, “espaço democrático mesmo em tempo de ditadura”, citando o episódio que ficou conhecido como a Invasão da PUC, ocorrido em 1977. Naquele ano, tropas da polícia militar invadiram a universidade, à mando do Secretário de Segurança Pública do Estado, Erasmo Dias. “Aqui o Erasmo Dias invadiu a PUC, teve estudantes queimadas, mas a luta continuou. Então isso aqui tem muita história”, recordou Teles.
Representando a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, Teles comentou da ação promovida por Erundina à frente da Prefeitura de São Paulo, realizando a abertura das valas clandestinas do Cemitério Dom Bosco, conhecido com Cemitério de Perus, zona norte da capital.
Para ela foi fundamental a abertura da Vala, principalmente quando a Comissão, ao lado de organizações de direitos humanos, entrou com uma ação contra o Brasil, no caso conhecido como “Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil”, que diz respeito aos mortos e desaparecidos políticos na Guerrilha do Araguaia.
No ano de 1990, após a descoberta feita pelo jornalista Caco Barcellos sobre corpos de militantes políticos executados pela ditadura serem enterrados no Cemitério Dom Bosco, a então prefeita decidiu instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na Câmara Municipal de São Paulo, para investigar os crimes cometidos durante a ditadura.
“Isso impulsionou e abriu possibilidades jurídicas. Porque a Vala de Perús trouxe uma informação que a sociedade não tinha, a gente falava em desaparecido e ficava uma coisa abstrata. De repente desaparecido tinha crânio, tinha esqueleto, tinha osso. Então isso deu credibilidade e legitimidade à nossa luta, porque a opinião pública passou a acreditar naquilo que a gente falava”, lembrou Teles.
Participaram da segunda mesa Débora Duprat, ex-Subprocuradora Geral da República, do Ministério Público Federal (MPF), Marlon Alberto Weichert e Eugênia Gonzaga, ambos Procuradores da República do MPF e Gabriel Sampaio, advogado e coordenador do Programa de Enfretamento à Violência Institucional da Conectas Direitos Humanos. O principal tema discutido por essa mesa foi as tomadas de decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) após ações construídas pela sociedade civil contra o Estado brasileiro.
De início, Duprat levantou um ponto importante para pensar alguns casos da justiça brasileira envolvendo violações aos direitos humanos: como o judiciário brasileiro se mantêm sem nenhuma alteração desde o fim do regime militar. “Como uma Constituição, portanto, de direito interno e direito internacional, tão forte, mantêm o mesmo judiciário da época da ditadura, nenhuma singela alteração, nenhuma”, disse Duprat.
Um dos casos citados por Duprat foi o “Favela Nova Brasília”. Entre 1994 e 1995, em decorrência de ações policiais na comunidade Nova Brasília, no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, 26 pessoas morreram e três adolescentes foram vítimas de violência sexual durante o ocorrido. Mais de dez anos depois, em 2017, decisão da CIDH condenou o Estado brasileiro por violência policial nesse caso. O Estado reconheceu a condenação sofrida.
“A gente continua tendo o Jacarezinho [ação policial, conhecida como Chacina do Jacarezinho, ocorrida na Favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, que resultou na morte de 28 pessoas, incluindo um policial, em 06 de maio de 2021], 28 mortes, 24 inquéritos arquivados”, falou Duprat.
Em seguida mencionou o caso da “ADPF das Favelas”, uma “decisão banana”, segundo a subprocuradora. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, é uma petição assinada por diversas organizações da sociedade civil e a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro que visa reduzir as ações executadas pela polícia da cidade nas favelas e comunidades, diminuindo a letalidade e a violência nas regiões.
“No momento em que o Supremo [Supremo Tribunal Federal] não consegue mais fazer cumprir as suas decisões. Esse caso das favelas é uma evidência, o Supremo faliu na sua capacidade de cumprir as suas decisões”, completou a subprocuradora.
Em sua participação, a Procuradora Eugênia Gonzaga falou sobre o vídeo da campanha #ReinterpretaJáSTF, organizado pelo Movimento Vozes do Silêncio e entidades de direitos humanos. A campanha tem a participação de vítimas da ditadura, familiares de mortos e desaparecidos políticos e tem o intuito de “sensibilizar o STF”, de acordo com Gonzaga, acompanhado de um manifesto que teve cerca de 5 mil assinaturas colhidas em poucos dias do lançamento.
A Comissão Dom Paulo Evaristo Arns realizou, na manhã desta quarta (1/06), uma reunião com o representante do Alto Comissariado da ONU na América do Sul com o fim de entregar um relatório oficial de crítica à crescente violência policial no Brasil.
Convocada pela mesma comissão, uma semana após o Tribunal Permanente dos Povos , a reunião teve um caráter urgente e contou com a presença de Jan Jarab, representando o Alto Comissariado da ONU, que estava de passagem pelo Brasil. Jarab já desempenhou diferentes funções na comunidade internacional de direitos humanos como no Escritório de Direitos Humanos da República Tcheca, além de ter atuado como Comissário do Governo para Direitos Humanos.
Com a entrega do relatório às mãos do representante, e com a saída deste, a reunião foi aberta à presença virtual de veículos de imprensa, junto dos quais se encontrava a Agemt.
Laura Greenhalgh, uma das componentes da Comissão Arns presentes na reunião, abriu a comitiva de imprensa afirmando que a reunião ocorreu para demonstrar à comunidade internacional “providências que a [Comissão] Anrs tomou contra a chacina na Vila Cruzeiro a à tortura e morte de Genivaldo, em Sergipe”.
Jarab foi recebido com os relatos da violência policial crescente no Brasil e, além de ouví-los, compartilhou parte de sua experiência de passagem no país nos últimos dias e relatou sua visita a comunidades indígenas no norte, região também afetada pelo aumento da violência. Segundo a Comissão, as denúncias foram muito bem recebidas e continuarão sendo feitas.
Paulo Sérgio Pinheiro afirma que seria útil que o Alto Comissariado lembrasse o Brasil de suas obrigações e que “é evidente para nós e ele [Jan Jarab] que a violência é pré-existente, mas tende a se agravar pelas homenagens feitas pelo presidente aos agressores”.
José Vicente, membro fundador da Comissão Arns e reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, completa a fala de Pinheiro ao relembrar que, no caso de Genivaldo, a comunidade brasileira estava diante de um flagrante de homicídio e relaciona a crescente atuação da Polícia Rodoviária Federal em diferentes operações à autorização de Sérgio Moro sobre as operações conjuntas.
Quanto a possíveis ações da ONU, Greenhalgh diz ser evidente que a Comissão não pode reivindicar ações, mas acionar diferentes canais que possam, por sua vez, intervir, além de dizer que o Alto Comissariado se encontra em sintonia com a Arns em relação à atual situação do Brasil.
Sobre a PRF, foram feitas considerações acerca da retirada da formação de Direitos Humanos do currículo e o como esta acarreta em táticas cada vez mais violentas e em situações tais como a operação na Vila Cruzeiro e a tortura e morte de Genivaldo. Victória Benevides (Comissão Arns) afirma ser um retrocesso a retirada da formação em direitos humanos do currículo de qualquer instituição, ainda mais de uma que lida com conflitos. Paulo Sérgio Pinheiro acrescenta: “é uma situação deprimente; a PRF era aliada nas lutas de repressão ao tráfico de mulheres e meninas pelo país. É trágico”.
Em resposta à Agemt, a Comissão afirma que existem razões para esperar um futuro melhor e que tornou-se evidente, após o Tribunal Permanente dos Povos, que a consciência brasileira sobre a história atual do país está melhorando. Entretanto, afirma que, aos olhos de instituições internacionais de respeito, o Brasil se tornou um anti exemplo, uma “grande vergonha”.
Sobre o Relatório redigido pela Comissão Arns:
O documento enviado ao Alto Comissariado da ONU foi recebido na íntegra pela Agemt e trata dos crescentes casos de violência policial durante o período de Jair Bolsonaro à frente da presidência. Confirma que, entre 2019 e 2021, 18 mil e 919 pessoas foram mortas pela polícia no país (das quais cerca de 80%, em 2020, eram negras). Traz também condutas de apoio de Bolsonaro às operações policiais como as de Vila Cruzeiro, sobre a qual parabenizou policiais por terem neutralizado pelo menos 20 marginais ligados ao narcotráfico, ou como a operação em Jacarezinho, que deixou 28 mortos (também parabenizada pelo presidente).
Quanto à ampliação indevida do escopo das operações da Polícia Rodoviária Federal, retrata que as atribuições originárias limitadas ao patrulhamento das rodovias foram “indevidamente ampliadas pelo Ministério da Justiça” durante o atual governo.
Seus requerimentos ao Alto Comissariado são: instar as autoridades do Estado Brasileiro para cumprir os compromissos que prometeu obedecer; reforçar a necessidade de incrementação de um controle externo das atividades policiais; condenar a ampliação do escopo de atuação da PRF; e atentar a atos para-institucionais que incitem a violência e atuação ilegal por parte das polícias.

(Imagem: arquivo pessoal)
“O que vemos é que pouquíssimos hospitais (menos de 60 em todo o país, provavelmente) oferecem o aborto legal para os casos de estupro”, afirma a ginecologista e obstetra Helena Paro. No entanto, em 2013, foi promulgada a “lei do minuto seguinte”, que obriga todos os hospitais do SUS a prestarem atendimento integral, multiprofissional e emergencial a vítimas de violência sexual no Brasil (Lei 12.845/2013). Dessa forma, o aborto – que é legalizado em casos de estupro, riscos de morte à mulher e anencefacilia fetal – continua sendo de difícil acesso no país. Os dados comprovam esta dificuldade: segundo pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), menos de 4% dos municípios brasileiros realizam o procedimento, resultando na sua falta de seu acesso por quase 60% das mulheres do país.
De acordo com Helena, outra razão pela qual não se tem oferta ao aborto legal é o fato de "não conseguirmos mudar a realidade complexa da violência baseada em gênero apenas com leis”. Na verdade, a raiz desse problema está na existência de uma sociedade misógina e patriarcal, em que é recorrente a banalização da violência sofrida pela mulher e a culpabilização da vítima pelo o que viveu. “Muitas mulheres não denunciam as agressões sofridas porque sabem que diversas vezes serão novamente vítimas de uma violência institucional nesses espaços que deveriam ser de acolhimento (serviços de saúde, de segurança pública e de justiça)”, afirma a médica.
Ligado a isso, a obstetra conta que o direito da mulher à interrupção de sua gravidez é muitas vezes negligenciado pelos próprios médicos, e que isso a motivou a fazer parte do atendimento à vítimas de violência sexual: “ficou claro para mim que, diante da escassez criminosa (justificada por ‘objeção de consciência’) de médicos que assistem mulheres em situação de aborto por gravidez decorrente de estupro, eu tinha o dever de lutar pela melhoria da qualidade do cuidado dirigido a essas meninas e mulheres.” Esta negligência na área médica está diretamente ligada ao sexismo e o patriarcalismo enraizados e institucionalizados na sociedade.
É nesse sentido que traços culturais muito enraizados, como a objetificação, hipersexualização e assédios verbais e físicos sofridos desde a infância pelas mulheres trazem a ideia machista de que todos, menos a própria mulher, têm propriedade sobre o corpo dela. Dessa forma, desencadeando a opinião comum de que abortar seria um absurdo, pensamento vindo muitas vezes de pessoas que nunca passaram por uma situação em que sentiram a necessidade de abortar.
Além disso, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 73 milhões de abortos são realizados no mundo todo ano, sendo estimado que 1 milhão destes são no Brasil – menos de 2000 dentro de condições legais. O resultado: a cada dois dias, calcula-se a morte de uma mulher em função de um procedimento mal feito. Esses dados colocam em evidência o impacto negativo da criminalização da prática sobre a saúde das mulheres e a importância de sua descriminalização.
Com estas estatísticas em vista, é fato que criminalizar o aborto não reduz em hipótese alguma suas taxas, mas empurra as mulheres às clínicas clandestinas, colocando mais vidas em risco. Afinal, como explica o ginecologista Jefferson Ferreira em entrevista para o jornal Brasil de Fato: “o que faz a mulher buscar não é se a lei permite ou proíbe; o processo para evitar uma gravidez indesejada vai muito além da lei. Ele passa pelo planejamento reprodutivo de alta qualidade, pela redução da violência de gênero, uma educação sexista… Enfim, passa por um monte de coisas que não necessariamente têm a ver com a proibição.”

Após três anos de paralisação por conta da pandemia, a “Copa de Refugiados e Imigrantes” está de volta. Os capitães ou representantes das equipes interessadas em participar do torneio devem responder o formulário disponibilizado no site oficial da ONG Pacto pelo Direito de Migrar até o dia 17 de maio de 2022. A inscrição para o campeonato é gratuita.
O que é a “Copa dos Refugiados e Imigrantes”?
Criada em 2014 pela ONG PDMIG, o campeonato já conta com 6 edições e é atualmente apoiada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, ACNUR, Cruz Vermelha Brasileira, OIM (Organização Internacional para as Migrações) e da SJMR (Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados Brasil). Apesar do início humilde, há oito anos, em um campo improvisado no bairro do Glicério, a Copa já atinge grandes proporções. Um exemplo disso foi a última edição realizada em 2019, dividida em etapas regionais com mais de 1200 atletas e disputada em 5 estados diferentes: Recife, Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo, além do Distrito Federal. Na etapa de São Paulo a final ocorreu no histórico Estádio do Pacaembu.
O principal objetivo desse projeto é promover a integração dos imigrantes e refugiados por meio do futebol e das oficinas que acontecem no evento, além de gerar o protagonismo destes na sociedade brasileira.
Como irá funcionar o campeonato?
A 7ª edição terá um alcance ainda maior, sendo disputada em dois países: No Brasil, com jogos no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Minas Gerais e Distrito Federal e em Buenos Aires, capital da Argentina.
A “Copa dos Refugiados e Imigrantes” terá início no mês de setembro com o seguinte formato: A primeira fase será dividida em nível local, como na edição anterior; na segunda etapa, os vencedores de cada estado disputarão o nacional e, por fim, o campeão brasileiro enfrentará o vitorioso da Copa Argentina.
A premiação é muito mais do que um troféu, como diz o presidente da ONG PDMIG, Jean Katumba, “O principal prêmio do campeão é a união, a confraternização e a celebração da nossa causa de imigração, é isso que vale. Não tem taça como a Copa do Mundo, mas tem taça da solidariedade e da conquista de nossa nova vida em um país que não é nosso”.
O evento não se baseia apenas nos jogos. Acontecerão simultaneamente feiras culturais, oficinas e a “Corrida Coração Acolhedor”.
Qual a importância de ter um evento como esse?
Para Luiz Fernando Godinho, porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), a Copa “chama a atenção primeiro para a situação das pessoas refugiadas no Brasil, para a integração deles com a cultura nacional representada por meio do futebol e é também um momento de demonstrar que as pessoas refugiadas são capazes de organizar eventos. Elas têm suas capacidades e sua interação com a comunidade onde elas vivem”.
Luiz ainda comenta sobre a importância do esporte como um todo para os refugiados e imigrantes: “Por um lado o esporte é uma maneira de retomar uma certa normalidade da vida das pessoas. É uma atividade de lazer que contribui para reduzir o estresse e para aliviar um pouco do sofrimento dessas pessoas, além de um mecanismo de socialização muito forte, tanto para pessoas refugiadas, quanto entre elas e as nacionais. No caso do Brasil, o futebol é uma tremenda ferramenta de integração”, concluiu.
Expectativa para o retorno
Após uma paralisação de três anos, os organizadores estimam que o campeonato terá 1520 atletas. Katumba se diz esperançoso com o retorno: “Depois dessa paralisação da pandemia queremos retomar tudo, para tentar sensibilizar e acabar com essa xenofobia que cada vez mais cresce dentro da sociedade”, afirmou.
A justiça do Reino Unido emitiu nesta quarta-feira (20) a ordem formal que autoriza a extradição do jornalista e fundador do site WikiLeaks, Julian Assange, aos Estados Unidos, para que possa ser julgado pelo crime de espionagem. Durante a manhã, na frente do Tribunal de Magistrados de Westminster, manifestantes protestaram contra a decisão, entre eles estavam a esposa do jornalista, Stella Morris, o ex-líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn e membros da Anistia Internacional.
O australiano de 50 anos de idade está em uma penitenciária britânica desde abril de 2019, quando foi detido na embaixada do Equador, onde passou sete anos, após o presidente equatoriano Lenín Moreno retirar a proteção concedida pelo seu antecessor, Rafael Correia, em 2012.
A acusação contra Assange é baseada na denúncia realizada pelo WikiLeaks sobre a atuação de tropas estadunidenses nas guerras do Iraque e Afeganistão, com a publicação de mais de 700 mil documentos confidenciais a partir de 2010. Nos documentos vazados, o site trouxe à tona atividades diplomáticas e militares estadunidenses que mostraram a brutalidade das ações de guerra.
Em um vídeo divulgado em abril de 2010 e intitulado "Assassinato Colateral", parte do material divulgado pelo WikiLeaks, é possível ver forças militares dos Estados Unidos atirando indiscriminadamente de um helicóptero em civis de Bagdá, capital do Iraque. Neste ataque, um motorista e um jornalista da Agência de notícias Reuters e outras dez pessoas, morreram.
A divulgação do vídeo desmontou a afirmação do Departamento de Defesa estadunidense de que as pessoas mortas no ataque eram "terroristas". Antes do vídeo, o site já havia publicado as Regras de Combate das Forças dos Estados Unidos no Iraque em 2007, as informações ajudaram na constatação de que as operações realizadas pelas forças de ocupação ocorriam fora do que estabelecem as regras internacionais que limitam as ações durante conflitos armados, em particular as Convenções de Genebra.
Outro escândalo vazado foi o da prisão, por anos, de pelo menos 150 pessoas mesmo sabendo que eram inocentes. Um deles foi o jornalista da Al Jazeera, veículo de comunicação do Catar, Sami Al-Hajj, que ficou preso por anos em Guantánamo, em condições inumanas e sob a falsa acusação de ligação com o terrorismo, mesmo a CIA (serviço de inteligência dos EUA) sabendo que não havia nenhuma conexão. A prisão de Al-Hajj foi estendida para que o serviço de inteligência pudesse obter mais informações internas sobre o trabalho do jornalista.
Esses são alguns dos diversos casos divulgados nos vazamentos realizados pelo WikiLeaks, que expuseram a estratégia dos Estados Unidos na chamada "guerra global ao terror".
Agora cabe à Ministra do Interior do Reino Unido, Priti Patel, a decisão final sobre a extradição ou não de Assange. Ela só pode negar o pedido com base na lei britânica de extradições, que estipula poucas exceções. O prazo para que ela se manifeste é de 28 dias. A defesa do jornalista tem até 18 de maio para apresentar suas alegações.
Caso seja extraditado, Assange pode ser condenado a pelo menos 175 anos de prisão. Vale lembrar que o governo dos Estados Unidos tem 25 acusações contra o australiano, e para eludir as críticas de ameaçar a liberdade de imprensa, diz que Assange é um "hacker" e não um jornalista.
A Secretária-Geral da Anistia Internacional, Agnes Callamard, afirmou em nota que a extradição de Assange poderia causar danos "irreversíveis" ao bem-estar físico e psicológico dele, e "seria devastadora para a liberdade de imprensa" no mundo.
"As acusações contra Assange nunca deveriam ter sido feitas, em primeiro lugar. Nunca é tarde demais para as autoridades dos Estados Unidos acertarem as coisas e retirarem as acusações", afirmou Callamard.
Assange foi um dos homenageados com o Troféu Audálio Dantas - Indignação, Coragem e Esperança, realizado pela família Kunc Dantas, Oboré e mais 30 entidades e 17 personalidades apoiadoras da democracia, da liberdade de imprensa e dos direitos humanos. O prêmio foi entregue no último dia 9, na Praça Memorial Vladimir Herzog, pelo radialista e ativista social ítalo-brasileiro José Luis Del Roio.
Quem o recebeu em nome do jornalista australiano foi Carmen Diniz, coordenadora do Capítulo Brasil do Comitê Internacional Paz, Justiça e Dignidade aos Povos, em solidariedade ao jornalista no país.

Na foto, José Luiz Del Roio entrega o prêmio a Carmen Diniz, coordenadora do Comitê Internacional Paz, Justiça e Dignidade aos Povos, capítulo Brasil. Foto: Camilo Mota.
Os repórteres do Consórcio de Veículos de imprensa, criado para divulgar os dados sobre a pandemia após omissão do Governo Federal, também foram homenageados no evento.
Antes da entrega a Assange, Del Roio enfatizou que a prisão de Assange, há 10 anos, é uma das grandes dores da humanidade. “Assange é um jovem, que teve coragem de denunciar detalhadamente torturas”. O radialista, que disse estar no Conselho da Europa quando as declarações de tortura chegaram a público, ressaltou que se soube “ dessas torturas detalhadas, como, quando e onde, feitas pelos EUA e seus aliados, sobretudo Inglaterra”, mas que o Conselho, mesmo assim, não denunciou os Estados Unidos.
“Teve que ter um jovem jornalista que pegou aquele material e muitos outros, e denunciou o mundo. Ele é um dos prisioneiros mais perseguidos. Há 10 anos vive em quartos fechados ou em embaixadas, numa cela, que só arrisca passar o resto da vida num buraco nos EUA até morrer. Aqui tem muita gente que perdeu amigos, familiares, e tem gente aqui que foi torturada. E todos esses, não só o agradecem, mas agradecem a sua resistência”, acrescentou.
Ao receber o troféu, que será encaminhado à Inglaterra, Carmen Diniz realçou: “a gente só sabe que existe tortura na prisão do Iraque, por causa do Assange, do WikiLeaks. A gente só sabe que existiam soldados norte-americanos num helicóptero matando civis e rindo, como se fosse num videogame, graças ao Assange. (...) Não é contra o Assange, o que eles estão fazendo, é contra nós. Contra nós sabermos a verdade. Essa perseguição política ao Assange é contra nós também”, finalizou.
A Anistia Internacional enfatizou que “se a Ministra do Interior britânica autorizar a extradição de Assange, isso irá violar a proibição contra tortura e abrir um precedente alarmante para editores e jornalistas em todo o mundo”. Em nota, a organização ainda disse que o Reino Unido tem obrigação de não mandar ninguém para nenhum lugar em que sua segurança seja colocada em risco.
No Brasil, a Associação Brasileira de Imprensa disse que a "perseguição ao criador do WikiLeaks é um gravíssimo atentado à liberdade de imprensa", manifestou "integral solidariedade a Assange" e denunciou "de forma vigorosa a arbitrariedade da qual ele é vítima" A ABI convocou os meios de comunicação brasileiros a "se somarem à sua defesa, que no momento se confunde com a defesa da liberdade de imprensa".
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) se manifestou dizendo que o "suposto crime" que Assange cometeu foi o de "denunciar crimes de guerra, irregularidades e violações a direitos humanos do governo norte-americano". A associação ainda declarou que "sua extradição é um sinal muito perigoso dado para jornalistas que trabalham com documentos de interesse público", e "vê com muita preocupação essa extradição, pois ela podeum efeito intimidatório em outros jornalistas e a partir de outros vazamentos que denunciem crimes de guerra e violações de direitos humanos que devem vir à tona para que as sociedades possam agir", concluiu a presidente da Abraji, a jornalista Natalia Mazotte.
Sérgio Gomes, jornalista integrante do Instituto Vladimir Herzog de Direitos Humanos, amigo da família Kunc Dantas e fundador do Projeto Repórter do Futuro e da Obore, ressaltou que “mais de 30 entidades representativas dos jornalistas - incluindo a Oboré -, artistas e estudantes de jornalismo de São Paulo, se uniram para promover o Troféu Audálio Dantas – Indignação, coragem e esperança, que foi entregue para a Carmen Diniz, representante do Julian Assange". A entrega ocorreu no dia 9 de abril, na Praça Memorial Vladimir Herzog, localizada no bairro Bela Vista da capital paulista. "Isso significa uma manifestação unitária de todos os jornalistas, artistas e estudantes daqui de São Paulo", afirmou.