Participante do BBB23, Fred Nicácio, reconhecido por seu engajamento em questões de saúde pública e direitos humanos, apesar de usar categorias, ela expressa inclusão e visibilidade
por
Rainha Matos
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28/06/2024 - 12h

A expansão da sigla no movimento LGBTQIA+ pode até causar confusão, mas não para Fred Nicácio, médico brasileiro reconhecido por seu engajamento em questões de saúde pública e direitos humanos. Ele defende que, "embora o ideal fosse não categorizar, a nomenclatura atual é crucial para inclusão e visibilidade". Fred enfatiza que esse reconhecimento não deveria ser necessário no futuro, quando esperamos que todos sejam vistos simplesmente como pessoas.

Ele apontou avanços na representação LGBTQIA+ na mídia, mas também criticou "o persistente tabu que limita a aceitação de atores LGBT em papéis principais, por medo de repercussões na carreira". Ele sublinha a importância de valorizar o talento e personalidade das pessoas, independentemente de sua orientação sexual.

Nem tudo é otimismo. Fred Nicácio destacou a gravidade dos índices de LGBTfobia e mencionou sua própria experiência com testemunhos de violência. Ele ressalta a necessidade de políticas públicas e leis rigorosas para proteger a comunidade e reduzir esses crimes.

Como figura pública, o médico precisa lidar com críticas, e por isso adotou uma postura de positividade, aceitando críticas construtivas apenas daqueles que têm algo construtivo a oferecer. Ele enfatizou a importância de uma crítica fundamentada em realizações pessoais e ignorou críticas vazias e infundadas.

Além de sua atuação na saúde e na visibilidade LGBTQIA+, Fred ganhou destaque nacional ao participar do reality show "Big Brother Brasil 23" (BBB23), ampliando sua plataforma para discutir questões de grande relevância social. Sua voz continua sendo uma importante influência tanto na esfera pública quanto nas redes sociais, onde ele continua a promover o debate e a conscientização sobre direitos e igualdade.

A omissão da representatividade de sáfica nas grandes mídias perpetua um vazio cultural que exclui e invisibiliza milhões de experiências autênticas.
por
Emily de Matos
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21/06/2024 - 12h

Em um cenário midiático predominantemente heteronormativo, vozes como a de Elizabeth Matos, de 19 anos, estudante e mulher bissexual, ressoam com uma perspectiva vital: a necessidade da representatividade sáfica fiel e positiva. "A caixa onde a indústria prende elas é bastante cruel, já que muitas são usadas para material fetichista ou apenas jogadas de escanteio em filmes e séries onde estão atuando, não tendo espaço para brilharem e se destacarem como alguma atriz heterossexual, por exemplo" afirma a jovem.

Nos últimos anos, o termo “Bury Your Gays” (Enterre seus gays) emergiu como um símbolo da escassa e muitas vezes prejudicial representação da comunidade LGBT+ na cultura pop. Esta trope, originada na televisão, descreve a tendência de narrativas que retratam personagens gays apenas para dá-los um destino trágico. Esta prática não apenas nega à comunidade de ter oportunidade de ver suas experiências representadas com precisão, mas também perpetua estereótipos e marginalização.  

Essas representações problemáticas não passam despercebidas pela comunidade LGBTQ+, que muitas vezes se manifesta por meio de protestos online e campanhas de conscientização. Um exemplo notável foi a reação dos fãs à morte de Lexa em "The 100". Após a exibição do episódio em que a personagem foi morta repentinamente, os fãs expressaram indignação e desapontamento nas redes sociais, destacando não apenas a falta de representatividade lésbica nas mídias, mas também a maneira como personagens LGBTQ+ são frequentemente tratados de forma descuidada e desrespeitosa. 

 

 Reprodução: Lexa (Alycia Debnam-Carey) em ‘The 100’. 
 Reprodução: Lexa (Alycia Debnam-Carey) em ‘The 100’. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Um exemplo claro desse descuido é a obra cinematográfica “Azul é a Cor Mais Quente”, dirigida por Abdellatif Kechiche, que foi marcada não apenas por seu impacto no cinema, mas também por relatos de condições difíceis no set de filmagem. Em uma entrevista ao jornal The Guardian em 2013, a atriz Léa Seydoux, que interpretou uma das protagonistas, relatou a experiência como 'extremamente difícil' e mencionou a exaustão física e emocional enfrentada durante as gravações. Seydoux também destacou a intensidade das cenas de sexo, descrevendo-as como “ultrajantes” e afirmando que se sentiu “um pouco como uma prostituta” durante as filmagens. Esses relatos lançaram luz sobre as condições muitas vezes desumanas enfrentadas por atrizes em produções que exploram temas sensíveis, como a sexualidade feminina, questionando não apenas a ética por trás das representações, mas também as práticas dentro da indústria cinematográfica. 

 Reprodução: Adèle (Adèle Exarchopoulos) e Emma (Léa Seydoux) em ‘Azul é a cor mais quente’. 
 Reprodução: Adèle (Adèle Exarchopoulos) e Emma (Léa Seydoux) em ‘Azul é a cor mais quente’. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ao retratar personagens LGBTQIA+, a sensibilidade e o cuidado são essenciais. Como afirmado por Elizabeth “Leitura sensível, uma sala de roteiro deveria ter pessoas especializadas para atender qualquer demanda de personagens que não estão dentro do conhecimento total de quem trabalha na obra. Apenas quem vive na pele sabe o que realmente é necessário e o que passa longe de uma representatividade válida”. 

Movimento em apoio à comunidade LGBTQIAP+ coleciona conquistas pela diversidade na PUC-SP
por
Ana Julia Mira
Maria Eduarda Cepeda
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20/06/2024 - 12h

O coletivo Glamour celebra 10 anos de história na PUC-SP com uma trajetória de lutas, marcada pela criação da Biblioteca LGBTQIAP+ e a retificação dos nomes de alunas e alunos nas plataformas digitais da universidade.

O Glamour  se consolidou como um espaço seguro e de acolhimento para os alunos na universidade, como uma rede de apoio aos estudantes, além do intuito fortalecer uma resistência contra as violências físicas, psicológicas nos ambientes de convivência fora e dentro do campus.  

Bandeira com as cores LGBTQIAPN+ com um triângulo invertido composto pelas cores da bandeira trans
Design utilizado pelo coletivo de 2014 a 2017 . Reprodução: Facebook / Coletivo Glamour PUC-SP

A abordagem desses temas são  necessárias no ambiente universitário, a acolhida de alunos LGBTQIA + nas universidades é crucial para criar um ambiente acadêmico inclusivo.

Conquistaram espaços e direitos para as pessoas da comunidade. Mesmo durante a pandemia, o coletivo reivindicava causas de suma importância, como a retificação do nome social nas plataformas de ensino digitais. 

Na época, mesmo os estudantes transexuais que já haviam retificado seus nomes na Secretaria da universidade, tiveram seus nomes civis expostos no novo modelo de ensino que estava sendo aplicado. 

Foi, então, realizado um ofício com a colaboração do Centro Acadêmico 22 de Agosto (do curso de Direito) solicitando tal mudança em prol do respeito para com as pessoas afetadas. 

Ofício realizado para retificação do nome de pessoas trans e travestis nas plataformas digitais da universidade
Ofício realizado pela retificação dos nomes de alunos transexuais e travestis nas plataformas virtuais. Reprodução: Facebook / Coletivo Glamour

 

Em 2017, o grupo passou por mudanças adotando o nome Glamour. O nome foi escolhido em homenagem a uma das primeiras alunas assumidamente transsexual a  estudar na PUC-SP no curso de Artes do Corpo em 2013,  a atriz Glamour Garcia. 

Pelas redes sociais, o coletivo promove integrações entre os estudantes por meio de eventos e reuniões, sempre tendo como foco a representatividade daqueles que estão inseridos na comunidade e dando voz às suas experiências.

Design de convite para palestra "Transvivências: a relação das identidades de gênero no meio social". Na parte de baixo do design estão os 4 palestrantes que participaram do evento.
Evento promovido pelo coletivo em 2023. Reprodução: Instagram / @glamourpuc

 

Alinhados com as causas sociais, se mostrou ativo em questões sobre diversidade de gênero e orientação sexual, trazendo visibilidade e empoderamento, criando um ambiente amplo e disposto à troca de ideias e vivências com incentivo de debates, levando essas conversas para além da PUC-SP.  

Quadrado rosa com círculo branco no meio e um trângulo invertido rosa centralizado.
Design do coletivo desde 2017. Reprodução: Facebook / Coletivo Glamour

 

Acompanhando o posicionamento firme da comunidade participante do Glamour junto ao “Núcleo Diversas T”, foi realizada a 1ª “Pesquisa Oficial sobre a situação des alunes LGBTQIAPN+ da PUC-SP” em outubro de 2023. O núcleo, por sua vez, é formado por pessoas transsexuais. 

A iniciativa tinha por objetivo de identificar os desafios enfrentados dentro do ambiente acadêmico, visto que são alvo de preconceitos e violências, havendo denúncias de situações assim expostas nas redes sociais do Coletivo Glamour.

Em 2019, uma delas foi feita em uma publicação de sua página no Facebook. Denunciava falas transfóbicas de um professor de Direito Penal em sala de aula, levando à público o caso e manifestando-se contra o docente, organizando protestos silenciosos.

Sala de aula com cartazes em oposição às falas do professor
Imagem do protesto silencioso contra falas transfóbicas de professor. Reprodução: Facebook / Coletivo Glamour

 

Por trazer à tona situações de transfobia e homofobia sofridas por pessoas na PUC-SP, atacadas por docentes e estudantes, o Coletivo possui papel ativo no combate ao preconceito na Universidade.

Sobre a razão de sua existência, em publicação no afirma: “Infelizmente, nos tempos atuais, ainda existe uma forte violência contra a comunidade LGBTQIA+, que é, muitas vezes, submetida a agressões, hostilização, crimes de ódio, além da exclusão e precarização do local de trabalho”.

Com uma longa história de luta pelos seus direitos, o Coletivo Glamour conquistou espaço na Instituição, inclusive nas bibliotecas, ao reivindicarem e serem atendidos com a inauguração do acervo bibliográfico de temáticas e autorias LGBTQIAP+, no início deste ano. O acervo conta com mais de 64 títulos, trazendo autoria de pessoas da comunidade, aprovados pelo CONSAD. 

Após o acontecimento em fevereiro, não houveram mais atualizações nas redes sociais e o Coletivo passa por uma aparente pausa em suas atividades. Nós procuramos entrar em contato com os participantes, mas não obtivemos resposta.

“Consegui colocar um vestido e estar lá com a roupa que sempre quis”, explica Moon, estudante que foge do gênero convencional
por
Clara Dell'Armelina
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15/06/2024 - 12h

 

(Fonte:Louise Zin, Dicas de Mulher)

“Me identifico tanto com pronomes femininos quanto masculinos.”, diz Moon, uma pessoa de gênero fluido e bissexual. A fluidez de gênero vem se tornando cada vez mais visível ao passar dos anos, mas muitos ainda não sabem o que esse termo significa, acabam confundindo com sexualidade, “gênero fluido se trata sobre como você se identifica na questão física, seu corpo e sua aparência, já a orientação sexual é sobre o que você sente atração, não só ao se tratar de genitália, como todos tendem a associar, mas também pelo que a pessoa é, seja homem, mulher, neutro e por aí vai.”.

Moon, estudante de Arquitetura e Urbanismo da UNISAL(Universidade Saleniana) no interior de São Paulo, Americana, relata que percebeu sua fluidez de gênero durante o ensino médio, lá pelo ano de 2019. Mas a primeira vez em que se sentiu à vontade e vestiu-se com roupas entendidas como “femininas” foi na Faculdade, em 2023: “Consegui colocar um vestido e estar lá com a roupa que sempre quis. Foi muito bom para mim pois vi que minhas amizades estavam lá para me apoiar e que posso ser quem eu sou, sem medo, todos foram muito receptivos, até desconhecidos.” Ela defende que a questão da roupa é importante pois “assim podemos passar a imagem que queremos para que saibam como nos tratar.”

Diante da compostura daqueles que Moon já conhecia, conta que sua família apenas “finge que não vê, mas me tratam da mesma maneira que me trataram a vida toda, só que não me importo porque são pessoas antigas, não vão mudar de forma repentina”. As pessoas da igreja evangélica que até pouco atrás frequentava a trataram com respeito, a aceitavam e amavam muito, “lá as pessoas conheciam bem o que pregavam, diferente de muitos evangélicos por aí que se dizem cristãos, então sabem que Deus julga o bem e o mal, não quem somos fisicamente ou quem amamos.”.

Moom conta com entusiasmo que “Pose” é uma série que sempre estará em seu coração “pelo tanto de representatividade que tem.” “A série acaba de modo tão realista e verdadeiro que é algo que mexeu comigo.” Já como inspiração no meio das redes sociais, Moon tem Bella Rose Avila, uma blogueira e modelo que também se identifica como sendo alguém de gênero fluido. Mas Bella não é a única, há muitas figuras famosas como Miley Cyrus, Cara Delevingne, Ruby Rose e mais tantas outras.

O termo “gênero-fluido” começou a ser discutido mais amplamente na década de 90, ele vem contemplado na letra “Q”, de Queer, na sigla LGBTQIAP+, sendo um conceito que engloba todas as sexualidades e identidades de gênero fora do padrão imposto socialmente. Enquanto que cisgênero é aquela pessoa que se identifica com o sexo – feminino ou masculino – que lhe foi designado ao nascer.

Quando se convive com alguém de gênero fluido, é importante perguntar à pessoa quais são seus pronomes de preferência, Moon, por exemplo, mesmo se identificando com os femininos e masculinos, tem sua preferência pelos primeiros, “sempre me apresento com eles e como Moon, pois é como eu prefiro!”. Além disso, a "fluidez" refere-se à mudança em relação à sua própria identidade de gênero ao longo do tempo, assim sendo, com o passar do tempo, a própria identidade de alguém flúido pode alternar.

Muitos se enganam ao pensar que a fluidez de gênero é sempre binária – apenas se reduzindo aos gêneros masculino e feminino – ela pode acontecer também entre gêneros não-binários, quando a pessoa não se identifica com gênero nenhum.

(Bella Rose Avila- Fonte: Shutterstock)
(Bella Rose Avila- Fonte: Shutterstock)
(Fonte: Rubyrose/instagram)
(Fonte: Rubyrose/instagram)
(Fonte: Xavier Collin/Image Press Agency)
(Fonte: Xavier Collin/Image Press Agency)

A cena "está criando realidades do futuro", defende Flip Couto, performer e curador
por
Cecília Schwengber Leite
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14/06/2024 - 12h

 

No mês do orgulho LGBTQIAP+, diversas expressões artísticas e políticas da comunidade são celebradas, entre elas, a Cultura Ballroom. "Acredito que é uma cultura que está criando realidades do futuro, pois ela construiu a possibilidade de essas pessoas contarem suas histórias e estruturarem suas vidas e carreiras profissionais. É uma manifestação da presença", afirma Flip Couto - performer, curador, produtor de eventos e palestrante sobre negritudes, diversidade de gênero, saúde e a crise da Aids. 

 

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Reprodução/Instagram

 

Nascido na zona leste de São Paulo, Flip iniciou sua trajetória artística no hip hop, com a dança, e depois se abriu a outras manifestações culturais do movimento. Além de performar, o artista também passou a produzir eventos e, durante esse período, conta que "se permitiu aflorar sua sexualidade", assumindo-se gay. “Nesse processo fui pouco a pouco colocando minha identidade como pessoa LGBT+, primeiramente de forma solitária, e depois me unindo a mais pessoas da comunidade por meio das danças urbanas, quando comecei a me inserir na cultura Ballroom”, diz. Desde então, Flip passou a articular suas primeiras festas e, em 2017, produziu sua primeira ball. 

Origens da Cultura Ballroom

Com seu berço no bairro Harlem, em Nova Iorque, as Ballrooms surgem de um movimento cultural substancialmente negro - e com muitos de seus líderes sendo da comunidade LGBTQIAP+ - hoje conhecido como Harlem Renaissence. Nesse contexto, após um concurso de beleza protagonizado por drag queens e pessoas trans, nos quais, na década de 1960, eram reproduzidos comportamentos racistas, Crystal Labeija, drag queen e mulher trans negra, se revoltou contra os padrões estabelecidos. Assim, fundou a primeira house, a “House of LaBeija”, e a partir dela, diversas houses se expandiram por Harlem, entre outros bairros de Nova Iorque.

No Brasil, a primeira ball ocorreu em Belo Horizonte, a Vogue Fever, trazendo artistas da cena internacional; enquanto uma das houses pioneiras no país, a House Of Hands Up, surgiu de um grupo de danças urbanas, em 2011. Em São Paulo, a cultura Ballroom se estabeleceu por meio da House Of Zion, que compõe a cena mainstream, mais tradicional e precursora. Posteriormente, surge a cena kiki, inicialmente como uma forma de inserção de jovens por meio de ações de saúde, mas que atualmente está mais forte que a cena mainstream, e relacionada a maiores possibilidades de criação.

Flip explica que a estrutura e fundamentos das Ballrooms foram criados por pessoas trans, pretas, latinas, periféricas, profissionais do sexo e portadores de HIV. “É importante definir a Ballroom como uma cultura criada a partir da ausência do Estado, da família e da sociedade estruturalmente cis, branca e heteronormativa, como resposta a todas as violências, construindo um espaço seguro de resistência para esses corpos vulnerabilizados, e buscando outras formas de beleza ", afirma Couto. E acrescenta, “mas para mim é mais do que tudo um espaço de celebração e de encontro, um espaço político também, que constrói novas perspectivas”. 

Houses e Balls

As houses são coletivos que buscam se assemelhar à estrutura de uma família, tanto em termos de afeto e acolhimento, quanto em sua hierarquia, sendo lideradas por mothers e fathers. Comumente expulsos de suas casas, jovens LGBTQIAP+ e portadores de HIV muitas vezes encontram abrigo e pertencimento nas Ballrooms. Ao integrarem uma house, os filhos herdam o sobrenome escolhido pelas mothers ou fathers. Assim, são estabelecidas as identidades e legados da cultura. “É a mesma importância que a família tem na vida de qualquer jovem ou adulto, é dar amor, carinho, cuidar e mentorear também”, diz Flip.

Nas houses, os filhos contam com mentoria de carreiras profissionais dentro das artes, tecnologia, finanças ou qualquer outra área de interesse, além de obterem referências e conhecimento sobre os processos de transição, dicas de moda e beleza e encaminhamento para profissionais da saúde (mental, física e sexual). “As houses têm essa função de fato, são famílias que estão preparadas e dispostas a acolher esses corpos que muitas vezes foram excluídos por suas famílias de sangue”, explica Couto. 

As balls, por sua vez, são bailes onde as famílias se encontram. O intuito é a diversão, livre expressão e acolhimento de corpos marginalizados, e por isso, são políticas em sua essência. Nelas se desenvolvem os elementos da cultura: as categorias de dança, caracterização e performance, com temas estabelecidos e no formato de batalhas. O vencedor de cada categoria leva um Grand Prize (prêmio entregue ao vencedor(a), que também é direcionado a sua house). Através das vitórias, houses e participantes desenvolvem sua reputação e legado.

Vogue

O voguing é uma performance de empoderamento e resistência com movimentações inspiradas nas poses de modelos da famosa revista Vogue. A dança surgiu por meio de pessoas LGBTQIAP+ que, na época, eram presas por serem da comunidade, e que nos presídios tinham fácil acesso a revistas de moda, consideradas “sem conteúdo”. Como um dos únicos meios de distração, essas pessoas reproduziam as poses das mulheres brancas das revistas e almejavam alcançar aquele status fora dos presídios. 

Assim, as Ballrooms incorporaram a performance voguing em forma de batalhas, inicialmente com a reprodução de poses de acordo com o beat, o chamado Posing. Com o passar do tempo e novas pessoas agregando a cena, os estilos foram se desenvolvendo e hoje o voguing divide-se em três principais categorias:

- Old Way, modalidade cujo foco são as linhas e simetrias, como nas páginas da revista;
- New Way, com foco na flexibilidade e agilidade, inspirado em movimentos ginásticos;
- Vogue Femme, criado pelas Femme Queens da cena, traz a feminilidade, acrobacias, sensualidade e energia.

 

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Quinta edição da Ball Vera Verão na Casa Natura Musical, em São Paulo
Imagem: UOL/Felipe Inácio

 

Criador da EC Bahia Livre, Edvaldo Junior conta do seu projeto que inspirou mudanças no comportamento dos clubes e torcedores
por
Ana Clara Souza
Isabela Fabiana
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14/06/2024 - 12h

“Foi bem empolgante discutir esportes, que é uma coisa que eu gosto e sexualidade, que é algo que eu vivo” revela Edvaldo Junior, um jornalista cis gay negro de 41 anos nascido na capital Baiana, criador de uma das primeiras páginas dedicadas ao movimento LGBT no mundo futebolístico, a EC Bahia Livre. Em entrevista exclusiva para a AGEMT, ele compartilha o surgimento da página que inspirou milhares posteriormente e conta a sua história, passando por momentos de descobrimento do seu “eu” e aflições com o pai. 

Edvaldo Junior revelou que o EC Bahia Livre nasceu no ano de 2012, o estopim para a criação aconteceu quando “estourou um caso de homofobia que partiu das torcidas, daí as pessoas LGBTs que iam para os jogos, que faziam parte das torcidas começaram a se indignar e surgiu o movimento nas redes sociais do “Vasco Livre”, que foi seguido por outros times”. Na época, ele e um amigo ficaram indignados que o Bahia não havia se movimentado e, por isso, decidiram eles mesmos criarem uma conta. 

O movimento iniciado por Edvaldo Junior e seu amigo, com quem não tem mais contato hoje em dia, influenciou no crescimento do movimento LGBTQAPN+ no futebol brasileiro. A LGBTricolor, página da também da torcida do Bahia nasceu em 2019, após grande inspiração pela EC Bahia Livre. 

De acordo com um levantamento feito pelo site O Contra-ataque, até 2016 não existia qualquer menção dos clubes aos torcedores LGBTs. Foi só a partir de 2017 que começaram a se posicionar.   

“Então, para mim foi fantástico viver aquilo, eu nunca imaginei unir as duas coisas. Na época que foi criado eu nem pensava que hoje a gente ia ter o movimento que o Bahia faz, temos uma camisa oficial com as cores do arco-íris, isso é inacreditável.” comenta Edvaldo sobre o ato que o clube realizou de fazer camisas com as cores da bandeira LGBT. 

No dia 10 de maio de 2024, foi anunciado através do Instagram do LGBTricolor que eles iriam unificar as duas páginas no Facebook e trazer os conteúdos da torcida para o Bahia Livre, que não estava sendo atualizada a algum tempo.

Entrevistado Edvaldo Junior e sobrinho
Edvaldo Junior e seu sobrinho. Reprodução: Arquivo Pessoal.

Na época em que ainda administrava a conta, o torcedor baiano não tinha uma relação tranquila com seu pai em relação à sua sexualidade, então foi muito estranho fazer isso sem ele saber, fala Edvaldo: “Eu morria de medo de que ele soubesse, de que algumas pessoas soubessem. Não sei se dava para identificar que eu era o criador, mas me sentia protegido de não ter que revelar quem eu era, porque nada tinha meu nome diretamente.” 

Sobre a relação com o pai, Edvaldo diz ter sido delicada, por ele ser um homem conservador e machista, mas o que é comum para uma pessoa com mais de 70 anos. “Eu admiro muito meu pai, ele é um homem muito forte, afirmativo, com garra, fala o que pensa, decidido, um senhor sagitariano”, ele logo esclarece. 

Edvaldo desabafou sobre, apesar das desavenças, sempre ter tido a família ao seu lado. “Minha mãe me abraçou como sempre fez a vida toda. Meu pai não foi fácil para ele e nem para mim também ter que ver a cara de decepção dele, mas ele não me deu as costas. Ele deixou claro toda a frustração de estar ouvindo o que não queria ouvir, mas nunca me abandonou.” 

“O assunto de sexualidade já causou rugas, discussões, falas pesadas que me magoaram, mas a gente se ama e estamos tentando, e vamos continuar tentando até o fim, vamos morrer tentando achar um caminho para chegar ao equilíbrio, mas acho que já estamos bem perto disso", completa.  

Edvaldo também contou como aconteceu a descoberta de sua sexualidade: “Eu fui uma criança e adolescente muito tímido, muito magro e me achava feio. Despertei muito tarde para a minha sexualidade. Beijei pela primeira vez uma menina aos 15 anos e sabia que tinha alguma coisa diferente, que eu tinha desejo por pessoas do mesmo sexo”. 

A primeira vez que beijou um homem foi aos 18, mesmo assim se repreendeu, pois, se colocava em um casulo, não contava com muitos amigos no período escolar e sim com o bullying, que foi constante por razões de sua orientação sexual. “Era uma coisa que eu realmente nem sabia que eu era, ouvia aquelas ofensas sem entender direito o porquê eu estava ouvindo, já me remetia que aquilo era errado, isso entrou na minha cabeça e eu fiquei em negação por um tempo”, conta Junior. 

Sobre os momentos que sente felicidade e liberdade atualmente, Edvaldo respondeu: “é quando eu estou com meus amigos, ambientes LGBT, lugares onde eu posso me sentir totalmente à vontade… e também quando estou com a minha família ou em um jogo de futebol.” 

“Onde quer que eu estiver, porque eu tento ser feliz dentro daquilo que me é proporcionado de felicidade naquele contexto, mas sabemos que nem sempre conseguimos alcançar esse objetivo”, diz Edvaldo Junior.

Vinicius Oliveira, da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, em Jundiai, tem homossexualidade acolhida na comunidade
por
Camila Bucoff
Giovanna Brito
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18/06/2024 - 12h

 

“Em Jesus, na minha fé, foi onde eu me encontrei para poder seguir em frente e me entender melhor, entender que isso - ser gay - não é errado” disse Vinicius Oliveira, 18, ao relatar a influência da religião na descoberta da sua sexualidade. O jovem congrega desde a sua infância na Paróquia Sagrado Coração de Jesus em Jundiaí, e durante a adolescência começou a servir de forma voluntária com eventos, teatros, acampamentos e em outras ocasiões. 

Atrás, uma parte da construção de uma igreja católica antiga e, á frente dela, uma bandeira da comunidade LGBTQIAPN+ erguida.
Imagem: Reprodução/Plano crítico.

 

Apesar do seu posicionamento positivo quanto a essa relação, sua trajetória de aceitação pessoal e coletiva como cristão parte da comunidade LGBTQIAPN+ foi composta por altos e baixos. Muitas pessoas que costumam assumir sua sexualidade dentro de lares e ambientes conservadores sofrem diversos tipos de preconceitos e linchamentos, o que acarreta em seu afastamento ideológico da religião. A experiência de Vinícius teve um desfecho diferente: “No começo eu cogitei várias vezes em deixar a minha igreja, sentia que isso não estava me fazendo bem emocionalmente. Foi muito difícil entender o que eu estava sentindo, mas ao me assumir encontrei apoio em amigos e principalmente em Deus.”

As visões cristãs sobre a homossexualidade têm sido diversas ao longo dos séculos e entre as denominações, seja católica ou evangélica. Algumas igrejas conservadoras veem a homossexualidade como uma violação dos princípios bíblicos e a consideram pecaminosa. Outras têm adotado uma abordagem mais inclusiva, aceitando membros LGBTQIAPN+ e, em alguns casos, permitindo casamentos e ordenação de clérigos.

Duas mulheres de cabelo curto, uma loira e uma morena, estão a esquerda da imagem, ambas estão segurando buquês e recebendo a benção de um padre, á direita da imagem. Ele esta de mão erguida sobre a cabeça delas realizando o casamento.
Cerimônia em Igreja Católica alemã celebra união entre casal lésbico. Foto: Andreas Rentz/Getty Images.

 

O número de membros assumidos do clero ainda é desconhecido. De acordo com o levantamento da BBC, dentre os 27 mil padres que exercem o ofício atualmente no Brasil, nenhum teve sua sexualidade levada ao público. Apesar disso estar diretamente ligado com a prática do celibato - disciplina existente desde o século 11 que não permite que os padres tenham relacionamentos amorosos - ainda gera questionamentos sobre a liberdade e é um dos motivos pelo qual diversos líderes pedem o desligamento da Igreja Católica todos os anos, segundo o G1. 

Nesse sentido, a falta de apoio, conselhos e acolhimento por parte da comunidade cristã pode gerar um sentimento de solidão e não pertencimento naqueles que fogem da heteronormatividade. Para o jovem em questão, isso deixou de ser um problema, pois seus amigos são uma grande rede de apoio dentro do ciclo religioso. Segundo ele, existem outras pessoas LGBTQIAPN+ ou que ainda estão confusas sobre sua orientação sexual e passando pelo processo de descobrimento.

Em relação ao posicionamento dos líderes religiosos quanto a homossexualidade, o Papa Francisco tem adotado uma abordagem mais inclusiva e compassiva em relação às pessoas LGBTQIAPN+ em comparação com alguns de seus predecessores. Ele frequentemente fala sobre a importância do diálogo, do acolhimento e do respeito mútuo, mantendo os ensinamentos tradicionais da Igreja. Vinicius comenta sobre isso: “A relação entre a igreja e os LGBT’s sempre vai ser complicada de entender, é um relacionamento muito difícil. Porém, acho que já tivemos muita evolução com isso, as falas do Papa e as leis que aprovam a benção a casais do mesmo sexo são alguns dos progressos que conseguimos ter.”

Porém, algumas de suas declarações recentes geraram controvérsias. Jornais italianos, como o “La Repubblica” e o “Corriere della Sera”, expuseram que dia 11 de junho, em uma reunião fechada, o Papa teria utilizado um termo homofóbico para se referir a população homossexual. A fala envolvia uma problematização da “ideologia gay” e o desencorajamento da presença dessa comunidade nos seminários religiosos. Após as publicações questionando o comportamento do líder, foi declarado em uma nota do Vaticano que o Papa falava sobre o perigo das Ideologias na Igreja.

Papa Francisco lendo um texto no microfone.
Papa Francisco. Imagem: Mídia do Vaticano /Reprodução via REUTERS.

 

O aumento de inclusão e representatividade no meio é fortalecido por movimentos sociais, como os “Cristãos Contra o Facismo” que articulam candidaturas coletivas na tentativa de tornar os espaços mais acolhedores e se opor ao conservadorismo. Todavia, ao passo que tais discursos tenham ganhado certa tolerância, a Igreja enquanto instituição ainda se mantém estagnada. Enquanto a luta não for impulsionada por mudanças estruturais, os avanços são dificultados. 

O padre José Trasferetti, professor titular da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, afirma em entrevista para a BBC que embora perceba uma evolução em relação aos movimentos LGBTQIAPN+ fora do ambiente religioso, a Igreja como instituição avança lentamente: “A Igreja Católica no Brasil é muito comprometida com as questões sociais. Entretanto, em questão de moral sexual, a prática e o discurso continuam os mesmos dos anos 1940 e 1950”. 

Após as dificuldades iniciais, Vinicius, que atualmente concilia seus trabalhos cristãos com a vida de vestibulando de medicina, reforça a sua decisão de seguir na religião: “Foi na minha fé em Jesus que encontrei conforto, que minha vida começou a andar. Isso facilitou para mim a lidar com todas áreas da minha vida. As pessoas tem que ser quem elas realmente são. Ir à Igreja, conversar com Deus e não perder a fé são coisas essenciais para mim.”

Ex-jogadora do AC Futsal (SP), time do Parque América no Grajaú defende a importância da representavidade feminina e LGBTQIAPN+ em um ambiente dominado por homens.
por
Óliver de Souza Santiago
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13/06/2024 - 12h

“Sempre respondia ignorância com respeito, enfrentava piadas dizendo que queria ser homem, e por ser quem eu sou. Porém nunca abaixei a cabeça para qualquer um que fosse", afirma Rafaella Lima, jogadora de futsal do AC Futsal Feminino, time que atuava na Zona Sul de São Paulo na quadra do CDC Gigantinho (SP).

Nascida e criada no distrito do Grajaú, distrito mais populoso de São Paulo (SP), Rafaella diz ainda que "machismo e homofobia interferem muito, as pessoas olham como várias loucas correndo atrás de uma bola, ou mulher que gosta de outra, e não é isso, é mais amplo e tem muita coisa.”

Seu ativismo sobre a causa LGBTQIAPN+ e feminista influenciando colegas de time, sempre foi alvo de discursos de ódio por parte de torcedores rivais que menosprezaram a atleta por ser imponente em mostrar sua personalidade para a comunidade.

Rafaella em mais um de seus jogos durante a passagem no AC Futsal, no CDC Gigantinho
Foto: Reprodução / Instagram @acfutsalfeminino

Sobre como lidar com um ambiente hostil, Lima afirma: “Eu aprendi, desenvolvi, tive muito conhecimento, mas também amadureci, por toda essa dificuldade tive de evoluir rápido. Quando pensarem que te derrubaram, você dá a volta por cima. Porque comentários assim não te levam a lugar nenhum. Tem de ter força e coragem e enfrentar.”

 

 

Para Rafaella, o futsal pode ser inclusivo: “Todos nós somos diferentes, certo? Primeiramente, deveríamos ter a consciência de não falar que é apenas lugar de homem, e não para mulher, todos podem ir pro futsal de periferia, futebol de várzea e outros. Ainda há o machismo estrutural infelizmente."

Rafaella cobrando lateral durante partida.
Foto: Reprodução / Instagram @acfutsalfeminino

“Na quadra, somos vistas por muita gente, sempre destilam o ódio e preconceito que está enraizado dentro deles. Porém, sempre tentei lidar da melhor maneira possível, incentivando minhas amigas à lidarem da melhor maneira possível também, não retrucando pois não vale a pena revidar, não somos ignorantes que não têm conhecimento. Você é uma pessoa, independente da sua identidade ou orientação tornando isso em coisas amplas e distintas"

Atualmente, a ex-jogadora cursa Educação Física e espalha o conhecimento adquirido na carreira, aconselhando outras mulheres que querem entrar em qualquer área de trabalho:

“Tenham conhecimento e argumente, não abaixe a cabeça para ninguém, independente se for homem ou mulher. Haverá homens te questionando, então use conhecimento, coragem e disciplina, assim formando futuras grandes profissionais, independente da orientação ou identidade de gênero aliado da sabedoria e empoderamento. O saber, como gosto de citar, ninguém te rouba podendo levar tudo, exceto isso. Não é jogando futsal que vai te mudar, orientação sexual é um fato, identidade de gênero é outra, assim como seu esporte e sua profissão.”

No país com maior número de mortes trans no mundo pelo 14° ano consecutivo, a figura materna segue sendo referência para a comunidade
por
Giovana Laurelli
|
13/06/2024 - 12h
Capa de livro com o título "Manto da Transição", no topo, o nome da autora Adélia Nicolete. Fundo alaranjado, com uma imagem bordada de um corpo com um binder (peça utilizada por homens trans)
Capa de Manto da Transição: narrativas escritas e bordadas por uma mãe de trans (Foto: Divulgação/Alpharrabio Edições)

 

“O meu papel materno se vê com a necessidade de se adaptar até as coisas que eu considerava verdade, que eu achava que eram as minhas verdades, quando na realidade é algo imposto por uma sociedade patriarcal e binária.” Atuando como protetora da comunidade trans e travesti, a mãe é uma figura essencial para filhos em transição. A escritora e dramaturga Adélia Nicolete, autora do livro Manto da Transição, é uma dessas mães, escrevendo sobre a sua própria experiência e reunindo relatos de outras auto intituladas mães de trans.

Nicolete ressalta que a participação materna geralmente se faz mais constante do que aquela de outros membros da família: “Existem papéis que estão arraigados no nosso imaginário. Quando você fala de mãe naturalizamos que a palavra seja acolhimento”

Dramaturga Adélia Nicolete: uma mulher branca, de cabelo ondulado, olhos castanhos, sorriso largo e blusa vermelha escuro.
A escritora (e mãe) Adélia Nicolete (Foto: Divulgação/ Alpharrabio Edições)

“A gente passa a se relacionar de uma outra maneira, a pessoa em si é a mesma. Tem muitas mães, muitas famílias que afirmam ter passado pelo luto. Eu não vejo dessa maneira, porque a pessoa não morreu. O que existe é o luto das nossas expectativas, do que a gente imaginou que seria o futuro”, afirma Nicolete. Em 2014, aos 21 anos, seu filho Bernardo iniciou a transição de gênero. Isolada pela pouca visibilidade da pauta trans na mídia da época e como um modo de se “apropriar das próprias emoções”, Nicolete iniciou um diário, que mais tarde teria trechos inseridos na obra intitulada Manto da Transição: narrativas escritas e bordadas por uma mãe de trans. Uma escritora ávida, a dramaturga aprecia a prática do diário desde jovem. “O processo de pensar e sentir, quando ele passa pela palavra, ele ganha uma concretude que depois eu posso lidar com ela, como se fosse exterior a mim”, afirma a autora.

 

Manto consiste em dois cadernos, intitulados Reinaldo e Orlando. Reinaldo tem seu nome inspirado pelo personagem lido como transgênero na obra Grande Sertão: Veredas, Diadorim. Já Orlando é o nome do livro homônimo de Virginia Woolf, que também aborda a vivência trans. No primeiro caderno, encontram-se trechos do diário da autora e relatos de outras mães cujos filhos transicionaram. Já o segundo caderno conta com imagens e textos descritivos de peças de roupas que eram utilizadas na infância do filho, mas foram “ressignificadas pelo bordado”, se transformando com a ajuda das mãos ágeis de Nicolete em símbolos da expressão de gênero de Bernardo.

 

Da esquerda para a direita: vestido infantil de cores claras com palavras bordadas, jaqueta jeans verde com bordados, vestido infantil branco com bordados em tule
Roupas da infância de bernardo são transformadas em representação física da aceitação materna (Fotos: Divulgação/ Alpharrabio Edições)

 

Atualmente, a autora faz parte de um movimento para pessoas da comunidade LGBTQIAPN+. “Eu faço parte agora do Mães pela Diversidade, é recente. Eu vejo que é um ambiente muito acolhedor para as mães, e digo mães porque a maioria das pessoas que procuram são elas. Existem pais também, mas são poucos. Existe um acolhimento muito grande, e é um espaço, desde que você participe, em que você pode falar, você pode desabafar.” Em junho de 2024, a conta no Instagram do Mães (@maespeladiversidade) conta com mais de 120 mil seguidores.

Adolescente trans Lívia Estrella: mulher branca, de cabelo castanho e cacheado com franja, sombra e batom rosa.
Lívia Estrella, em frente à república estudantil que habita (Foto: Acervo Pessoal)

Observando a experiência de sua mãe em relação ao seu processo de transição, a jovem Lívia Estrella, de 18 anos, relata que percorreu altos e baixos. “Eu ficava triste com a minha mãe, pois a minha avó “aceitou” de primeira, nunca mais me chamou de forma errada, mas a minha mãe parecia estar resistindo. Ela sempre me apoiou, me deixava usar a roupa que queria e me emprestava maquiagem, porém quando eu citava o meu desconforto com o nome, ela se colocava como vítima, dizendo que era difícil para ela e que também era um processo”.

Lívia iniciou o processo em meados de 2023, e em três meses já havia compartilhado sua identidade com todos que conhecia. "Eu vivi grande parte da minha vida com a minha mãe, meu pai nunca foi uma pessoa presente em minha vida, então, eu e minha mãe sempre tivemos uma relação muito próxima, sempre confiei nela em tudo e ela também sempre confiou em mim." Atualmente, a estudante cursa pedagogia na Universidade Federal de Ouro Preto, vivendo em uma república feminina na cidade. Mesmo não compartilhando mais a mesma casa, a mãe é hoje uma figura de acolhimento para Lívia. “Eu sentia que não podia confiar mais nela, porém com o tempo, a gente ficou muito bem! Agora ela me ajuda bastante, ela me empresta muitas roupas, ela paga e me leva nas minhas consultas com o meu endocrinologista, ela me dá presentes “femininos”, mas na época em que eu estava me descobrindo, ela estava em seu próprio processo.”

 

A dificuldade inicial apresentada pela mãe de Lívia não é incomum, já que a transição de um filho acaba sendo uma transição para a família toda.  “Não é de uma hora para a outra que a compreensão acontece, a gente vai se adaptando ao longo do tempo. Acho que existe alguma coisa no cérebro que está condicionada por tantos anos.  A primeira coisa é segurar essa pessoa junto de você, até você compreender.” 

Apenas seis universidades federais do país reservam cotas para o grupo da comunidade LGBTQIA+ em cursos de graduação
por
Mariane Beraldes
Victória Miranda
|
13/06/2024 - 12h

Pessoas transgêneros enfrentam desafios significativos para acessar a educação superior no Brasil, uma vez que, das 69 universidades federais, somente seis adotam a política de cotas trans em cursos de graduação, sete estudam a implementação da medida e 15 instituíram a reserva para pós-graduação.

As instituições públicas buscam, de forma independente, adotar medidas e reservar vagas para pessoas trans. As cotas existentes são dadas por legislações municipais, estaduais ou de iniciativas políticas internas de organizações públicas ou privadas.

Em 2017, a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) foi a primeira instituição a reservar a cota, destinando uma vaga em cada curso a transexuais.

Já em São Paulo, a Universidade Federal do ABC (UFABC) foi pioneira na reserva, contando com 40 vagas para o grupo. A universidade pública do estado de São Paulo, aderiu às cotas por meio do Sistema de Seleção Unificada (SISU).

No começo de 2018, o projeto de reserva de vagas a pessoas trans foi aprovado junto à Comissão de Políticas Afirmativas, e em novembro ocorreu a aprovação final pelo Conselho Universitário. Assim, em 2019 a instituição do ABC Paulista, recebeu a primeira turma de estudantes beneficiados pela cota.

Com a ação afirmativa, 1,6% das vagas da graduação passaram a ser destinadas para pessoas que se identificam como transgêneros, transexuais ou travestis.

Sarah Ísis, estudante de Bacharelado em Ciência e Tecnologia na UFABC, foi uma das contempladas com o benefício no ano de 2024. Ela afirmou: “A implementação das cotas foi uma oportunidade incrível, pois para você tentar concorrer na ampla concorrência, é muita gente e acaba que muitas pessoas trans não tem tantas oportunidades de estudo, de emprego, do financeiro em si, para poder investir em cursinho por exemplo”.

 

Sarah Ísis, de 20 anos. Imagem: Arquivo Pessoal.
Sarah Ísis, de 20 anos. Imagem: Arquivo Pessoal.

 

Nascida na cidade de Paulo Afonso, na Bahia, Sarah revelou ter escolhido estudar em São Paulo devido às possibilidades e condições de vida. “Eu escolhi a UFABC porque o estado de São Paulo é um lugar de oportunidades, principalmente para pessoas trans. No lugar onde eu nasci e fui criada não é bom, por questões de oportunidades e preconceito”.

E completou: “Embora São Paulo também tenha preconceito, a diferença está nas políticas públicas de saúde e nas maiores chances de emprego. Um exemplo são os ambulatórios trans do SUS, onde você pode fazer tratamento hormonal, psicológico e endócrino gratuitamente. Na Bahia, infelizmente, isso é inexistente.”

A estudante ao entrar na Universidade Federal do ABC percebeu que tinha feito a escolha certa: “A UFABC é muito incrível na questão de acolher, tanto as pessoas da comunidade LGBT+ quanto propriamente dito as pessoas trans”.

 

Publicação do movimento estudantil da comunidade LGBTQIA+ da UFABC

 

PROJETO PARA LEI DE COTAS

Em junho de 2023, com o objetivo de diminuir a realidade de exclusão e preconceito no Brasil, a deputada federal Érika Hilton (PSOL-SP) apresentou o Projeto de Lei (PL) nº 3109/2023, que estabelece a reserva de 5% das vagas para pessoas trans e travestis nas universidades federais brasileiras. Em fevereiro de 2024, foi incorporado ao processo, o PL n° 354/2024, que propõe a reserva de 2% das vagas em concursos públicos para pessoas trans.

Atualmente, o projeto se encontra aguardando designação do Relator(a) na Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial (CDHMIR).