A história do grupo que ultrapassou as barreiras sonoras pode ser vista no centro de SP até o fim de agosto
por
Por Guilbert Inácio
|
26/06/2025 - 12h

A exposição “O Quinto Elemento”, em homenagem aos 35 anos do notório grupo de rap Racionais MC’s, está em cartaz desde o dia 06 de dezembro de 2024, no Museu das Favelas, no Pátio do Colégio, região central da cidade de São Paulo. A mostra era para ter sido encerrada em 31 de maio de 2025, mas, devido ao sucesso, vai agora até 31 de agosto.

A imagem mostra um painel os quatros membros dos Racionais MC's
Em 2024, o museu ganhou o prêmio de Projeto Especial da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) pela exposição. Foto: Guilbert Inácio. 

Museu das Favelas

O Museu das Favelas está localizado no Centro histórico de São Paulo, mas esse nem sempre foi o seu endereço. Inaugurado no dia 25 de novembro de 2022, no Palácio dos Campos Elíseos, o Museu das Favelas ficou 23 meses no local até trocar de lugar com a Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, no dia 26 de agosto de 2024.  

Fechado por três meses, o museu reabriu no dia 06 de dezembro de 2024, já com a nova exposição dos Racionais MC’s. Em entrevista à AGEMT, Eduardo Matos, um dos educadores do museu, explicou que a proposta da exposição chegou neles por meio de Eliane Dias, curadora da exposição, CEO da Boogie Naipe, produtora dos Racionais e esposa do Mano Brown. Eduardo complementou que o museu trocou de lugar para ter mais espaço para a mostra, já que no Campos Elísios não teria espaço suficiente para implantar a ideia. 

Tarso Oliveira, jornalista e historiador com pós-graduação em Africanidades e Cultura Afro-Brasileira, comentou que a gratuidade do museu é um convite para periferia conhecer a sua própria história e que, quando falamos de Racionais MC's, falamos de uma história dentro da história da cultura hip-hop, que salvou várias gerações fadadas a serem esquecidas e massacradas pelo racismo estrutural no Brasil. “Nós temos oportunidades de escrever a nossa narrativa pelas nossas mãos e voltada para o nosso povo. Isso é a quebra fundamental do epistemicídio que a filósofa Sueli Carneiro cita como uma das primeiras violências que a periferia sofre.”, afirma o historiador. 

O Quinto Elemento

Basta subir as escadas para o segundo andar do museu, para iniciar a imersão ao mundo dos Racionais. Na entrada, à sua direita, é possível ouvir áudios do metrô, com o anúncio das estações. Uma delas, a estação São Bento da linha 1-Azul, foi o berço do hip-hop em São Paulo, na década de 1980. À esquerda está um som com músicas dos Racionais, uma trilha que você irá ouvir em todos os espaços da exposição.

A imagem apresenta três placas, em sequência, com os dizeres "X", "Racionais MC's" e "Vida Loka".
Placas semelhantes às placas com nomes de rua trazem as letras do grupo. Foto: Guilbert Inácio.

No primeiro espaço, podemos ver o figurino do Lorde Joker, além de uma breve explicação da presença recorrente na obra do grupo da figura do palhaço em apresentações e músicas como “Jesus Chorou”, em que Mano Brown canta: “Não entende o que eu sou. Não entende o que eu faço. Não entende a dor e as lágrimas do palhaço.”

A imagem mostra uma fantasia laranja de um palhaço. Ao lado, há uma televisão.
O figurino é usado em shows pelo dançarino de break Jorge Paixão. Foto: Guilbert Inácio. 

Ao adentrar o segundo espaço, você mergulha na ancestralidade do grupo. Primeiro vemos imagens e um pouco da história das mães dos quatro membros, Dona Benedita, mãe e avó de Ice Blue; Dona Ana, mãe do Mano Brown; Dona Maria José, mãe de KL Jay e Dona Natalícia, mãe de Edi Rock. Todas elas são muito importantes para o grupo e ganharam, inclusive, referências em músicas como “Negro Drama” em que Brown canta: “Aí Dona Ana, sem palavra. A senhora é uma rainha, rainha”. 

É nessa área que descobrimos o significado do nome da exposição. Há um painel no local com um exame de DNA dos quatro integrantes que revela o ponto de encontro entre eles ou o quinto elemento – a África.

A imagem mostra um painel com o exame de DNA dos quatro membros dos Racionais MC's
Na “Selva de Pedra”, antes de todos se conhecerem, todos já estavam conectados por meio da ancestralidade. Foto: Guilbert Inácio.

O título se torna ainda mais significativo quando lembramos que a cultura hip-hop é composta por quatro elementos: rap, beat, break dance e grafite. O quinto elemento seria o conhecimento e a filosofia transmitida pelos Racionais, grupo já imortalizado na cultura brasileira, sobretudo na cultura periférica. 

Na terceira área, podemos conhecer um pouco de Pedro Paulo Soares Pereira, o Mano Brown; Paulo Eduardo Salvador, mais conhecido como Ice Blue; Edivaldo Pereira Alves, o Edi Rock e, por fim, Kleber Geraldo Lelis Simões, o KL Jay. Entre os inúmeros objetos, temos o quimono de karatê de Blue e o trombone de seu pai, a CDC do KL Jay, rascunhos de letras de Brown e Edi Rock.

A imagem mostra um bicicleta BMX azul
Primeira BMX de Edi Rock. Foto: Guilbert Inácio. 

O próximo espaço é o “Becos do som e do Tempo”, que está dividido em vários pequenos slots que mostram a trajetória musical do grupo. Podemos ver rascunhos de letras, registros de shows e a história de algumas músicas, além de alguns prêmios conquistados durante a carreira do grupo. 

Algumas produções expostas são “Holocausto Urbano” (1990); “Escolha seu Caminho” (1992); “Raio X do Brasil” (1993); “Sobrevivendo no Inferno” (1997); “Nada Como um Dia Após o outro Dia” (2002).

A imagem mostra um painel com os dizeres "Minha palavra vale um tiro, eu tenho muita munição" e uma foto dos quatro membros dos Racionais MC's. Ao lado, há fotos individuais dos membros.
O grupo confirmou um novo álbum para este ano, mas ainda não divulgou o título da obra nem a data de lançamento. Foto: Guilbert Inácio.

Nos próximos espaços, tem uma área sobre o impacto cultural, um cinema que exibe shows e o local “Trutas que se Foram” em homenagem a várias personalidades da cultura hip-hop que já morreram. A exposição se encerra no camarim, onde estão disponíveis alguns papéis e canetas para quem quiser deixar um registro particular na exposição.

A imagem mostra uma pequena placa com a foto da Dina Di e os dizeres: "Dina Di. Cria da área 019, como as quebradas conhecem a região de Campinas, no interior de São Paulo, Viviane Lopes Matias, a Dina Di, foi uma das mulheres mais importantes do rap no Brasil. Dina era a voz do grupo Visão de Rua. Dona de uma voz forte, assim como sua personalidade, a rapper nasceu em 19 de fevereiro de 1976 e morreu em 19 de março de 2010. Foi uma das primeiras mulheres a conquistar espaço no rap nacional. Dina nos deixou por causa de uma infecção hospitalar, que a atingiu 17 dias após o parto de sua segunda filha, Aline."
Nomes como Sabotage, Chorão, WGI, entre outros são homenageados na exposição. Foto: Guilbert Inácio. 

Segundo Eduardo, a exposição está movimentando bastante o museu, com uma média de 500 a 800 pessoas por dia. Ele conta que o ápice da visitação foi um dia em que 1500 pessoas apareceram no local. O educador complementa que, quando a exibição chegou perto da sua primeira data de encerramento, em maio, as filas para visitar o espaço aumentaram consideravelmente. O que ajudou a administração a decidir pela prorrogação.  

Eduardo também destaca que muitas pessoas vão ao museu achando que ele é elitizado, mas a partir do momento em que eles veem que o Museu das Favelas é acolhedor, com funcionários dispostos a tirar suas dúvidas e com temas que narram o cotidiano da população brasileira, tudo muda. 

 “Dá para sentir que o pessoal se sente acolhido, e tendo um movimento desse com um grupo que é das favelas, das quebradas, que o pessoal se identifica, é muito melhor. Chama atenção e o pessoal consegue ver que o museu também é lugar da periferia”, conclui. 

Impacto Cultural

Os Racionais surgiram em 1988 e, durante todo o trajeto da exposição, podemos ver o quão importante eles são até hoje para a cultura brasileira, seja por meio de suas músicas que denunciaram e denunciam o racismo, a violência do Estado e a miséria na periferia – marcada pela pobreza e pela criminalidade –, seja ocupando outros espaços como as provas nacionais e vestibulares.

A imagem mostra duas provas do Exame do Ensino Médio de 2023 com os trechos "Até no lixão nasce Flor" e É só questão de tempo, o fim do sofrimento".".
Trechos de Vida Loka, parte I e II nas provas do Exame Nacional do Ensino Médio de 2023 (ENEM). Foto: Guilbert Inácio. 

Em 2021, foi ao ar a primeira temporada do podcast Mano a Mano, conduzido por Brown e a jornalista Semayat Oliveira, que chegou a sua terceira temporada em 2025.

Inclusive, o podcast, que já teve inúmeros convidados da cultura e da política vai virar  um livro, homônimo. A publicação sairá pela Companhia das Letras, que já publicou o livro “Sobrevivendo no Inferno”, em 2017. 

Segundo Tarso, o grupo representa a maior bandeira que a cultura negra e periférica já levantou nesse país, visto por muitos como super-heróis do gueto contra um sistema racista e neoliberal; além de produtores de uma música capaz de mudar a atitude e a perspectiva das pessoas, trazendo autoestima, além de muito conhecimento. 

“Um dos principais motivos do grupo se manter presente no cenário cultural é não se acomodar com a "força da camisa", como cita o Blue.  E sempre buscar ir além artisticamente, fazendo com que seus fãs tendam a ir para o mesmo caminho e continuem admirando sua arte e missão.”, finaliza Tarso. 

 

Serviço

O Museu das Favelas é gratuito e está aberto de terça a domingo, das 10h às 17h, com permanência permitida até às 18h. A retirada dos ingressos pode ser online ou na recepção do museu. Além da exposição “O Quinto Elemento”, também é possível visitar as exibições “Sobre Vivências” e “Favela é Giro”, nos mesmos horários.

Obra de Amailton Magno Azevedo discute como o rap colaborou na elaboração de uma estética da resistência
por
Julia Sena
|
09/06/2025 - 12h

 

Em março de 2025, o grupo “Racionais MC 's” recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Unicamp, título concedido pelas universidades a personalidades de projeção nacional e internacional que fizeram contribuições notáveis à cultura e à sociedade. Mano Brown, Edi Rock, KL Jay e Ice Blue, receberam a homenagem, que fez questão de enfatizar a importância do grupo para a construção de uma narrativa negra urbana no Brasil e serviu, entre outras coisas, para o reconhecimento do rap pela academia.  

image1.png, Imagem 

Mano Brown, Edi Rock, KL Jay e Ice Blue recebem o título de “Doutor Honoris Causa”.  Foto/Reprodução: Antônio Scarpinetti (SEC/Unicamp)  

A proposta da honraria foi feita professores do IFCH e aprovada pelo Conselho Universitário em novembro de 2023. Dentre os docentes estavam Daniela Vieira dos Santos e Jaqueline Lima Santos, responsáveis pela organização do livro Racionais: Entre o Gatilho e a Tempestade (Ed. Perspectiva, 2023). A obra busca analisar como a linguagem utilizada pelos Racionais MC´S dialoga com os jovens periféricos, usando como fio condutor a estética, letras, melodias e referencias do grupo, com análises de diversos pesquisadores da área, como Acauam de Oliveira, Ana Lúcia Silva Souza e Janaína Machado, entre outros.  

No final de 2024, Amailton Magno Azevedo, que este ano relança seu livro As micro Áfricas em São Paulo: sambas, quintais e arranha-céus (Editora Dandara, 2025), lançou sua obra intitulada Na Trama do Rap (Educ, 2024). O pesquisador e professor do programa de pós-graduação de história da PUC-SP conta, em entrevista para a AGEMT, que sua jornada intelectual foi atravessada diretamente pelo impacto que o Racionais teve em sua formação. “Foi uma revelação, uma descoberta, como se eles estivessem falando de mim, para mim. Eu me reconhecia muito naquelas letras, aquilo me estimulou a querer saber quem eram aquelas pessoas”, conta relembrando quando ouviu Raio X do Brasil, ainda na graduação. 

Amailton defende que o rap, longe de ser apenas um gênero musical, constitui uma “espécie de veículo de transmissão de uma complexa gama de visão de mundo, de quereres, fazeres, expectativas e projetos de sociedade e de cidade”. Ele observa que o gênero cumpre um papel semelhante ao de outras expressões culturais negras, como o samba e o funk, ao permitir a elaboração de uma estética de resistência. Ao longo dos anos o movimento tem se transformado em uma cultura de massa, o que segundo o pesquisador é um bom indicativo de que as vozes negras estão sendo ouvidas. 

image2.png, Imagem 

Amailton e KL Jay no evento de Lançamento do livro “Na Trama do Rap”. Reprodução: @amailtonazevedo/Instagram 

Na área acadêmica, o pesquisador compartilha em trechos de seu livro um conceito estabelecido por Kabengele Munanga, que visa acabar com a ideia do negro visto apenas como um objeto de análise. “É preciso buscar e examinar a subjetividade. O negro como sujeito é uma perspectiva metodológica. Produzir um conhecimento que leve em consideração o negro como sujeito de si mesmo, como produtor de conhecimento e não apenas objeto de estudo.”, defende. 

Em Na Trama do Rap, Amailton também destrincha o papel da alegria, do riso e da celebração como sendo ferramentas políticas fundamentais na luta contra o racismo, ao invés de serem ferramentas de alienação, como algumas pessoas afirmam. “A música, a festa e, a dança negras foram e continuam sendo vitais no sentido de afirmar e realizar um jeito negro de ser no mundo. Sem dança e sem música a festa não tem graça. E nenhuma revolução será exitosa se não passar pelo riso.”, completou.  

Com o relançamento do livro, o autor pretende aprofundar a investigação sobre a chamada “velha geração” do rap nacional, da qual os Racionais MC’s são os principais representantes. “O livro joga luz nessa tendência que o Racionais inaugura e consolida: o rap político”. O reconhecimento institucional do grupo é um marco que evidencia o quanto a cultura de rua, a arte negra e a linguagem  periférica ganham espaço no fazer acadêmico. 

“Na Trama do Rap” foi publicada pela Educ, editora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A obra está disponível para compra aqui.

Liberado no dia 13 de março, o projeto retoma a tradição do rapper, além de trazer inúmeras referências culturais
por
Guilbert Inácio
|
24/03/2025 - 12h
O ambiente da imagem é uma casa antiga. Djonga aparece em pé do lado direito com boné, jaqueta e correntes de ouro. A parede atrás do artista está quebrada e os tijolos que faltam aparecem empilhados ao lado direito do rapper. Em cima dos tijolos, há pepitas e correntes de ouro, além de um galo. Há uma janela desgastada em cima da pilha do lado esquerdo.
Djonga no material promocional do álbum / Foto: Reprodução - @djongador

Djonga lançou seu novo álbum intitulado "Quanto Mais Eu Como, Mais Fome Eu Sinto!". A produção marca o retorno de uma data significativa para o rap nacional e conta com as participações de Milton Nascimento, Samuel Rosa, RT Mallone, Dora Morelenbaum, além dos já conhecidos DJ Coyote Beatz e Rapaz do Dread.

Até então seu último álbum era "Inocente 'Demotape'", lançado no dia 13 de outubro de 2023, com uma pegada diferente do resto da discografia do artista, pois Djonga focou em temas como amor, sexo e o cotidiano. Em 2024, o rapper mineiro participou apenas de projetos de outros artistas, quebrando o ciclo de lançamentos anuais desde seu primeiro álbum, em 2017.

Agora, Djonga retomou os lançamentos, ao dar vida ao seu novo álbum que contém 12 faixas, traduzindo o conceito que o artista trouxe no título da obra. A fome que antes era um impulso de sobrevivência do rapper mineiro, hoje representa uma inquietação, uma busca por evolução e superação, além de afirmar quem ele é.

Nas faixas ele passa por temas marcantes de sua obra como o racismo, a justiça social e a violência na sociedade, mas também, há uma análise antropológica ao falar sobre angústias, dúvidas, frustrações, conquistas do ser humano e ainda, sobre o reconhecimento que obteve de seus ídolos e de pessoas periféricas. Características que marcam a nova fase de experimentação do artista. Não é mais seu corpo que sente fome, mas sim sua alma, faminta de autoconhecimento.

Referências culturais

Djonga sempre trouxe sua religião, Umbanda, para suas músicas. No novo projeto não foi diferente. Dentre as referências citadas, a mais marcante é o paralelo do nome da obra com a história de Exu, um dos Orixás primordiais, presente em religiões de matrizes africanas. Segundo a crença, Exu come primeiro por causa de sua fome insaciável. A história do Orixá aparece, parcialmente, encerrando as músicas "Fome" e "Ponto de Vista".

Já a participação de Milton Nascimento no álbum é um encontro entre Gustavo Pereira Marques, nome real de Djonga, com uma de suas referências na música. O primeiro álbum de Djonga, Heresia, tem como capa uma releitura do LP "Clube da Esquina", lançado em 1972, por Milton Nascimento e Lô Borges.

Do lado esquerdo, há a capa do álbum Heresia, composto por uma edição fotográfica que colou Djonga sentado do lado dele mesmo. Ambos estão sentados em uma estrada de terra e ao fundo há uma floresta. Do lado direito está a capa do LP Clube da Esquina que mostra duas crianças sentadas em uma estrada de terra. Ao fundo, há uma cerca de arame e uma floresta.
Capa de “Heresia”, à esquerda, e “Clube da Esquina”, à direita / Fotos: Reprodução - Spotify

O célebre artista da MPB está presente na faixa "Demoro a Dormir" que, assim como “Heresia”, une o passado e o presente. Por meio de citação do Melhor Filme Internacional do Oscar 2025, "Ainda Estou Aqui" - obra que retrata a história de Eunice Paiva, a qual lutou por justiça na Ditadura Cívico-Militar - a música nos lembra que a violência e o autoritarismo permanecem presentes na sociedade atual.

Na faixa "Te Espero Lá", Djonga fala da passagem de sua antiga fome para a nova, com destaque para um trecho em que ele diz que as marcas mais importantes não são as que ele pode comprar, mas sim, as que estão na alma e que tenta curar com o que compra. A música também traz um refrão que flerta com o Pop, cantado por Samuel Rosa, outro ícone da música brasileira.

A música "Ponto de Vista", traz o artista RT Mallone, atual campeão do reality musical "Nova Cena" da Netflix, que conta um pouco das dificuldades que passou em Juiz de Fora (MG) e a ascensão social que adquiriu por meio do rap. Djonga canta sobre as críticas superficiais que os haters fazem a respeito dele, enfatizando que tudo é só um ponto de vista.

A faixa que encerra o álbum, "Ainda", tem a voz marcante de Dora Morelenbaum que acompanha a voz de Djonga, cantando sobre os caminhos escolhidos pelo artista durante sua vida.

Além de tantas outras referências, todo o álbum tem beats e arranjos feitos por Coyote Beatz e Rapaz do Dread, velhos conhecidos pelos fãs do artista. O destaque da produção musical fica para a música "Melhor que Ontem" que traz um sample de "Último Romance", canção da banda "Los Hermanos".

Por que dia 13 de março?

"Lanço todo dia 13 pra provar pra tu / Que um raio cai de novo no ‘memo’ lugar" verso da música "Oto Patamá", lançada por Djonga em 2020, que sintetiza o que a data significa para o artista. O rapper explicou em 2021, ao Marcelo Tas, no programa Provoca da TV Cultura, que lançou o seu primeiro álbum na data, um ano depois, seu novo projeto ficou pronto antes de março, então ele decidiu lançar no mesmo dia. 

A partir daí virou um compromisso com ele mesmo, de se desafiar, ao lançar um álbum novo com o prazo de um ano. Embora o ciclo tenha sido quebrado em 2022, o dia 13 permaneceu. O número é simbólico para o Atlético-MG, time de coração de Djonga.

Confira a discografia do rapper:

  • Heresia (13 de março de 2017);
  • O Menino que Queria Ser Deus (13 de março de 2018);
  • Ladrão (13 de março de 2019);
  • Histórias da Minha Área (13 de março de 2020);
  • Nu (13 de março de 2021);
  • O Dono do Lugar (13 de outubro de 2022);
  • Inocente "Demotape" (13 de outubro de 2023).

Criado pelo rapper mineiro, a data é uma espécie de "feriado" no rap nacional. O artista também criou a icônica frase utilizada pelo movimento negro: "Fogo nos Racista", refrão de seu perfil "Olho de Tigre" na PineappleStormTV. A frase evoca a resistência antirracista e a luta por justiça social, tornando Djonga, um dos mais importantes artistas do gênero no país, além de ser uma inspiração para as próximas gerações.

 

Artista também é terceira mulher a vencer a categoria de Melhor Álbum de Rap no Grammy
por
Beatriz Alencar
|
14/03/2025 - 12h

A cantora Doechii foi nomeada a Mulher do Ano de 2025 pela Billboard, com o anúncio feito nesta segunda-feira (10). Com o título, a artista norte-americana tornou-se a segunda rapper a ganhar a honraria no mundo da música, a primeira foi a Cardi B, premiada em 2020.

A revista da Billboard descreveu Doechii como uma das principais artistas da atualidade a “redefinir o que é ser uma precursora na indústria musical”. Ela será homenageada em um evento da Billboard no final deste mês.

Foto: Divulgação álbum “Alligator Nites Never Heal” | Reprodução: Redes sociais | Fotógrafo: John Jay

Foto: Divulgação álbum “Alligator Nites Never Heal” | Reprodução: Redes sociais | Fotógrafo: John Jay

A rapper, de apenas 26 anos, fortaleceu mais a carreira musical em 2024, com o lançamento do álbum “Alligator Bites Never Heal”, uma aposta de mistura entre os gêneros R & B e hip-hop. O mixtape foi indicado para três categorias do Grammy, entre eles o Melhor Álbum de Rap, marcando a primeira vez desse estilo de faixa feito por uma mulher a alcançar essa indicação.

Apesar disso, após a indicação de Melhor Álbum de Rap, Doechii foi convidada para fazer parte da faixa “Baloon” do álbum “Chromakopia”, do rapper Tyler, The Creator. A participação aumentou a visibilidade da artista que começou a fazer apresentações virais em festivais e em programas de rádio e televisão.

As composições de Doechii já viralizavam nas redes sociais desde 2020, com músicas como “What It Is” e "Yucky Blucky Fruitcake", mas as músicas não eram associadas com a imagem da artista. Foi somente após o espaço na mídia tradicional e o convite de Tyler que a rapper foi reconhecida.

Em fevereiro deste ano, Doechii se tornou a terceira mulher a vencer a categoria de Melhor Álbum de Rap no Grammy ao sair vitoriosa na edição de 2025, novamente, seguindo a história de Cardi B.

Foto: sessão de fotos para a revista The Cut - edição de fevereiro | Fotógrafo: Richie Shazam

Foto: sessão de fotos para a revista The Cut - edição de fevereiro | Fotógrafo: Richie Shazam

A apresentação da artista norte-americana na premiação, ocorrida no dia 2 de fevereiro, também foi classificada pela Billboard, como a melhor da noite. A versatilidade, modernidade e o fato de ser uma mulher preta na indústria da música, aparecem tanto nas faixas de Doechii quanto nas roupas e shows, fixando essas características como um dos pontos principais da identidade da artista.

A rapper tem planos de lançar o próximo álbum ainda em 2025, e definiu os últimos meses como um "florescer de um trabalho longo", em declaração a jornalistas na saída do Grammy.

Pesquisa do Datafolha evidencia a complexidade das percepções raciais no país
por
Letícia Alcântara
Sophia Razel
|
03/12/2024 - 12h
Garotas negras em pé e sentadas em um corredor
Jovens reunidos em um espaço que reflete a diversidade  Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Na última terça-feira de novembro (25), uma pesquisa conduzida pelo Instituto DataFolha e divulgada na mesma semana revelou dados significativos sobre a percepção racial no Brasil. O levantamento mostrou que 6 em cada 10 pessoas que se autodeclaram pardas não se consideram negras, evidenciando uma desconexão entre a autodeclaração oficial e a forma como essas pessoas percebem sua identidade racial. Por outro lado, entre os brasileiros que se identificam como pretos, 96% se reconhecem como negros, enquanto 4% não compartilham dessa visão.

Em relação a preconceito e racismo, a mesma pesquisa revelou que 59% dos brasileiros consideram que a maioria da população é racista, 30% considera que apenas uma minoria, 5% que toda a população seria, 4% que ninguém seria, enquanto 2% não souberam responder. Entre os gêneros, 74% das mulheres  acreditam que todos ou a maioria dos brasileiros são racistas. Por sua vez, entre os homens, esse percentual cai para 45%.

 

Percepção e Vivências do Racismo no Brasil

Ainda sobre a percepção referente ao racismo no Brasil, para 45% da população o racismo aumentou ao longo dos anos, enquanto 35% acreditam que o cenário  permanece o mesmo. Apenas 20% dos entrevistados enxergam uma redução nos casos de discriminação.

Quando perguntados em relação ao contexto onde o racismo está mais presente, a maioria dos brasileiros, 56%, aponta que as atitudes das pessoas são a principal manifestação do problema. Outros 27% acreditam que ele está mais evidente nas estruturas institucionais, como empresas e governos, enquanto 13% consideram que o racismo está igualmente distribuído entre comportamentos individuais e sistemas institucionais. Por fim, 4% dos participantes não souberam opinar sobre a questão.

A pesquisa também abordou vivências individuais de discriminação. Entre os entrevistados que se identificam como pretos, 56% relataram já ter sofrido preconceito relacionado à cor da pele. Esse percentual é significativamente maior entre os pardos, dos quais 17% relataram ter enfrentado situações semelhantes. Já entre os brancos, o índice cai para 7%.

Realizado em 113 municípios brasileiros, o estudo contou com a participação de aproximadamente 2.004 pessoas e buscou compreender as nuances entre autodeclaração racial e identidade, além de explorar como os brasileiros enxergam o racismo na sociedade. O objetivo do levantamento é fomentar debates mais aprofundados sobre a questão racial no país. 

Homenagens a figuras importantes buscam eternizar legados, mas memórias ainda enfrentam apagamento e negligência
por
Majoí Costa
Nicole Conchon
|
22/11/2024 - 12h

 

As ruas, avenidas e praças que cruzamos diariamente não são apenas caminhos, mas também registros históricos. Seus nomes, frequentemente memorando políticos, militares, religiosos ou escritores, carregam a tentativa de manter viva a memória de pessoas importantes. O que poucas pessoas sabem é que as principais ruas da cidade carregam nomes de famílias negras que ajudaram a moldar a história de São Paulo e do Brasil como um todo. 

 

Avenida Rebouças, nome em homenagem à família negra de prestígio / Foto: Mariana Orsi
Avenida Rebouças, nome em homenagem à família negra de prestígio / Foto: Mariana Orsi

Historicamente, figuras negras de renome sofreram um processo de embranquecimento a fim de tentar esconder ao máximo sua conexão com a negritude. Quando essa estratégia não funciona, o apagamento entra. Por conta disso, essas homenagens nem sempre têm a visibilidade ou o reconhecimento merecidos. Portanto, relembrar essas histórias é um convite à memória, resistência e celebração das contribuições históricas de figuras negras que ajudaram a moldar o país.

Confira as principais ruas com nomes de pessoas negras na cidade e onde se localizam:

Rua Luiz Gama (Cambuci)

Luiz Gama foi um intelectual negro do século 19, jornalista e advogado autodidata. Ele conquistou sua própria liberdade e dedicou sua vida à defesa do fim da escravidão. Sua atuação foi essencial para libertar centenas de escravizados por vias legais.

Rua Cruz e Souza (Aclimação)

Inaugurada em 1936, essa rua homenageia o poeta Cruz e Souza, também chamado de Cisne Negro, por criar o movimento simbolista no Brasil do século XIX que que buscava expressar emoções e ideias abstratas por meio de imagens sugestivas e místicas. Filho de pessoas escravizadas, o autor deixou sua marca na literatura brasileira ao lançar obras que desafiaram as convenções de sua época.

Avenida Rebouças (Zona oeste)

O nome homenageia uma família negra de prestígio no século 19. O patriarca, Antônio Pereira Rebouças, foi conselheiro de Dom Pedro II. Seus filhos, André e Antônio Rebouças, se destacaram como engenheiros responsáveis por grandes obras de infraestrutura no país. Seus principais trabalhos foram o novo plano de abastecimento de água do Rio de Janeiro após a seca em 1870 e a estrada de ferro Curitiba-Paranaguá que liga a capital paranaense ao porto de Paranaguá.

Rua Teodoro Sampaio (Pinheiros)

Teodoro Sampaio foi engenheiro, geógrafo e historiador. Suas contribuições no mapeamento e na construção de obras públicas ajudaram a moldar o território brasileiro.

Avenida Mário de Andrade (Barra Funda)

Inaugurada em 1978, a avenida homenageia o poeta e escritor Mário de Andrade, figura central do modernismo brasileiro e defensor da diversidade cultural e racial do país.

Rua Machado de Assis (Vila Mariana)

Desde 1912, essa rua leva o nome de Machado de Assis, um dos maiores escritores brasileiros. Fundador da Academia Brasileira de Letras, ele foi pioneiro ao explorar temas raciais, sociais e psicológicos em suas obras.

 

Entretanto, esses nomes ainda são exceções em uma cidade onde a maioria das homenagens em ruas é destinada a pessoas brancas. Pressionar por mais representatividade nas nomenclaturas urbanas é uma maneira de manter viva a memória de heróis negros e negras, ampliando sua visibilidade e reconhecimento. 

Recentemente, debates sobre questões raciais no espaço público ganharam força, como a polêmica envolvendo as luminárias do bairro da Liberdade, reacendendo discussões sobre a valorização da história afro-brasileira.

Bairro da liberdade em 1998
Bairro da liberdade em 1998 / Foto: Greg Salibian 

A identidade do bairro foi moldada, com forte ênfase na cultura japonesa desde os anos 1970, enquanto sua história negra foi sendo aos poucos ofuscada. O bairro, que já abrigou uma significativa população negra e foi palco de importantes eventos históricos, como por exemplo execuções públicas de escravizados, viu sua memória alterada pela instalação dessas luminárias e apagamento de símbolos de herança afro-brasileira. O debate recente destaca a necessidade de valorizar e lembrar essa parte da história, ao invés de apagá-la ou tentar escondê-la com outras questões.​

Homenagens como essas dadas a pessoas negras em vias e ruas importantes da cidade ajudam a construir uma metrópole mais inclusiva e consciente de sua diversidade histórica.

Torcedores do Valencia são condenados a oito meses de prisão por conta dos ataques racistas contra o jogador.
por
Julia Sena
|
01/07/2024 - 12h

 

Atuando pelo Real Madrid e pela Seleção Brasileira, Vinicius Jr. é um exemplo de excelência dentro e fora de campo. O “Caso Vinicius Jr.” ganhou ainda mais destaque no mês de junho devido a condenação de três torcedores do Valencia por ataques racistas cometidos durante uma partida em maio de 2023 no estádio Mestalla. 

Vini Jr. está com um dos braços levantados e punho cerrado em gesto de resistência, a torcida encontra-se atrás em desfoque e um jogador do time adversário tembém em desfoque mais a frente.
Em reencontro com a torcida do Valencia, Vini Jr. comemora gol com gesto de resistência. Foto: Jose Jordan/AFP

 

No dia 21 daquele ano, acontecia a partida que foi o estopim para a mudança de posicionamento da Justiça Espanhola, quando o Valencia enfrentava o Real Madrid pela 35º rodada do Campeonato Espanhol. Durante uma confusão após falta marcada em cima do então camisa 20 do Real, torcedores do time adversário começaram a proferir diversos ataques racistas contra o brasileiro, incluindo gestos e gritos de “mono”  - que se traduz “macaco” em espanhol. Ainda que apontados imediatamente por Vini assim que percebidos, a partida seguiu. 

Após mais de um ano do ocorrido, três torcedores do Valencia foram condenados a oito meses de prisão, além de terem de arcar com multas e estarem impedidos de entrar em estádios de futebol por dois anos. É a primeira condenação desse tipo por parte da Justiça Espanhola. Em suas redes sociais, Vini comenta o caso, comemorando a decisão e salientando a importância de continuar denunciando atos racistas. 

Os ataques contra o jogador existem mesmo antes da sua saída do Flamengo, clube que o revelou, mas foi na Espanha que os insultos se intensificaram. 

O primeiro caso a ser noticiado ocorreu em 2021 em uma partida contra o Barcelona no estádio Camp Nou. Torcedores que não foram identificados também gritaram “macaco” em direção ao jogador. Depois desse ocorrido, a onda de ódio contra Vini nas partidas e fora delas foi crescendo cada vez mais, o arquivamento do caso serviu como uma forma de estímulo a essas práticas, já que os envolvidos acabaram isentos de punição.

 

Após diversos episódios criminosos, pode se constatar que não é de hoje que Vinícius vem se demonstrando um grande agente de mudança na luta anti racista mesmo fora das quatro linhas. Alguns dias depois do anúncio da prisão dos três torcedores, o  Projeto de lei “Vini Jr.” proposto pela deputada Luciana Genro (PSOL) foi aprovado por unanimidade pela Assembleia Legislativa do Rio Grande Do Sul, a fim de combater o racismo nos estádios. 

 

O projeto prevê que a partida seja interrompida até que os atos suspeitos sejam descontinuados. Caso isso não aconteça, os atletas devem se retirar do campo por dez minutos. Por fim, se a situação não for resolvida, a partida deverá ser encerrada. Já no caso dos ataques acontecerem antes do apito inicial, o jogo pode ser cancelado pelo árbitro a depender da gravidade do caso. 

Vinicius Jr. com um sorriso no rosto ergue a taça da Champions League 2024
Vini Jr. ergue a taça da Champions League 2024, da qual foi eleito pela UEFA o melhor em campo. Foto: Glyn Kirk/AFP

Em entrevista à AGEMT, o estudante Tiago Nascimento, 20, relata a importância de Vini para a comunidade negra. “Há muito tempo não se via um jogador ter tanto impacto fora de campo. Para mim é importante ter um representante do que eu e minha família vivemos diariamente e o Vinicius faz isso com excelência.”  

 

Tiago ainda destaca a importância desse tipo de representatividade dentro do futebol, já que o esporte possui um enorme alcance e está enraizado na cultura brasileira. “Todo mundo consome futebol no Brasil, mesmo que indiretamente, tudo o que acontece possui impacto, então é muito interessante esse fator político e social que podemos observar acontecendo”, declara o estudante.  

 

Vinicius Jr - em suas próprias palavras um algoz de racistas, foi duas vezes campeão da Champions League e é favorito à Bola de Ouro 2024. Como se não bastasse, luta por uma causa que vai além do futebol, vindo de um país que tem o esporte em questão amplamente difundido. Vini motiva e enche de esperança milhares de crianças que têm o sonho de ser jogador de futebol, mostrando que independente de onde vieram ou de sua cor, tudo é possível. 

 

Conhecido pela estética e cultura oriental, o bairro renomeado em 2023 para Liberdade África-Japão carrega história ainda desconhecida
por
Vinícus Evangelista
|
08/05/2024 - 12h

Famoso por suas icônicas luminárias japonesas e por abrigar a maior comunidade asiática do Brasil, o bairro da Liberdade, em São Paulo, atrai cerca de 20 mil visitantes todos os fins de semana, conforme dados da APECC (Associação Paulista dos Empreendedores do Circuito das Compras). Muitos, cativados pela culinária, produtos e atmosfera oriental que permeia as ruas, desconhecem a origem negra do bairro e pouco têm acesso a essa história quando caminham sob a região próxima ao centro da cidade.

 

Foto 1
Os dias mais movimentados do bairro são sábado e domingo, quando acontece a "Feira de Arte, Artesanato e Cultura da Praça da Liberdade", popularmente conhecida como "feirinha da Liberdade", criada em 1975, que percorre toda a rua Galvão Bueno. Foto: Vinícius Evangelista.
​​
Foto 2
A estética do bairro tal qual conhecemos hoje começou a se moldar em 1970, quando foram instaladas as primeiras famosas lanternas japonesas. Foto: Vinícius Evangelista

 

Foto 2
Em meio ao movimento da feira na atual Praça da Sé, antes Largo da Forca, está a "igreja de Santa Cruz das Almas dos Enforcados", fundada em 1891, no local onde antes se erguia uma cruz em memória das execuções de Joaquim José Cotindiba e Francisco José das Chagas, militares negros condenados a enforcamento por liderarem um motim que exigia, durante o governo Imperial, igualdade salarial entre soldados brasileiros e portugueses, além do pagamento atrasos remuneratórios. Joaquim foi morto, porém Francisco, conhecido como Chaguinhas. sobreviveu por três vezes à forca e foi morto a paulada. A cruz e a mesa com velas postas no local, foram sendo deslocadas conforme a região foi sendo habitada, até parar onde hoje está a igreja. Foto: Vinícius Evangelista.
​​​​​
Foto 3
Antes de ser considerado centro, na então Vila de São Paulo, o bairro era denominado de "bairro da pólvora", uma simples periferia afastada o suficiente para ser construída ali, num dos largos, em 1754, a "Casa da Pólvora", um depósito de explosivos projetado para minimizar danos em caso de acidentes. Apesar da demolição do armazém, o local manteve o mesmo nome e foi transformado em um jardim oriental. Foto: Vinícius Evangelista.
Foto 4
Monumento instalado, em 2018, rememorando os então 110 anos da imigração japonesa ao bairro e saudando a neta mais velha do então imperador japonês, Akihito, "sua alteza imperial Princesa Mako", que em 2021 abriu mão de seu título real para se casar com um plebeu e ir morar em Nova York. Foto: Vinícius Evangelista.

 

Foto 4
No jardim, rodeado por bustos, estátuas e monumentos que contam a história da ocupação asiática no bairro, esta é a única placa que rememora o que era o largo antes da imigração. Foto: Vinícius Evangelista
Foto 5
Antes chamado de "Largo do Pelourinho", o Largo de 7 Setembro foi renomeado em 1865, até quando havia um pelourinho no local, um poste de madeira para açoitamento público de escravizados, previstos no “Código Criminal do Império” de 1830, e na famigerada “Lei da Morte” de 1835. Os escravizados condenados a morte eram açoitados no pelourinho e iam caminhando até o Largo da Forca para a execussão. Foto: Vinícius Evangelista.
Foto7
Foi apenas em 2019 que uma pequena placa foi instalada na região memorando o fato. Foto: Vinícius Evangelista
Foto 8
Apesar das poucas lembranças institucionais, os grafites e expressões populares tratam de lembrar a história de Chaguinhas e a resistência negra, em meio aos vislumbres da estética japonesa que compõe o bairro. Foto: Vinícius Evangelista.

 

As obras reunidas no Centro Cultural Banco do Brasil, convidam cada visitante a navegar por diferentes aspectos da produção de mais de 60 artistas negros
por
Beatriz Alencar Gregório
|
15/03/2024 - 12h

O Centro Cultural do Banco do Brasil abraçou, dessa vez, o Projeto Afro: uma plataforma afro-brasileira de mapeamento e difusão de artistas negros; com a exposição “Encruzilhadas da Arte Afro-Brasileira”.

" "
OBRA - Paty Wolff : Divulgação: Projeto Afro


Com uma experiência imersiva, educativa e cativante, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) proporcionou uma visão de que “a população afro-brasileira não é só centrada na questão da escravidão (...) a gente sabe fazer arte. A arte não é só a europeia; a gente sabe desenvolver, temos vários fatores culturais”, explicou Otávio Rodrigues, visitante da exposição. A mostra é composta de mais de 60 artistas e obras que vão desde pinturas a formatos áudio visuais. “Foi uma exposição que não falava sobre nossos colonizadores e sim sobre nossos povos, de preto para preto, e mostra que a gente sabe fazer muita coisa. Me senti num lugar que realmente falava sobre a real história afro-brasileira”. Para interagir, como ocorreu com Otávio, visite o CCBB até o dia 18/03/2024. Mas, você pode conferir uma prévia que a AGEMT preparou, acessando o link:

https://www.instagram.com/reel/C4iXXhYrdLK/utm_source=ig_web_copy_link&igsh=MzRlODBiNWFlZA==

 

 

A comunidade do Morro do Piolho enfrenta o racismo ambiental com educação e ajuda da ONG Juntos pelo Capão
por
Silvia Monteiro
Lívia Rozada
Maria Elisa Tauil
|
29/11/2023 - 12h

“A gente não precisava ter ficado mais de uma semana sem luz e água. Da ponte pra lá as pessoas receberam um formulário (da Enel) pra falar o que tinha sido estragado, aqui as pessoas nem sabem que podem fazer isso”, relata.

No dia 3 de novembro o Estado de São Paulo foi atingido por fortes chuvas e rajadas de vento de até 100 km/h. O temporal, um dos tantos exemplos da crise climática, não escolheu as suas vítimas, entretanto o racismo ambiental sim. Rose Borges, moradora do Morro do Piolho, periferia localizada no bairro do Capão Redondo, Zona Sul, enfrentou 10 dias sem luz e água.

“Isso é racismo ambiental. Por que quem mora lá pode ir atrás do direito deles e aqui não? Como o Eduardo Lyra fala em Gerando Falcões: a favela tem que sair do museu, reflete Rose.

1
Moradores do Morro do Piolho passaram mais de 10 dias sem luz e água. (Foto: Maria Elisa Tauil)

O racismo ambiental é um termo utilizado para descrever situações de injustiça social, onde grupos minoritários são sistematicamente submetidos às consequências da degradação do ecossistema. Isso fica evidente quando moradores de bairros e territórios periféricos, em sua maioria pessoas pretas, indígenas e famílias de baixa renda, são diretamente afetados com o agravamento das condições climáticas, enquanto os mais privilegiados usufruem de melhores condições de vida.

“JUSTIÇA CLIMÁTICA É JUSTIÇA RACIAL”

O racismo ambiental está presente na sociedade em diferentes formas, como por exemplo, na maior incidência de riscos de inundações, deslizamentos de terra, concentração dos piores índices de poluição do ar e das águas, e até mesmo a falta de saneamento básico em comunidades. Dessa forma, a população está mais exposta aos impactos dos desastres naturais. Um exemplo marcante é o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG). A tragédia, que deixou 270 pessoas mortas e derramou milhões de metros cúbicos de rejeito de mineração na bacia do Rio Paraopeba, teve como sua principal vítima a população negra e de baixa renda, que morava na região. Quatro anos após o ocorrido, a empresa responsável pelo desastre não foi responsabilizada e as famílias afetadas ainda sofrem com as consequências da desigualdade socioambiental.

No lançamento do livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil”, organizado pelo Instituto de Referência Negra Peregum, os autores debateram sobre a necessidade de trazer à tona as demandas dos movimentos negros e denunciaram o embranquecimento do movimento ambientalista. “A crise ecológica global é, simultaneamente, uma crise de justiça global”, expôs a jornalista Mariana Belmont na coletiva de imprensa.

2
Lançamento do livro que ocorreu no Instituto de Referência Negra Peregum em São Paulo. (Foto: Maria Elisa Tauil)

Em uma entrevista a Agemt, Andressa Dutra, gestora ambiental, mestranda em Ecoturismo e uma das autoras do livro, conta que a questão racial é a chave para solucionar a crise ambiental. “Entendendo que o Brasil é um país estruturado no racismo, o Silvio Almeida fala que a gente não vai conseguir resolver as grandes questões se a gente não trouxer um foco para questão racial, porque é isso que dá base e faz entender quem vai viver e quem vai morrer”, explica.

“Não adianta mais a gente tentar resolver as mazelas dos problemas ambientais sem pensar na questão racial,” relata a ativista. 

3
“Livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil”. (Foto: Maria Elisa Tauil)

MORRO DO PIOLHO: UM REFLEXO DO RACISMO AMBIENTAL

Localizado na região do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, o Morro do Piolho, segundo moradores, abriga 300 famílias, sendo uma delas a da líder comunitária e agente transformadora Rose Borges, fundadora da ONG Juntos pelo Capão.  “Tem muita coisa acontecendo do outro lado da ponte do rio Pinheiros, que separa os pobres dos ricos, o lado A do lado B”, relata.

Rose conta que em decorrência da tempestade e rajadas de vento, ela ficou sem luz por quatro dias, enquanto alguns vizinhos ficaram mais de uma semana. Na segunda-feira, três dias após a tempestade, a maior parte do bairro seguia sem energia e sem água; consequentemente, a maior parte das escolas e creches não abriram. Assim como muitas mães e avós, ela precisou ficar em casa para cuidar da sua neta, precisando ligar à sua chefe para avisar que não tinha condições de ir trabalhar. Muitas outras mulheres da comunidade passaram pela mesma situação, mas receberam um tratamento diferente das empresas, com seus salários e benefícios sendo descontados. “Não é culpa delas, mas é visto assim. ‘Se vira’. Como se a gente pudesse se teletransportar”.

4
Morro do Piolho, localizado na Zona Sul de São Paulo. (Foto: Maria Elisa Tauil)

A moradora denuncia a situação precária que as mães do bairro, grande parte mulheres negras e mães solo, precisam enfrentar ao ficar sem energia. “A maioria das mães aqui, quando saem, deixam coisas pros filhos comerem, porque elas vão trabalhar e só voltam à noite. Então ela trabalhou lá o dia inteiro, e, quando chegou em casa, não tinha luz nem água pra sobreviver”. Rose relata que, muitas pessoas precisaram se locomover e ficar na casa de amigos que já tinham energia. Ela precisou ir à casa da sogra, que fica em Campo Limpo, 42 km de distância do Morro do Piolho. A fundadora da ONG levou seu celular e os de seus vizinhos para carregar lá, além de trazer os alimentos que havia em sua geladeira.

Dessa forma, a comunidade se viu na necessidade de se mobilizar para enfrentar a falta de água e luz. Um vizinho de Borges, que tinha acesso a um lugar com água, ficou responsável por levar galões de água e trazer água para os moradores. Por ser uma quantidade limitada, as pessoas pegavam garrafas de 2 litros e faziam um banho rápido, e os que tinham filhos, tiveram que usar a mesma água em duas ou três crianças, e o restante foi usado para fazer comida e beber.

Além da falta de energia, a cidade de São Paulo também passou, recentemente, por uma onda de calor e mais uma vez, as comunidades periféricas foram as mais afetadas. Rose conta que, por conta do calor extremo, as pessoas precisaram dormir com as janelas abertas, e muitas precisaram colocar o colchão na parte externa da casa, onde era mais fresco. “Eu tive que colocar o colchão na garagem, sabe quando você não aguenta o calor?”, fala.

5
Comunidade do Morro do Piolho enfrenta a onda de calor. (Foto: Maria Elisa Tauil)

O calor extremo chegou enquanto muitas pessoas ainda estavam sem energia, sendo ainda mais prejudicial às pessoas da comunidade. Sem luz, as geladeiras não funcionavam e as comidas apodreciam. “Minha cunhada perdeu tudo que estava na geladeira. Minha vizinha tinha duas crianças pequenas, e teve que ir pra um lugar no extremo sul porque lá as crianças tinham água e o que comer. Ela preferiu pegar um dinheiro e gastar com a condução do que ficar aqui”.

JUNTOS PELO CAPÃO: UM OLHAR DE ESPERANÇA

Claro, projetos como o de Rose não começam do dia para a noite. Durante a entrevista, ela nos conta que a ideia começou, no final de 2019, quando estava na missa e ouviu um pedido do pároco local, Padre Márcio, que fazia aniversário naquele dia. Como presente, ele queria um panetone porque tinha uma criança que não sabia o sabor do bolo. No seu trabalho, numa escola particular na zona oeste da cidade, ela pediu ajuda às mães dos alunos e conseguiram uma “parede” de panetones para serem doados no Natal, e a partir daí passou a acontecer todos os anos, conta com empolgação.

No início de 2020, com a chegada da pandemia, as escolas fecharam e as crianças moradoras do Morro do Piolho não tinham onde ficar. Para Rose, sua única opção era sair da bolha e se mobilizar, “a gente sempre tem um pouco de social, mas uns desenvolvem outros não”. Com a vontade de mudar a sua comunidade, ela pediu ao Padre Márcio uma sala que estava desocupada e começou ali seu projeto: Juntos pelo Capão.

5
Rose Borges, criadora da ONG Juntos pelo Capão. (Foto: Maria Elisa Tauil)

Atualmente, há 2 projetos no portfólio da ONG: Escritores Mirins, onde, com a intenção de incentivar a literatura e escrita, cada criança participante escreve e publica seu próprio livro e Desenvolvedores Mirins (ou Pacote Office), responsável pela capacitação de jovens em ferramentas digitais. Além disso, a ONG organiza a ação Capão Sem Fome, uma frente permanente de combate à fome no Morro do Piolho, com distribuição de cestas básicas para famílias carentes durante todo o ano.

Quando o Estado não olha para aqueles que são invisíveis na sociedade, existe em contrapartida um cidadão ou cidadã que tem a capacidade de sair de sua bolha para causar um impacto na comunidade, e Rose Borges é uma delas. Através de seu olhar, de sua garra, ela consegue mobilizar toda uma comunidade para juntos se unirem e mudarem seu entorno. “Quando me deu esse despertar de fazer mesmo social como diferença na minha vida, de olhar para os outros, eu me senti uma torneira aberta jorrando água potável”, finaliza.

Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de jornalismo da PUC-SP.