“Precisamos representar personagens contando nossas histórias através de nossos próprios corpos”, afirma Gabriel Lodi, ator e dublador trans. Existem muitos desafios se tratando da identidade de gênero dissidente em um país transfóbico como o Brasil. E, ao contrário do que muitos pensam, o mundo das artes não é diferente. “O cinema não é só transfóbico, ele é misógino, branco, racista, elitista; ser transfóbico é só mais uma questão dentro do universo hierárquico que é o universo do cinema.” Desse modo, não só Lodi, mas todos os atores e atrizes trans encontram diversas questões relacionadas aos seus corpos e suas identidades durante suas trajetórias como artistas.
A representatividade trans no mundo artístico ainda é bastante escassa e, muitas vezes, mesmo que existente, é realizada por pessoas cisgêneras. Em diversas narrativas trans, ocorre o que se conhece como transfake, termo usado para se referir à prática de pessoas cis representando pessoas trans no audiovisual. Essa é uma prática bastante utilizada e gera um apagamento sistemático da comunidade trans, explica Lodi, afinal há representatividade trans se não são essas próprias pessoas representando suas histórias?
O transfake é reflexo do imaginário social que a cisgeneridade tem sobre a vivência da transgeneridade, trazendo uma falsa representatividade nas produções. São ideias muitas vezes deturpadas ou até mesmo distorcidas sobre a realidade trans, que costuma ser representada como miserável, baseada em situações de vulnerabilidade emocional, social e econômica, sempre às margens da sociedade. Assim, o ponto de vista cis sobre o tema reforça estigmas que já se tem sobre a comunidade trans, sendo limitante quanto às suas vivências que, na verdade, são diversas e pertencentes à múltiplas realidades.
A perspectiva cisgênera sobre narrativas trans também inibe a possibilidade que muitas pessoas teriam de se identificar e ganhar potência através da arte. Além disso, impede com que a própria comunidade se expresse através dela e exponha seu desejo de avanço em relação à sua qualidade de vida e à sua integração na sociedade. O uso de narrativas que envolvem positivamente a transgeneridade pode dar mais força às vozes do movimento.
Surge então a importância da interpretação de papéis trans por parte de pessoas que tenham, de fato, vivências identitárias em sua bagagem. A interpretação de outros tipos de papéis por parte de atores e atrizes trans também se faz importante no cinema, pois é uma forma de inclusão desses artistas, que permite com que falem de suas experiências como parte de uma minoria, mas não sendo o único contexto em que personagens trans apareçam nas produções. E, a inclusão envolve os próprios conteúdos cinematográficos e a participação na direção da construção de narrativas e execução de filmes, inclusive em cargos importantes e proeminentes.
No cenário atual, avanço não seria a palavra mais adequada para definir a realidade dos artistas trans. Gabriel explica: "Tivemos pequenas conquistas e eu comemoro cada uma delas. De tanto a gente lutar, dar nossa cara a tapa e fazer manifestações para falar da nossa existência, surgiram mais oportunidades de trabalho, mas ainda não pertencemos a esse espaço”. Para o ator não há um avanço social ainda e, ele completa, “Acredito que quando a gente avançar socialmente tudo vem junto.” Discutir o tema é essencial para gerar conscientização e mobilização por parte da sociedade como um todo.
O uso do pronome Neutro vem sendo disseminado pela comunidade LGBTQIA+ e se popularizando, porém, seu uso nas mídias sociais acaba causando polêmicas sobre a necessidade e importância da norma verbal culta. "A reinvindicação é importante e certa, é o direito das pessoas, ela sente a necessidade de se expressar dessa forma através da linguagem", comenta Bruno Sangiorgio professor de línguas formado pela universidade de São Paulo (USP).
De modo geral, os pronomes são um conjunto de palavras que tem a função de substituir ou nomear um substantivo ou adjetivo, então, esse conjunto é classificado por gênero masculino ou feminino. O neutro surge como uma categoria gramatical que incluí diferentes gêneros que não se identificam nem com o masculino, nem com o feminino.
Os embates ocorrem a partir do momento em que o uso do pronome neutro começa a se difundir e se torna uma base de mudanças. Para o professor, o problema começa na falta de informação: “As pessoas têm muito preciosismo com a língua portuguesa, mesmo sem estudá-la, é um assunto muito complexo”, e complementa “a língua é viva e acontecem mudanças nela conforme a sociedade a utiliza”.
No ano passado, o Museu da Língua Portuguesa fez uma postagem de boas vindas pós pandemia em suas redes sociais, utilizando além de "todas" e "todos" o "todes" como representação do pronome neutro, gerando uma repercussão tanto negativa como positiva, sobre o questionamento de uma possível inserção na norma ortográfica padrão.
Os apoiadores da utilização do pronome acreditam que ele possa ser necessário para uma mudança positiva de inclusão de minorias na sociedade e já o utilizam, porém em muitos casos a “transformação” na forma de fala e escrita, incomoda conservadores e estudiosos. No Latim o artigo neutro existia, porém sua terminação coincidia com as terminações masculinas e com o passar do tempo elas foram se unindo e se formou uma só. Por isso, a inexistência de um pronome neutro nos dias atuais é possível, mas para Sangiorgio isso não se justifica: “Usar o masculino plural como neutro só por ser uma herança do patriarcalismo é errôneo, existem sociedades que o neutro é o feminino plural e não significa que a sociedade seja matriarcal”.
“Mas apesar do preciosismo que eu disse anteriormente, vemos uma presença forte da cultura norte-americana na nossa língua que é tratada com normalidade, palavras como ‘Break’ ou ‘brainstorming’ já estão inseridas na nossa sociedade” cita o professor, como um processo de afastamento e marginalização da sociedade LGBTQIA+, sendo um dos fatores que mais contribui para desvalidar este discurso.
Ainda assim, seus adeptos lutam para uma maior aderência ao discurso, porém em um ambiente pouco propicio, a internet. Em média, o brasileiro passa quatro dias inteiros por semana conectado na internet, mas ainda sim, existe uma falta de aprofundamento de questões tão importantes como a do pronome neutro, um assunto recente e profundo que é tratado de maneira vaga e acelerada.
Sangiorgio porém, acredita que a implementação do pronome neutro como norma ortográfica é possível, mesmo em um processo lento e gradual “A partir do momento que a palavra é colocada no dicionário quem é mais afetado é a criança que está na escola, não o adulto que tenta combater seu uso. A mudança só é positiva a partir do momento que se consolide a ponto de ser ensinada nos níveis mais básicos da educação”. Ele finaliza: “A mudança na língua é apenas uma parte do necessário para ter um convívio social saudável para todos.”
Na medida em que chegam as eleições, começam a surgir as propagandas e os debates televisivos, além é claro, da incessante busca pelo candidato ideal por parte do eleitor, que tem em suas mãos a responsabilidade de exercer seu papel como cidadão e fazer a escolha certa. Maike Alves, 28, é tatuador e membro da comunidade LGBTQIA + e acredita que a possibilidade de escolher um representante político é um direito de grande importância. Em suas próprias palavras, “garante não só a possibilidade de participar da vida em sociedade como também é uma oportunidade de eleger alguém que garanta melhorias para mim e para as comunidades que pertenço”.
Dentre as propostas avaliadas pelos eleitores, a agenda atual da sociedade exige demandas, explicações, projetos e atenção extrema para pautas de inclusão de minorias e uma cada vez mais emergente preocupação com a questão da diversidade, de um modo geral. Alves acredita que na hora de selecionar o candidato, além de levar em consideração propostas relacionadas à saúde e educação, ter projetos que priorizem causas sociais e defender direito de minorias é essencial. Porém, quando se trata de pautas relacionadas à comunidade LGBTQIA +, Alves observa que políticos que representam uma porcentagem maior da sociedade não costumam falar sobre os direitos do movimento e dentre aqueles que de fato abordam tal temática, "a grande maioria das propostas são vazias, não se concretizam em ações”, disse.
A pauta LGBTQIA + vem sendo cada vez mais abordada e discutida entre a população e a busca por mudanças é notória, refletindo no aumento de candidatos LGBTQIA + em relação a 2018. De acordo com levantamento realizado pela organização VoteLGBT, para as eleições de 2022, 214 candidaturas LGBTQIA+, de 20 partidos diferentes, foram registradas na Justiça Eleitoral, para disputar a eleição deste ano. O número é maior que em 2018, quando foram registradas 157 candidaturas, mas ainda é pouco, sendo apenas 0,76% do total de candidaturas destas eleições. Para Alves, por mais que dentre os 99% vários sejam simpáticos à causa, por não viverem sua realidade, eles não entendem perfeitamente o que a comunidade passa, dificultando a realização de mudanças reais. Essas que na visão do tatuador, só virão com o aumento no número de candidatos que se identificam como LGBTQIA +.
Pedro Mazziero, 23, é ator e modelo, homem cisgênero e bissexual. Ele não “bota fé” nos planos de governo, mesmo dos candidatos aos grandes cargos, como Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, candidatos à presidência da República. Frisa sua desilusão e desesperança com a política em geral, apesar de reforçar seu desejo de extirpar a direita “louca e fascista”.
Ele destaca sua motivação por causa das poucas medidas públicas sistemáticas tomadas de 2018 para cá, além de dizer que “pelo nosso histórico, pode ser muito provável que os candidatos estejam mentindo. Estou bem neutro em relação ao que os políticos estão propondo”.
Pedro ressalta ainda que não enxerga possibilidade de haver medidas focadas na comunidade LGBTQIA +, justamente pelo fato de a representatividade da comunidade nas candidaturas ser baixíssima - menos de 1%. Para haver qualquer mudança significativa, seria necessária maior representatividade. “A classe política é, pelo menos abertamente, maioria esmagadora hétero. Não acho que o sistema vá mudar. Todo mundo fala e fala. Minha amiga, que é modelo trans, apanhou em um 99”, desabafa.
A Taça da Diversidade é um campeonato de futebol que reúne pessoas LGBTQIA+ apaixonadas pelo esporte, mas que se viram afastadas devido ao preconceito. ‘’Muitos homens gays ouviram na infância que eram muito afeminados para jogar futebol e eram excluídos das aulas, como aconteceu comigo’’ declara William dos Anjos, jogador do time Unicorns Brazil.
Fundado em 2019, a Taça da Diversidade conta atualmente com mais de 260 atletas, ocorrendo sempre no mesmo final de semana da maior parada LGBTQIA+ do mundo. Neste ano, o campeonato ocorreu dia 18 de junho, no bairro Barra Funda, e contou com a presença de 13 times, cada um contendo 16 jogadores e quatro integrantes da comissão técnica. O evento é dividido em duas categorias, a cis – pessoas que se identificam com o gênero de nascimento- e a trans -pessoas que não se identificam o gênero imposto ao nascer-.
Existem equipes compostas somente por homens gays (Unicorns e Bulls), outras somente por mulheres lésbicas (Fugitivas da Lei Seca e Jogamiga A), existem equipes mistas (Guarani e Jogamiga B) e de jogadores heterossexuais (Nenê de Vila Matilde e Reggae Boys). Além dos cinco times de homens trans, Manda Buscá, Meninos Bons de Bola, Pogonas, Trans United e T Mosqueteiros, não existindo times de mulheres trans no campeonato. Os times são dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Ceará.
Segundo dos Anjos, a melhor parte de participar do campeonato é que ele está jogando com pessoas que tiveram experiências parecidas com a dele, de ridicularização e exclusão, e agora todos estão tendo oportunidade de jogar e se divertir, sem sofrer preconceito.
A Taça da Diversidade é um evento aberto para o público e para a entrada foi necessário somente a doação de um produto de higiene pessoal, que foram doados para o Instituto Casa Florescer que acolhe mulheres transexuais necessitadas de ajuda social e psicológica.
O objetivo de todos que produzem o campeonato é celebrar a diversidade LGBTQIA+ e driblar a homofobia e transfobia, que diversos atletas sofreram durante a vida e encontraram no evento uma oportunidade de se divertir e praticar o esporte que ainda possui muito preconceito enraizado. ‘’O futebol é para todos, todas e todes’’ afirma Renan Dias, presidente do time Bulls que participou do evento.
Além da Taça da Diversidade, existem outras competições destinadas ao público LGBTQIA+, existindo inclusive uma agenda completa de campeonatos. “É um calendário de competições bem preenchido, a pandemia deu uma interrompida nisso, mas agora a gente está voltando. Nós tivemos a Copa São Paulo em novembro, o Campeonato Mineiro em dezembro, vamos ter agora a Taça Maravilha inclusive já contando com o apoio do poder público aqui no Rio, a Champions League já conseguindo apoio inclusive da CBF, patrocínio da CBF, são conquistas importantíssimas para o nosso segmento", declarou Flávio Amaral, jornalista e gerador de conteúdo sobre o movimento do esporte LGBTQIA+.
Especialmente no futebol, a questão da homofobia sempre foi muito presente, tanto dentro quanto fora das quatro linhas. A forte presença desse tipo de preconceito faz com que muitos jogadores e jogadoras tenham grande receio em revelar sua opção sexual para o público. Dessa forma, tornam-se fundamentais os movimentos de apoio à comunidade LGBTQIA+ no âmbito esportivo, para que todos os atletas, independente da modalidade, possam se sentir incluídos sendo simplesmente quem eles são.
Flávio Amaral acredita que essas competições tem grande importância nos âmbitos social e popular, em que diversas transformações são feitas na vida das pessoas que decidem ingressar nessas equipes, que elas servem como verdadeiras “curas” até mesmo para pessoas que, por exemplo, são diagnosticadas com depressão. "A gente percebe com muito orgulho realmente o impacto que essas equipes têm e ainda vão ter com certeza. Essas pessoas encontram nessas equipes um acolhimento, um pertencimento que elas nunca tiveram em âmbito esportivo. Isso é altamente importante e enriquecedor para o nosso movimento”.
“A maior dificuldade para a candidatura LGBTQIA+ é o partido”, afirma Gui Mohallem; fotógrafo, artista plástico e executivo da organização VoteLGBT. Em contato via WhatsApp, ele diz que o investimento é quase nulo, além da existência de violência, sabotagem, homofobia e negligência nos partidos com os candidatos LGBTs.
O #VoteLGBT surgiu em 2014 como uma campanha para viabilizar candidaturas pró LGBTs, sendo uma das organizações pioneiras na luta pela causa. A entidade entende que só existe democracia quando há diversidade.
Em 2016 a instituição começou a realizar pesquisas de perfil político nas paradas LGBT, e assim produziram dados sobre a comunidade na população, já que essas informações estatisticamente não existiam na época.
Mohallem fala sobre as dificuldades e LGBTfobias que os candidatos sofrem ao tentarem se filiar a um partido político: “LGBTs não escolhem o partido, vão no que aceitam”. Ele alega que é um “luxo” um LGBT escolher o partido que deseja pela posição política, e também diz que muitos partidos abandonam seus eleitorados, sem investir devidamente neles.
O artista diz ser comum os partidos investirem pouco ou até mesmo nada nas candidaturas: “Tem partido, que de sete candidaturas LGBTs em 2020, cinco deles não receberam investimento, nenhum tostão”, declara o fotógrafo.
Logo após, Mohallem fala sobre o confinamento que os grupos políticos impõem para os candidatos: “Os partidos tendem a confinar os LGBTs a pautarem apenas nas questões identitárias, e ao contrário disso, vemos muitos mandatos LGBTQIA+ com propostas interessantes para toda população”.
De acordo com as pesquisas do VoteLBGT, representantes LGBTs eleitos, somando todos os cargos, ocupam apenas 0,16% na política. Ainda assim, as denúncias de violência política e ameaças de morte, atendidas pelo Ministério Público, mostram que 50% são contra mulheres trans.
Expectativas nas eleições de 2022
Nas eleições de 2018, segundo a Associação Brasileira LGBT(ABLGBT), houve 180 candidaturas LGBTQIA+. Até o momento, chegou-se ao número de 242 nesse período eleitoral, divulgado abertamente no site do VoteLGBT+. Candidaturas não pertencentes à sigla em questão, mas que apoiam abertamente a causa, também ecoam cada vez mais nos espaços políticos.
O presidente da Aliança Nacional LGBTI+, Toni Reis, também projetou um alcance em torno de 250 do dado exposto acima. Disse também sobre a expectativa de ter, no mínimo, 8 candidaturas da comunidade eleitas no Congresso Nacional, o que seria o dobro das pessoas assumidamente LGBTQIA+ entre deputados e senadores.
Para chegar a essa conquista o envolvimento da organização na política não é pequeno. Conta com um programa chamado Voto Com Orgulho, trazendo apoio no âmbito jurídico e na questão da publicidade nas campanhas políticas. Atualmente são 34 candidaturas espalhadas pelas 5 regiões do Brasil e todos para os três cargos do Poder Legislativo.
Ao contar com essa assistência, é necessário assinar um termo de comprometimento com propostas específicas de cada setor que vai concorrer, almejando o combate a LGBTfobia e promoção dos direitos da sigla. Há três eleições em funcionamento, Toni declarou que a plataforma “tem o intuito de incentivar as pessoas a se orgulharem de serem o que são e também votarem com orgulho, ter dignidade para isso.’’
Toni deseja com essas eleições atingir uma bancada forte LGBTQIA+, e assim, lutar para positivar no congresso nacional todas as ações a favor conquistadas no Poder Judiciário brasileiro, como a criminalização da LGBTfobia, casamento homoafetivo, nome social e mudança de gênero.