Termo antes usado de forma pejorativa foi adotado pelo Fluminense como forma de representação da torcida e combate ao preconceito
por
Vinícus Evangelista
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16/11/2023 - 12h

“A primeira vez que eu olhei pro lado e vi que a maioria das pessoas se pareciam comigo, foi justamente quando eu estava no meio da torcida do pó de arroz.”, revela o jornalista e torcedor tricolor, Fagner Torres. “Eu ia no restaurante, no cinema, no teatro, lugares onde a maioria da galera era branca. Onde a maioria era como eu? Na arquibancada, pô!”, finaliza. O tradicional nevoeiro branco em meio as cadeiras virou símbolo de festa para a torcida do Fluminense. Hoje é comum que cada torcedor tricolor leve um saco do pó de arroz para os jogos no Maracanã, lançando-os ao céu e celebrando antes mesmo da bola rolar. 

Por muitos anos, chamar um torcedor do Fluminense de “pó de arroz” era motivo de ofensa e chacota. Muitos torcedores rivais ainda hoje usam dessa palavra para acusar o clube de ser racista, afirmando que, no passado, o Fluminense obrigava os jogadores pretos a passarem pó de arroz no rosto para jogarem se passando por brancos, “minha vó me conta isso desde que eu tinha cinco anos”, revela Thaissan Passos, ex-treinadora do futebol feminino do Fluminense. 
 
O folclore se espalhou a partir de uma crônica lançada em meados do século XX, se espalhando ao longo do tempo como uma polêmica que até hoje gera controvérsias e discussões. Independentemente da origem, fato é que a torcida tricolor adotou o pó de arroz como um verdadeiro símbolo antirracista, tornando o que antes era usado de forma pejorativa como representação de toda a torcida nas arquibancadas das laranjeiras: “Maior orgulho pra gente é quando saímos do jogo com todo o pó na cabeça. Não é uma maneira de embranquecer a torcida, e sim de dizer que nós vencemos o racismo aqui dentro e que somos um grupo a utilizar um xingamento que seria racista para combatê-lo!”, afirma o antropólogo torcedor do Fluminense, Ernesto Xavier. 

 

A POLÊMICA ORIGEM DO PÓ DE ARROZ 

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Carlos Alberto defendeu o Fluminense depois de ter atuado no América-RJ. Foto: Flu-Memória 


Em 13 de Maio de 1914, Carlos Alberto, de 17 anos, se preparava para atuar pelo Fluminense contra o seu ex-clube, América, pelo Campeonato Carioca daquele ano. O jogador, que era o único preto da equipe, foi visto com um pó branco no rosto, que durante a partida começou a se desmanchar em seu suor, abrindo brecha para a torcida Americana provocar o recém-saído da equipe: “Pó de Arroz! Pó de Arroz!”, gritava a torcida. 

“O rapaz veio conosco do América para o Fluminense, ele fazia a barba e, ao invés de deixar com sua cor natural e passar talco, ele colocava uma coisa branca, fazendo um contraste muito grande entre uma parte e outra do rosto, e então os torcedores começaram a chamar o time do Fluminense de ‘pó de arroz’”, explicou, aos 90 anos de idade, Marcos Carneiro de Mendonça, então goleiro da equipe de Carlos Alberto. 

O caso voltou à tona 38 anos depois do jogo contra o América, em uma coluna publicada pelo jornalista Mário Filho no “Jornal dos Sports”, onde o autor alega que Carlos Alberto utilizava pó de arroz para esconder sua etnia, visto que, segundo Mário, o Fluminense era uma equipe elitista da qual apenas brancos eram benquistos: “Valia a pena ser Fluminense, Botafogo, Flamengo, clube de brancos. Se aparecia um mulato, num deles, mesmo disfarçado, o branco pobre, o mulato, o preto da geral, eram os primeiros a reparar. (...) Era o momento que Carlos Alberto mais temia. Preparava-se para ele, por isso mesmo, cuidadosamente, enchendo a cara de pó-de-arroz, ficando quase cinzento, não podia enganar ninguém, chamava até mais atenção. A torcida do Fluminense procurava esquecer de que Carlos Alberto era mulato. Um bom rapaz, muito fino”, finaliza a coluna. 

 

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Novela “Lado a Lado”, da Globo, parodiou o caso de 1914, com o personagem Chico, interpretado por César Mello, sendo a representação ficcional de Carlos Alberto. Foto: Blog do Mauricio Stycer / UOL 


O trecho publicado no jornal foi retirado do livro de Mário que teve sua primeira edição publicada em 1947, denominado “O Negro no Foot-Ball Brasileiro”, onde o autor desmistifica as especulações que afirmavam que o Fluminense obrigava Carlos a usar o pó de arroz. Com base no livro, o historiador Athos Vieira explica que o jogador utilizava o produto por causa do racismo imposto pela sociedade, mas que o clube em nenhum momento obrigava Carlos a utilizar pó de arroz. “O racismo não era do Fluminense, e sim da sociedade, das instituições, o Fluminense como tal era um clube racista, de pessoas brancas. Carlos Alberto, um menino tímido, se sentia incomodado com os holofotes e usava o pó de arroz para dissimular a cor de sua pele”, explica. 
 
Athos chama atenção para o fato de que, no livro, Mário entrevista Carlos Alberto ainda em vida, onde o jogador explica as diferenças entre o América e o Fluminense, ressaltando que ambos eram times de branco, porém, por ser um clube aristocrata, o tricolor promovia bailes e eventos de luxo: “Essa era a diferença entre os times da Zona Sul e Norte, no América as famílias iam ver os jogos e se encontravam uma vez por semana na arquibancada. No Fluminense, eles viviam no clube, todo mundo devia ser igual, mesmo na cor”, afirma, segundo Athos Vieira, Carlos Alberto em entrevista à Mário Filho. 
 
Por outra ótica, o também historiador Felipe Duque, aponta que Carlos Alberto era um adolescente de muitas espinhas no rosto, obrigando-o a utilizar um medicamento para contê-las, esse que por sua vez continha na bula a recomendação de passar pó de arroz no rosto logo após o uso do remédio, com o objetivo de manter a pele protegida e evitar a oleosidade: “o talco é uma coisa só pra aliviar o pós-barba, já o pó de arroz tem a função de proteger. Como que um menino tímido de 17 anos vai ter a noção que quando ele corresse aquilo ia se desmanchar no sol?”, questiona.

Capela dos Aflitos é parte da história apagada da região, conhecida pelo comércio e tradições nipônicas derivadas da imigração japonesa
por
Ana Julia Bertolaccini
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11/11/2023 - 12h

A Capela Nossa Senhora das Almas dos Aflitos, fundada em 27 de junho de 1779, é um dos poucos símbolos históricos que restaram do período que antecedeu a imigração japonesa do século XX no Bairro da Liberdade em São Paulo. O local foi de 1175 até 1858, um cemitério, onde eram enterrados pobres, escravizados, criminosos e indígenas. Segundo os monitores da capela, o nome do bairro se deu pela história de Francisco José das Chagas, cabo do primeiro batalhão de Santos que foi condenado à morte por enforcamento depois de liderar uma revolta causada pela falta de pagamento a 5 anos. “Liberdade” era o que gritavam na praça em que Chaguinhas ou “Protetor do Excluídos”, como é conhecido, foi colocado à forca pela terceira vez e a corda arrebentou.

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Capela dos Aflitos, localizada no final da Rua dos Estudantes no Bairro da Liberdade //Autora: Ana Julia Bertolaccini

 

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Sandra, monitora da capela//Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Painel informativo e de protesto, localizado ao lado da capela// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Painel informativo e de protesto, localizado ao lado da capela// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Haroldo, voluntário da capela// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Placa que explica a origem do nome do Bairro// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Sala de promessas e agradecimentos da capela// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Velas da sala de promessas, normalmente direcionadas à Chaguinhas// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Agradecimentos de fiéis à Chaguinhas// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Imagem de Chaguinhas, conhecido como santo protetor dos excluídos// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Altar da Capela dos Aflitos// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Placa de Memória Paulistana// Autora: Ana Julia Bertolaccini

 

Autora Rafaela Silva aponta dificuldades para a representatividade de negros na literatura
por
Raissa Santos Cerqueira
Ana Clara Farias
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09/11/2023 - 12h

“Quando há pessoas falando sobre nós, sobre nossas vivências e sobre nossos corpos podemos nos ver naquele espaço”, afirmou Rafaela Silva (24) sobre a crescente produção de obras literárias que têm enfoque na representação positiva da população negra. O crescimento de livros com protagonistas negros e o aumento da procura por eles nos mercados levou títulos como “Lendários”, de Tracy Deonn e “Agora que ele se foi”, por Elizabeth Acevedo a ganharem espaço nas estantes de leitores pelo mundo todo. A divulgação que livros com protagonismo negro receberam durante os temos de confinamento fez com que mais livros que abordam a vida de pessoas afrodescendentes se tornassem cada vez mais populares. 

Nos últimos anos, houve um crescimento exponencial na quantidade de personagens negros, tanto em obras literárias, quanto cinematográficas, os personagens vêm ganhando destaque se tornando protagonistas, ou pontos importantes da história. Ainda assim a comunidade enfrenta alguns desafios para que sejam devidamente representados “Alguns conseguimos perceber que a pessoa apenas colocou um personagem de minoria para dizer que tem” Ressalta a escritora, e completa “Ainda precisamos cobrar das pessoas escreverem sobre pessoas pretas e isso é cansativo”. 

O número de autores negros publicados no Brasil ainda é considerado baixo, se comparado com a quantidade de autores brancos. Por consequência, os personagens desses autores também são brancos, o que aponta a falta de representatividade. De acordo com os dados das maiores editoras brasileiras, segundo uma pesquisa da Universidade de Brasília (UnB), entre 1965 e 2014, 70% dos autores são homens e, dessa porcentagem, 90% são brancos. Esse estudo revela que a escalada para uma cultura representativa de autores negros ainda é uma longa caminhada.

Rafaela, nascida em São Carlos e formada em Linguística pela Ufscar (Universidade Federal de São Carlos), também ressalta que, mesmo com os pontos negativos, a inserção de pessoas negras nessas obras é algo a se comemorar, além de se esforçar para sempre ter negros em suas obras. Em todas as suas histórias publicadas na Amazon, sendo elas: “Apito final”, “Meu lugar” e “As cores do nosso amor”, Rafaela colocou personagens negros em posição de protagonismo “É a minha reparação histórica” afirmou ela. “Todas as minhas obras escritas até aqui abordam o racismo, sei que parece cansativo, mas sempre que vou escrever trago minhas vivências e isso reflete muito nas minhas obras” explicou a autora. 

Livro 1
Ilustração dos personagens de "Apito Final" por: Maria Luísa Pitombeira

Além da questão da inclusão, a literatura negra também é necessária porque ela é capaz de desbancar padrões e estereótipos relacionados à cultura e ao povo afro-brasileiro. Quando contadas por escritores negros, as histórias têm um ponto de vista próprio de pessoas que vivem diariamente essa cultura sem reforçar os padrões criados pelo ponto de vista branco e eurocêntrico.

Apesar da pouca representatividade, existem autores negros relevantes e essenciais para a história literária do Brasil. Entre eles, podemos citar Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, Machado de Assis — considerado o maior escritor brasileiro —, Lima Barreto, entre muitos outros grandes nomes da literatura no país. Esses autores, que são atemporais, trazem em suas obras histórias com perspectivas únicas, contando sobre suas vivências e acontecimentos por eles presenciados.

 

A importância do Movimento Negro Unificado e outras entidades para a história e autoestima do povo negro para a criação de uma sociedade antirracista.
por
Maria Luisa Lisboa Alves
Natália Oliveira Perez
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09/11/2023 - 12h
Manifestação do Movimento Negro Unificado na frente do Theatro Municipal de São Paulo
Protesto do Movimento Negro Unificado (MNU),  no Theatro Municipal de São Paulo. 
Imagem: Reprodução/MNU/Lei de acesso à informação. 

 

"Hoje, a juventude negra anda olhando para o horizonte. E como diz o Miltão (Milton Barbosa): a nossa vitória é certa”, diz Regina Santos, coordenadora estadual do MNU em São Paulo. O movimento luta há 45 anos para garantir os direitos da população afrodescendente brasileira. Em sua criação a participação de diferentes personalidades negras foi fundamental. 

O Movimento Negro Unificado foi fundado em 18 de junho de 1978 no Centro de Cultura e Arte Negra e lançado a público 19 dias depois, em 7 de julho nas escadarias do Theatro Municipal de São Paulo. Três casos funcionaram como fator decisivo final: a discriminação de jogadores negros de vôlei pelo Clube Regatas do Tietê; a prisão e assassinato do feirante Robson Silveira da Luz; e o assassinato do operário Milton Lourenço por forças policiais.  

“Já havia uma discussão com gente do Rio e de Salvador acerca de que era necessário atingir um outro patamar na luta de combate ao racismo” explicou Regina Lúcia dos Santos, filiada há 28 anos é militante exclusiva e coordenadora estadual do MNU. “Colocamos na pauta política a discussão racial e isso não é qualquer coisa, porque faz parte da manutenção do racismo o encobrimento da nossa história.” 

 

Páginas da ata original da formação do Movimento Negro Unificado.
Páginas da ata original da formação do Movimento Negro Unificado. Imagem: Acervo Privado concedido pela família de Antonio Leite. 

 

Por ocorrer no período de ditadura, os membros buscaram apoio da mídia já desgastada pela censura e tentaram contato com o secretário de segurança do estadual da época, Erasmo Dias. “Eles sabiam que ia haver provocação da polícia no entorno, mesmo assim, o pessoal que estava no ato resistiu, não foi para cima das provocações porque era importante que o MNU fosse lançado.”   

O ativista Milton Barbosa, atual parceiro de Regina, foi figura central para o encontro de tantos ativistas e intelectuais para a assinatura da ata na escadaria do Municipal. Entre eles Eduardo Oliveira, poeta e primeiro vereador negro eleito pela capital paulista. Lélia González, referência nos estudos e debate de raça, gênero e classe no Brasil e no mundo, além de Antônio Leite, empresário e representante da Associação dos Empresários Negros.  

“Antes do MNU, em 1972, meu pai criou um grupo de trabalho de profissionais liberais universitários negros. O objetivo era trabalhar a autoestima das pessoas negras para que elas continuassem na educação formal e estivessem nas universidades, já que era a única forma de ascensão social da época” contou Elizabete Scheibmayr, a advogada e ativista é filha de Antonio Leite, militante do Movimento Negro Unificado. 

 

Antônio Leite durante ato público do MNU.
Antonio Leite durante ato público do MNU. Foto: Jesus Carlos via BBC News Brasil. 

 

Ações Afirmativas 

56% da população brasileira se declara negra, mas há pouca representatividade destas pessoas em cargos de liderança. Conforme pesquisa divulgada pelo Instituto Ethos, em 2018, apenas 4,7%, estão em uma posição de gerenciamento nas 500 maiores empresas do país, só 0,4% são de mulheres negras executivas. As ações afirmativas nas empresas vêm para representar a sociedade brasileira. “O racismo no Brasil tem essa peculiaridade: a gente se acostumou com ele, normalizou situações inaceitáveis como a ausência de pessoas negras nos espaços. E ninguém percebe que tem uma anormalidade nisso.” 

Para combater isso, junto de sua irmã, Elizabete fundou a Uzoma: empresa de consultoria focada na inclusão e diversidade no mercado de trabalho. “Há hoje uma pressão de mercado. As empresas as vezes não conseguem créditos internacionalmente por falta de diversidade. Se não é pelo amor e pelo que é certo, então será pelo dinheiro.”  

Logo do Uzoma e ao lado suas fundadoras, as irmãs Elizabete e Eliane Leite.
Logo do Uzoma e ao lado suas fundadoras, as irmãs Elizabete e Eliane Leite. Imagens: Uzoma Diversidade Educação e Cultura/Divulgação. 

Houve uma questão histórica que impediu que pessoas negras alcançassem certos espaços, para a mudança é preciso agir de uma forma intencional. “O Uzoma veio da questão: como vamos letrar pessoas não negras em empresas para que elas comecem a pensar na inclusão e ascensão de pessoas negras no mercado de trabalho” especifica ela. 

 

 

 

 

 

 

Legado 

“Quem não conhece seu passado não tem história e quem não tem história, não existe.” pontua Regina. No dia 4 de novembro de 1978, o MNU soltou um manifesto propondo que o dia 20 de novembro se transforme no Dia Nacional da Consciência Negra, para lembrar a importância da história de luta e da herança cultural do povo negro. Apesar da mobilização que ocorre desde o século passado para o dia de conscientização, apenas em 2011 a data foi oficialmente instituída. 

“A gente não veio do nada, é a história de um povo que sempre lutou por seus direitos, nada foi dado. Precisamos nos orgulhar da nossa história e de tudo que construímos.” - opina a filha de Leite – “É preciso conhecer e ter esse orgulho da jornada que nós trilhamos e vamos trilhar. Não é o começo, mas também não é o fim. Há uma jornada para a mudança, para termos uma sociedade em que as pessoas sejam respeitadas pelo que elas são.” 

“Meus sonhos e minhas lutas começaram a muito tempo antes da minha chegada’”, no documentário, ‘Emicida: AmarElo - É Tudo Pra Ontem’, o cantor lembra da importância de reconhecer a história dos que o antecederam. No longa ele traça a herança cultural do povo negro e lembra da relevância do MNU, e de personagens que marcaram a história como Ruth de Souza, Lélia Gonzales, entre outros. 

Regina, seu parceiro Milton Barbosa e outros militantes do MNU foram homenageados na apresentação que o rapper fez no Theatro Municipal, em que ocorreu a manifestação e fundação oficial do Movimento Negro Unificado. Emicida, em seu documentário, faz questão de lembrar a história e a importância deste grupo que luta pelos direitos dos afrodescendentes no Brasil. 

Elizabete ainda completa: “Acho que é um privilégio ter essa história, esse legado e ter vivenciado isso no seu dia a dia e como isso faz diferença. Nosso posicionamento hoje é muito mais forte. Por menor que seja, meu pai influenciou a história. E isso é motivo de orgulho. E temos a responsabilidade de não deixar isso morrer.” 

 

Ativistas do MNU homenageados no show do Emicida no Theatro Municipal de São Paulo
Ativistas do MNU homenageados por Emicida em seu show no Theatro Municipal de São Paulo. Imagem: Reprodução/AmarElo 

 

Futuro de lutas e vitórias 

“O futuro é ainda de muita luta e de muitas conquistas”. A militante lembra pautas importantes que devem ser discutidas, como a reparação histórica ao povo negro e aos povos originários. 

Para a ativista a educação é fundamental, o letramento racial é necessário para que a população compreenda as relações estabelecidas no Brasil e para que esta se dê de uma melhor forma. O ensino da história da cultura e dos povos africanos é pauta do MNU desde 1978, porém só foi promulgado em 2003. 

“Os jovens negros contam histórias negras, narram a resistência de suas famílias em batalhas de rap”, a militante conta como é importante para os jovens terem as suas culturas validadas, e como o movimento negro foi fundamental para a autoestima dos jovens, que assumem a sua negritude. “Não é à toa que o símbolo do MNU é uma lança”, para Regina o MNU lança e abre caminhos para esta população. 

“Exu matou um pássaro ontem com uma pedra que só jogou hoje”, ditado iorubá que é citado por Emicida no seu documentário para lembrar aos espectadores que a sociedade que foi construída de forma racista, pode ser modificada hoje, a hora de mudar é agora. 

 

Com a aposentadoria de Rosa Weber, a pressão é para uma jurista negra ocupe seu assento no STF
por
Geovana Bosak
Isabelli Albuquerque
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26/10/2023 - 12h
Foto oficial da composição do STF (03-08-2023). Foto: Fellipe Sampaio/ SCO/STF

“Sou uma juíza de Direito, mas sou uma juíza de Direito negra. Isso é um fator importante, porque eu sou praticamente a única e a sociedade tem que prestar atenção nisso”, declara a juíza Karen Luise de Souza para o Brasil de Fato no ano de 2020. Três anos depois o cenário não está muito diferente, porém, com a abertura de um novo cargo de ministra no STF, as esperanças estão altas para que a posição seja tomada por uma mulher negra. 

 

Dentre as indicadas, estão a jurista e professora da faculdade de Direito da PUC-SP, Lucineia Rosa dos Santos. Quando soube do abaixo-assinado realizado pelos alunos da instituição, Lucineia diz ter se sentido muito emocionada e surpresa.  

 

Durante a entrevista – realizada em uma ligação pela plataforma Teams -, a professora compartilhou um ocorrido muito significativo. Os funcionários da copa da PUC-SP a procuraram para poder assinar o abaixo-assinado a seu favor. “Eu me senti muito grata de também ver trabalhadores, pessoas do nosso convívio, irem me procurar para me apoiar”, relatou Lucineia. 

Professora Lucineia Rosa dos Santos, na PUC-SP Foto: Carine Wallauer, Diego Bresani e Maiara Cerqueira

De acordo com a plataforma Justa - criada para ser um observatório do sistema de justiça brasileiro, para cada juíza negra, existem 7,4 juízes brancos no país. Essa discrepância é um reflexo da sociedade no Brasil, e levanta uma questão: como a justiça deve ser igualitária se os responsáveis por elas são todos do mesmo grupo social? Karen Luise apontou esse problema em sua entrevista ao BdF: “Se você só tem homens brancos na magistratura, você só vai ter a visão, a vivência e a experiência do homem branco no mundo” 

 
As mulheres negras constituem a maioria da população no Brasil, porém formam o grupo mais marginalizado e ignorado pela sociedade. “Ter uma mulher negra no STF vai além da representatividade, traz também uma mudança de pensamento dentro do sistema jurídico brasileiro”, apontou Lucineia. 

 

Segundo o IBGE, mulheres negras praticam duas vezes mais abortos do que mulheres brancas, e, como o procedimento não é legalizado no Brasil, mulheres negras arriscam suas vidas duas vezes mais do que mulheres brancas. “Você criminalizar uma mulher que aborta, é criminalizar uma mulher pobre, periférica, preta, mãe solo e que colocou em risco sua vida por não ter condições de realizar um aborto seguro”, afirmou a professora, deixando claro que a descriminalização do aborto é mais do que necessária no país. 

 

A exclusão do povo preto, principalmente das mulheres, se faz presente no país desde sua fundação. Lucineia explicou, “Por mais que tenhamos participado e contribuído na história do país, não nos viram fazendo parte do desenvolvimento pleno econômico”, e ainda acrescenta que “os espaços de poder desse país sempre centralizaram nas mãos dos mesmos”. 

 

Esperançosa de que o presidente Lula indique uma mulher negra para o cargo de ministra, a professora finalizou a entrevista desejando que daqui para a frente mais mulheres, de qualquer raça e classe social, consigam posições de poder e representem a população brasileira, que, em sua maioria, é constituída por pessoas do sexo feminino. 

João Santana propõe programas que promovam igualdade racional nas escolas
por
Giovanna Astolfi Stevano
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09/11/2023 - 12h

João Santana é uma voz forte e dedicada na luta contra o racismo no Brasil. Ele deu uma palestra em um painél de discussão sobre pautas antirracistas, no último dia 20/10, em um espaço comunitário no centro de São Paulo com a participação de acadêmicos, ativistas e líderes comunitários, que compartilharam suas experiências. Fez essa palestra com um intuito de promover a conscientização e a ação contra o racismo.

João é uma figura que inspira. Em uma conversa, ele compartilhou sua jornada pessoal na busca por igualdade e justiça. “Minha jornada na luta contra o racismo começou cedo. Eu percebi as desigualdades gritantes que afetam a comunidade negra no Brasil. Cresci em uma família que sempre enfatizou a importância de se orgulhar de nossa herança afro-brasileira e de lutar por igualdade. Desde então, tenho trabalhado incansavelmente para desafiar os estereótipos e as estruturas racistas que permeiam nossa sociedade.”

João enfatizou a importância da educação na luta contra o racismo. “Devemos investir em programas educacionais que promovam a igualdade racial, ensinando a história real do Brasil, que é profundamente enraizada na contribuição afro-brasileira. Além disso, é crucial que as empresas e instituições adotem políticas de inclusão e diversidade, proporcionando igualdade de oportunidades para todos os brasileiros, independentemente de sua cor de pele.”

O papel das manifestações e da conscientização pública também foi discutido. João ressaltou que essas ações desempenham um papel fundamental na luta antirracista, chamando a atenção para as questões muitas vezes ignoradas. “As vozes dos manifestantes devem ser ouvidas e levadas a sério pelas autoridades e pela sociedade em geral. Além disso, a conscientização precisa se transformar em ações concretas, como políticas antidiscriminatórias e medidas que garantam a igualdade de oportunidades.”

Para aqueles que desejam se envolver na luta antirracista, mas não sabem por onde começar, João ofereceu orientações. “Começar na luta antirracista pode parecer avassalador, mas cada pequeno esforço faz a diferença. Comece educando-se, lendo livros e artigos sobre o tema. Converse com pessoas negras e ouça suas experiências. Participe de grupos e organizações que trabalham pela igualdade racial. E, acima de tudo, não tenha medo de confrontar o racismo quando o encontrar, mesmo que seja desconfortável. A mudança começa com a conscientização e a ação individual.”

Ao concluir a entrevista, João expressou seu agradecimento por ter a oportunidade de compartilhar suas ideias e experiências. “A luta antirracista é uma jornada contínua, e espero que possamos trabalhar juntos para criar um Brasil mais justo e igualitário para todos.”

Lucineia Rosa dos Santos e Mônica de Mello, docentes da PUC-SP, estão entre as cotadas para vaga no Supremo Tribunal Federal
por
Julia Barbosa
Helena Saigh
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23/10/2023 - 12h

“As mulheres são mais da metade da população, as pessoas negras no Brasil são 56%. Então, ter representatividade nos órgãos de poder significa ter mais democracia.” declara Mônica de Melo, a professora e pró-reitora de Cultura e Relações Comunitárias na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Além disso, ao lado de Lucineia Rosa dos Santos, ela é uma das mulheres negras cotada para assumir a cadeira de Rosa Weber na mais alta cúpula do judiciário, o STF. 

A ministra, que se aposentou oficialmente em 2 de outubro aos 75 anos de idade, destacou em seu discurso de despedida a desigualdade de gênero na corte, que antes contava com apenas outra mulher, Cármen Lúcia. Também deve ser levado em consideração a ausência de ministros negros na atual constituição do STF.

A partir dessa falta de diversidade, o presidente Lula enfrenta hoje uma pressão dos movimentos sociais para que uma mulher negra seja indicada ao cargo. Em sua primeira indicação, o presidente ignorou os apelos da campanha e a própria representatividade do povo no governo na simbólica caminhada pela rampa do Palácio do Planalto em sua posse, ao indicar Cristiano Zanin, um homem branco, que atuou em sua defesa nos processos da Lava-Jato. 

Lucineia Rosa dos Santos é Doutora em Direitos Humanos pela PUC-SP e docente universitária na área jurídica. Hoje, além de atuar como advogada, é professora e ministra disciplinas de Direitos Humanos, Direitos Humanos dos Refugiados, Direito da Criança e do Adolescente, bem como Direito de Igualdade de Gênero e Racial, na Pontifícia.

“O que se debate hoje, já era posto em casa há muitos anos. Eu era criança, mas ouvia”, conta Lucineia sobre o contato com discussões pautadas em sindicatos ainda quando era criança através de seus tios. Desde muito jovem, entendeu que o ensino poderia transformar a sua realidade, e expõe que, “No Brasil, o racismo ditava meus espaços e minha ascensão profissional.”

Para Lucineia, a ausência de alguém negro na corte não impede que questões raciais sejam discutidas, porém, a ponderação das demandas são debatidas sem a consciência e a experiência do que é ser uma pessoa negra no Brasil. A jurista afirma ainda que, somente com essa consciência no debate, é possível modificarmos a estrutura.

A entrevistada declara também que “se o Lula quer, de fato, mudar o que temos há séculos, o poder institucional nas mãos dos mesmos, é agora.”. 

Mônica de Melo é a outra mulher cotada para a vaga no STF, e, além da vida acadêmica, é defensora pública. A professora de direito constitucional pertence também a várias organizações que têm como pauta principal a defesa dos direitos das mulheres, combate a discriminação racial e a democratização do sistema de justiça. 

Ao falarmos da representatividade negra em um ambiente mais próximo como o da universidade, Mônica conta sobre o projeto que prevê a contratação de mais docentes negros e afirma: “Eu estive à frente desse projeto. Acho que é super importante para a universidade, porque a gente tem um quadro docente majoritariamente branco”, e acrescenta “, é uma forma de buscarmos o enegrecimento da PUC. “

 

"O objetivo é celebrar o povo preto na gastronomia e deixar claro que a gente não faz só comida de África. Somos plurais, fortes e bons em técnica e ancestralidade", afirma Breno Cruz, fundador.
por
Livia Vilela
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21/10/2023 - 12h

Sucesso em sua primeira edição, o Prêmio Gastronomia Preta se torna, em 2023, um evento nacional. Desta vez, acompanhado de um festival que celebra o trabalho e a ancestralidade do povo preto na gastronomia nos dias 25 e 26 de Novembro, no Rio de Janeiro. “São 30 stands, que vão da confeitaria até a cozinha quente, passando pelo churrasco e pelo baião de dois. É a nossa gastronomia e é isso que estamos celebrando. Nãé só comida de África, queremos mostrar que essas pessoas são plurais e diversas, com muito conhecimento e técnica também”, conta Breno Cruz, idealizador e organizador do evento.

O Premio Gastronomia Preta surge em 2022 como uma proposta local no Rio de Janeiro, com o intuito promover a diversidade e evidenciar as pessoas pretas no universo gastronômico, dentro de 23 categorias. Breno Cruz, que tambéé professor de gastronomia da UFRJ, dá inicio ao prêmio com a proposta de passar a mensagem para todo o Brasil que as pessoas pretas estão presentes na cozinha profissional e precisam ser reconhecidasPara o povo preto nunca foi fácil, né? A gente acredita, a gente é resistência, tem que fazer para ser visto. As dificuldades são grandes mas está acontecendo, muito com a ajuda dos patrocinadores que acreditam no projeto. É extremamente importante a gente compreender que as pessoas pretas fazem a gastronomia acontecer mas que muitas vezes não são vistas.

Assim como a iniciativa, o investimento na ideia foi primeiramente do próprio Breno. “É muito difícil fazer um evento desse acontecer. Primeiro tem o meu investimento financeiro, de tempo e de trabalho. Em 2022 o prêmio aconteceu sem nenhum patrocínio financeiro, eu investi o dinheiro sozinho por acreditar e poder fazer acontecer naquele momento.” Após muitas recusas, o Prêmio Gastronomia Preta, e agora o Festival, conquistaram parceiros importantes:  Nestlé, Secretaria do Meio Ambiente do Rio de Janeiro, o Ministério Público do Trabalho, a marca Cacildis, que é a bebida oficial do evento, além da Globo como uma parceira de mídia.

A escolha dos finalistas e vencedores do Prêmio tambéé feita de maneira estratégica. Há um edital e a primeira fase é por indicação popular. Depois desta primeira seleção, os profissionais, são analisados de acordo com a sua determinada categoria por um time de seis curadores, que leem as histórias de vida e trajetórias profissionais dos inscritos. A partir desta consideração, são selecionados três finalistas para cada categoria, que passam por entrevistas e provas práticas. Somente depois de todo este processo, os jurados, que não são os curadores, determinam o vencedor do prêmio. A questão da justiça para mim é muito importante, eu já fui injustiçado no passado. Então pensando nisso existe toda uma metodologia tanto para a indicação dos finalistas como para a escolha final. A coisa é muito bem feita para sermos o mais justos possível. Vai ganhar quem realmente se destacar na entrevista e na prova prática.

O Festival Gastronomia Preta, que acompanha o prêmio, terá sua primeira edição este ano e estão confirmadas diversas atrações. “É um festival maravilhoso feito com muito amor e carinho. Vamos ter como foco o samba, que conta muito bem a nossa trajetória e tem relação com a comida. Fechando o evento no segundo dia teremos a bateria da Beija Flor de Nilópolis, que é a escola oficial do festival. A banda arruda vai estar presente nos dois dias de evento.” O espaço conta também com a presença do Movimento Mães Negras pelo Brasil, falando sobre África e ancestralidade para o público infantil e a Cozinha Show Benê Ricardo, homenageando a primeira mulher a receber um diploma de chef de cozinha no Brasil. “É um evento completo. Olhem para a gente. A gente existe e faz um trabalho lindo neste país. Vamos celebrar essas pessoas e a nossa ancestralidade, reforça Breno.

 

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Prêmio Gatronomia Preta. Foto: Divulgação 
Organização inovadora promove serviços gratuitos às populações discriminadas
por
Beatriz Barboza
Giuliana Barrios Zanin
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21/10/2023 - 12h
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Centro Cultural Vila Itororó, sede do polo central do CRPIR em São Paulo. Foto: Giuliana Zanin

Localizado na Vila Itororó, no bairro Bela Vista, em São Paulo, o Centro de Referência para a Promoção da Igualdade Racial (CRPIR) é responsável por acolher vítimas de racismo, intolerância religiosa e xenofobia. O Centro oferece atendimentos psicossociais, psicológicos e jurídicos de segunda à sexta, das 9h às 18h, em salas cedidas pelas casas de cultura das diferentes zonas da cidade. O CRPIR possui somente um polo físico, localizado na Cidade Tiradentes, no extremo leste paulista.

A atuação dos Centros de Referência está atrelada à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, encarregada de efetivar o Plano de Promoção da Igualdade Racial, instituído em 2018, com o objetivo de reduzir as desigualdades étnicos-raciais da cidade de São Paulo. Atualmente, os polos do CRPIR são dirigidos pelo Instituto Social Espaço Negro, uma ONG conveniada, por contrato, com a Prefeitura.

Talita Laureano, psicóloga do polo da Vila Itororó, ressaltou que, embora tenha experiência como psicóloga na assistência social, não conhecia o CRPIR até receber o convite para fazer parte da equipe de atendimento. “A população não acessa os serviços do Centro porque não conhece”, afirmou Talita sobre a falta de divulgação desse serviço municipal. A profissional comentou o público-alvo dos atendimentos: “atualmente, muitas mães e responsáveis relatam situações de racismo escolar, mas casos de racismo institucional, sofrido no ambiente de trabalho, também são comuns.”

A psicóloga esclareceu que não é possível oferecer um acompanhamento terapêutico contínuo, somente atendimentos pontuais. Talita explicou que, a depender da gravidade dos casos, é combinado o tempo de retorno e novos encontros são marcados. Sobre os demais serviços, ela exemplificou: “os atendidos não serão representados judicialmente pela advogada do CRPIR, mas ela pode acompanhá-los até o DECRADI (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância). O atendimento jurídico orienta, por exemplo, a procura da Defensoria Pública ou de um advogado particular.”

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Além do espaço arquitetônico, o Centro Cultural Vila Itororó promove aulas de artes e danças. (Foto: Giuliana Zanin)

Os atendimentos podem ser realizados online, à domicílio ou presencialmente. No entanto, conforme ressaltado por Talita, os polos do CRPIR carecem de infraestrutura. As salas ocupadas pelo Centro na Vila Itororó, por exemplo, não possuem acessibilidade às pessoas com deficiências. Além disso, o espaço onde acontecem os atendimentos é compartilhado pelas profissionais: “nós tratamos casos carregados de sofrimento psíquico, em situações específicas, eu solicito que minha colega saia da sala para garantir o sigilo e o conforto do atendido.”

“Falta muito para chegarmos em um nível de atuação efetiva, mas a gente percebe a importância dos serviços nos atendimentos. O espaço é para as pessoas se identificarem conosco e veem como uma tábua de salvação”, comenta Talita. Além disso, a profissional demonstra a satisfação do serviço para os atendidos “Muitos relataram que ficaram felizes de conhecer o trabalho, porque não se sentiam sozinhos e tiveram suas vozes ouvidas plenamente.”

Embora trabalhe há pouco tempo no Centro, reconhece a importância da iniciativa e da permanência dos serviços para a comunidade. Talita comenta que “Além de trabalhar as questões do racismo estrutural, arraigado, fortalecer, empoderar, fazer com que essas pessoas almejam outras posições, um STF da vida, ser médico, advogado… nosso trabalho tem esse papel também.”

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O CRPIR é uma iniciativa da Prefeitura de São Paulo com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. Foto: Giuliana Zanin

Apesar de existirem centros de acolhimento para pessoas vulnerabilizadas socialmente, é importante denunciar casos de racismo, xenofobia, intolerância religiosa, dentre outras discriminações sociais. De acordo com o Portal Geledés, a Ouvidoria da Secretaria Estadual da Justiça e Cidadania paulista recebeu 174 denúncias de discrimanação racial nos primeiros 4 meses deste ano frente a 155 ao longo de todo o ano passado. Para mais informações sobre denúncia:

Para saber mais sobre as localidades dos centros, acesse o portal da CRPIR na Prefeitura de São Paulo: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/direitos_humanos/igualdade_racial/rede_de_atendimento/index.php?p=270197  

Vinda da Bahia, Cleidiane Costa de Jesus tem história de superação e se dedica a trabalho voluntário com moradores de rua.
por
Julia da Justa Berkovitz
Ana Julia Bertolaccini
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21/10/2023 - 12h

 

Cleidiane Costa de Jesus, 37 anos, nasceu no interior da Bahia no município de Jequié. Desde pequena Cleide se identifica como negra e afirma que: “morena não estava no meu vocabulário, até hoje quando me chamam de morena eu não respondo porque eu sou negra”. Ela sempre achou a cor negra muito linda e tinha uma grande admiração por seu avô materno e seus tios que eram negros. 

Cleide nasceu e cresceu dentro da igreja católica. “Deus é o centro da minha vida. Em casa rezo sozinha e busco fortalecer a minha fé na igreja, preciso comungar, é o pão vivo que desceu do céu”. Cleide desde sempre foi extrovertida, brincalhona e autoconfiante. Na escola era líder de torcida, participava das gincanas e desfilava nas paradas do feriado de 7 de setembro. Tinha muitos amigos, boas relações com os professores e era apelidada de preta, neguinha e negona. 

Todavia, seu jeito sociável e divertido incomodava algumas pessoas que a julgavam de metida. Cleide nunca se importou e diz: “Nem Jesus agradou todo mundo, não era eu que iria agradar”. Cleide conta que ouvia “piadas” racistas na escola, mas ela não ligava e rebatia as falas preconceituosas.

Cleide se formou na escola com 18 anos e viveu em Jequié até os 25 anos, quando se mudou para São Paulo. Durante esses sete anos ela começou a trabalhar como babá e quis se mudar para a metrópole paulista em busca de trabalho. Ela opina que em SP existem vantagens e desvantagens, “você ganha mais dinheiro mas vive uma vida corrida e na Bahia as pessoas ganham menos mas são mais felizes e se divertem mais”. 

Ao chegar em São Paulo, Cleide teve um pouco de dificuldade em frequentar a igreja porque não tinha com quem ir, mas conseguiu se estabelecer e agora vai à missa todos os finais de semana. Em 2019 virou catequista e há 4 meses iniciou um trabalho voluntário com moradores de rua na Comunidade Católica Shalom. “Não é só levar o alimento, é você olhar para as pessoas e ver Jesus, amar Jesus no irmão”. 

Ela conta que no voluntariado vê pessoas que ficaram muito fragilizadas pelo racismo que sofrem e alguns acabam se machucando. “Precisamos sempre lutar contra o racismo, ele causa muitos danos e dores”. 

Cleide se lembra de poucas situações em que sofreu preconceito. Ela afirma que duas vezes não foi atendida em lojas por estar vestida de forma simples. Além disso, quando Cleide sente que estão olhando ou seguindo ela no mercado ela logo questiona o que está acontecendo.