As obras reunidas no Centro Cultural Banco do Brasil, convidam cada visitante a navegar por diferentes aspectos da produção de mais de 60 artistas negros
por
Beatriz Alencar Gregório
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15/03/2024 - 12h

O Centro Cultural do Banco do Brasil abraçou, dessa vez, o Projeto Afro: uma plataforma afro-brasileira de mapeamento e difusão de artistas negros; com a exposição “Encruzilhadas da Arte Afro-Brasileira”.

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OBRA - Paty Wolff : Divulgação: Projeto Afro


Com uma experiência imersiva, educativa e cativante, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) proporcionou uma visão de que “a população afro-brasileira não é só centrada na questão da escravidão (...) a gente sabe fazer arte. A arte não é só a europeia; a gente sabe desenvolver, temos vários fatores culturais”, explicou Otávio Rodrigues, visitante da exposição. A mostra é composta de mais de 60 artistas e obras que vão desde pinturas a formatos áudio visuais. “Foi uma exposição que não falava sobre nossos colonizadores e sim sobre nossos povos, de preto para preto, e mostra que a gente sabe fazer muita coisa. Me senti num lugar que realmente falava sobre a real história afro-brasileira”. Para interagir, como ocorreu com Otávio, visite o CCBB até o dia 18/03/2024. Mas, você pode conferir uma prévia que a AGEMT preparou, acessando o link:

https://www.instagram.com/reel/C4iXXhYrdLK/utm_source=ig_web_copy_link&igsh=MzRlODBiNWFlZA==

 

 

A comunidade do Morro do Piolho enfrenta o racismo ambiental com educação e ajuda da ONG Juntos pelo Capão
por
Silvia Monteiro
Lívia Rozada
Maria Elisa Tauil
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29/11/2023 - 12h

“A gente não precisava ter ficado mais de uma semana sem luz e água. Da ponte pra lá as pessoas receberam um formulário (da Enel) pra falar o que tinha sido estragado, aqui as pessoas nem sabem que podem fazer isso”, relata.

No dia 3 de novembro o Estado de São Paulo foi atingido por fortes chuvas e rajadas de vento de até 100 km/h. O temporal, um dos tantos exemplos da crise climática, não escolheu as suas vítimas, entretanto o racismo ambiental sim. Rose Borges, moradora do Morro do Piolho, periferia localizada no bairro do Capão Redondo, Zona Sul, enfrentou 10 dias sem luz e água.

“Isso é racismo ambiental. Por que quem mora lá pode ir atrás do direito deles e aqui não? Como o Eduardo Lyra fala em Gerando Falcões: a favela tem que sair do museu, reflete Rose.

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Moradores do Morro do Piolho passaram mais de 10 dias sem luz e água. (Foto: Maria Elisa Tauil)

O racismo ambiental é um termo utilizado para descrever situações de injustiça social, onde grupos minoritários são sistematicamente submetidos às consequências da degradação do ecossistema. Isso fica evidente quando moradores de bairros e territórios periféricos, em sua maioria pessoas pretas, indígenas e famílias de baixa renda, são diretamente afetados com o agravamento das condições climáticas, enquanto os mais privilegiados usufruem de melhores condições de vida.

“JUSTIÇA CLIMÁTICA É JUSTIÇA RACIAL”

O racismo ambiental está presente na sociedade em diferentes formas, como por exemplo, na maior incidência de riscos de inundações, deslizamentos de terra, concentração dos piores índices de poluição do ar e das águas, e até mesmo a falta de saneamento básico em comunidades. Dessa forma, a população está mais exposta aos impactos dos desastres naturais. Um exemplo marcante é o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG). A tragédia, que deixou 270 pessoas mortas e derramou milhões de metros cúbicos de rejeito de mineração na bacia do Rio Paraopeba, teve como sua principal vítima a população negra e de baixa renda, que morava na região. Quatro anos após o ocorrido, a empresa responsável pelo desastre não foi responsabilizada e as famílias afetadas ainda sofrem com as consequências da desigualdade socioambiental.

No lançamento do livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil”, organizado pelo Instituto de Referência Negra Peregum, os autores debateram sobre a necessidade de trazer à tona as demandas dos movimentos negros e denunciaram o embranquecimento do movimento ambientalista. “A crise ecológica global é, simultaneamente, uma crise de justiça global”, expôs a jornalista Mariana Belmont na coletiva de imprensa.

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Lançamento do livro que ocorreu no Instituto de Referência Negra Peregum em São Paulo. (Foto: Maria Elisa Tauil)

Em uma entrevista a Agemt, Andressa Dutra, gestora ambiental, mestranda em Ecoturismo e uma das autoras do livro, conta que a questão racial é a chave para solucionar a crise ambiental. “Entendendo que o Brasil é um país estruturado no racismo, o Silvio Almeida fala que a gente não vai conseguir resolver as grandes questões se a gente não trouxer um foco para questão racial, porque é isso que dá base e faz entender quem vai viver e quem vai morrer”, explica.

“Não adianta mais a gente tentar resolver as mazelas dos problemas ambientais sem pensar na questão racial,” relata a ativista. 

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“Livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil”. (Foto: Maria Elisa Tauil)

MORRO DO PIOLHO: UM REFLEXO DO RACISMO AMBIENTAL

Localizado na região do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, o Morro do Piolho, segundo moradores, abriga 300 famílias, sendo uma delas a da líder comunitária e agente transformadora Rose Borges, fundadora da ONG Juntos pelo Capão.  “Tem muita coisa acontecendo do outro lado da ponte do rio Pinheiros, que separa os pobres dos ricos, o lado A do lado B”, relata.

Rose conta que em decorrência da tempestade e rajadas de vento, ela ficou sem luz por quatro dias, enquanto alguns vizinhos ficaram mais de uma semana. Na segunda-feira, três dias após a tempestade, a maior parte do bairro seguia sem energia e sem água; consequentemente, a maior parte das escolas e creches não abriram. Assim como muitas mães e avós, ela precisou ficar em casa para cuidar da sua neta, precisando ligar à sua chefe para avisar que não tinha condições de ir trabalhar. Muitas outras mulheres da comunidade passaram pela mesma situação, mas receberam um tratamento diferente das empresas, com seus salários e benefícios sendo descontados. “Não é culpa delas, mas é visto assim. ‘Se vira’. Como se a gente pudesse se teletransportar”.

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Morro do Piolho, localizado na Zona Sul de São Paulo. (Foto: Maria Elisa Tauil)

A moradora denuncia a situação precária que as mães do bairro, grande parte mulheres negras e mães solo, precisam enfrentar ao ficar sem energia. “A maioria das mães aqui, quando saem, deixam coisas pros filhos comerem, porque elas vão trabalhar e só voltam à noite. Então ela trabalhou lá o dia inteiro, e, quando chegou em casa, não tinha luz nem água pra sobreviver”. Rose relata que, muitas pessoas precisaram se locomover e ficar na casa de amigos que já tinham energia. Ela precisou ir à casa da sogra, que fica em Campo Limpo, 42 km de distância do Morro do Piolho. A fundadora da ONG levou seu celular e os de seus vizinhos para carregar lá, além de trazer os alimentos que havia em sua geladeira.

Dessa forma, a comunidade se viu na necessidade de se mobilizar para enfrentar a falta de água e luz. Um vizinho de Borges, que tinha acesso a um lugar com água, ficou responsável por levar galões de água e trazer água para os moradores. Por ser uma quantidade limitada, as pessoas pegavam garrafas de 2 litros e faziam um banho rápido, e os que tinham filhos, tiveram que usar a mesma água em duas ou três crianças, e o restante foi usado para fazer comida e beber.

Além da falta de energia, a cidade de São Paulo também passou, recentemente, por uma onda de calor e mais uma vez, as comunidades periféricas foram as mais afetadas. Rose conta que, por conta do calor extremo, as pessoas precisaram dormir com as janelas abertas, e muitas precisaram colocar o colchão na parte externa da casa, onde era mais fresco. “Eu tive que colocar o colchão na garagem, sabe quando você não aguenta o calor?”, fala.

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Comunidade do Morro do Piolho enfrenta a onda de calor. (Foto: Maria Elisa Tauil)

O calor extremo chegou enquanto muitas pessoas ainda estavam sem energia, sendo ainda mais prejudicial às pessoas da comunidade. Sem luz, as geladeiras não funcionavam e as comidas apodreciam. “Minha cunhada perdeu tudo que estava na geladeira. Minha vizinha tinha duas crianças pequenas, e teve que ir pra um lugar no extremo sul porque lá as crianças tinham água e o que comer. Ela preferiu pegar um dinheiro e gastar com a condução do que ficar aqui”.

JUNTOS PELO CAPÃO: UM OLHAR DE ESPERANÇA

Claro, projetos como o de Rose não começam do dia para a noite. Durante a entrevista, ela nos conta que a ideia começou, no final de 2019, quando estava na missa e ouviu um pedido do pároco local, Padre Márcio, que fazia aniversário naquele dia. Como presente, ele queria um panetone porque tinha uma criança que não sabia o sabor do bolo. No seu trabalho, numa escola particular na zona oeste da cidade, ela pediu ajuda às mães dos alunos e conseguiram uma “parede” de panetones para serem doados no Natal, e a partir daí passou a acontecer todos os anos, conta com empolgação.

No início de 2020, com a chegada da pandemia, as escolas fecharam e as crianças moradoras do Morro do Piolho não tinham onde ficar. Para Rose, sua única opção era sair da bolha e se mobilizar, “a gente sempre tem um pouco de social, mas uns desenvolvem outros não”. Com a vontade de mudar a sua comunidade, ela pediu ao Padre Márcio uma sala que estava desocupada e começou ali seu projeto: Juntos pelo Capão.

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Rose Borges, criadora da ONG Juntos pelo Capão. (Foto: Maria Elisa Tauil)

Atualmente, há 2 projetos no portfólio da ONG: Escritores Mirins, onde, com a intenção de incentivar a literatura e escrita, cada criança participante escreve e publica seu próprio livro e Desenvolvedores Mirins (ou Pacote Office), responsável pela capacitação de jovens em ferramentas digitais. Além disso, a ONG organiza a ação Capão Sem Fome, uma frente permanente de combate à fome no Morro do Piolho, com distribuição de cestas básicas para famílias carentes durante todo o ano.

Quando o Estado não olha para aqueles que são invisíveis na sociedade, existe em contrapartida um cidadão ou cidadã que tem a capacidade de sair de sua bolha para causar um impacto na comunidade, e Rose Borges é uma delas. Através de seu olhar, de sua garra, ela consegue mobilizar toda uma comunidade para juntos se unirem e mudarem seu entorno. “Quando me deu esse despertar de fazer mesmo social como diferença na minha vida, de olhar para os outros, eu me senti uma torneira aberta jorrando água potável”, finaliza.

Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de jornalismo da PUC-SP. 

Termo antes usado de forma pejorativa foi adotado pelo Fluminense como forma de representação da torcida e combate ao preconceito
por
Vinícus Evangelista
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16/11/2023 - 12h

“A primeira vez que eu olhei pro lado e vi que a maioria das pessoas se pareciam comigo, foi justamente quando eu estava no meio da torcida do pó de arroz.”, revela o jornalista e torcedor tricolor, Fagner Torres. “Eu ia no restaurante, no cinema, no teatro, lugares onde a maioria da galera era branca. Onde a maioria era como eu? Na arquibancada, pô!”, finaliza. O tradicional nevoeiro branco em meio as cadeiras virou símbolo de festa para a torcida do Fluminense. Hoje é comum que cada torcedor tricolor leve um saco do pó de arroz para os jogos no Maracanã, lançando-os ao céu e celebrando antes mesmo da bola rolar. 

Por muitos anos, chamar um torcedor do Fluminense de “pó de arroz” era motivo de ofensa e chacota. Muitos torcedores rivais ainda hoje usam dessa palavra para acusar o clube de ser racista, afirmando que, no passado, o Fluminense obrigava os jogadores pretos a passarem pó de arroz no rosto para jogarem se passando por brancos, “minha vó me conta isso desde que eu tinha cinco anos”, revela Thaissan Passos, ex-treinadora do futebol feminino do Fluminense. 
 
O folclore se espalhou a partir de uma crônica lançada em meados do século XX, se espalhando ao longo do tempo como uma polêmica que até hoje gera controvérsias e discussões. Independentemente da origem, fato é que a torcida tricolor adotou o pó de arroz como um verdadeiro símbolo antirracista, tornando o que antes era usado de forma pejorativa como representação de toda a torcida nas arquibancadas das laranjeiras: “Maior orgulho pra gente é quando saímos do jogo com todo o pó na cabeça. Não é uma maneira de embranquecer a torcida, e sim de dizer que nós vencemos o racismo aqui dentro e que somos um grupo a utilizar um xingamento que seria racista para combatê-lo!”, afirma o antropólogo torcedor do Fluminense, Ernesto Xavier. 

 

A POLÊMICA ORIGEM DO PÓ DE ARROZ 

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Carlos Alberto defendeu o Fluminense depois de ter atuado no América-RJ. Foto: Flu-Memória 


Em 13 de Maio de 1914, Carlos Alberto, de 17 anos, se preparava para atuar pelo Fluminense contra o seu ex-clube, América, pelo Campeonato Carioca daquele ano. O jogador, que era o único preto da equipe, foi visto com um pó branco no rosto, que durante a partida começou a se desmanchar em seu suor, abrindo brecha para a torcida Americana provocar o recém-saído da equipe: “Pó de Arroz! Pó de Arroz!”, gritava a torcida. 

“O rapaz veio conosco do América para o Fluminense, ele fazia a barba e, ao invés de deixar com sua cor natural e passar talco, ele colocava uma coisa branca, fazendo um contraste muito grande entre uma parte e outra do rosto, e então os torcedores começaram a chamar o time do Fluminense de ‘pó de arroz’”, explicou, aos 90 anos de idade, Marcos Carneiro de Mendonça, então goleiro da equipe de Carlos Alberto. 

O caso voltou à tona 38 anos depois do jogo contra o América, em uma coluna publicada pelo jornalista Mário Filho no “Jornal dos Sports”, onde o autor alega que Carlos Alberto utilizava pó de arroz para esconder sua etnia, visto que, segundo Mário, o Fluminense era uma equipe elitista da qual apenas brancos eram benquistos: “Valia a pena ser Fluminense, Botafogo, Flamengo, clube de brancos. Se aparecia um mulato, num deles, mesmo disfarçado, o branco pobre, o mulato, o preto da geral, eram os primeiros a reparar. (...) Era o momento que Carlos Alberto mais temia. Preparava-se para ele, por isso mesmo, cuidadosamente, enchendo a cara de pó-de-arroz, ficando quase cinzento, não podia enganar ninguém, chamava até mais atenção. A torcida do Fluminense procurava esquecer de que Carlos Alberto era mulato. Um bom rapaz, muito fino”, finaliza a coluna. 

 

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Novela “Lado a Lado”, da Globo, parodiou o caso de 1914, com o personagem Chico, interpretado por César Mello, sendo a representação ficcional de Carlos Alberto. Foto: Blog do Mauricio Stycer / UOL 


O trecho publicado no jornal foi retirado do livro de Mário que teve sua primeira edição publicada em 1947, denominado “O Negro no Foot-Ball Brasileiro”, onde o autor desmistifica as especulações que afirmavam que o Fluminense obrigava Carlos a usar o pó de arroz. Com base no livro, o historiador Athos Vieira explica que o jogador utilizava o produto por causa do racismo imposto pela sociedade, mas que o clube em nenhum momento obrigava Carlos a utilizar pó de arroz. “O racismo não era do Fluminense, e sim da sociedade, das instituições, o Fluminense como tal era um clube racista, de pessoas brancas. Carlos Alberto, um menino tímido, se sentia incomodado com os holofotes e usava o pó de arroz para dissimular a cor de sua pele”, explica. 
 
Athos chama atenção para o fato de que, no livro, Mário entrevista Carlos Alberto ainda em vida, onde o jogador explica as diferenças entre o América e o Fluminense, ressaltando que ambos eram times de branco, porém, por ser um clube aristocrata, o tricolor promovia bailes e eventos de luxo: “Essa era a diferença entre os times da Zona Sul e Norte, no América as famílias iam ver os jogos e se encontravam uma vez por semana na arquibancada. No Fluminense, eles viviam no clube, todo mundo devia ser igual, mesmo na cor”, afirma, segundo Athos Vieira, Carlos Alberto em entrevista à Mário Filho. 
 
Por outra ótica, o também historiador Felipe Duque, aponta que Carlos Alberto era um adolescente de muitas espinhas no rosto, obrigando-o a utilizar um medicamento para contê-las, esse que por sua vez continha na bula a recomendação de passar pó de arroz no rosto logo após o uso do remédio, com o objetivo de manter a pele protegida e evitar a oleosidade: “o talco é uma coisa só pra aliviar o pós-barba, já o pó de arroz tem a função de proteger. Como que um menino tímido de 17 anos vai ter a noção que quando ele corresse aquilo ia se desmanchar no sol?”, questiona.

Capela dos Aflitos é parte da história apagada da região, conhecida pelo comércio e tradições nipônicas derivadas da imigração japonesa
por
Ana Julia Bertolaccini
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11/11/2023 - 12h

A Capela Nossa Senhora das Almas dos Aflitos, fundada em 27 de junho de 1779, é um dos poucos símbolos históricos que restaram do período que antecedeu a imigração japonesa do século XX no Bairro da Liberdade em São Paulo. O local foi de 1175 até 1858, um cemitério, onde eram enterrados pobres, escravizados, criminosos e indígenas. Segundo os monitores da capela, o nome do bairro se deu pela história de Francisco José das Chagas, cabo do primeiro batalhão de Santos que foi condenado à morte por enforcamento depois de liderar uma revolta causada pela falta de pagamento a 5 anos. “Liberdade” era o que gritavam na praça em que Chaguinhas ou “Protetor do Excluídos”, como é conhecido, foi colocado à forca pela terceira vez e a corda arrebentou.

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Capela dos Aflitos, localizada no final da Rua dos Estudantes no Bairro da Liberdade //Autora: Ana Julia Bertolaccini

 

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Sandra, monitora da capela//Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Painel informativo e de protesto, localizado ao lado da capela// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Painel informativo e de protesto, localizado ao lado da capela// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Haroldo, voluntário da capela// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Placa que explica a origem do nome do Bairro// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Sala de promessas e agradecimentos da capela// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Velas da sala de promessas, normalmente direcionadas à Chaguinhas// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Agradecimentos de fiéis à Chaguinhas// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Imagem de Chaguinhas, conhecido como santo protetor dos excluídos// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Altar da Capela dos Aflitos// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Placa de Memória Paulistana// Autora: Ana Julia Bertolaccini

 

Autora Rafaela Silva aponta dificuldades para a representatividade de negros na literatura
por
Raissa Santos Cerqueira
Ana Clara Farias
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09/11/2023 - 12h

“Quando há pessoas falando sobre nós, sobre nossas vivências e sobre nossos corpos podemos nos ver naquele espaço”, afirmou Rafaela Silva (24) sobre a crescente produção de obras literárias que têm enfoque na representação positiva da população negra. O crescimento de livros com protagonistas negros e o aumento da procura por eles nos mercados levou títulos como “Lendários”, de Tracy Deonn e “Agora que ele se foi”, por Elizabeth Acevedo a ganharem espaço nas estantes de leitores pelo mundo todo. A divulgação que livros com protagonismo negro receberam durante os temos de confinamento fez com que mais livros que abordam a vida de pessoas afrodescendentes se tornassem cada vez mais populares. 

Nos últimos anos, houve um crescimento exponencial na quantidade de personagens negros, tanto em obras literárias, quanto cinematográficas, os personagens vêm ganhando destaque se tornando protagonistas, ou pontos importantes da história. Ainda assim a comunidade enfrenta alguns desafios para que sejam devidamente representados “Alguns conseguimos perceber que a pessoa apenas colocou um personagem de minoria para dizer que tem” Ressalta a escritora, e completa “Ainda precisamos cobrar das pessoas escreverem sobre pessoas pretas e isso é cansativo”. 

O número de autores negros publicados no Brasil ainda é considerado baixo, se comparado com a quantidade de autores brancos. Por consequência, os personagens desses autores também são brancos, o que aponta a falta de representatividade. De acordo com os dados das maiores editoras brasileiras, segundo uma pesquisa da Universidade de Brasília (UnB), entre 1965 e 2014, 70% dos autores são homens e, dessa porcentagem, 90% são brancos. Esse estudo revela que a escalada para uma cultura representativa de autores negros ainda é uma longa caminhada.

Rafaela, nascida em São Carlos e formada em Linguística pela Ufscar (Universidade Federal de São Carlos), também ressalta que, mesmo com os pontos negativos, a inserção de pessoas negras nessas obras é algo a se comemorar, além de se esforçar para sempre ter negros em suas obras. Em todas as suas histórias publicadas na Amazon, sendo elas: “Apito final”, “Meu lugar” e “As cores do nosso amor”, Rafaela colocou personagens negros em posição de protagonismo “É a minha reparação histórica” afirmou ela. “Todas as minhas obras escritas até aqui abordam o racismo, sei que parece cansativo, mas sempre que vou escrever trago minhas vivências e isso reflete muito nas minhas obras” explicou a autora. 

Livro 1
Ilustração dos personagens de "Apito Final" por: Maria Luísa Pitombeira

Além da questão da inclusão, a literatura negra também é necessária porque ela é capaz de desbancar padrões e estereótipos relacionados à cultura e ao povo afro-brasileiro. Quando contadas por escritores negros, as histórias têm um ponto de vista próprio de pessoas que vivem diariamente essa cultura sem reforçar os padrões criados pelo ponto de vista branco e eurocêntrico.

Apesar da pouca representatividade, existem autores negros relevantes e essenciais para a história literária do Brasil. Entre eles, podemos citar Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, Machado de Assis — considerado o maior escritor brasileiro —, Lima Barreto, entre muitos outros grandes nomes da literatura no país. Esses autores, que são atemporais, trazem em suas obras histórias com perspectivas únicas, contando sobre suas vivências e acontecimentos por eles presenciados.

 

Organização inovadora promove serviços gratuitos às populações discriminadas
por
Beatriz Barboza
Giuliana Barrios Zanin
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21/10/2023 - 12h
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Centro Cultural Vila Itororó, sede do polo central do CRPIR em São Paulo. Foto: Giuliana Zanin

Localizado na Vila Itororó, no bairro Bela Vista, em São Paulo, o Centro de Referência para a Promoção da Igualdade Racial (CRPIR) é responsável por acolher vítimas de racismo, intolerância religiosa e xenofobia. O Centro oferece atendimentos psicossociais, psicológicos e jurídicos de segunda à sexta, das 9h às 18h, em salas cedidas pelas casas de cultura das diferentes zonas da cidade. O CRPIR possui somente um polo físico, localizado na Cidade Tiradentes, no extremo leste paulista.

A atuação dos Centros de Referência está atrelada à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, encarregada de efetivar o Plano de Promoção da Igualdade Racial, instituído em 2018, com o objetivo de reduzir as desigualdades étnicos-raciais da cidade de São Paulo. Atualmente, os polos do CRPIR são dirigidos pelo Instituto Social Espaço Negro, uma ONG conveniada, por contrato, com a Prefeitura.

Talita Laureano, psicóloga do polo da Vila Itororó, ressaltou que, embora tenha experiência como psicóloga na assistência social, não conhecia o CRPIR até receber o convite para fazer parte da equipe de atendimento. “A população não acessa os serviços do Centro porque não conhece”, afirmou Talita sobre a falta de divulgação desse serviço municipal. A profissional comentou o público-alvo dos atendimentos: “atualmente, muitas mães e responsáveis relatam situações de racismo escolar, mas casos de racismo institucional, sofrido no ambiente de trabalho, também são comuns.”

A psicóloga esclareceu que não é possível oferecer um acompanhamento terapêutico contínuo, somente atendimentos pontuais. Talita explicou que, a depender da gravidade dos casos, é combinado o tempo de retorno e novos encontros são marcados. Sobre os demais serviços, ela exemplificou: “os atendidos não serão representados judicialmente pela advogada do CRPIR, mas ela pode acompanhá-los até o DECRADI (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância). O atendimento jurídico orienta, por exemplo, a procura da Defensoria Pública ou de um advogado particular.”

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Além do espaço arquitetônico, o Centro Cultural Vila Itororó promove aulas de artes e danças. (Foto: Giuliana Zanin)

Os atendimentos podem ser realizados online, à domicílio ou presencialmente. No entanto, conforme ressaltado por Talita, os polos do CRPIR carecem de infraestrutura. As salas ocupadas pelo Centro na Vila Itororó, por exemplo, não possuem acessibilidade às pessoas com deficiências. Além disso, o espaço onde acontecem os atendimentos é compartilhado pelas profissionais: “nós tratamos casos carregados de sofrimento psíquico, em situações específicas, eu solicito que minha colega saia da sala para garantir o sigilo e o conforto do atendido.”

“Falta muito para chegarmos em um nível de atuação efetiva, mas a gente percebe a importância dos serviços nos atendimentos. O espaço é para as pessoas se identificarem conosco e veem como uma tábua de salvação”, comenta Talita. Além disso, a profissional demonstra a satisfação do serviço para os atendidos “Muitos relataram que ficaram felizes de conhecer o trabalho, porque não se sentiam sozinhos e tiveram suas vozes ouvidas plenamente.”

Embora trabalhe há pouco tempo no Centro, reconhece a importância da iniciativa e da permanência dos serviços para a comunidade. Talita comenta que “Além de trabalhar as questões do racismo estrutural, arraigado, fortalecer, empoderar, fazer com que essas pessoas almejam outras posições, um STF da vida, ser médico, advogado… nosso trabalho tem esse papel também.”

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O CRPIR é uma iniciativa da Prefeitura de São Paulo com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. Foto: Giuliana Zanin

Apesar de existirem centros de acolhimento para pessoas vulnerabilizadas socialmente, é importante denunciar casos de racismo, xenofobia, intolerância religiosa, dentre outras discriminações sociais. De acordo com o Portal Geledés, a Ouvidoria da Secretaria Estadual da Justiça e Cidadania paulista recebeu 174 denúncias de discrimanação racial nos primeiros 4 meses deste ano frente a 155 ao longo de todo o ano passado. Para mais informações sobre denúncia:

Para saber mais sobre as localidades dos centros, acesse o portal da CRPIR na Prefeitura de São Paulo: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/direitos_humanos/igualdade_racial/rede_de_atendimento/index.php?p=270197  

Vinda da Bahia, Cleidiane Costa de Jesus tem história de superação e se dedica a trabalho voluntário com moradores de rua.
por
Julia da Justa Berkovitz
Ana Julia Bertolaccini
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21/10/2023 - 12h

 

Cleidiane Costa de Jesus, 37 anos, nasceu no interior da Bahia no município de Jequié. Desde pequena Cleide se identifica como negra e afirma que: “morena não estava no meu vocabulário, até hoje quando me chamam de morena eu não respondo porque eu sou negra”. Ela sempre achou a cor negra muito linda e tinha uma grande admiração por seu avô materno e seus tios que eram negros. 

Cleide nasceu e cresceu dentro da igreja católica. “Deus é o centro da minha vida. Em casa rezo sozinha e busco fortalecer a minha fé na igreja, preciso comungar, é o pão vivo que desceu do céu”. Cleide desde sempre foi extrovertida, brincalhona e autoconfiante. Na escola era líder de torcida, participava das gincanas e desfilava nas paradas do feriado de 7 de setembro. Tinha muitos amigos, boas relações com os professores e era apelidada de preta, neguinha e negona. 

Todavia, seu jeito sociável e divertido incomodava algumas pessoas que a julgavam de metida. Cleide nunca se importou e diz: “Nem Jesus agradou todo mundo, não era eu que iria agradar”. Cleide conta que ouvia “piadas” racistas na escola, mas ela não ligava e rebatia as falas preconceituosas.

Cleide se formou na escola com 18 anos e viveu em Jequié até os 25 anos, quando se mudou para São Paulo. Durante esses sete anos ela começou a trabalhar como babá e quis se mudar para a metrópole paulista em busca de trabalho. Ela opina que em SP existem vantagens e desvantagens, “você ganha mais dinheiro mas vive uma vida corrida e na Bahia as pessoas ganham menos mas são mais felizes e se divertem mais”. 

Ao chegar em São Paulo, Cleide teve um pouco de dificuldade em frequentar a igreja porque não tinha com quem ir, mas conseguiu se estabelecer e agora vai à missa todos os finais de semana. Em 2019 virou catequista e há 4 meses iniciou um trabalho voluntário com moradores de rua na Comunidade Católica Shalom. “Não é só levar o alimento, é você olhar para as pessoas e ver Jesus, amar Jesus no irmão”. 

Ela conta que no voluntariado vê pessoas que ficaram muito fragilizadas pelo racismo que sofrem e alguns acabam se machucando. “Precisamos sempre lutar contra o racismo, ele causa muitos danos e dores”. 

Cleide se lembra de poucas situações em que sofreu preconceito. Ela afirma que duas vezes não foi atendida em lojas por estar vestida de forma simples. Além disso, quando Cleide sente que estão olhando ou seguindo ela no mercado ela logo questiona o que está acontecendo.

Conceito defendido por Hélio Santos confirma que no futebol, assim como na sociedade, pessoas não se percebem preconceituosas
por
Giulia Dadamo
Mohara Ogando Cherubin
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20/10/2023 - 12h

Pesquisa feita pelo Instituto Peregum e a Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista (Seta) em agosto deste ano aponta  'dificuldade de entender como o racismo se manifesta no cotidiano'. Os dados indicam que 81% da população considera o Brasil racista, mas só 11% admite responsabilidade “Aqui, temos o ‘racismo cordial’, todo mundo entende que há racismo na sociedade, mas eu não sou racista, racistas são os outros”, afirmou o escritor Hélio Santos.

Relembre alguns casos de racismo com jogadores brasileiros:

Apenas cinco anos após deixar seu país para jogar no Real Madrid, Vinicius Junior se encontrou, mais uma vez, em meio a gestos racistas e imitações de sons de macaco, em maio deste ano. E após ter vivido mais de dez casos desde o seu início de carreira no Flamengo, este foi o primeiro a gerar a punição de um clube.

"Eu sou forte e vou até o fim contra os racistas", reagiu Vini Jr. após o caso em suas redes sociais. Como resposta, o presidente da LaLiga (Javier Tebas) disse que não iria permitir que o jogador a "manchasse". Dois dias depois, três torcedores foram detidos, acusados de serem os responsáveis pelos insultos a Vini, porém foram rapidamente liberados. Pela primeira vez na história, a Federação Espanhola fechou um setor do estádio Mestalla e multou o Valencia por causa de um jogador, além de anular a expulsão de Vini Jr. no jogo ao indicar mau uso do VAR.

Em entrevista para a Agemt, Camila Esteves, 18, estudante de enfermagem e membro ativo da comunidade negra, diz que a situação de Vini Jr. foi repugnante, não apenas o caso de racismo, mas também a falta de intervenção por parte da La Liga e a expulsão do jogador no fim do jogo. "As atitudes tomadas durante o jogo conseguiram tornar a situação ainda mais cruel", afirma. 

Camila já passou por situações similares à do jogador. Aos 12 anos ouviu a frase "Macaco está permitido ganhar qualquer luta" após vencer um campeonato de judô. O comentário racista fez com que Camila se tornasse insegura em relação ao esporte, tendo medo de ganhar outra partida e receber comentários maldosos novamente. "O racismo abala a nossa relação com nós mesmos, nos torna inseguros, com medo de seguir em frente".

Pela desigualdade de audiência dos jogos femininos (comparados aos masculinos), casos como este ficam ainda mais silenciados e crueis, visto que as atletas têm menos espaço de fala em sociedade e receio de ter sua carreira afetada pela denúncia. Em novembro do ano passado, por exemplo, a ex-jogadora do Gremio, Luany, foi a vítima da vez. "Estou precisando de um desse para fazer espanador em casa", foi a frase dita por um torcedor em referência ao cabelo da atacante. 

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Luany, ex-atacante do Grêmio - Autor: Fernando Alves 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Medidas contra o racismo no esporte: 

A situação, porém, tende a mudar. De acordo com a Agência Senado, no dia 13 deste mês ocorreu um debate entre senadores em audiência pública para punições mais rígidas contra o racismo no futebol e para a implementacao de programas de educação desde as categorias de base e políticas afirmativas envolvendo clubes, federações, patrocinadores e poderes públicos.

O debate, que foi marcado devido ao crescimento de denúncias de discriminação dentro e fora do campo nos últimos anos, contou com a participação da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e do presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol (STJD), José Perdiz de Jesus, além de representantes do Ministério do Esporte e da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). 

Segundo relatório do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, a quantidade de denúncias de racimo no futebol monitoradas em 2023 já são mais que o dobro do que os casos registrados no ano passado. 

Após décadas de falhas representações, população negra se reconhece nas telas do cinema nacional
por
João Pedro Lopes Oliveira
Vitória Nascimento
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19/10/2023 - 12h

O protagonismo negro no cinema nacional é mais do que uma tendência, é uma necessidade urgente para construir uma indústria cinematográfica verdadeiramente inclusiva e representativa. Com o apoio de organizações como a Associação dos Profissionais do Audiovisual Negros (APAN) e eventos como a Mostra OJU, o Brasil está trilhando um caminho positivo em direção a um futuro cinematográfico mais diversificado e vibrante.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 56% da população brasileira se autodeclara negra. No entanto, historicamente, o cinema nacional não refletiu essa diversidade. Nos últimos anos, houve um aumento notável no número de filmes e produções que apresentam protagonistas negros, mas ainda há muito a ser feito. Segundo a Agência Nacional do Cinema (ANCINE), em 2022, apenas 20% dos filmes nacionais tinham protagonistas negros. Este número, embora crescente, sublinha a carência de mais representatividade.

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Gabriel Knoxx e Gleici Damasceno no filme "Noites Alienígenas" de Sérgio de Carvalho. Foto: Divulgação/Vitrine Filmes

Ignorados pela indústria cinematográfica ao longo da história, os cineastas negros sentiram a necessidade de se unirem em uma única voz para reivindicarem seus direitos, assim em 2016 foi criada a APAN, com o objetivo de desenvolverem políticas públicas. Entre os seus projetos oferecem um laboratório de roteiro, direção e produção para realizadores negros terem a oportunidade de se inserir e se firmar no mercado audiovisual, além de também possuir sua própria plataforma de streaming para garantir uma distribuição mais diversa. “Embora haja progressos, ainda há muito trabalho a ser feito para garantir diversidade e inclusão em todas as áreas da produção cinematográfica.” declara Kayke Leonel, estudante de cinema. O que começou com apenas 20 profissionais, hoje conta com quase mil associados.

Outro passo importante foi a criação da Mostra OJU em 2022 pelo Sesc São Paulo. Pensada como um meio de difusão, a mostra tem foco através da exibição de desde curtas a longas-metragens, cursos, palestras e oficinas celebrar cineastas negros e aumentar a visibilidade de seus projetos. Para o futuro cineasta, Leonel, é importante que essa difusão não se limite apenas ao cinema independente “É fundamental que a indústria mainstream também abrace e promova histórias diversas, para que a representatividade não seja limitada a um segmento específico do cinema, mas esteja presente em todas as formas de produção cinematográfica.”

A representatividade no cinema nacional não é apenas uma questão de números. Ela tem um impacto profundo na sociedade, desafiando estereótipos e oferecendo modelos positivos para crianças e jovens negros. Ao verem histórias que refletem suas próprias experiências, o público é capacitado e incentivado a sonhar mais alto.

Para a comunidade negra, ver personagens que se parecem com eles nas telas é mais do que uma experiência cinematográfica. É um lembrete poderoso de que suas histórias importam, que suas vozes são ouvidas e que suas vidas são dignas de serem contadas. Esse tipo de representatividade não é apenas uma questão de entretenimento, mas uma fonte de identidade e pertencimento para milhões de brasileiros. O cinema tem o poder de moldar a maneira como se vê o mundo e, por muito tempo, as narrativas negras foram limitadas a estereótipos prejudiciais. No entanto, o protagonismo negro no cinema nacional está desafiando essas narrativas restritivas. Ao apresentar personagens complexos, multifacetados e reais, o cinema está redefinindo como a sociedade enxerga a comunidade negra, promovendo uma compreensão mais profunda e compassiva. 

Pela décima vez em La Liga, o atacante Vinicius Júnior, do Real Madrid, foi alvo de insultos racistas. Episódios de racismo não se restringem apenas a Europa.
por
Laura Souza
Mohara Ogando Cherubin
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21/06/2023 - 12h

Domingo, 21 de Maio, Valência e Real Madrid disputavam uma partida pela La Liga, o campeonato espanhol, no Estádio Mestalla, casa do Valência. Durante a partida era possível ouvir pela transmissão de televisão gritos de "mono" - que significa macaco em espanhol - vindos da torcida do clube mandante do jogo. O alvo era o atacante brasileiro Vinícius Junior, do Real Madrid. Aos 24 minutos do segundo tempo, o brasileiro chama o árbitro da partida, Ricardo de Burgos. O atleta apontava para torcedores que estão proferindo os gritos

Torcedores do Valencia chamam o atacante do Real Madrid de macaco durante a partida no domingo - Foto: Reprodução Declaração do Vini Jr/ reprodução: instagram

Atendendo ao protocolo da FIFA, o árbitro da partida paralisou o jogo. Os alto-falantes anunciaram que a partida estava interrompida por um episódio de racismo. Pouco mais de oito minutos depois, o jogo é retomado. Já nos acréscimos, Vinícius Junior se envolve em um lance com o goleiro Mamardashvili, do Valência, dentro da área e próximo a torcida mandante. 

O brasileiro foi atacado por um mata-leão do jogador Hugo Duro, do Valência, e ao reagir, atinge o goleiro Mamardashvili. O árbitro de vídeo (VAR) chamou o árbitro principal até a cabine para avaliar melhor o lance. O que ele sugeriu ? A expulsão do atacante brasileiro pela agressão ao goleiro. Após a revisão, de Burgos voltou a campo e aplicou o cartão vermelho para o jogador brasileiro. 

Na saída do gramado, entre vaias e mais gritos racistas, Vinícius aplaudiu ironicamente ao que havia acabado de acontecer. Pela décima vez em La Liga o atleta era alvo de racismo, e nesta ainda foi punido com a expulsão. Nas redes sociais o atelta ironizou a competição. "Não foi a primeira vez, nem a segunda e em a terceira. O racismo é o normal na La Liga [...] Mas eu sou forte e vou até o fim contra os racistas", disse o jogador. Entre publicação, Vini Jr. ironiza o slogan do campeonato. "O prêmio que os racistas ganharam foi a minha expulsão! Não é futebol, é La Liga", desabafou o atacante.

 

A atitude das mais de 46 mil pessoas no Estádio Mestalla nesse jogo, abriu um amplo debate mundial sobre racismo no futebol europeu. Javier Tebas, diretor da “La Liga”, afirmou não ter acontecido racismo e questionou quando Vini Jr. iria pedir desculpas aos torcedores do Valência pelo ocorrido.

Ao final da partida, o Valência divulgou um comunicado oficial sobre o ocorrido, dizendo que condena a violência física e verbal nos estádios. De acordo com a nota, o acontecido foi um "caso isolado", e afirmou que o clube "está investigando o ocorrido e tomará as medidas mais severas".

 

Reprodução Super Deporte-ESP- 22/05/2023 

A imprensa espanhola, mesmo após a repercussão do caso, continuou atribuindo a culpa a Vinicius Jr, afirmando que ele provocou a torcida e que os xingamentos foram um caso único.

 

“O racismo abala a nossa relação com nós mesmos”

Quando tinha 12 anos, a estudante de enfermagem Camila Esteves, que hoje tem 18 anos, participou de uma competição de judô e ouviu da arquibancada: “Macaco tá permitido ganhar qualquer luta”. A fala criou na jovem uma insegurança em relação a sua vitória no confronto. "O racismo abala a nossa relação com nós mesmos, nos torna inseguros, com medo de seguir em frente", disse à AGEMT.

Ao comentar o episódio de racismo sofrido por Vinicius Junior, a jovem lamentou, não apenas pelo caso de racismo, mas também a falta de intervenção por parte da La Liga. "As atitudes tomadas durante o jogo conseguiram tornar a situação ainda mais cruel", afirma. 

"O governo espanhol deve impor à população medidas mais radicais em relação a atos racistas, porém, a população deva acatar a essas medidas". Entendemos toda a construção histórica da Europa no que diz respeito ao racismo, como foi feito durante o período colonial, por exemplo. Portanto as medidas devem ser tomadas com seriedade dentro de um país tão habituado com situações como a de Vinícius Júnior. 

 

Não foi a primeira vez e provavelmente não será a última.

No total, Vinícius Júnior já sofreu mais de 10 casos de racismo dentro de campo. O primeiro ocorreu em 24 de outubro de 2021, durante uma partida contra o Barcelona no Camp Nou. Vinícius Júnior foi insultado pelos torcedores depois de ser substituído, no segundo tempo. Como resposta, o jogador apontou para o placar: o Real Madrid vencia por 1 a 0.

Em 14 de março de 2022, o Real Madrid vem por 3 a 0 contra o Mallorca, fora de casa. Durante a partida, torcedores do time da casa foram flagrados insultando Vinícius Júnior, chegando a pedir ao atacante para "pegar bananas", em clara referência racista. Além de ofensas, sons de macaco também foram ouvidos no estádio.

"Pare de fazer macaquices", disse o empresário Pedro Bravo, em 26 de setembro do mesmo ano em um programa esportivo da televisão espanhola, em referência às danças de Vini nas comemorações de gols. A situação deu início ao movimento "Baila, Vini!", que tinha como objetivo apoiar o jogador em meio aos ataques racistas. 

No fim daquele ano, em 30 de dezembro, torcedores do Valladolid atacaram Vinícius Júnior em partida contra o Real Madrid, que venceu por 2 a 0, resultando em inúmeras ofensas racistas destinadas ao atacante. "Os racistas seguem indo aos estádios e assistindo ao maior clube do mundo de perto e a La Liga segue sem fazer nada... Seguirei de cabeça erguida e comemorando as minhas vitórias e do Madrid. No final a culpa é MINHA", desabafou o jogador.

No ano seguinte, em 26 de janeiro, às ações conseguiram passar ainda mais dos limites, na qual torcedores colchoneros penduraram um boneco de Vinícius Júnior enforcado em uma ponte na cidade de Madri. O fato chocou a todos, porém clubes como a La Liga e Federação Espanhola apenas publicaram notas oficiais pedindo "sanções severas". O jogador atuou normalmente e foi provocado em campo.

No mês seguinte, em 05 de fevereiro, o atacante brasileiro foi alvo novamente de racistas durante a partida do Real Madrid contra o Mallorca, quando um torcedor o chamou de "mono" (macaco). Dessa vez o criminoso foi identificado e foi impedido de frequentar estádios por um ano e multado em 4 mil euros (aproximadamente R$ 22 mil).

A sétima denúncia de racismo contra Vinícius Júnior ocorreu em 5 de março, durante a partida entre Betis e Real Madrid. Torcedores do time rival chamaram o atacante de "macaco" e viraram alvos de uma queixa prestada ao Juizado de Instruções de Sevilha, com imagens de televisão como prova. Em comunicado, LaLiga tratou a situação como "comportamento racista intolerável".

O último caso conhecido de racismo contra o jogador ocorreu neste domingo. Apenas um desses episódios resultou em algum tipo de consequência para o criminoso, porém em todos os casos houve queixas de Vinícius Júnior para o clube La Liga e para a Federação Espanhola, mas nada tem sido feito. A pergunta que fica é: até quando essa humilhação será considerada tolerável pelo clube espanhol?

 

Um problema além da Europa

O futebol é só mais uma das formas em que o racismo é ser exposto. Mas a questão não se restringe apenas a Europa, os jogos brasileiros também já tiveram diversos episódios de racismo, tanto jogadores quanto torcedores já foram alvo de hostilização por parte de racistas.

Segundo o Observatório da discriminação racial do futebol, casos de racismo registrados em campo aumentaram em 40% em 2022. Esse é o estudo mais atualizado sobre a injúria racial do esporte no país. Em 2021 o Instituto Locomotiva apontou que apenas 4% da população se considera racista, enquanto 84% percebe o racismo no outro.

Em entrevista à AGEMT, o doutor em história, pesquisador de relações étnico-raciais e professor da PUC-SP, Amailton Azevedo, afirmou que esse comportamento do brasileiro se dá de maneira histórica. "Esta postura de achar que o racismo está sempre no outro e não em nós é o que marca a ideologia que ensinou os brasileiros que aqui não havia problemas raciais. De maneira geral, o brasileiro trabalha com esse dispositivo ideológico ", afirma o professor.


O combate ao racismo

Em 2019, a FIFA divulgou um novo código disciplinar para determinadas ações dentro do campo. O principal foco dessa nova declaração era o combate ao racismo, lá ele prevê quais são os passos que devem ser dados, sendo eles: 1) Interrupção do jogo pelo sistema de som do estádio, dando um anúncio formal contra os comportamentos racistas; (2) Suspensão temporária do jogo pelo árbitro, solicitando uma nova mensagem oficial; (3) Abandono da partida, com a saída de todos em campo.