Influenciadora é chamada de "homem" por espectadora; confusão gerou vaias, atraso no espetáculo e intervenção policial
por
Carolina Zaterka
Manoella Marinho
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15/04/2025 - 12h

 

Malévola Alves, influenciadora digital e mulher trans, denunciou ter sido vítima de transfobia no Teatro Renault, em São Paulo, no dia 26 de março de 2025, ao ser tratada pelo pronome masculino e chamada de “homem” por uma espectadora. O incidente ocorreu antes do início do musical “Wicked”. Malévola, com mais de 840 mil seguidores, publicou trechos do episódio em suas redes, que rapidamente viralizaram.

Segundo relatos de testemunhas e da própria vítima, a confusão começou quando Malévola esperava uma nota fiscal e a mulher atrás dela mostrou impaciência. As duas trocaram palavras e, ao se afastar, a mulher teria gritado "isso é homem ou mulher?" em sua direção. A vítima então se sentiu ofendida e levou a denúncia à plateia, apontando a espectadora como autora do ataque transfóbico, causando um tumulto que paralisou a plateia.

A reação do público foi de imediato apoio a Malévola, com vaias à agressora e pedidos para que ela fosse retirada do teatro. “A gente não vai começar a assistir a um espetáculo que é extremamente representativo para a diversidade com uma mulher dessa aqui. Não faz o menor sentido”, afirmou um dos espectadores durante o protesto.

Diante da pressão da plateia, a apresentação atrasou cerca de 30 minutos. A mulher acusada acabou saindo do teatro sob escolta policial, levada à  delegacia para realizar um boletim de ocorrência, recebendo aplausos e vaias dos demais presentes. Miguel Filpi, presente no evento, celebrou nas redes sociais: “Justiça foi feita!! Obrigado a todo mundo nessa plateia que fez a união para que isso acontecesse.”

Carlos Cavalcanti, presidente do Instituto Artium (Produtor do musical), pediu desculpas pelo ocorrido antes de dar início ao espetáculo: “Peço desculpas por esse acontecimento e por esse atraso. Tudo o que a gente pode admitir, é bom que a gente admita na vida, mas transfobia em Wicked, não dá”. A atriz Fabi Bang, também se manifestou durante e após o espetáculo: “Transfobia jamais” - uma improvisação durante a música “Popular”.

 

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Fabi Bang, atriz que interpreta Glinda, em apresentação do musical. Foto: Blog Arcanjo/Reprodução

Viviane Milano, identificada como a espectadora acusada, negou as acusações em um pronunciamento, alegando que a confusão na fila da bombonière não foi sobre identidade de gênero, mas sobre uma tentativa de furar fila. Ela afirmou: “Perguntei em voz alta: ‘Era o homem ou a mulher que estava na fila?’”, dizendo que sua pergunta foi mal interpretada.

A produção de Wicked e membros do elenco reiteraram seu compromisso com a diversidade e repudiaram o incidente. A nota oficial da produção destacou: “Nosso espetáculo é e continuará sendo um espaço seguro para todas as pessoas, independentemente de identidade de gênero ou orientação sexual.”

Declaração é realizada 50 anos após a morte do jornalista pela ditadura militar
por
Beatriz Alencar
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25/03/2025 - 12h

O jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 1975, foi declarado, no dia 18 de março, anistiado político post mortem pelo governo. A decisão foi publicada pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) no Diário Oficial e, além do reconhecimento, a decisão incluiu uma reparação mensal permanente para a viúva Clarice Herzog, no valor correspondente ao cargo que o jornalista ocupava antes do assassinato, de diretor do Departamento de Jornalismo da TV Cultura, equivalente a R$ 34.577,89.

Em nota, o Instituto Vladimir Herzog, criado para preservar a memória do jornalista e destacar problemas da sociedade causadas pelo golpe de 1964, celebrou a conquista: “Este importante reconhecimento, que ocorre após 49 anos de luta incansável por memória, verdade, justiça e democracia, liderada por Clarice, é tão mais simbólico, pois, acontece em 2025, marco de  50 anos do assassinato de Vlado. Seguiremos confiantes de que o Estado Brasileiro cumprirá com, além deste, todos os demais pontos resolutivos da Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Herzog”.

O agora anistiado, foi preso, torturado e morto em São Paulo, pela ditadura militar. Em 1975, o jornalista foi convocado pelos militares a prestar depoimento dentro do DOI-Codi sobre uma possível ligação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas nunca mais retornou para a família.  

 

Vladimir Herzog
Foto: Reprodução: Editora Senac / Livro Jornalistas, lançado em dezembro de 1997

 

Apesar disso, a versão oficial da época divulgada pelos militares, foi que Herzog teria se suicidado dentro da cela de confinamento. No entanto, investigações comprovaram que a causa da morte teria sido após o jornalista passar por tratamentos de tortura. Mas foi somente em 2013 que a Justiça de São Paulo determinou uma mudança na causa da morte no atestado de óbito de Herzog. Agora, no documento consta: “morte causada por asfixia mecânica por enforcamento em decorrência de maus tratos sofridos durante interrogatório em dependência do 2º Exército (DOI-Codi)”.

Para o filho do jornalista, Ivo Herzog, esse reconhecimento não aconteceria sem a disposição da família de lutar pela memória do pai. “São quase 50 anos de luta iniciada pela minha mãe na busca da verdade e justiça. Esta reparação concedida agora de alguma forma colabora neste processo de busca pela justiça e poderá ajudar que minha mãe tenha segurança na atual etapa de sua vida”, declarou em entrevista à Agemt.

 

Ivo Herzog
Foto: Ivo Herzog, filho de Vladimir Herzog,  em coletiva de imprensa | Reprodução: Estadão / Fotógrafo: Manoel Marques

 

 

Ivo ainda relata que ainda há muito o que ser conquistado. Em abril de 2024, a Comissão da Anistia concedeu o título de anistiada para Clarice Herzog e o Estado oficializou um pedido de perdão à viúva, em reconhecimento aos anos de perseguição e pela resistência em não aceitar o silenciamento do governo em torno do desaparecimento e assassinato do marido.

“Há 4 pedidos de Anistia na Comissão de Anistia: Meu pai, minha mãe, eu e meu irmão. Só concederam o da minha mãe. Ou seja, o pedido de perdão até este momento somente foi feita para a minha mãe. Estamos cobrando o mais importante pedido de perdão que seria para o que foi feito ao meu pai”, declarou Ivo.

O filho mais velho do casal também diz se orgulhar da luta e das conquistas feitas em nome do pai e acredita que, se pudesse descrever o que Vladimir Herzog acharia de todos os atos feitos em reconhecimento da memória dele, seria orgulho. “Acho que ao longo destes quase 50 anos conseguimos cuidar bem da ‘memória’ dele. E talvez ainda mais  importante, de forma natural a sociedade brasileira trata com muito carinho a história do meu pai. Acho que isto significa realmente muito”, acrescentou.

Em 2023, nenhuma outra violência contra a mulher cresceu como a psicológica. Entre as atitudes que enfraquecem a saúde mental feminina está o stalking, comportamento abusivo 34,5% mais incidente no último ano
por
Bianca Abreu
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12/11/2024 - 12h

Por Bianca Abreu

 

Reta final do segundo semestre de 2024, sexta-feira, nove e meia da noite. Data e horário propícios para os estudantes de Jornalismo se encontrarem para curtir o final de mais uma semana rumo às férias. Após sair da aula na unidade Monte Alegre da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, um grupo desce as escadas da saída da universidade que desemboca na rua Ministro Godói. Ali se concentram os bares onde os Puquianos costumam confraternizar - e foi na frente de um deles em que esses universitários pararam e se reuniram.

Alguns bebem, outros comem e todos conversam. Trabalhos finais, estágio (a rotina ou a falta dele), futebol e família são alguns dos assuntos. Conversa vai, conversa vem, em dado momento, entre esse grupo majoritariamente feminino, o papo afunilou em torno da perseguição masculina. Em todas as histórias naquela noite, os algozes eram estudantes do sexo masculino - em alguns momentos, reincidentes, com mais de um relato que os envolvia. O assunto surgiu porque um deles passou próximo delas fazendo menção de se aproximar, fato que as deixaram apreensivas. Elas desviaram seus olhares e viraram o corpo, como que criando um escudo contra a aproximação que foi parcialmente repelida, visto que se aproximaram por instantes mas acabaram se afastando em seguida, indo ao encontro de outras colegas que estavam por ali.

Quando um dos algozes se afastou, Marcela, a primeira estudante a compartilhar a situação que ocorreu consigo, contou que chegou a receber chamadas de vídeo durante a madrugada, via WhatsApp, em que dois estudantes insistiam em falar com ela. Foram recusados e, em dado momento, cessaram as tentativas. Na relação entre ela e a dupla que estava do outro lado da linha nunca houve afinidade, sua intenção era apenas nutrir uma boa convivência. O que, para a estudante, não justificava receber uma ligação deles altas horas da madrugada. Ainda mais por considerar que, provavelmente, eles estariam alcoolizados naquele momento, já que se tratava de um final de semana. Outro fator que a fez, de primeira, desconsiderar atender a ligação foi o fato de que o comportamento de ambos, nos momentos de interação ainda no ambiente acadêmico, a deixava desconfortável - são intrusivos e se aproximam corporalmente de maneira exagerada, sem respeitar seu espaço pessoal e tampouco o afastamento que ela própria provoca em resposta a essas atitudes.

Mas as investidas não pararam nas ligações. Marcela evita ocupar o mesmo espaço que qualquer um dos dois estudantes e, por isso, quando coincide de sair da universidade no mesmo horário que eles, ela retarda sua chegada ao ponto de ônibus para que haja tempo hábil deles terem ido embora. Assim não precisa se preocupar em passar por situações desconfortáveis mais uma vez, principalmente se estiver sozinha. Só que agora, em vez do celular, o caminho para casa se tornou o ambiente em que ela seria novamente abordada. Um dos indivíduos da dupla passou a esperar por ela no ponto de ônibus à noite. Esse comportamento foi percebido pelo fato de que ele a viu saindo ao mesmo tempo que ele, vários coletivos subiram a Rua Cardoso de Almeida e, quando ela chegou para aguardar o transporte, ele ainda estava lá, e fez questão de se juntar a ela durante o caminho, mesmo que Marcela tenha demonstrado desinteresse pela sua companhia. Na estação de Metrô, parada em comum, ela se despediu e desviou seu caminho, a fim de aguardar que ele entrasse na próxima locomotiva para, em seguida, ir sozinha na seguinte, evitando a situação indesejada. Para sua surpresa, quando olhou para a plataforma antes de descer as escadas, ele continuava lá. Outros vagões passaram por aqueles trilhos e ele lá permanecia - aliás, permaneciam, pois Marcela também não se moveu. Após longos minutos naquela situação, ele finalmente embarcou e ela pôde, já tarde da noite, enfim seguir o caminho para casa. Enquanto ela contava o que aconteceu, sua amiga Fernanda confirmava tudo, acenando com a cabeça. Elas estavam juntas quando, uma vez mais, isso aconteceu. Exatamente nos mesmos moldes, com a única diferença de que, desta vez, elas estavam juntas. Fernanda também foi contatada pela amiga quando as ligações na madrugada aconteceram. Com os acontecimentos, a presença de qualquer um dos dois indivíduos causa mal-estar emocional a Marcela.

A perseguição pessoal e virtualmente vivida pela estudante é tipificada pelo Código Penal (CP) brasileiro como stalking. O artigo 147-A explica que essa é a atitude de “Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade” - foram 77.083 casos apontados em 2023, representando um crescimento de 34,5% em relação ao ano anterior, de acordo com dados do 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O documento também expôs que o Brasil registrou aumento de todas as modalidades de violência contra mulheres no ano passado. Mas a que mais cresceu foi a psicológica - onde enquadra-se o stalking. Foram 38.507 registros, 33,8% a mais que em 2022. Por meio do artigo 147-B, o CP define a violência psicológica contra a mulher a atitude de “Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação”. E não é só Marcela, entre o grupo ali reunido, quem está passando pelo desconforto de ser pressionada a tolerar uma presença masculina indesejada. Assim que ela terminou de contar sua história, outra de suas colegas compartilhou que também não vinha se agradando da insistência por atenção que um desses mesmos estudantes cobrava por parte dela.

Com frequência, os mesmos grupos de universitários se reúnem em frente à PUC-SP e curtem a sexta-feira à noite. Todas as vezes que Joana está lá com seus amigos, com quem tem real afinidade, um dos estudantes presente no relato de Marcela se achega junto ao grupo e busca forçar sua inclusão - principalmente, junto à Joana. Ela, assim como a colega, convive com o outro estudante, mas não alimenta nenhuma relação afetuosa que justifique a busca pela proximidade em momentos de descontração fora do ambiente acadêmico. Quando eles se movem e trocam de lugar, ele os segue. Mesmo quando se despedem, ele novamente se aproxima. Certa vez, quando ela estava entrando em um carro por aplicativo para ir para outro lugar com outro grupo de amigos, ele insistiu por longos minutos para ir junto, mesmo não tendo sido convidado - pelo contrário, Joana falou para ele, com todas as letras, que nem ela, nem o restante do grupo, levariam ele junto pois sua presença, por unanimidade, não era desejada junto aquelas pessoas. Ela entrou no carro, fechou a porta e foi embora, deixando-o falando sozinho, pois ele ainda insistia. Quando é confrontado por seu comportamento, ele coloca no álcool a culpa por suas atitudes, mas seu comportamento intrusivo também se manifesta em dias e ambientes onde ninguém está bebendo - como foi com Marcela. E assim como ela, a preocupação e o desconforto se tornaram sentimentos constantes, mesmo em momentos em que o relaxamento deveria ser a lei.

Colocar a culpa de comportamentos abusivos em fatores externos, como a ingestão do álcool, em algum acontecimento pontual ou questionar a reação da vítima ao ser importunada são atitudes comuns entre os homens que praticam essas ações. Sem autocrítica, eles perpetuam a reprodução de comportamentos nocivos que respingam em todo o cotidiano da mulher afetada, pois introduz a aflição, a ansiedade, a angústia, a insegurança e os demais sentimentos de preocupação que possam vir nesse combo. Não sendo respeitada, a mulher se vê na posição de tentar evitar, a todo custo, passar por situações onde seu espaço pessoal seja invadido, seu corpo seja tocado ou sua mente, perturbada. E isso acarreta mudanças no trajeto, no comportamento, nas companhias e em todos os demais detalhes que dizem respeito às suas escolhas individuais - ou seja, opta por tolher sua própria liberdade em nome de resguardar sua integridade física e mental. 

A inquietação diante do desrespeito é um sentimento coletivo entre as mulheres no Brasil. Uma pesquisa nacional realizada em 2023 pelo instituto DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), mostra que 46% das brasileiras acreditam que as mulheres não são respeitadas no Brasil. Em São Paulo, 48% das cidadãs paulistas consideram que as mulheres não são tratadas com respeito no país e 59% delas reforçam que a formação social brasileira é muito machista.

Em uma de suas aulas na universidade, Fabio Fernandes destacou a seus alunos do sexo masculino a importância de que eles, enquanto homens, façam uma leitura séria e comprometida de suas atitudes. Pois a masculinidade é formada a partir de elementos que estão intrínseco ao cotidiano masculino, o que lapida e direciona muitas de suas ações, pensamentos e atitudes. Sem isso, eles estão fadados a reproduzir comportamentos abusivos e nocivos contra as mulheres que encontram no caminho. As histórias contadas por Marcela, Joana e Fernanda reforçam que, enquanto as bases do patriarcado não são atacadas, o gênero masculino encontra caminhos abertos para, despretensiosamente, importunar, assediar, incomodar e atrapalhar o cotidiano das pessoas do sexo feminino em nome das suas vontades - como historicamente sempre fizeram.
 

Secretário de Estado americano, Antony Blinken, está em Tel Aviv para pressionar andamento de negociações de trégua
por
Pietra Nelli Nóbrega Monteagudo Laravia
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20/08/2024 - 12h

Desde o início do conflito na Faixa de Gaza, diversas tentativas de cessar-fogo foram realizadas, refletindo a complexidade das negociações e a persistência das partes envolvidas. Anteriormente, os esforços para interromper as hostilidades foram marcados por intensos diálogos entre os mediadores e um contínuo desgaste das condições em campo. No entanto, essas tentativas ainda não conseguiram estabelecer uma trégua duradoura.

Na última segunda-feira (19), o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, anunciou um novo desenvolvimento significativo: o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, aceitou uma proposta de cessar-fogo formulada pelos mediadores dos EUA, Catar e Egito. Esta proposta foi apresentada durante a rodada mais recente de negociações realizada em Doha, no Catar.

Blinken, que está em Tel Aviv desde domingo (18), informou que se reuniu com Netanyahu para discutir o novo plano. De acordo com a declaração de Blinken, a proposta dos EUA visa "resolver as lacunas restantes" nas negociações e permitir uma "rápida implementação" se for aceita por todas as partes envolvidas. Embora os detalhes da proposta ainda não tenham sido divulgados, o clima entre os negociadores é de otimismo após as conversas da semana passada.

Até o momento, o Hamas ainda não se pronunciou oficialmente sobre a nova proposta. As negociações deverão continuar ao longo desta semana, e Blinken expressou a expectativa de que o Hamas se comprometa com a proposta para avançar nas discussões. O secretário de estado dos EUA também alertou que esta pode ser uma oportunidade crucial para a devolução dos reféns mantidos pelo Hamas e para alcançar um desfecho mais amplo do conflito.

 O governo israelense informou que o Hamas ainda detém 111 pessoas sequestradas desde o ataque de 7 de outubro de 2023, que iniciou a guerra na Faixa de Gaza. A proposta de cessar-fogo enfrenta desafios significativos, incluindo a exigência de Israel pela destruição total do Hamas e a demanda do grupo terrorista por um cessar-fogo permanente, em vez de uma trégua temporária. Divergências também permanecem em relação à presença militar de Israel em Gaza, à movimentação dos palestinos e à identidade e quantidade de prisioneiros a serem libertados em uma possível troca.

 Em resposta a essas complexas questões, Netanyahu afirmou que busca a libertação do "máximo de reféns vivos" durante a primeira fase do novo plano de três etapas proposto pelos EUA. Após sua reunião com Netanyahu, Blinken confirmou que o primeiro-ministro se comprometeu a enviar uma delegação para as novas negociações, previstas para esta semana em Doha ou no Egito. Blinken também estará presente nas discussões. Paralelamente, os confrontos continuam em Gaza, com uma nova operação israelense em Khan Yunes e um atentado reivindicado pelo Hamas em Tel Aviv no domingo, evidenciando a fragilidade e a intensidade do conflito em curso.

 

Manifestantes e familiares de mortos por violência de Estado fizeram atos simbólicos em São Paulo no aniversário de 60 anos do golpe militar no Brasil
por
Sophia Linares
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28/05/2024 - 12h

A força de segurança brasileira passa ser formada em 1827 com a chegada de Dom João VI, para equivaler a Guarda Real de Polícia de Lisboa no Rio de Janeiro. Ao longo do tempo se estabeleceram no resto do país. Nos seus mais de 190 anos, foi “organizada e reinventada diversas vezes” como diz a linha do tempo disponibilizada no site da Polícia Militar, com a criação de ramificações que compuseram e compõe a estrutura da instituição como o Corpo Policial Permanente, o Corpo de Bombeiros, a Radiopatrulha Aérea, Guarda Civil, Força Expedicionária Brasileira, entre outros.

Quando houve a queda do sistema escravista em 1888, no mesmo ano, é criado o 1º Batalhão de Polícia de Choque. “Abolição da escravidão. A partir de agora o Brasil tem um só povo em plena igualdade de direitos. O efetivo da Polícia Militar é triplicado nesse ano, chegando a 1480 homens.” 

Em 1906, o governo do Estado de São Paulo convida militares franceses para modernizar as práticas “aliando a estética militar ao serviço de policiamento ostensivo voltado para as necessidades comunitárias” e diz que o conjunto de ideais estabelecidos “liberdade, igualdade e fraternidade que se traduzem no respeito à dignidade da pessoa humana e na defesa intransigente dos direitos humanos, persiste nos dias atuais, mantendo na Polícia Militar uma visão humanista, voltada para a formação moral e patriótica do policial militar, com dedicação incansável à instrução, para bem servir à comunidade paulista e brasileira.” 

No ano de 1932 civis armados lutaram "ao lado das tropas regulares do Exército e da milícia paulista” contra o governo de Getúlio Vargas. 

A polícia ainda nomeada Força Pública em 1964, há 60 anos tinha o dever “garantir a ordem pública e a estabilidade da nação” sob o comando do eleito governador de São Paulo Adhemar de Barros, deposto dois anos depois pelo governo militar por desejar o fim do período de ausência democrática. A partir do AI-5 em 1968 “coube à Força Pública garantir a paz social e proteger a sociedade paulista”. 1969: é construído o edifício que sediou o departamento de repressão vinculado ao governo militar, DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), para perseguir integrantes de guerrilhas armadas, pessoas que poderiam ter pouca ou muita vinculação a movimentos comunistas e aqueles que se opunham ao regime.

Em 1970, a Polícia Militar é formalizada a partir da união da Guarda Civil e Força Pública. 

Instaurada em 2012, a Comissão da Verdade instituída em países que passaram por supressão de direitos individuais democráticos, investigou crimes cometidos pelo Estado brasileiro durante o período militar e identificou mais de 8 mil indígenas mortos e pelo menos 434 mortos e desaparecidos políticos. Um estudo de 2019 da Human Rights Watch calculou 20.000 pessoas torturadas. E a pesquisa publicada neste ano de Gilney Viana, pesquisador colaborador da UnB desvelou mais de 1.600 camponeses mortos e desaparecidos nos 21 anos que perdurou a ditadura civil-militar.

O tempo que militares estavam no poder, acabou em 1985. A instituição permanece realizando a fiscalização de uma ordem na sociedade, e de lá acumulou histórico de ocasiões que marcaram o país, relembre algumas delas: 

SP 1992, Massacre do Carandirú

111 detentos mortos

RJ 1993, Chacina da Candelária

8 crianças e adolescentes mortos

Um mês depois, o caso de assassinato de 4 policiais na Praça Catolé do Rocha, resultou na morte de 21 civis inocentes.

RJ 1998, Duque de Caxias

24 mortos

RJ 2005, Chacina da Baixada

Depois depois da troca de comandante do batalhão, policiais saíram em direção ao município de Queimados, atiraram indiscriminadamente o que resultou na morte de 29 civis. 11 policiais foram denunciados, 5 deles liberados.

SP 2006, Crimes de Maio

505 pessoas mortas pela polícia depois que o Primeiro Comando da Capital (PCC) chacinou 59 pessoas.

RJ 2007, Complexo do Alemão

24 civis mortos

RJ 2021, Chacina do Jacarezinho

Após 1 policial ser morto,

28 civis foram mortos.

SP 2023-2024, Operação Verão

56 civis mortos. Entre pessoas do crime organizado e aquelas que segundo relatórios da PM teriam entrado em confronto com os agentes, estão: uma cabeleireira, mãe de seis crianças; dois vizinhos que conversavam na rua, um deles de muleta; dois jovens no interior de uma casa onde familiares tomavam café na sala, um deles era deficiente visual e possuía um dos olhos com 20% da visão e o outro cego.

Outros eventos ocasionaram mortes decorrentes de confrontos com a força pública de segurança, que resultaram cicatrizes em muitas famílias. Em comparação com 2022, os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostraram que em 2023 a letalidade policial cresceu 18% no estado de São Paulo e chegou a 313 civis mortos, também cresceu em 63% a taxa de policiais militares que tiraram a própria vida, foram 31 suicídios de agentes enquanto 16 morreram em confronto, segundo dados obtidos através da LAI (Lei de Acesso à Informação) pela Ponte.

A virada de março para abril deste ano, marcou 60 anos do dia que os cidadãos brasileiros perderam durante 21 anos seus direitos democráticos. Grupos da sociedade fizeram atos em São Paulo, pela memória das pessoas mortas e desaparecidas por ação de forças do Estado brasileiro durante a ditadura até os dias atuais. Familiares e amigos seguraram os corpos em forma de cartazes e caminharam pelas ruas da cidade. 

 

Escada interna de onde funcionou o aparelho de repressão militar DOI-Codi (1970-1976) em São Paulo.
Escada interna da construção onde funcionou o aparelho de repressão militar DOI-Codi (1970-1976) em São Paulo, aos fundos do 36° Distrito Policial na Vila Mariana que na porta, manifestantes da 4ª Caminhada do Silêncio se concentraram para ir em direção ao Monumento aos Mortos e Desaparecidos Políticos - Foto: Sophia Linares

 

Portas: à esquerda entrada para uma das salas de tortura e à direita uma das celas.
DOI-Codi: à esquerda entrada para uma das salas de tortura e à direita uma das celas - Foto: Sophia Linares

 

DOI-Codi: sala de tortura localizada no segundo andar
DOI-Codi: sala de tortura localizada no segundo andar, a menor onde não há porta, é o local que o hoje jornalista e escritor Ivan Seixas, preso quando tinha 16 anos, após ter sido tirado do pau-de-arara pode ter visto seu pai na cadeira do dragão — poltrona com condução elétrica para choque em todo o corpo — e que foi morto durante uma das sessões de tortura. Os gritos podiam ser ouvidos dia e noite em todas as celas, assim como na vizinhança - Foto: Sophia Linares

 

Emilio Ivo Ulrich, ex-preso político no DOI-Codi e autor do livro “Tortura não tem fim”
Emilio Ivo Ulrich, ex-preso político no DOI-Codi e autor do livro “Tortura não tem fim” - Foto: Sophia Linares

 

Familiares seguram cartazes de parentes na 4a Caminhada do Silêncio
Familiares seguram cartazes de parentes na 4ª Caminhada do Silêncio - Foto: Sophia Linares

 

Mulher caminha em direção ao Monumento aos Mortos e Desaparecidos Políticos
Foto: Sophia Linares

 

Na Avenida Brasil, manifestante mostra cartazes para carros parados no semáforo próximo ao Monumento aos Mortos e Desaparecidos
Na Avenida Brasil, manifestante mostra cartazes para carros parados em semáforo próximo ao Monumento aos Mortos e Desaparecidos - Foto: Sophia Linares

 

Mães e familiares de pessoas mortas durante os Crimes de Maio em caminhada do Cordão da Mentira
Mães e familiares de pessoas mortas durante os Crimes de Maio no Cordão da Mentira, passeata que saiu do Centro Maria Antonia, na Consolação, e seguiu para o antigo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) que hoje abriga o Memorial da Resistência - Foto: Sophia Linares

 

Participante vestida de morte salta caçambas com entulho em ato Cordão da Mentira.
Pessoa vestida de morte acompanhou policiais que realizaram a fiscalização da passeata Cordão da Mentira - Fotos: Sophia Linares

 

Performance artística no Cordão da Mentira
Performance artística no Cordão da Mentira - Foto: Sophia Linares

 

Participantes de ato pela memória dos mortos e desparecidos da ditadura civil-militar que ocorria à frente, na entrada da Universidade de Direito da USP no Largo São Francisco
Participantes de ato pela "defesa da democracia e por aqueles que lutaram contra a ditadura militar no Brasil" que ocorria em frente, na entrada da Faculdade de Direito da USP no Largo São Francisco - Foto: Sophia Linares

 

A falta de punição e de responsabilidade por violações dos Direitos Humanos no país durante o regime militar por parte de empresas, permanece na carência
por
Beatriz Alencar Gregório
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26/09/2023 - 12h

A ditadura é uma realidade para muitos, mas um denominado ‘exagero’ para outros. Porém, o que é um fato universal é a existência dos Direitos Humanos. Contudo, só após o fim do período ditatorial no país (1985), em 1988, é que tais concessões ganharam força dentro da nossa Constituição, apesar dos declarados como fundamentais já estarem consignados desde 1946. Com isso, está liberado apartar toda a violação cometida, em suma pelo estado, mas também em massa pelas grandes empresas, contra a classe popular e os habitantes de determinadas regiões do país, com a justificativa de que tais direitos ainda não eram assegurados?

O que é importante ter em mente, é que esse controle que perdurou pouco mais de duas décadas no país, não se sustentaria sem a inclinação de uma classe importante da sociedade brasileira. Ou seja, com civis ocupando espaços administrativos em empresas (estatais ou não), benefícios tanto financeiros quanto autoritários, serviram como um “rejunte” fundamental para firmar o feito militar.

A fim de dissecar a repressão política e humana das empresas que fizeram parte desse organismo opressor, o Ministério Público Federal (MPF) abriu investigação contra 12 empresas brasileiras que mantinham ações criminais ativas durante a ditadura, que envolvem desde mortes à remoção forçada de indivíduos de suas casas sem sequer garantia de restituição. Empresas como a Itaipu, Folha de S. Paulo e Volkswagen, foram algumas das que compuseram a investigação.

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Canteiro de Obras da Itaipu em 1977 – Foto: Paulo Moreira/Agência O Globo

 

A usina hidrelétrica de Itaipu foi um projeto desenvolvimentista da ditadura que fez parte dos quatro grandes empreendimentos brasileiros e uma das formas de tentar consolidar a visão de que o setor elétrico era uma evolução para a nação; mas isso inevitavelmente se inclinava mais para o quesito de soberania que os militares de fato projetaram, do que para um progresso do país.

Em uma entrevista à plataforma “A Pública”, a usina afirmou que “foi pioneira ao estabelecer, ainda em 1975, os Atos Normativos para a Saúde e Segurança dos Trabalhadores”. Quando questionada se essa denegação de coparticipação e/ou cumplicidade em atos da ditadura poderia também ser uma negação de responsabilidade, a pesquisadora e historiadora Jussaramar da Silva afirma que, de maneira mais simples, “a resposta de Itaipu a tal questionamento do jornalista André Borges não dá conta de explicar o que houve então. Se em 1975 estabeleceram os atos normativos, porque somam 43 mil acidentes de trabalho? A contradição está dada na própria resposta da empresa”.

Essa afirmação é relacionada a dados oficiais disponibilizados pela própria estatal que mostram, dentre outras informações, pontos controversos: a construção dependeu de mais de 100 mil trabalhadores para ser realizada e desses, mais de 43 mil se acidentaram e “somente” 106 desse número de fato faleceram. Também exibem o deslocamento de quase 40 mil pessoas de suas casas para a expansão territorial da usina.

Pelas pesquisas de Jussaramar, as mortes em “acidentes” de trabalho e a retirada de moradores de seus lares não eram os únicos meios de ferir os Direitos Humanos dentro da Itaipu. “As condições de vida dos trabalhadores era um dos quesitos do contrato de trabalho, pelo que pudemos apurar, e as denúncias versam sobre o fato de as garantias de alimentação, moradia, saneamento básico estarem sendo sistematicamente descumpridas”.

Para José Arbex Júnior, graduado em Jornalismo e com doutorado em História Social, “as grandes empresas, que representam o capital, venham a falar sobre algumas coisas somente se isso for ajudar a promover algum produto ou melhorar a imagem. Mas não por um sentimento moral ou de civilidade que obrigue essas empresas a assumirem suas responsabilidades”, indo de acordo com as controvérsias documentadas pela empresa.

“A Ditadura foi muito eficiente em corroer a memória social e apagar os rastros de seus crimes e violências”, na fala de Jussaramar, que conta que em uma de suas pesquisas, o que mais notou “durante entrevistas realizadas em Foz do Iguaçu, é uma grande dificuldade de conseguirmos depoimentos. Em alguns casos, o medo foi um relato. Em outros, a falta de conhecimento. Mas essa estrutura militarizada, que não sabemos ao certo se ainda existe ou não, ainda que com outro nome, parece ser um dos motivos da não busca por justiça e reparação”.

Para o professor doutor em história Luiz Antonio Dias, “parte das violências contra presos e perseguidos políticos não eram divulgadas, por conta da censura e, mesmo, por uma opção dos próprios veículos de comunicação. Não podemos nos esquecer que grande parte dos meios de comunicação apoiaram o golpe de 1964 e o regime ditatorial”. E com a Folha de SP não foi diferente.

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Octavio Frias de Oliveira (dir.) e Carlos Caldeira acompanhado pelos dois filhos, 1965 – Foto: arquivo pessoal da Folha

 

Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho, na época donos da Folha, sempre negaram ter dado apoio, material ou não, à repressão. Sabendo que haveria uma possível crise com a chegada do regime, demonstrou seu apoio à ditadura dos generais. Mas, após a queda, tentou se firmar pela militância pela ditadura do mercado. O que não deu tão certo. O jornal teve seu envolvimento em corroboração e/ou em conivência com atos ditatoriais. E isso se comprovou mais ainda em documentos e testemunhos obtidos pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF), ligado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Tais documentações explicitam que, mais do que disseminar os “benefícios” e “conquistas” que a ditadura traria, a Folha de SP disponibilizou carros utilizados como pontos de encontro para planejamento ou diretas ações repressivas.

Antigamente, para a entrega das edições diárias dos jornais, eram utilizados os chamados “carros de distribuição”. Ter diversos veículos das editoras em circulação por longas distâncias, não era algo estranho no cotidiano da época. Desse modo, as operações com automóveis da Folha passavam despercebidas entre os cidadãos, dado ao disfarce que esses carros cediam.

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A Associação Libertadora Nacional (ALN) foi diretamente atingida por várias dessas ações planejadas. A fim de alcançar uma “libertação nacional” sob a ditadura, o movimento não era bem-visto dentro do meio militar. A principal forma de resistência dessa associação ao regime era a armada. Para ter acesso a tal recurso, um dos meios para era roubando armas de policiais à paisana. Em um cenário parecido com esse, na data de 23 de setembro de 1971, sem notarem a importância de um carro de distribuição da Folha estacionado perto do verdadeiro alvo (camburão), militantes da ALN tentaram conquistar a posse das armas. Antes que conseguissem, soldados saíram do veículo de entrega do jornal e atiraram em sua direção. Três deles foram atingidos, dos quais, mais tarde, tiveram seus nomes colocados na lista oficial de desaparecidos políticos.

Um deles, Antônio Sérgio de Mattos, foi retificado na requisição do seu laudo de morte do IML como “Desconhecido - terrorista”. A ANL, como forma de protesto às repressões com o uso de carros da Folha, ateou fogo em três veículos do jornal e denunciaram, através de um periódico da organização, a participação da Folha de SP nas operações do CODI (Centro de Operações de Defesa Interna). Em resposta, a publicação de um editorial com direito a primeira página com o título de “Banditismo”, onde o próprio Octavio Frias declarava que, no país, pairava “um governo sério, responsável e com indiscutível apoio popular”.

A Comissão Nacional da Verdade foi fundamental para muitos processos vinculados a falta de asseguramento dos direitos humanos na época da ditadura. E dado a isso, em 2015, a cumplicidade da Volkswagen foi inicialmente investigada pelo MPF.

Uma das ações militares, como tentativa de desarticular as “revoluções comunistas” contra o regime foi a criação da OBAN: Operação Bandeirante. De acordo com textos armazenados no CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea no Brasil), a fundação foi celebrada e financiada por diversas empresas, inclusive, a Volkswagen. 

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Linha de montagem de veículos na rua do Manifesto, no Ipiranga; na foto uma Kombi Pick-up, que levou tempo para ser fabricada no Brasil, só em 1967

 

Além do capital, a montadora francesa também disponibilizava ou doava carros da empresa, para operações como encaminhamento de “suspeitos” para “interrogatórios” que, em sua maioria, não tinham retorno. Somado a isso, a empresa ainda denunciava seus próprios funcionários, o que gerava um ciclo de atos que iam desde a troca de informações até o acobertamento de prisões ilegais, reforçando um controle ideológico dos trabalhadores.

No relatório divulgado pelo Ministério Público Federal, com corroboração do Ministério Público de São Paulo e do Ministério Público do Trabalho sobre os crimes da Volkswagen na ditadura, “Direitos Humanos, Empresas E Justiça De Transição: O Papel Da Volkswagen Do Brasil Na Repressão Política Durante A Ditadura Militar” [link], uma das conclusões que essa ata demonstrou foi de que “a colaboração da empresa com a VW não foi eventual ou fruto de pressões insuportáveis. Ao contrário, está claro que a Volkswagen estabeleceu por disposição própria uma intensa relação de contribuição com os órgãos da repressão política, muito além dos limites da fábrica. A empresa demonstrou vontade de participar do sistema repressivo, sabendo que submetia seus funcionários a risco de prisões ilegais e tortura” (pg. 34).

O controle ideológico não pairava somente na Volkswagen. “O documento produzido pelo Conselho de Segurança Nacional informava, inclusive, quais trabalhadores teriam uma ficha padrão nas empresas ou mesmo em Itaipu, (...) eram os denominados “Pedidos de Busca”, que objetivavam as AESI’s (Assessorias Especiais de Segurança e Informações da Itaipu) criarem listas de demitidos por antecedentes político-ideológico ou criminais”, de acordo com Jussaramar.

Ao ser indagado se a reparação por meios monetários é o suficiente para ser considerado algo digno para as famílias e para a memória dos oprimidos da época repressiva do país, Luiz Antonio afirma que “as violações de DH são consideradas imprescritíveis, no entanto, no caso brasileiro, a Lei da Anistia promulgada em 1979, permitiu que torturadores e assassinos do regime ficassem impunes. Ainda hoje, esse tema é alvo de debates e controvérsias, pois muitas vítimas e familiares das vítimas buscam justiça e reparação”. Ainda acrescenta que na “constituição de 1988 já previa a reparação para as vítimas da Ditadura Civil-Militar, direcionando-a àqueles que sofreram os atos de violência, não aos responsáveis por cometê-los”.

Mas a falta de conhecimento por parte das vítimas da busca pelos seus direitos supera o medo na procura de alguma justiça. Para Jussaramar, isso ocorre porque “se construiu uma história e uma memória por décadas no Brasil que as vítimas foram os presos, mortos e desaparecidos. Claro que eles são vítimas também (...), mas o que está começando a ser trazido à tona é que esse empresariado, que colaborou e se beneficiou da ditadura conseguiu subsumir do debate, por décadas, que eles tiveram relação direta com todo o processo ditatorial, inclusive cerceando ou bloqueando o debate público”.

Sobre essa falta de reconhecimento de responsabilidade por parte das empresas, Arbex afirmou que “a maneira como a elite brasileira sempre se comportou e a forma como ela sempre conseguiu reprimir as manifestações populares e se perpetuar no poder, não os coloca em posição de acharem que tem obrigação alguma com a sociedade”. E isso tudo seria “resultado do processo de construção do Brasil”, dado que “o Estado brasileiro foi construído contra a nação brasileira. Pois de um lado, você tinha a população majoritariamente composta por negros, indígenas, etc., e do outro lado um Estado predominantemente controlado pelas elites, e isso nunca foi desafiado”.

A Lei de Reparação para os Mortos e Desaparecidos auxilia as vítimas e seus familiares a, nas palavras de Luiz, procurarem o “reconhecimento das violações de direitos humanos ocorridas durante a Ditadura e na busca por reparação”. Porém, um dos pontos que circundam essa questão, é a demora do que temos conceituado como justiça.

Informações publicadas pelo governo através do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, alegam que “o caminho para buscar reparação aos trabalhadores e outros afetados será na esfera cível, pois, no Brasil, a lei impede que empresas sejam processadas criminalmente, exceto por crimes ambientais e contra a ordem econômica e à economia popular, o que não é o caso de crimes como tortura, morte e remoção forçada de moradores”. A Lei da Anistia, também consta nessa declaração, alegando que o fato dessa lei ser constitucional “impede que ações penais prosperem”.

Para Luiz, “a responsabilização dos sujeitos, ainda que não ocorra uma persecução penal, é importante para prestar contas à sociedade, para mostrar que isso não foi, e não é, normal. Não é possível aceitar a exaltação de torturadores nas tribunas, nas redes sociais, no Congresso. As vítimas, bem como seus familiares, nesse sentido continuam sendo agredidas”. Sendo assim, “sem um acerto de contas com o passado, sem uma justiça de reparação, ao menos historicamente, sem a condenação da apologia à ditadura e aos torturadores, não avançaremos no processo de superação do trauma”. Trauma esse que é um fato essencial para o atual distanciamento na conquista de justiça das vítimas que, nas palavras de Jussaramar, “essa estrutura militarizada” faz com que os trabalhadores tenham “sempre medo de iniciar ações contra empregadores”.

É importante ter compreensão de que houve “contribuição dos diversos atores sociais na construção de uma narrativa de esquecimento e conciliação como o único caminho para a transição democrática” como alega Luiz. E o que todos esses casos e rastros têm em comum, para Arbex, “é a negação dos Direitos Humanos ao povo”, dado que o passado ainda se enraíza hoje.

Ao ser questionada se esse profundo descompasso com as medidas da justiça de transição e dos pressupostos de um Estado de Direito indica o baixo grau de democratização que atingimos mais de 30 anos após o fim da Ditadura no país, Jussaramar respondeu que “sim! Um dos problemas centrais foi a criação de uma memória no Brasil de que o país teve poucas vítimas da Ditadura. Não são lembradas as vítimas no campo; nas periferias, sejam vítimas de esquadrões da morte ou de atuações truculentas das polícias; vítimas quilombolas; vítimas nas florestas; vítimas de remoções (Itaipu nos mostra claramente o problema também das remoções)”. E ainda acrescenta que “são muitas vítimas da Ditadura que sequer sabem que foram vitimados”, isso porque “o fato de termos tido uma transição negociada e não ter havido possiblidade de um debate amplo, que só agora ampliamos para discutir a participação empresarial, é que podemos ter como perspectiva a organização de uma justiça de transição. E é importante que ela seja pautada a partir do olhar e da fala das vítimas. Não é possível realizar negociações alijando os principais envolvidos e interessados. A Justiça de Transição só será completa com essas milhares de pessoas que precisam puderem falar”.

Para o filósofo Walter Benjamin, a história que sabemos e conhecemos seria fonte da “escrita dos vencedores”. Na narrativa ditatorial, esse papel seria daqueles que foram ignorados, os “invisíveis”. Relembrar as explorações das feridas deixadas pelo regime militar no país é olhar, necessariamente, para essa mesma história, com os olhos dos oprimidos.

 

Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de Jornalismo da PUC-SP.

Como o preço dos absorventes impacta negativamente as vidas das brasileiras em situação de vulnerabilidade
por
Fernanda Travaglini
Giovanna Takamatsu
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18/09/2023 - 12h

Algo escorre nas pernas. A temperatura é quente, o cheiro é forte. Não há como controlar. Trata-se de sangue. Aquele que, quando uma vida não é gerada, escapa – e é um fluído tão incontrolável, natural – humano – como qualquer outro. É o sangue menstrual. 

Rodeada de tabus, dos tempos remotos aos atuais, a menstruação é um processo humano e ligado ao feminino, mas ainda não é tratado com a dignidade que deveria ter aos olhos da sociedade e do Estado. 

No Brasil, ¼ da população (52,7 milhões de pessoas) está na ou abaixo da linha da pobreza, de acordo com os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Menstruar e ser pobre acarreta outra barreira: não ter acesso à higiene necessária. Um problema que toca em questões de acesso à saúde, à educação e à emancipação financeira de mulheres cis, homens trans ou pessoas de demais identidades de gênero que menstruam. A situação tem nome: pobreza menstrual e é um problema de saúde pública. 

Através do séculos 

A experiência de homens e mulheres é diversa em aspectos da vida em sociedade.  O sangue da menstruação foi e é incompreendido, fruto da misoginia e visões centradas no que é masculino como um suposto normal. Na idade média, por exemplo, a menstruação era algo exótico, sujo, encarada como venenosa ou doença. 

O conhecimento científico desmistifica essas questões – mas o menor prestígio e invisibilização das questões femininas viaja na história e atinge em cheio o que, hoje, denomina-se machismo, "o comportamento que rejeita a igualdade de condições sociais e direitos entre homens e mulheres", de acordo com o dicionário Oxford Languages. 

É só em 2021 que um projeto de lei busca dar dignidade a este âmbito. Mesmo que aprovada no mesmo ano, a Lei 14.214/2021 não passou sem a manifestação do desejo de vetá-la, por parte do ex-presidente Jair Bolsonaro. A pressão popular reverteu a situação. 

Pobreza menstrual: mulheres do Amapá fazem ato contra veto – SelesNafes.com

Protesto no Amapá contra veto, em 2021. Imagem: Reprodução/Sales Nafes 

Mesmo diante da expectativa gerada pela agenda progressista do atual presidente, Lula, o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (que prevê a distribuição gratuita de absorventes em postos de saúde) tem déficit na entrega de absorventes. “Todos esses projetos de fato são falados, eles de fato são promulgados, eles de fato são aprovados, mas eles não chegam até a população. Até hoje eu não vi isso chegar aqui (Goiás) e se chegou lá em São Paulo foi muito raramente”, diz a ativista e fundadora da ONG Nós Por Elas, Hellora Beatriz Lima Nascimento (20).    

Dar espaço para a discussão dos problemas menstruais implica colocar a figura da mulher no centro do debate. Em uma cultura que entende sangue menstrual como um tabu, sujo, não poder contê-lo torna-se sinônimo de não frequentar espaços públicos, em especial à escola ou trabalho. Vale a analogia: não ter o material correto para contenção da menstruação é ficar encoberto em secreções – assim como seria com a urina ou fezes. 

Menstruar com dignidade é um privilégio para poucas 

Durante sua vida fértil – período entre a puberdade e menopausa – uma pessoa que menstrua utiliza cerca de 10.000 absorventes. Essa conta baseia-se em uma estimativa de 20 absorventes por ciclo, em uma média de 240 por ano, aproximadamente 143 reais (valores estimados que podem ser reajustados). Isso resulta em aproximadamente 5 mil reais ao longo da vida. 

Segundo os dados divulgados pelo IBGE, mais de 13,72 milhões de brasileiros ainda vivem em situação de miséria (abaixo da linha de pobreza) vivendo com uma renda per capita igual ou abaixo do valor do salário mínimo. 

Assim, existem pessoas que precisam escolher entre comprar comida ou produtos de higiene menstrual, sendo que, na maioria das vezes, vão escolher o que é vital para sua sobrevivência. Isso coloca essas pessoas em situação de indignidade, caracterizando a pobreza menstrual. No Brasil, segundo o estudo “Pobreza Menstrual no Brasil”, feito pela UNICEF e UNFPA, existem 713 mil pessoas que menstruam que vivem sem acesso ao banheiro em suas residências e 4 milhões sem acesso a itens mínimos de cuidado menstrual nas escolas. 

 

A Taxa Rosa 

Deputada do PT quer proibir a 'taxa rosa' abusiva para produtos femininos

Prateleira com o mesmo produto, em cores diferentes, e preços também diversos. O produto rosa, tradicionalmente direcionado ao público feminino, é 35% mais caro. Imagem: Rede Brasil Atual/Reprodução. 

Denominada "Pink Tax", em inglês, a tributação de produtos destinados ao público feminino é historicamente maior do que os impostos aplicados em mercadorias semelhantes, porém destinadas a um público masculino. A justificativa: seriam “produtos supérfluos”. No entanto, itens ligados ao período menstrual, como os absorventes, destinados à higiene, também sofrem a taxação. São, então, considerados “dispensáveis”, de acordo com dados reunidos pela Moneyzine.

De acordo com a ativista entrevistada, há argumentos que apoiam-se em medidas arcaicas de contenção de menstruação: “existem pessoas que falam que 'ah, se no passado a minha vó, a minha mãe utilizavam o pano de chão em casa, se a mulher não tem condição [de comprar absorventes], ela pode usar isso', mas se a gente vive num mundo onde a ciência e a tecnologia evoluíram e a gente tem esse tipo de acesso [aos absorventes], esse absorvente tem que chegar até as pessoas que menstruam”, diz. 

A impossibilidade de adquirir produtos de higiene pessoal – absorvente, papel higiênico, sabão – residir em uma área sem infraestrutura de saneamento básico (sendo 35 milhões de brasileiros sem acesso a água tratada, segundo estudo do Instituto Trata Brasil) além da falta ao acesso à educação menstrual são alguns dos pilares deste problema estrutural, fruto de visões machistas de mundo, sociedade e políticas públicas que invisibilizam a existência feminina como é.    

 

"Mas e o meio ambiente?"

Um dos principais pilares de ação das ONGs de pobreza menstrual é a distribuição de produtos menstruais básicos, tais como sabão, absorvente e papel higiênico. Segundo os dados do Instituto Akatu, são produzidos 200 quilos de lixo por pessoa somente em produtos menstruais descartáveis, além de demorarem mais de 400 anos para se decompor. 

Tendo em vista um processo mais sustentável, seria possível a indagação: por quê distribuir absorventes comuns e não coletores menstruais ou absorventes de pano, que são tecnologias reutilizáveis, boas para a saúde menstrual? A resposta está, também, relacionada a outros problemas estruturais no país: o saneamento básico e a desinformação. 

A líder da ONG nós por elas, explica "se ela [a pessoa que menstrua] não sabe como higienizar [os coletores ou absorventes de pano], ela não tem água em casa para ela limpar esse item, para não causar uma infecção nela. Se ela nunca teve nem educação menstrual para ter acesso ao absorvente [convencional], imagina um coletor menstrual [que exige desinfecção, uso por horas limitadas, armazenamento adequado]”, enfatiza. 

File:Coletor GreenDonna 1.JPG - Wikimedia Commons

Foto de coletor menstrual. Imagem: Wikimedia Commons/Reprodução 

 

Voluntária organizando absorventes
Voluntária da ONG Nós por Elas, criada pela entrevistada Helloara, organizando absorventes para doação. Imagem: @nosporelas, via Instagram. 

Direito à educação e menstruação 

 

Ir à escola sem absorvente não é uma opção. Seja pelo estigma do sangue vazando na roupa, seja pela secreção, incômoda. De acordo com a ONU, uma em quatro estudantes deixam de ir à escola por falta de absorvente. “Se a menina não tem acesso ao absorvente, (ou) ela usa outros itens, não tem como ela ir pra escola (...) imagina essa menina que já é socialmente vulnerável e ela ainda falta escola e não tem acesso às matérias, ela perde aquilo tudo. Imagina a menina que precisa ir para a escola se alimentar e não pode porque ela menstrua”, afirma a Helloara Nascimento. 

Dados revelam uma realidade que é excludente com mulheres. Veja: 

Gráfico com estatísticas sobre a pobreza menstrual
Absorventes são peça-chave para o acesso pleno ao direito à educação. Imagem: Blog sextante - UFRGS/Divulgação 

 

A situação fica ainda pior se é considerado doenças ginecológicas, como, por exemplo, a Síndrome do Ovário Policístico (SOP; acomete de 6% a 10% da população em idade fértil) e Endometriose (acomete 1 em 10 brasileiras), que fazem com que o ciclo menstrual seja desregulado. Isso associado com a desinformação e o não acompanhamento médico faz com que exista uma ausência escolar ainda maior. 

  

Menstruar com dignidade é ter acesso à saúde, à escola e à emancipação financeira. 

 

Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de Jornalismo da PUC-SP.

Escrita em 1948, a declaração universal dos direitos humanos não acompanhou as mudanças contemporâneas
por
Pedro Almeida Premero
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18/09/2023 - 12h

Hoje em dia é difícil imaginar a vida sem a internet, principalmente para quem nasceu com a sua existência. Seja para estudar, trabalhar, ver notícias, se comunicar ou se entreter, ela é indispensável, e com a pandemia isso foi evidenciado. Porém, outro assunto que foi colocado em pauta foi o acesso à internet. Muitos alunos ficaram sem aula por conta ou da falta de algum aparelho eletrônico ou por não terem sinal.

O professor da faculdade de direito da PUC-SP, André Geraldes, explica que o direito fundamental é aquele que se mostra como essencial para assegurar a dignidade humana. “Não é possível viver dignamente sem alimentação adequada, moradia segura ou ambiente ecologicamente equilibrado”. Ele explica que os direitos são sempre históricos, isso é, depende da conjuntura socioeconômica e que, nesse sentido, o acesso à internet é um direito humano do mundo contemporâneo. “Quem não está conectado à internet possui um obstáculo significativo para assegurar os demais direitos fundamentais, por exemplo, direito à educação, à saúde, à cultura, etc.”.

Uma pesquisa da TIC Domicílios aponta que 36 milhões de pessoas no Brasil não acessaram a internet em 2022, representando 19% da população com 10 anos ou mais no país. Os dados também mostram uma desigualdade do acesso pela classe social e pela cor ou raça. 21 milhões negros não entraram na rede, enquanto nas classes DE foram 19 milhões.

O levantamento também aponta que sete milhões de pessoas na zona rural não acessaram a internet. Em 2021, viralizou a história do Artur Ribeiro, que adaptou uma “sala de aula” em cima da árvore, pois era onde conseguia um sinal melhor. Questionado sobre quem deve levar internet a essas regiões remotas, governo ou operadoras, André acredita em um trabalho em conjunto. “Entendo que o Poder Público tem a obrigação de assegurar a todos o direito ao acesso à internet. Para tanto, o Poder Público deve dialogar com as operadoras para viabilizar uma estrutura apta a assegurar esse direito fundamental'.

(Foto: Brunno Covello/ Gazeta do Povo)
Garoto utilizando o computador (Foto: Brunno Covello/ Gazeta do Povo)

Durante a pandemia também foram relatados problemas de conexão nas favelas, uma pesquisa do Instituto Locomotiva, feita em 2021, aponta que 43% das favelas têm uma conexão ruim com a internet. Fato que prejudicou tanto quem estudava online quanto quem dependia de vendas virtuais para trazer a renda para a casa.

Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de Jornalismo da PUC-SP

A manifestação ocorreu nos dias 15 e 16 de agosto, em Brasília, e contou com pronunciamento do presidente Lula
por
Laura Teixeira
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23/08/2023 - 12h

A 7° Marcha das Margaridas começou na noite da terça-feira (15) e reuniu mais de 100 mil mulheres do campo, da floresta, da cidade e das águas, em Brasília. A abertura foi acompanhada de representantes dos movimentos sindicais e de ministros do governo federal. O encerramento, no dia seguinte, foi marcado pelo pronunciamento do presidente Lula, que apresentou um plano emergencial de reforma agrária.

Mulheres se direcionam ao Congresso Nacional durante Marcha das Margaridas em 2023.Foto: Hugo Barreto

O tema deste ano foi “Pela reconstrução do Brasil e pelo Bem viver”. Em entrevista à Agência Brasil, a coordenadora-geral da marcha, Mazé Morais, afirmou que a passeata de 2023 foi histórica e renderá bons frutos. As principais demandas foram uma maior participação das mulheres na política; combate ao sexismo, ao racismo e à violência contra a mulher; autonomia econômica; acesso à terra e à educação; produção rural atrelada à agroecologia; segurança alimentar e inclusão digital.

A última edição da marcha foi em 2019, durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro, que confrontou as políticas ambientais e sociais defendidas pelas margaridas. O movimento foi marcado por não ter uma pauta entregue ao governo, mas sim uma plataforma política.

Quando pensado em sua sétima edição, no ano de 2023, houve uma recepção melhor por parte do governo federal. Durante a abertura, a ministra da saúde Nísia Trindade reforçou que as demandas focam na criação de políticas públicas fora das cidades, além da reestruturação do comitê de avaliação de plantas medicinais e fitoterápicas, e da luta contra a violência às mulheres e às crianças nas Unidades Básicas de Saúde.

Outros nomes presentes na manifestação foram Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática; Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas; Luciana Santos, ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação; Margareth Menezes, ministra da Cultura; Ana Moser, ministra do Esporte; e Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, que se emocionou com a homenagem à sua irmã Marielle Franco - ex-vereadora do Rio de Janeiro, assassinada em 2018.

O Pronunciamento de Lula

Ao lado da Primeira-dama Rosângela da Silva, o presidente Lula anunciou uma série de medidas que corroboram com as pautas da Marcha das Margaridas. Em seu discurso, o petista afirmou que o Plano Emergencial de Reforma Agrária irá beneficiar mais de 45 mil famílias com prioridade às mulheres. Além disso, foi assinado o decreto que retoma o pagamento da  Bolsa Verde, um benefício de R$300,00 a R$600,00 para famílias que moram em terrenos que serão protegidos ambientalmente. 

Em relação à violência contra a mulher, foi anunciado o Pacto Nacional de Prevenção ao Feminicídio, com foco em precaver a discriminação de gênero. Por fim, o governo definiu a criação de uma Comissão de Enfrentamento à Violência no Campo (CNEVC) para mediar os embates nos conflitos agrários.

A história da Marcha das Margaridas

Margarida Alves (1933-1983) foi uma sindicalista paraibana e defensora dos direitos humanos, sendo uma das primeiras mulheres a exercer um cargo de direção sindical no país. Durante sua infância, as terras de sua família foram invadidas por latifundiários e, a partir disso, começou a encabeçar mais de cem ações trabalhistas em sua cidade. Ao que tudo indica, o atentado que culminou em seu assasinato, em 12 de agosto de 1983, na Paraíba, foi feito a mando de latifundiários que esperavam silenciar a luta pelo acesso à terra, o que não ocorreu. 

Toda sua história serviu de inspiração para que a Marcha das Margaridas nascesse e se tornasse a maior ação de mulheres na América Latina. Todo ano, no dia 12 de agosto, as mulheres marcham em Brasília para reivindicar direitos que lhe foram negados. A edição deste ano ganhou uma dose extra de esperança, entrando para a história quanto à conquista de espaço político.

Para mais informações basta acessar o site:https://www.marchadasmargaridas.org.br/

 

Comunidade da PUC-SP acompanhou aula magna sobre "Direitos Humanos: política transversal e estruturante para reconstrução do Brasil", na última segunda, no Teatro TUCA
por
Giuliana Barrios Zanin
João Curi
Vitor Nhoatto
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10/08/2023 - 12h

 

Teatro lotado. Havia estudante de pé, estudante sentado. Plateia diversa, repleta de cores, despreocupados, engravatados, lentes atentas. A espera foi apertando. A multidão congestionava os corredores, a entrada, até que a organização entendeu: "Podem liberar a frente".

Grupo de estudantes amontoados nos corredores e assentos do Teatro Tuca.
Estudantes lotam o Teatro Tuca durante aula magna do ministro Silvio Almeida. (Foto: Marina Laurentino)

"Vocês existem e são muito valiosos para nós!"

Aquela onda de gente vinha, insaciada, pelas trincheiras do teatro. Era costume de guerra, agravada nos últimos quatro anos, no êxito de uma vibração do movimento estudantil. Amontoaram-se em frente ao palco, desenfileirados organizadamente. 

 

As paredes rachadas contam histórias que o presidente do centro acadêmico 22 de Agosto, Carlos Eduardo Pereira Rodrigues, não deixou que pintassem por cima. Em seu discurso de abertura do evento, dedicou cumprimentos a todos os presentes, inclusive aqueles que a história não vai apagar. "Carlos Eduardo Pires Fleury (presente!)", a voz do estudante reverberava na de seus semelhantes. "Cilon Cunha Brum (presente!), José Wilson Lessa (presente!), Luiz Almeida Araújo (presente!) e Maria Augusta Thomaz (presente!)".

 

Os arrepios davam início à aula, com a certeza de que o movimento estudantil estava vivo e atento, esperando as primeiras palavras do ministro. Na sequência, a pró-reitora de Cultura e Relações Comunitárias (ProCRC), Mônica de Melo, reforçou a vitalidade do evento, seguida do discurso de recepção da reitora Maria Amália Pie Abib Andery.

 

“Na minha opinião, não deve haver ministério mais difícil do que esse”, demarca a reitora da PUC-SP. “Se os direitos humanos são um problema é porque ainda não foram garantidos”.

 

Enfim, um ministro 

Finalmente, Silvio Almeida se adianta ao púlpito para suas primeiras palavras. Dali em diante só seria interrompido pelas palmas. O ministro falava aos estudantes como o professor que é, numa sala de aula histórica e com capacidade para mais de 600 pessoas, referindo-se principalmente aos 214 milhões guardados pelo ministério. 

 

“A gente não quer só comida", declara Silvio Almeida. "A gente quer comida, diversão e arte”. 

 

O ministro explicou os deveres de sua pasta sem precisar desenhar. Seu discurso era claro e foi bem recebido no teatro lotado. Firmou-se um espectáculo de promoção da cidadania e, claro, um palanque político.

 

"Não fujam de coisas complexas", incentiva Silvio Almeida. "O mundo é complicado. Difícil é viver com um salário mínimo".

 

Sem fantasia, a visão de mundo do ministro-professor era dura e realista. Sem necessidade de números, reiterou os efeitos da desigualdade, do racismo, da homofobia, da violência contra a mulher, da fome, de fazer política. 

 

"Direitos humanos é disputa, é conflito, é complexidade", reitera o ministro. "Como é que a gente vai explicar que tem gente passando fome num mundo com recursos abundantes?".

 

Houve aceite do pessimismo também. Silvio Almeida entregou-se ao realismo e reconheceu a incompatibilidade do cenário nacional com o roteiro idealizado na Constituição. 

 

"À medida que as desigualdades vão aumentando, as condições de humanidade vão se movimentando também", explica o professor. "A noção de humanidade foi construída inclusive sobre o que não é humano. O racismo nasceu da concepção do que não é humanidade". 

 

Os olhos brilhavam na plateia. O deleite se refletia nas lentes do ministro, que não esperava as palmas cessarem para retomar seu discurso. Erguia-se no púlpito como professor de todos aqueles estudantes, em uma matéria que o país insiste em reprovar. 

 

"É um país que tem um problema muito sério em estabelecer uma cultura democrática", destaca. "A mudança nunca é uma luta individual”.

 

"Se a gente não começar a discutir Direitos Humanos com economia, é só conversa fiada", decreta o ministro. "Não existe economia sem gente. Alguns até queriam, e até tentam".

 

Não faltaram críticas à gestão anterior, ainda que generalizadas e sutis - como se fosse necessário dar nome aos bois. No conforto da ininterrupção, Silvio Almeida apontou o encarceramento em massa e o projeto econômico de genocídio como principais fomentos à concentração de renda no Brasil e no mundo. 

 

"Para viver numa sociedade como a nossa, a gente normaliza o absurdo", lamenta. "Não aceitem isso nunca. É inadmissível que as pessoas tenham fome. Não podemos normalizar o que é historicamente absurdo".

 

Confira a aula magna na íntegra: