Em 5 de novembro de 2015, a barragem de rejeitos do Fundão, localizada no distrito Bento Rodrigues, na cidade de Mariana, rompeu. Naquele dia, aproximadamente 40 milhões de metros cúbicos de lama infectada da mineração desabaram sobre Bento Rodrigues e o Rio Doce. Desde dentão, a lama assombra os sobreviventes da tragédia e deixa rastros quase que irreversíveis, sobre o rio afetado e as cidades pelas quais ele passava. Sustento, acesso a água limpa, e modo vida: fatores para sempre abalados para os habitantes de Mariana. A cidade carrega, por 9 anos, severas mudanças ambientais e desequilíbrio do ecossistema local.
Quase uma década depois do desastre, a Samarco e suas acionistas, a anglo- australiana BHP Billiton e Vale, empresas responsáveis pela mineração e pela barragem que se rompeu, seguem tentando articular uma defesa que não as categorize como como réus. Em novembro de 2024, nove anos após o ocorrido, a Justiça Brasileira absolveu todos os denunciados pelo Ministério Público Federal, segundo a alegação de que as evidências expostas, até então não, permitiam atribuir configuração de crime aos acusados.
Enquanto isso, o escritório de advocacia de Londres, Pogust Goodhead, processa a BHP na justiça inglesa. A ação se move em defesa de certa de 620 mil afetados pela tragédia e reivindica 260 bilhões de reais de indenização às vítimas e as cidades impactadas. A primeira fase do julgamento acabou em 13 de março, e a corte decidirá se a BHP é responsável até os dias 2 e 3 de março. Durante a primeira etapa do julgamento inglês, foram apresentadas provas de que a barragem já dava sinais de problemas na drenagem e no armazenamento muito antes do colapso de funcionamento.
Relatórios que denunciaram a existência de uma fissura na barragem notada ainda em 2014 pela Samarco, entre outros indicativos prévios de esgotamento do sistema. A defesa da BHP nega as acusações disse que os conselheiros da Samarco não foram notificados, e que os engenheiros especialistas contratados os asseguraram a estabilidade de barragem. A expectativa, dado os caminhos tomados pelo julgamento, é que a empresa seja responsabilizada.
Caso isso aconteça, as definições dos valores de indenizações pode ser um processo longo, podendo perdurar até 2026. Frente a isso, segundo a legislação inglesa, a defesa das vítimas tem direito ao adiantamento parcial da indenização quando o julgamento tende a ir a favor, uma tentativa de mitigar possíveis atrasos. Em contraste, a justiça brasileira, no acordo firmado ano passado, pede R$ 170 bilhões para as empresas, dos quais 38 bilhões já foram gastos em ações de compensação. Em comparação ao processo internacional, o Brasil se mostrou mais passivo diante das operações de das operações das grandes empresas estrangeiras afetando a vida dos brasileiros. Uma das maiores tragédias ambientais do Brasil tende a ter maior suporte vindo de fora. Entenda o caso com a repórter Leticia Falaschi.
Sob pressão do Governo Federal, técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) negaram licença à exploração da Petrobras na Margem Equatorial. O pedido já havia sido negado em 2023, mas com o avanço das negociações, voltou à tona a exigência de estudos estratégicos sobre o impacto às comunidades indígenas e tempo de resposta e atendimento à fauna atingida por óleo. Em entrevista à AGEMT, a cientista política e professora da Universidade Federal do Espírito Santo e coordenadora do LAPAGE (Laboratório de Pesquisa em Política Ambiental e Justiça), Cristiana Losekann, explica como está a questão ambiental na região.
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“Vocês estão falhando conosco. Mas os jovens já começaram a entender sua traição. Os olhos de uma geração futura inteira estão sobre vocês. E, se vocês escolherem fracassar, eu lhes digo: nós jamais perdoaremos [...] O mundo está despertando. E a mudança está chegando, quer vocês queiram ou não", diz Greta Thunberg, ativista e ambientalista sueca, que, com apenas 16 anos, atravessou o silêncio em um discurso na Cúpula de Ação Climática da Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro de 2019. Na ocasião, ela convocou os líderes mundiais à responsabilidade diante da crise climática.
No ano seguinte a esse pronunciamento, a humanidade enfrentaria um desafio global: a pandemia de Covid-19. Embora a origem da pandemia envolva muitos fatores, não dá para ignorar o papel da crise climática nesse contexto. O desmatamento crescente e a destruição dos habitats naturais têm aproximado seres humanos de animais silvestres como nunca antes, o que acaba facilitando o surgimento e a propagação de doenças que antes ficavam restritas à natureza.
Até 12 de março de 2025, a Organização Mundial da Saúde (OMS) registrou oficialmente mais de 7 milhões de mortes confirmadas por Covid, embora o número real de vítimas seja possivelmente ainda maior, considerando subnotificações e mortes indiretas decorrentes das repercussões da pandemia. Hoje, quase seis anos após o discurso de Thunberg, a crise climática continua crítica e novas formas de se comportar começaram a emergir. Entre elas, a ecoansiedade se destaca como um reflexo emocional desse cenário. Mas até que ponto essa sensação está moldando a maneira como as pessoas lidam com o tempo, tomam decisões e buscam viver o presente?
Significado e a transformação do presente
De acordo com a Associação Americana de Psicologia (APA), a ecoansiedade é caracterizada como um medo crônico da catástrofe ambiental, conceito que também foi integrado ao Dicionário Oxford. Embora seja um conceito relativamente recente, ela revela uma inquietação crescente diante da incerteza em relação ao futuro, tanto pessoal quanto coletivo. Marcado pelos efeitos aparentemente irreversíveis das mudanças climáticas, o fenômeno tem ganhado visibilidade na mídia e, sobretudo, entre os jovens, que sentem com particular intensidade o peso do que ainda está por vir. Matheus Arantes, estudante do 5º semestre de odontologia na Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), relata que, por um período, foi tomado por uma sensação constante de desespero. O gatilho veio em 2019, ano em que o número de queimadas na Amazônia aumentou 30% em relação a 2018, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Foram 89.178 focos de incêndio registrados no bioma.
“Me lembro de não conseguir parar de pensar naquilo e de me sentir sufocado por não poder fazer nada para ajudar [...] Ficava o tempo todo focado nos desastres ambientais, como se, pela primeira vez, eu tivesse realmente percebido que o mundo estava acabando. Isso me deixava exausto, como se eu estivesse carregando um peso que não conseguia controlar [...] Hoje, acordo sabendo que tudo ainda está acontecendo, mas a sensação de impotência só aumentou”, desabafa Arantes.
O relato do estudante é um entre tantos que revelam como a crise climática deixou de ser uma projeção distante para se tornar uma presença constante na vida de quem está crescendo em meio a ela. A ansiedade provocada pelas mudanças no planeta não se limita mais a sentimentos de medo ou angústia , ela já começa a interferir em escolhas práticas, inclusive nas que envolvem o futuro da vida humana, como a decisão de ter filhos. Uma pesquisa internacional, realizada entre maio e junho de 2021, conduzida por pesquisadores de diversas instituições, incluindo o Centro de Inovação em Saúde Global da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford e a Universidade de Helsinque, e financiada pela plataforma Avaaz, entrevistou 10 mil jovens entre 16 e 25 anos em dez países.
No Brasil, 48% dos entrevistados afirmaram que a crise climática os faz hesitar quanto à possibilidade de ter filhos, o maior percentual entre os países analisados. A média global foi de 39%. O estudo também revelou que 55% dos jovens acreditam que terão menos oportunidades do que seus pais tiveram. Essa percepção revela algo mais profundo do que apenas pessimismo: trata-se de uma dificuldade real de se projetar no tempo.
A crise ambiental, juntamente com outras demandas sociais e econômicas, cria uma sensação de compressão do tempo. O futuro se torna uma ameaça, não mais algo a ser conquistado, mas uma ideia difícil de visualizar. O impacto disso se reflete nas escolhas de vida, como o adiamento do desejo de ter filhos ou a falta de planos a longo prazo. A crítica aqui não está dirigida aos indivíduos, mas ao contexto que os leva a esse tipo de decisão.
Essa mudança de perspectiva representa uma interrupção na continuidade dos projetos de vida. O luto não é apenas pelo planeta, mas pela própria ideia de futuro. O problema está na dificuldade de muitos jovens em se imaginar em um cenário concreto. Ana Lizete Farias, psicanalista e doutora em Meio Ambiente pela UFPR, dedica seus estudos a compreender o sofrimento psíquico sob a ótica socioambiental. Em sua análise, ela observa: "Os discursos hegemônicos hoje ainda estão muito centrados em uma questão urbana e de classe média, o que acaba silenciando as vivências das classes mais baixas, transformando os sofrimentos dessas populações em algo abstrato. Não estamos convivendo com essa realidade de forma direta. Não se pode viver uma romantização dos desastres ambientais", ressalta Farias.
A ecoansiedade já faz parte da vida de quem habita regiões mais expostas aos efeitos diretos da crise climática. Para trabalhadores rurais, populações de baixa renda, indígenas e pessoas negras, os desastres ambientais não são uma previsão futura, mas uma experiência contínua. Nesse cenário, a fauna também sofre com os impactos da destruição dos habitats naturais, o que agrava ainda mais o sofrimento dessas comunidades que dependem diretamente dos ecossistemas.
A emergência climática também pressiona o sistema de saúde e acentua desigualdades já existentes. Nesses contextos, a ecoansiedade não vem apenas do medo do que pode acontecer, mas da convivência diária com um cenário que há tempos se deteriora. "Precisamos ouvir diretamente, sem a mediação de um discurso positivista. A ecoansiedade precisa ser compreendida e recolocada dentro das questões de justiça ambiental".

Ninguém muda o mundo sozinho
Ana também chama atenção para os riscos de naturalizar a ecoansiedade.. Encará-la como um simples efeito colateral da modernidade, algo ao qual deve se adaptar, é perigoso. Além disso, é preciso atenção aos discursos catastrofistas. Muitas vezes, eles se expressam por meio de uma linguagem técnica que culpabiliza ou de uma retórica apocalíptica que, em vez de mobilizar, paralisa. Ninguém age movido apenas pelo terror, esse tipo de narrativa tende a gerar desamparo, afastando as pessoas em vez de envolvê-las. Em alguns casos, a linguagem utilizada não responsabiliza quem realmente deveria ser responsabilizado. Ela falha em atingir os setores que têm maior impacto ambiental e, ao mesmo tempo, impede que as pessoas se sintam parte do problema e parte da solução. Diante do excesso de informação, muitas pessoas acabam se sentindo sobrecarregadas e incapazes de transformar esse conhecimento em ação.
A questão não é fazer com que cada indivíduo “faça mais” sozinho, mas sim incentivar ações coletivas, que envolvam empatia, solidariedade e responsabilidade compartilhada. Precisa-se questionar as estruturas, como a indústria e os sistemas de produção e entender que é possível pressioná-las. A transformação não é individual: ela depende de laços e de pertencimento. Mais do que um bombardeio de dados, Farias destaca a importância de boas informações e de narrativas coletivas que reconectem as pessoas — formas de construir pertencimento e estar juntos, mesmo em meio ao caos.
A COP (Conferência das Partes), o maior encontro mundial para a discussão sobre mudanças climáticas, terá sua 30ª edição sediada em Belém do Pará, no Brasil, em novembro de 2025. A Conferência da ONU sobre Clima volta a atenção dos líderes globais e da sociedade civil para um tema que afeta diariamente a população, mas sobre o qual ainda se discutem poucas medidas concretas para minimizar seus impactos e desacelerar a crise.
Em entrevista à AGEMT, Denison Ferreira, natural de São Luís, Maranhão, professor, pedagogo, geógrafo, especialista em sustentabilidade e políticas públicas, e ativista socioambiental, pontuou a importância da escolha do país e da cidade que sediarão o evento. "A realização da COP 30 em Belém tem um significado estratégico tanto para o Brasil, quanto para a agenda climática mundial, reforçando a centralidade da Amazônia no debate sobre mudanças climáticas e sua importância na absorção de carbono e na manutenção do equilíbrio ambiental do planeta”, diz Ferreira
Segundo dados da OIM (Organização Internacional para as Migrações), da ONU, o número de pessoas deslocadas por desastres ambientais no Brasil em 2023 foi de 745 mil, o maior desde 2008, sendo o índice mais alto da América Latina. Esses dados apontam a falta de políticas públicas eficazes para a proteção ao meio ambiente e, principalmente, à população civil, que segue sendo a maior afetada pelos eventos climáticos extremos.
“No Brasil, a política climática oscila entre avanços e retrocessos. O país conta com instrumentos legais importantes, como a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) e o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima), mas a implementação dessas medidas enfrenta desafios significativos, incluindo a falta de fiscalização e a pressão de setores econômicos ligados ao desmatamento e à exploração de combustíveis fósseis. Recentemente, houve um esforço para retomar compromissos ambientais, com maior participação em fóruns internacionais e ações de combate ao desmatamento na Amazônia", afirma Ferreira.
As mudanças climáticas são uma ameaça crescente e presente em todo o mundo. No Brasil, podemos observar o impacto das chuvas intensas, que afetam uma grande parte da população, como no caso do Rio Grande do Sul, onde cidades ficaram submersas pelas tempestades. Essas chuvas devastadoras forçaram muitas pessoas a abandonar seus lares, deixando suas histórias em busca de um novo lugar para viver. As pessoas que enfrentaram e ainda enfrentam fenômenos como tempestades, aumento do nível do mar, secas extremas e até incêndios florestais são chamadas de migrantes climáticos, um grupo diretamente afetado por esses eventos naturais.
Segundo Ferreira, os eventos climáticos extremos impactam desproporcionalmente as populações mais vulneráveis, que, em sua maioria, vivem em áreas de risco, como encostas, margens de rios e regiões costeiras baixas. A falta de infraestrutura adequada e a ausência de políticas públicas eficazes aumentam a exposição dessas comunidades a enchentes e deslizamentos, resultando na destruição de moradias, na perda de meios de subsistência e, em muitos casos, no aumento da mortalidade. "Esse cenário reflete o que chamamos de racismo ambiental, em que as populações negras e economicamente vulneráveis são as mais afetadas pelos desastres naturais", ressalta.
“Secas prolongadas comprometem a segurança alimentar e hídrica, como ocorre nas estiagens severas que atingem o bioma amazônico, afetando estados como Amazonas, Acre e Pará. A elevação do nível do mar também ameaça comunidades litorâneas e populações tradicionais, como pescadores e ribeirinhos, cujas terras são progressivamente inundadas. Esse fenômeno gera deslocamentos involuntários, agravando desafios socioeconômicos, como a dificuldade de acesso a novas moradias e empregos”, afirma o ativista.
Logo, a perspectiva de resultados positivos para o clima durante a COP30 sediada em território amazônico é grande. “As expectativas para a COP 30 são altas, especialmente quanto ao fortalecimento dos compromissos climáticos e à implementação de medidas concretas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas. Espera-se que o evento resulte em acordos mais ambiciosos para a redução de emissões, com metas mais rigorosas para os países signatários do Acordo de Paris”.
No coração da maior metrópole da América Latina, árvores como ipês, muricis e araçás do campo resistem como testemunhas vivas de um passado em que São Paulo era dominada pelo Cerrado. Muito antes das avenidas e arranha-céus, as várzeas dos rios Tietê e Tamanduateí formavam um mosaico natural de matas e campos, ocupadas por povos Tupiniquins.
Registros antigos da época da colonização retratam uma São Paulo bem diferente. Em 1585, o padre jesuíta Fernão Cardim descreveu a região como um “lugar de grandes campos… e campinas... que é formosura de ver”. Esse cenário, marcado pela vegetação arbustiva de galhos retorcidos típica do Cerrado, se estendia por boa parte do território paulista.
Quase 500 anos depois, o que restou dessa paisagem na capital está restrito a pequenos redutos. Na zona oeste, dois locais guardam a memória desse Bioma. Na Universidade de São Paulo (USP), próximo a uma caixa d’água, espécies raras, como a língua-de-tucano, um arbusto espinhoso usado pelos colonizadores para fabricar alpargatas, seguem resistindo. Já no bairro do Jaguaré, outro fragmento do Cerrado sobrevive em uma reserva fechada ao público.
A destruição do Cerrado em São Paulo reflete um processo que se intensificou ao longo do século passado. No início do século 20, 18,2% do território paulista era coberto pelo Bioma; hoje, resta menos de 1%. Deste pequeno remanescente, menos de 20% está protegido por unidades de conservação ou reservas legais.
Desmatado e fragmentado, o bioma se tornou associado apenas à região Centro-Oeste, mesmo tendo atravessado boa parte do território paulista até o norte do Paraná. Os poucos fragmentos restantes não só revelam a fragilidade das espécies endêmicas, mas também comprometem o ciclo natural de abastecimento de água. A substituição da vegetação original afeta diretamente o Aquífero Guarani, por exemplo, uma das maiores reservas subterrâneas de água do mundo.
De acordo com Daniel Caballero, fundador do projeto Cerrado Infinito, o cerrado é uma floresta invertida: “O que você vê na superfície são campos com arbustos mas no subsolo tem verdadeiras árvores, que seriam as raízes, de 30 a 40 metros enterradas que são responsáveis por carregar os aquíferos. Sem cerrado, nós ficamos sem água”.

Daniel é artista plástico e resolveu fazer um projeto sobre as casas da cidade. Com isso, ele se deparava com as mais diversas vegetações durante seus passeios pela metrópole. Depois de um estudo, ele descobriu que São Paulo era um grande campo cerrado; isso fez com que ele começasse a colher vegetações remanescentes desse bioma e plantasse em sua casa.
Com a intenção de fazer crescer ainda mais essa vegetação na cidade, ele começou a plantar essas mudas na Praça da Nascente, na Sumaré. “O nome Sumaré que denomina a avenida e o bairro vem do nome de uma uma orquídea do cerrado”, acrescenta Daniel.

Caballero encerra a entrevista com uma indagação a todos nós da cidade: “A área mais urbanizada da cidade foi construída em cima desses campos de cerrado, se não tivesse cerrado, não teria a cidade de São Paulo”.