Não é novidade que a sociedade de modo geral, principalmente a brasileira, vive um momento extremamente difícil. Seja por conta do alto índice de desemprego, a alta inflação dos produtos mais básicos no mercado, a violência cada vez mais presente no dia a dia e muitos outros problemas que as pessoas vivem diariamente. Porém, toda vez que estas dificuldades são trazidas à tona, principalmente no período que houve no país recentemente (as eleições), existe um “grupo” de pessoas que sofre ainda mais que a população de modo geral, porém é esquecido historicamente, tanto pelo estado, quanto pela própria sociedade: a população em situação de rua.
Segundo o Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, (plataforma do Programa Transdisciplinar Polos de Cidadania da Universidade Federal de Minas Gerais), em maio de 2022, 184.638 pessoas viviam em situação de rua no Brasil, este número torna-se ainda mais problemático visto que em dezembro de 2021, o número de pessoas nesta condição era de 158.191 pessoas, ou seja, só neste pequeno espaço de tempo, a quantidade de indivíduos nesta condição aumentou em 26.447 pessoas. A capital paulista lidera este ranking de maneira isolada, possuindo ao todo 42.240 pessoas em situação de rua, um número quase quatro vezes maior que a cidade do Rio de Janeiro, que ocupa a segunda colocação, com 10.624 pessoas.
Todavia, apesar dos dados comprovarem que esta dura realidade é muito presente no país, e tem se tornado cada vez maior, a população de modo geral se acostumou com isto, tratando esta situação de uma maneira extremamente comum, fazendo com que as pessoas em situação de rua tornem-se invisíveis perante a sociedade. O pós-doutor em sociologia pela UNICAMP, Michel Netto, trouxe alguns pontos sobre o assunto:
“Sobre a questão do estado, não se pode trazer como apenas uma questão homogênea, ou seja, os diferentes governos que passaram pelo país nos últimos anos, tiveram diferentes formas de lidar com este problema, uns lidando de uma maneira mais correta, outros realizando ações completamente diferentes, tratando a população de rua de maneira completamente incisiva e violenta [...] Além disto, não se pode dizer que a relação da população e do estado é uma questão de causa e efeito, mas sim, existe uma influência por parte do estado nesta situação, além de outras questões”
Outrossim, Michel trouxe a visão do Neoliberalismo sobre o assunto, que ajuda a entender a situação:
“A ótica do neoliberalismo, muito citada e estudada por Michel Foucault traz um aspecto muito subjetivo do ser humano, onde o indivíduo é o único responsável por efetuar suas próprias ações, seja no campo econômico, ou em todas as outras maneiras de enxergar o mundo. Isto também reflete em um certo egoísmo do ser humano, que acredita que só as pessoas que estão passando pela situação devem tomar as ações para resolver estes problemas, e é claro, acarreta em um pensamento parecido sobre a população de rua, visto que observando principalmente por um olhar meritocrático, as pessoas podem acreditar que apenas o próprio mérito deve ser o fator de transformação positiva para este grupo”.
Observando o assunto por outra ótica, é possível observar através de dados negativos, como a psicologia pode auxiliar a população a enxergar este assunto de outra maneira. Segundo dados da Fiocruz, e de outras seis universidades, sentimentos frequentes de tristeza e depressão afetavam 40% da população adulta brasileira, e sensação frequente de ansiedade e nervosismo foi relatada por mais de 50% destas pessoas no ano de 2021, estes problemas psicológicos que em suma maioria não são tratados no país, influenciam o pensamento e as atitudes da população com relação as pessoas em situação de rua, conforme explica o estudante de psicologia da PUC-SP, Davi Ruiz:
“Uma sociedade doente mentalmente que não busca olhar pra suas próprias questões mal resolvidas, dificilmente será capaz de olhar para a dor do outro, já que a nossa sociedade contemporânea puxa o indivíduo para olhar apenas para si mesmo”
Davi também trouxe a questão do neoliberalismo para o assunto:
“O sistema neoliberal capitalista contribui pra um esgotamento mental e para esse egoísmo no qual vivemos atualmente. Neste sistema, que acarreta em uma série de transtornos mentais, tornam o indivíduo voltado apenas para si próprio, tanto por trazer uma grande realização pessoal ao atingir os seus objetivos, como por uma grande frustração por não atingir este mesmo êxito. E a terapia/psicologia podem ser um refúgio extremamente positivo para que o indivíduo possa externalizar estas angústias, tendo um olhar menos egocêntrico sobre a sociedade, e as pessoas em situação de rua, e mais coletivo”.
Desta forma, observando por estes dois aspectos, é possível ao menos ter a ciência de que existem explicações sobre o por que a sociedade lida com esta circunstância de maneira tão egoísta, trazendo a responsabilidade do auxílio as pessoas em situação de rua apenas para ONGS, instituições religiosas, e para o governo. Porém, isto não isenta a população de se omitir tanto em meio a este assunto, visto que mesmo em meio a todas estas condições que colaboram para que as pessoas venham a ser cada vez mais individualistas, ainda é deplorável que a sociedade venha se isentar tanto dessa responsabilidade, e mais do que isso, venha aceitar que a população de rua se mantenha vivendo em situações completamente desumanas.
A Casa de Detenção de São Paulo, conhecida popularmente como Carandiru – por estar localizada nesse bairro da Zona Norte de SP – foi fundada na década de 1920, e por aproximadamente duas décadas foi considerada um sistema prisional modelo, por atender de forma correta as exigências do estado e do sistema carcerário brasileiro.
A partir de 1940 esse posto foi retirado, marcado principalmente pela superlotação que se instalou no presídio, causando problemas comportamentais nos presos e de segurança no local. A superlotação do presídio foi uma consequência do novo artigo que foi criado para o combate às drogas através da Lei nº 2.848/1940, artigo 281. Através desta lei, foi iniciado um combate ostensivo ao tráfico de entorpecentes, levando a prisão de muitas pessoas de uma vez só.
O excesso de pessoas na penitenciária fez com que os direitos humanos fossem corrompidos em diversos aspectos, celas abarrotadas de gente, disseminação de doenças (como a AIDS, a tuberculose, leptospirose), e das questões higiênicas no geral.
“O sistema era caótico, insalubre, tinham muitos ratos que transmitiam leptospirose às pessoas, muita gente com tuberculose, a higiene era precária, os próprios presos que limpavam o presídio, interferiam em conflitos, distribuíam alimentação, e no final, o presídio estava mais na mão dos detentos do que da própria gestão”, disse Sidney Sales, um ex detento que sobreviveu ao massacre. E acrescentou: “tinham celas com 25, 30 pessoas que viviam tumultuadas, uma em cima da outra, mas os detentos tentavam fazer daquele ambiente o melhor possível para se viver, apesar de toda a precariedade instalada”.
O MASSACRE
Dia 2 de outubro de 1992 foi marcado pelo maior assassinato já existente no sistema carcerário brasileiro. O pavilhão 9 da penitenciária foi invadido por 341 policiais da Tropa de Choque de São Paulo, culminando na morte de 111 pessoas, apesar dos próprios detentos dizerem que foram mais de 250. A invasão da polícia, primeiramente, era para acalmar uma rebelião que havia se instalado após um jogo de futebol que havia acontecido naquele dia, porém, os policiais agiram com violência extrema, ignorando a possibilidade de negociação, e sabendo que os presos estavam desarmados.
“Eles podiam ter cortado a energia, a alimentação, e podiam ter nos vencido pelo cansaço, mas não, aquilo foi uma carnificina. Eu só tinha visto esse tipo de coisa em filme, no Camboja, no filme de Auschwitz. Nós éramos presos do estado, e pela própria incompetência dele, entraram lá e assassinaram aquelas pessoas.” pontuou Sidney, e acrescentou, “naquele momento, quando eu estava no quinto andar, um rapaz disse: “ó, o pelotão de choque tá invadindo, os caras estão matando”, e eu respondi para ele que não, deviam estar dando tiro de borracha. Quando fui à janela e olhei para baixo, vi eles assassinando mesmo as pessoas”.
Após os momentos iniciais de terror, os detentos foram obrigados a descer até o pátio da penitenciária e ficarem todos nus, sentados no chão de cabeça baixa. Dizem que alguns detentos foram assassinados nesse momento. “Os policiais mandaram a gente descer e ficar no pátio, e após umas duas horas, ordenaram que ajudassem a carregar os corpos, de dois em dois, nisso, começaram a chegar as ambulâncias, viaturas e carros do IML, para levar aquelas pessoas embora.” afirmou Sidney, e ainda conta: “quando subi ao quinto andar, vi dois policiais que já apontavam uma arma para mim, eu inventei uma história dizendo que pediram para me trancar de volta na cela. Nisso, um dos policiais virou para mim e disse: “vai acontecer um milagre na sua vida. Tá vendo esse molho de chaves? Vou escolher uma e bater no cadeado. Se abrir, você entra, caso contrário nós vamos te executar agora.” Nesse momento eu só ouvi um “clec”, naquele dia eu tive certeza de que não seria assassinado.”
Corredor submerso de sangue após o massacre, na penitenciária do Carandiru. Fonte: Niels Andreas.
Osvaldo Negrini – o perito que investigou o acontecido – pontuou que não houve confronto entre os presos e os policiais, principalmente pela localização dos tiros nos corpos dos detentos, e pelas perfurações de bala que existiam nas paredes das celas. “O próprio Osvaldo Negrini disse que houve uma carnificina, um assassinato e uma crueldade enorme com aquelas pessoas. Ele percebeu que os policiais tinham atirado de fora da cela para dentro, pois tinham perfurações nas paredes”, acrescenta Sidney.
JULGAMENTO
Em 8 de março de 1993, 120 policiais foram acusados pelo assassinato de – oficialmente – 111 pessoas. Em 1998, 85 policiais tornaram-se réus, e em 2013, 23 foram condenados a 156 anos de prisão. Porém, em 2016, essas condenações foram anuladas, alegando “impossibilidade de individualizar a conduta dos PMs”.
Apesar dessas condenações, e da certeza de que o acontecimento foi uma chacina, em agosto desse ano foi aprovado o projeto de lei 2821/21, concedendo anistia aos policiais anteriormente processados.
CONSEQUÊNCIAS
Como consequências principais do massacre, pode-se listar o sequestro da filha de José Ismael Pedrosa – ex diretor da penitenciária do Carandiru – que aconteceu em abril de 2001, e a fundação do Primeiro Comando da Capital (PCC) em 1993, criado inicialmente para “combater a opressão no sistema carcerário e vingar a morte dos 111 detentos, que acontecera um ano antes”.
Em 2006, a FUNDASP assumiu o controle fiscal da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Desde então, funcionários de diferentes cargos queixam-se de problemas contratuais e de questões trabalhistas. O depósito dos salários reduzidos na terça (06) foi, nas palavras dos docentes, “a gota d’água”.
O salário depositado no início deste mês apresentou uma redução de 10% no valor total, sendo feita sem avisos e justificações prévias. Até o corte, o cálculo da remuneração dos professores da Universidade era feito sobre 5 semanas de trabalho remunerado por mês - prática constante de pagamento desde 1987, e, portanto, considerada como Direito Adquirido dos professores.
Diante disso, os professores da Pontifícia organizaram-se com rapidez, convocando reuniões nos dias seguintes. Com essa movimentação dos professores e demais entidades institucionais, a Fundação se manifestou em nota oficial e afirmou que o salário neste segundo semestre de 2022 está “considerando em sua fórmula de cálculo 4,5 semanas mensais”, além de alegar que a “remuneração por 5 semanas mensais não só fere o bom senso como remunera a maior os docentes, sem nenhuma justificativa para tanto”.
A nota acrescenta que a alteração salarial foi acertada por ambos os lados através da assinatura do Acordo Interno de Trabalho, o que é falso, pois contrasta com os depoimentos dos docentes, além de que não há nenhum documento de comunicação antes do corte por parte da mantenedora.
A manifestação teve forte participação dos Centros Acadêmicos, os alunos caminharam com cartazes até o prédio da instituição, localizado na Rua João Ramalho. A perspectiva é de que os universitários continuem apoiando os professores.
“Ele bateu na minha perna e disse ‘Não vai nascer não? Aguenta! Faz força nessa p...’. Em seguida ele pegou uma agulha e furou a bolsa, subindo em cima da minha costela e empurrando o bebê pela barriga. Fizeram episiotomia também. Me lembro do dia seguinte - as costelas roxas, pontos em todo lugar e muita dor.” conta Marilene Martins Quirino, vítima de violência obstétrica durante o nascimento de sua segunda filha.
Normalmente, a intervenção médica em partos deve ocorrer somente em casos específicos. Mas a realidade é outra, sobretudo no Brasil, que é o segundo país do mundo em número de cesarianas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2018, 55,7% do total de nascimentos foram cirúrgicos, atrás apenas da República Dominicana, com 58,1%. Embora salvem vidas quando necessárias, as cesáreas também têm riscos. A recomendação do órgão é que não excedam 15% do total de partos, de modo a reduzir os índices de mortalidade da mãe e do bebê. No setor privado, a proporção de cesáreas chega a 88% dos nascimentos; no público, a 46%.
O parto é um processo natural. Porém, ainda não deixa de ser complexo. Em casos de complicações e riscos, as intervenções médicas são necessárias, como a cesárea. Contudo, nos últimos anos, as taxas de intervenção aumentaram de forma significativa, transformando a exceção em regra. Quando realizada sem necessidade, a cesárea pode ser considerada uma forma de violência obstétrica. Mas ela não vem sozinha: a cirurgia é absorvida no meio de turbilhões de outras violências- nem sempre tão invasivas - mas ainda muito traumáticas.
Uma comprovação fatal da falta de informação a respeito do parto é a própria posição em que este é normalmente recordado - a parturiente com as pernas abertas e deitada de barriga para cima. Essa posição, no entanto, foi uma ordem do rei Luís XIV para sua esposa - porque desta forma ele poderia ver o nascimento de forma mais “clara”. Ainda que essa seja a forma mais dolorosa de parir, permanece sendo a mais utilizada em partos não-humanizados.
Segundo a Recien - Revista Científica de Enfermagem - “A violência obstétrica é frequente no Brasil, sendo praticada por médicos e profissionais da enfermagem, em especial, na forma de negligência, violência verbal e/ou física”. Ela nasce de uma sociedade patriarcal - que enxerga mulheres como números dentro de um sistema. Uma sociedade em que, no minuto em que o feto é descoberto no ventre, deleta a humanidade, a feminilidade e a individualidade da mãe.
Entrevistamos Larissa Leal Gonçales, profissional doula há mais de 14 anos. Ela conta que “o parto é um processo fisiológico. É algo que o corpo faz. E saber como o parto funciona é essencial para a tranquilidade do processo. A mulher normalmente chega refém - mas quando se entende o parto como um processo íntimo, fisiológico, sexual e familiar da vida da parturiente - o protagonismo da mulher é o que faz diferença no desfecho”. Por isso a informação é a base para um parto humanizado e consciente.
A profissional ainda explica que o parto humanizado se baseia em 3 premissas: protagonismo da mulher, bases em evidências científicas e uma equipe profissional diversificada para melhor assistência do parto. Esse tipo de assistência tem como objetivo garantir que o bebê nasça sem intervenções desnecessárias - evitando traumas tanto para a mãe quanto para o bebê.
O problema da violência obstétrica é que ela não é um fenômeno isolado e sim produto de um sistema de médicos incapazes de sentir qualquer coisa que não seja o som do dinheiro caindo no bolso. Além disso, práticas violentas ainda são lecionadas e incentivadas em faculdades de medicina e a falta de informação faz com que esses procedimentos não sejam questionados, ainda que aplicados desnecessariamente.
A violência obstétrica é física, psicológica e também sistêmica - porque é o sistema atual que contribui para que essa violência seja invisibilizada e tratada como rotina dentro da vida das parturientes.
Essas situações vivenciadas por futuras mães prestes a dar a luz - e que as fazem vítimas dos mais variados tipos de violências - justamente por estarem indefesas e reféns desse sistema as tornam presas fáceis para seus algozes.
200 anos de uma suposta independência se passaram. Isso porque esse momento histórico, muitas vezes visto como símbolo de mudança, autonomia e liberdade, não mudou os trajetos de um país onde ainda reina o preconceito, o feminicídio, a opressão de povos nativos, leis patriarcais, a fome e a dependência externa - o que soa o mais irônico possível.
O dia que marcou a independência do país fez nascer um Brasil que dependia da escravidão para manter-se economicamente. E mantêm, até hoje, pretos e pretas dependentes de reparações históricas irreparáveis. Há mais tempo de escravidão na história do Brasil do que de Independência proclamada. E isso diz muito.
Aliás, se a anunciação de D. Pedro foi dada às margens do Rio Ipiranga, ela ainda não desembocou nos rios amazônicos, nos ouvidos de tantos povos indígenas.
Enquanto isso, mais uma vez, militares e milícias celebram o que parece ser um dia imaginário, gritando que nossa bandeira nunca será vermelha, enquanto tingem ruas e comunidades do vermelho mais gritante. De um sangue tão vermelho e antigo como tintura de Pau-brasil. Um vermelhão gritante de dor, preconceito e injustiça, que ecoa das gargantas de mães, pais e amigos, mas não alto o suficiente para o mundo ouvir.
Às margens dos direitos
No evento “Bicentenário da Independência do Brasil: Soberania, Democracia e Decolonialidade”, realizado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o professor e historiador Alberto Luiz Scheneider explica que a vinda da Família real portuguesa provoca a abertura dos portos, um primeiro passo do processo de independência. No entanto, com o desenvolvimento do comércio agora em maior demanda, mais mão de obra foi necessária. Ou seja, mais africanos foram escravizados.
Até na arte é explícito aqueles que ficaram às margens - e não só do Rio Ipiranga. O povo preto não poderia fazer parte desse momento de independência para além de seus serviços forçados. Não havia independência para a pele preta, nem na arte nem na vida real.
E isso alcança também os povos indígenas: “O silêncio continua nas escolas, nas universidades, nas ruas, nas pesquisas. Muitos deles diziam que não há espaço para os indígenas nessa sociedade, que não são brasileiros nem cidadãos e que nunca serão”, como denuncia Edson Kayapó, doutor em Educação Histórica, Política e Sociedade.
Mesmo assim, ainda que ditos como “’povos que seriam extintos pela força de sua incapacidade física, biológica e cultural de acompanhar o progresso nacional’, tantos povos resistem e continuarão resistindo”, garante Kayapó.
Outro grupo por debaixo dos panos – e planos – da independência são as mulheres. Afinal, que independência é essa em que somos livres para trabalhar ganhando menos, apanhando em casa e com medo do estupro?
Ruth Manus, escritora e advogada, atenta também para como a exploração feminina repassada a mulheres mais vulneráveis ainda é um equívoco de independência feminina: “Não adianta falar que a mulher privilegiada não tem dupla jornada se tem outra mulher no teu lugar trabalhando em casa, mal paga, sem registro. Isso não é emancipação feminina, é simplesmente exploração de uma mulher menos privilegiada no seu lugar”.
"Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil"
O hino da independência é quem nos diz. No entanto, não se morre pelo Brasil. Se morre por causa do Brasil, suas instituições assassinas e sua elite opressora.
“Vossos peitos, vossos braços, são muralhas do Brasil”. Essas muralhas brasileiras que o hino vos fala estão mais para alvos. Estes nossos peitos são muralhas derrubadas com balas perdidas – ou muito bem achadas. As muralhas que caem, fortalecem as da desigualdade, que resistem e se edificam.
Se “Zombou deles, o Brasil”, zombaram dos brasileiros quando decidiriam que 7 de setembro é sinônimo de liberdade.
E se, com tudo isso, ainda cantam o hino da independência, cantam para abafar os gritos e choros que tocam ao fundo, ao ritmo das metralhadoras que disparam e sob o comando da orquestra policial da morte. Se for branco, homem e cis, você está no camarote. Se for mulher, preto ou indígena, você tem lugar reservado. E assim, Dom Pedro mal imaginava que havia dado início a um novo show de horrores - nem tão novo assim.
E como todo brasileiro canta, “o show tem que continuar”. Mas dessa vez, gostaríamos que fechassem as cortinas, punissem os diretores e atores principais e acendessem as luzes do iluminismo democrático mais uma vez.