A história do grupo que ultrapassou as barreiras sonoras pode ser vista no centro de SP até o fim de agosto
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Por Guilbert Inácio
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26/06/2025 - 12h

A exposição “O Quinto Elemento”, em homenagem aos 35 anos do notório grupo de rap Racionais MC’s, está em cartaz desde o dia 06 de dezembro de 2024, no Museu das Favelas, no Pátio do Colégio, região central da cidade de São Paulo. A mostra era para ter sido encerrada em 31 de maio de 2025, mas, devido ao sucesso, vai agora até 31 de agosto.

A imagem mostra um painel os quatros membros dos Racionais MC's
Em 2024, o museu ganhou o prêmio de Projeto Especial da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) pela exposição. Foto: Guilbert Inácio. 

Museu das Favelas

O Museu das Favelas está localizado no Centro histórico de São Paulo, mas esse nem sempre foi o seu endereço. Inaugurado no dia 25 de novembro de 2022, no Palácio dos Campos Elíseos, o Museu das Favelas ficou 23 meses no local até trocar de lugar com a Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, no dia 26 de agosto de 2024.  

Fechado por três meses, o museu reabriu no dia 06 de dezembro de 2024, já com a nova exposição dos Racionais MC’s. Em entrevista à AGEMT, Eduardo Matos, um dos educadores do museu, explicou que a proposta da exposição chegou neles por meio de Eliane Dias, curadora da exposição, CEO da Boogie Naipe, produtora dos Racionais e esposa do Mano Brown. Eduardo complementou que o museu trocou de lugar para ter mais espaço para a mostra, já que no Campos Elísios não teria espaço suficiente para implantar a ideia. 

Tarso Oliveira, jornalista e historiador com pós-graduação em Africanidades e Cultura Afro-Brasileira, comentou que a gratuidade do museu é um convite para periferia conhecer a sua própria história e que, quando falamos de Racionais MC's, falamos de uma história dentro da história da cultura hip-hop, que salvou várias gerações fadadas a serem esquecidas e massacradas pelo racismo estrutural no Brasil. “Nós temos oportunidades de escrever a nossa narrativa pelas nossas mãos e voltada para o nosso povo. Isso é a quebra fundamental do epistemicídio que a filósofa Sueli Carneiro cita como uma das primeiras violências que a periferia sofre.”, afirma o historiador. 

O Quinto Elemento

Basta subir as escadas para o segundo andar do museu, para iniciar a imersão ao mundo dos Racionais. Na entrada, à sua direita, é possível ouvir áudios do metrô, com o anúncio das estações. Uma delas, a estação São Bento da linha 1-Azul, foi o berço do hip-hop em São Paulo, na década de 1980. À esquerda está um som com músicas dos Racionais, uma trilha que você irá ouvir em todos os espaços da exposição.

A imagem apresenta três placas, em sequência, com os dizeres "X", "Racionais MC's" e "Vida Loka".
Placas semelhantes às placas com nomes de rua trazem as letras do grupo. Foto: Guilbert Inácio.

No primeiro espaço, podemos ver o figurino do Lorde Joker, além de uma breve explicação da presença recorrente na obra do grupo da figura do palhaço em apresentações e músicas como “Jesus Chorou”, em que Mano Brown canta: “Não entende o que eu sou. Não entende o que eu faço. Não entende a dor e as lágrimas do palhaço.”

A imagem mostra uma fantasia laranja de um palhaço. Ao lado, há uma televisão.
O figurino é usado em shows pelo dançarino de break Jorge Paixão. Foto: Guilbert Inácio. 

Ao adentrar o segundo espaço, você mergulha na ancestralidade do grupo. Primeiro vemos imagens e um pouco da história das mães dos quatro membros, Dona Benedita, mãe e avó de Ice Blue; Dona Ana, mãe do Mano Brown; Dona Maria José, mãe de KL Jay e Dona Natalícia, mãe de Edi Rock. Todas elas são muito importantes para o grupo e ganharam, inclusive, referências em músicas como “Negro Drama” em que Brown canta: “Aí Dona Ana, sem palavra. A senhora é uma rainha, rainha”. 

É nessa área que descobrimos o significado do nome da exposição. Há um painel no local com um exame de DNA dos quatro integrantes que revela o ponto de encontro entre eles ou o quinto elemento – a África.

A imagem mostra um painel com o exame de DNA dos quatro membros dos Racionais MC's
Na “Selva de Pedra”, antes de todos se conhecerem, todos já estavam conectados por meio da ancestralidade. Foto: Guilbert Inácio.

O título se torna ainda mais significativo quando lembramos que a cultura hip-hop é composta por quatro elementos: rap, beat, break dance e grafite. O quinto elemento seria o conhecimento e a filosofia transmitida pelos Racionais, grupo já imortalizado na cultura brasileira, sobretudo na cultura periférica. 

Na terceira área, podemos conhecer um pouco de Pedro Paulo Soares Pereira, o Mano Brown; Paulo Eduardo Salvador, mais conhecido como Ice Blue; Edivaldo Pereira Alves, o Edi Rock e, por fim, Kleber Geraldo Lelis Simões, o KL Jay. Entre os inúmeros objetos, temos o quimono de karatê de Blue e o trombone de seu pai, a CDC do KL Jay, rascunhos de letras de Brown e Edi Rock.

A imagem mostra um bicicleta BMX azul
Primeira BMX de Edi Rock. Foto: Guilbert Inácio. 

O próximo espaço é o “Becos do som e do Tempo”, que está dividido em vários pequenos slots que mostram a trajetória musical do grupo. Podemos ver rascunhos de letras, registros de shows e a história de algumas músicas, além de alguns prêmios conquistados durante a carreira do grupo. 

Algumas produções expostas são “Holocausto Urbano” (1990); “Escolha seu Caminho” (1992); “Raio X do Brasil” (1993); “Sobrevivendo no Inferno” (1997); “Nada Como um Dia Após o outro Dia” (2002).

A imagem mostra um painel com os dizeres "Minha palavra vale um tiro, eu tenho muita munição" e uma foto dos quatro membros dos Racionais MC's. Ao lado, há fotos individuais dos membros.
O grupo confirmou um novo álbum para este ano, mas ainda não divulgou o título da obra nem a data de lançamento. Foto: Guilbert Inácio.

Nos próximos espaços, tem uma área sobre o impacto cultural, um cinema que exibe shows e o local “Trutas que se Foram” em homenagem a várias personalidades da cultura hip-hop que já morreram. A exposição se encerra no camarim, onde estão disponíveis alguns papéis e canetas para quem quiser deixar um registro particular na exposição.

A imagem mostra uma pequena placa com a foto da Dina Di e os dizeres: "Dina Di. Cria da área 019, como as quebradas conhecem a região de Campinas, no interior de São Paulo, Viviane Lopes Matias, a Dina Di, foi uma das mulheres mais importantes do rap no Brasil. Dina era a voz do grupo Visão de Rua. Dona de uma voz forte, assim como sua personalidade, a rapper nasceu em 19 de fevereiro de 1976 e morreu em 19 de março de 2010. Foi uma das primeiras mulheres a conquistar espaço no rap nacional. Dina nos deixou por causa de uma infecção hospitalar, que a atingiu 17 dias após o parto de sua segunda filha, Aline."
Nomes como Sabotage, Chorão, WGI, entre outros são homenageados na exposição. Foto: Guilbert Inácio. 

Segundo Eduardo, a exposição está movimentando bastante o museu, com uma média de 500 a 800 pessoas por dia. Ele conta que o ápice da visitação foi um dia em que 1500 pessoas apareceram no local. O educador complementa que, quando a exibição chegou perto da sua primeira data de encerramento, em maio, as filas para visitar o espaço aumentaram consideravelmente. O que ajudou a administração a decidir pela prorrogação.  

Eduardo também destaca que muitas pessoas vão ao museu achando que ele é elitizado, mas a partir do momento em que eles veem que o Museu das Favelas é acolhedor, com funcionários dispostos a tirar suas dúvidas e com temas que narram o cotidiano da população brasileira, tudo muda. 

 “Dá para sentir que o pessoal se sente acolhido, e tendo um movimento desse com um grupo que é das favelas, das quebradas, que o pessoal se identifica, é muito melhor. Chama atenção e o pessoal consegue ver que o museu também é lugar da periferia”, conclui. 

Impacto Cultural

Os Racionais surgiram em 1988 e, durante todo o trajeto da exposição, podemos ver o quão importante eles são até hoje para a cultura brasileira, seja por meio de suas músicas que denunciaram e denunciam o racismo, a violência do Estado e a miséria na periferia – marcada pela pobreza e pela criminalidade –, seja ocupando outros espaços como as provas nacionais e vestibulares.

A imagem mostra duas provas do Exame do Ensino Médio de 2023 com os trechos "Até no lixão nasce Flor" e É só questão de tempo, o fim do sofrimento".".
Trechos de Vida Loka, parte I e II nas provas do Exame Nacional do Ensino Médio de 2023 (ENEM). Foto: Guilbert Inácio. 

Em 2021, foi ao ar a primeira temporada do podcast Mano a Mano, conduzido por Brown e a jornalista Semayat Oliveira, que chegou a sua terceira temporada em 2025.

Inclusive, o podcast, que já teve inúmeros convidados da cultura e da política vai virar  um livro, homônimo. A publicação sairá pela Companhia das Letras, que já publicou o livro “Sobrevivendo no Inferno”, em 2017. 

Segundo Tarso, o grupo representa a maior bandeira que a cultura negra e periférica já levantou nesse país, visto por muitos como super-heróis do gueto contra um sistema racista e neoliberal; além de produtores de uma música capaz de mudar a atitude e a perspectiva das pessoas, trazendo autoestima, além de muito conhecimento. 

“Um dos principais motivos do grupo se manter presente no cenário cultural é não se acomodar com a "força da camisa", como cita o Blue.  E sempre buscar ir além artisticamente, fazendo com que seus fãs tendam a ir para o mesmo caminho e continuem admirando sua arte e missão.”, finaliza Tarso. 

 

Serviço

O Museu das Favelas é gratuito e está aberto de terça a domingo, das 10h às 17h, com permanência permitida até às 18h. A retirada dos ingressos pode ser online ou na recepção do museu. Além da exposição “O Quinto Elemento”, também é possível visitar as exibições “Sobre Vivências” e “Favela é Giro”, nos mesmos horários.

Obra de Amailton Magno Azevedo discute como o rap colaborou na elaboração de uma estética da resistência
por
Julia Sena
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09/06/2025 - 12h

 

Em março de 2025, o grupo “Racionais MC 's” recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Unicamp, título concedido pelas universidades a personalidades de projeção nacional e internacional que fizeram contribuições notáveis à cultura e à sociedade. Mano Brown, Edi Rock, KL Jay e Ice Blue, receberam a homenagem, que fez questão de enfatizar a importância do grupo para a construção de uma narrativa negra urbana no Brasil e serviu, entre outras coisas, para o reconhecimento do rap pela academia.  

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Mano Brown, Edi Rock, KL Jay e Ice Blue recebem o título de “Doutor Honoris Causa”.  Foto/Reprodução: Antônio Scarpinetti (SEC/Unicamp)  

A proposta da honraria foi feita professores do IFCH e aprovada pelo Conselho Universitário em novembro de 2023. Dentre os docentes estavam Daniela Vieira dos Santos e Jaqueline Lima Santos, responsáveis pela organização do livro Racionais: Entre o Gatilho e a Tempestade (Ed. Perspectiva, 2023). A obra busca analisar como a linguagem utilizada pelos Racionais MC´S dialoga com os jovens periféricos, usando como fio condutor a estética, letras, melodias e referencias do grupo, com análises de diversos pesquisadores da área, como Acauam de Oliveira, Ana Lúcia Silva Souza e Janaína Machado, entre outros.  

No final de 2024, Amailton Magno Azevedo, que este ano relança seu livro As micro Áfricas em São Paulo: sambas, quintais e arranha-céus (Editora Dandara, 2025), lançou sua obra intitulada Na Trama do Rap (Educ, 2024). O pesquisador e professor do programa de pós-graduação de história da PUC-SP conta, em entrevista para a AGEMT, que sua jornada intelectual foi atravessada diretamente pelo impacto que o Racionais teve em sua formação. “Foi uma revelação, uma descoberta, como se eles estivessem falando de mim, para mim. Eu me reconhecia muito naquelas letras, aquilo me estimulou a querer saber quem eram aquelas pessoas”, conta relembrando quando ouviu Raio X do Brasil, ainda na graduação. 

Amailton defende que o rap, longe de ser apenas um gênero musical, constitui uma “espécie de veículo de transmissão de uma complexa gama de visão de mundo, de quereres, fazeres, expectativas e projetos de sociedade e de cidade”. Ele observa que o gênero cumpre um papel semelhante ao de outras expressões culturais negras, como o samba e o funk, ao permitir a elaboração de uma estética de resistência. Ao longo dos anos o movimento tem se transformado em uma cultura de massa, o que segundo o pesquisador é um bom indicativo de que as vozes negras estão sendo ouvidas. 

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Amailton e KL Jay no evento de Lançamento do livro “Na Trama do Rap”. Reprodução: @amailtonazevedo/Instagram 

Na área acadêmica, o pesquisador compartilha em trechos de seu livro um conceito estabelecido por Kabengele Munanga, que visa acabar com a ideia do negro visto apenas como um objeto de análise. “É preciso buscar e examinar a subjetividade. O negro como sujeito é uma perspectiva metodológica. Produzir um conhecimento que leve em consideração o negro como sujeito de si mesmo, como produtor de conhecimento e não apenas objeto de estudo.”, defende. 

Em Na Trama do Rap, Amailton também destrincha o papel da alegria, do riso e da celebração como sendo ferramentas políticas fundamentais na luta contra o racismo, ao invés de serem ferramentas de alienação, como algumas pessoas afirmam. “A música, a festa e, a dança negras foram e continuam sendo vitais no sentido de afirmar e realizar um jeito negro de ser no mundo. Sem dança e sem música a festa não tem graça. E nenhuma revolução será exitosa se não passar pelo riso.”, completou.  

Com o relançamento do livro, o autor pretende aprofundar a investigação sobre a chamada “velha geração” do rap nacional, da qual os Racionais MC’s são os principais representantes. “O livro joga luz nessa tendência que o Racionais inaugura e consolida: o rap político”. O reconhecimento institucional do grupo é um marco que evidencia o quanto a cultura de rua, a arte negra e a linguagem  periférica ganham espaço no fazer acadêmico. 

“Na Trama do Rap” foi publicada pela Educ, editora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A obra está disponível para compra aqui.

Liberado no dia 13 de março, o projeto retoma a tradição do rapper, além de trazer inúmeras referências culturais
por
Guilbert Inácio
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24/03/2025 - 12h
O ambiente da imagem é uma casa antiga. Djonga aparece em pé do lado direito com boné, jaqueta e correntes de ouro. A parede atrás do artista está quebrada e os tijolos que faltam aparecem empilhados ao lado direito do rapper. Em cima dos tijolos, há pepitas e correntes de ouro, além de um galo. Há uma janela desgastada em cima da pilha do lado esquerdo.
Djonga no material promocional do álbum / Foto: Reprodução - @djongador

Djonga lançou seu novo álbum intitulado "Quanto Mais Eu Como, Mais Fome Eu Sinto!". A produção marca o retorno de uma data significativa para o rap nacional e conta com as participações de Milton Nascimento, Samuel Rosa, RT Mallone, Dora Morelenbaum, além dos já conhecidos DJ Coyote Beatz e Rapaz do Dread.

Até então seu último álbum era "Inocente 'Demotape'", lançado no dia 13 de outubro de 2023, com uma pegada diferente do resto da discografia do artista, pois Djonga focou em temas como amor, sexo e o cotidiano. Em 2024, o rapper mineiro participou apenas de projetos de outros artistas, quebrando o ciclo de lançamentos anuais desde seu primeiro álbum, em 2017.

Agora, Djonga retomou os lançamentos, ao dar vida ao seu novo álbum que contém 12 faixas, traduzindo o conceito que o artista trouxe no título da obra. A fome que antes era um impulso de sobrevivência do rapper mineiro, hoje representa uma inquietação, uma busca por evolução e superação, além de afirmar quem ele é.

Nas faixas ele passa por temas marcantes de sua obra como o racismo, a justiça social e a violência na sociedade, mas também, há uma análise antropológica ao falar sobre angústias, dúvidas, frustrações, conquistas do ser humano e ainda, sobre o reconhecimento que obteve de seus ídolos e de pessoas periféricas. Características que marcam a nova fase de experimentação do artista. Não é mais seu corpo que sente fome, mas sim sua alma, faminta de autoconhecimento.

Referências culturais

Djonga sempre trouxe sua religião, Umbanda, para suas músicas. No novo projeto não foi diferente. Dentre as referências citadas, a mais marcante é o paralelo do nome da obra com a história de Exu, um dos Orixás primordiais, presente em religiões de matrizes africanas. Segundo a crença, Exu come primeiro por causa de sua fome insaciável. A história do Orixá aparece, parcialmente, encerrando as músicas "Fome" e "Ponto de Vista".

Já a participação de Milton Nascimento no álbum é um encontro entre Gustavo Pereira Marques, nome real de Djonga, com uma de suas referências na música. O primeiro álbum de Djonga, Heresia, tem como capa uma releitura do LP "Clube da Esquina", lançado em 1972, por Milton Nascimento e Lô Borges.

Do lado esquerdo, há a capa do álbum Heresia, composto por uma edição fotográfica que colou Djonga sentado do lado dele mesmo. Ambos estão sentados em uma estrada de terra e ao fundo há uma floresta. Do lado direito está a capa do LP Clube da Esquina que mostra duas crianças sentadas em uma estrada de terra. Ao fundo, há uma cerca de arame e uma floresta.
Capa de “Heresia”, à esquerda, e “Clube da Esquina”, à direita / Fotos: Reprodução - Spotify

O célebre artista da MPB está presente na faixa "Demoro a Dormir" que, assim como “Heresia”, une o passado e o presente. Por meio de citação do Melhor Filme Internacional do Oscar 2025, "Ainda Estou Aqui" - obra que retrata a história de Eunice Paiva, a qual lutou por justiça na Ditadura Cívico-Militar - a música nos lembra que a violência e o autoritarismo permanecem presentes na sociedade atual.

Na faixa "Te Espero Lá", Djonga fala da passagem de sua antiga fome para a nova, com destaque para um trecho em que ele diz que as marcas mais importantes não são as que ele pode comprar, mas sim, as que estão na alma e que tenta curar com o que compra. A música também traz um refrão que flerta com o Pop, cantado por Samuel Rosa, outro ícone da música brasileira.

A música "Ponto de Vista", traz o artista RT Mallone, atual campeão do reality musical "Nova Cena" da Netflix, que conta um pouco das dificuldades que passou em Juiz de Fora (MG) e a ascensão social que adquiriu por meio do rap. Djonga canta sobre as críticas superficiais que os haters fazem a respeito dele, enfatizando que tudo é só um ponto de vista.

A faixa que encerra o álbum, "Ainda", tem a voz marcante de Dora Morelenbaum que acompanha a voz de Djonga, cantando sobre os caminhos escolhidos pelo artista durante sua vida.

Além de tantas outras referências, todo o álbum tem beats e arranjos feitos por Coyote Beatz e Rapaz do Dread, velhos conhecidos pelos fãs do artista. O destaque da produção musical fica para a música "Melhor que Ontem" que traz um sample de "Último Romance", canção da banda "Los Hermanos".

Por que dia 13 de março?

"Lanço todo dia 13 pra provar pra tu / Que um raio cai de novo no ‘memo’ lugar" verso da música "Oto Patamá", lançada por Djonga em 2020, que sintetiza o que a data significa para o artista. O rapper explicou em 2021, ao Marcelo Tas, no programa Provoca da TV Cultura, que lançou o seu primeiro álbum na data, um ano depois, seu novo projeto ficou pronto antes de março, então ele decidiu lançar no mesmo dia. 

A partir daí virou um compromisso com ele mesmo, de se desafiar, ao lançar um álbum novo com o prazo de um ano. Embora o ciclo tenha sido quebrado em 2022, o dia 13 permaneceu. O número é simbólico para o Atlético-MG, time de coração de Djonga.

Confira a discografia do rapper:

  • Heresia (13 de março de 2017);
  • O Menino que Queria Ser Deus (13 de março de 2018);
  • Ladrão (13 de março de 2019);
  • Histórias da Minha Área (13 de março de 2020);
  • Nu (13 de março de 2021);
  • O Dono do Lugar (13 de outubro de 2022);
  • Inocente "Demotape" (13 de outubro de 2023).

Criado pelo rapper mineiro, a data é uma espécie de "feriado" no rap nacional. O artista também criou a icônica frase utilizada pelo movimento negro: "Fogo nos Racista", refrão de seu perfil "Olho de Tigre" na PineappleStormTV. A frase evoca a resistência antirracista e a luta por justiça social, tornando Djonga, um dos mais importantes artistas do gênero no país, além de ser uma inspiração para as próximas gerações.

 

Artista também é terceira mulher a vencer a categoria de Melhor Álbum de Rap no Grammy
por
Beatriz Alencar
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14/03/2025 - 12h

A cantora Doechii foi nomeada a Mulher do Ano de 2025 pela Billboard, com o anúncio feito nesta segunda-feira (10). Com o título, a artista norte-americana tornou-se a segunda rapper a ganhar a honraria no mundo da música, a primeira foi a Cardi B, premiada em 2020.

A revista da Billboard descreveu Doechii como uma das principais artistas da atualidade a “redefinir o que é ser uma precursora na indústria musical”. Ela será homenageada em um evento da Billboard no final deste mês.

Foto: Divulgação álbum “Alligator Nites Never Heal” | Reprodução: Redes sociais | Fotógrafo: John Jay

Foto: Divulgação álbum “Alligator Nites Never Heal” | Reprodução: Redes sociais | Fotógrafo: John Jay

A rapper, de apenas 26 anos, fortaleceu mais a carreira musical em 2024, com o lançamento do álbum “Alligator Bites Never Heal”, uma aposta de mistura entre os gêneros R & B e hip-hop. O mixtape foi indicado para três categorias do Grammy, entre eles o Melhor Álbum de Rap, marcando a primeira vez desse estilo de faixa feito por uma mulher a alcançar essa indicação.

Apesar disso, após a indicação de Melhor Álbum de Rap, Doechii foi convidada para fazer parte da faixa “Baloon” do álbum “Chromakopia”, do rapper Tyler, The Creator. A participação aumentou a visibilidade da artista que começou a fazer apresentações virais em festivais e em programas de rádio e televisão.

As composições de Doechii já viralizavam nas redes sociais desde 2020, com músicas como “What It Is” e "Yucky Blucky Fruitcake", mas as músicas não eram associadas com a imagem da artista. Foi somente após o espaço na mídia tradicional e o convite de Tyler que a rapper foi reconhecida.

Em fevereiro deste ano, Doechii se tornou a terceira mulher a vencer a categoria de Melhor Álbum de Rap no Grammy ao sair vitoriosa na edição de 2025, novamente, seguindo a história de Cardi B.

Foto: sessão de fotos para a revista The Cut - edição de fevereiro | Fotógrafo: Richie Shazam

Foto: sessão de fotos para a revista The Cut - edição de fevereiro | Fotógrafo: Richie Shazam

A apresentação da artista norte-americana na premiação, ocorrida no dia 2 de fevereiro, também foi classificada pela Billboard, como a melhor da noite. A versatilidade, modernidade e o fato de ser uma mulher preta na indústria da música, aparecem tanto nas faixas de Doechii quanto nas roupas e shows, fixando essas características como um dos pontos principais da identidade da artista.

A rapper tem planos de lançar o próximo álbum ainda em 2025, e definiu os últimos meses como um "florescer de um trabalho longo", em declaração a jornalistas na saída do Grammy.

Pesquisa do Datafolha evidencia a complexidade das percepções raciais no país
por
Letícia Alcântara
Sophia Razel
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03/12/2024 - 12h
Garotas negras em pé e sentadas em um corredor
Jovens reunidos em um espaço que reflete a diversidade  Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Na última terça-feira de novembro (25), uma pesquisa conduzida pelo Instituto DataFolha e divulgada na mesma semana revelou dados significativos sobre a percepção racial no Brasil. O levantamento mostrou que 6 em cada 10 pessoas que se autodeclaram pardas não se consideram negras, evidenciando uma desconexão entre a autodeclaração oficial e a forma como essas pessoas percebem sua identidade racial. Por outro lado, entre os brasileiros que se identificam como pretos, 96% se reconhecem como negros, enquanto 4% não compartilham dessa visão.

Em relação a preconceito e racismo, a mesma pesquisa revelou que 59% dos brasileiros consideram que a maioria da população é racista, 30% considera que apenas uma minoria, 5% que toda a população seria, 4% que ninguém seria, enquanto 2% não souberam responder. Entre os gêneros, 74% das mulheres  acreditam que todos ou a maioria dos brasileiros são racistas. Por sua vez, entre os homens, esse percentual cai para 45%.

 

Percepção e Vivências do Racismo no Brasil

Ainda sobre a percepção referente ao racismo no Brasil, para 45% da população o racismo aumentou ao longo dos anos, enquanto 35% acreditam que o cenário  permanece o mesmo. Apenas 20% dos entrevistados enxergam uma redução nos casos de discriminação.

Quando perguntados em relação ao contexto onde o racismo está mais presente, a maioria dos brasileiros, 56%, aponta que as atitudes das pessoas são a principal manifestação do problema. Outros 27% acreditam que ele está mais evidente nas estruturas institucionais, como empresas e governos, enquanto 13% consideram que o racismo está igualmente distribuído entre comportamentos individuais e sistemas institucionais. Por fim, 4% dos participantes não souberam opinar sobre a questão.

A pesquisa também abordou vivências individuais de discriminação. Entre os entrevistados que se identificam como pretos, 56% relataram já ter sofrido preconceito relacionado à cor da pele. Esse percentual é significativamente maior entre os pardos, dos quais 17% relataram ter enfrentado situações semelhantes. Já entre os brancos, o índice cai para 7%.

Realizado em 113 municípios brasileiros, o estudo contou com a participação de aproximadamente 2.004 pessoas e buscou compreender as nuances entre autodeclaração racial e identidade, além de explorar como os brasileiros enxergam o racismo na sociedade. O objetivo do levantamento é fomentar debates mais aprofundados sobre a questão racial no país. 

Termo antes usado de forma pejorativa foi adotado pelo Fluminense como forma de representação da torcida e combate ao preconceito
por
Vinícus Evangelista
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16/11/2023 - 12h

“A primeira vez que eu olhei pro lado e vi que a maioria das pessoas se pareciam comigo, foi justamente quando eu estava no meio da torcida do pó de arroz.”, revela o jornalista e torcedor tricolor, Fagner Torres. “Eu ia no restaurante, no cinema, no teatro, lugares onde a maioria da galera era branca. Onde a maioria era como eu? Na arquibancada, pô!”, finaliza. O tradicional nevoeiro branco em meio as cadeiras virou símbolo de festa para a torcida do Fluminense. Hoje é comum que cada torcedor tricolor leve um saco do pó de arroz para os jogos no Maracanã, lançando-os ao céu e celebrando antes mesmo da bola rolar. 

Por muitos anos, chamar um torcedor do Fluminense de “pó de arroz” era motivo de ofensa e chacota. Muitos torcedores rivais ainda hoje usam dessa palavra para acusar o clube de ser racista, afirmando que, no passado, o Fluminense obrigava os jogadores pretos a passarem pó de arroz no rosto para jogarem se passando por brancos, “minha vó me conta isso desde que eu tinha cinco anos”, revela Thaissan Passos, ex-treinadora do futebol feminino do Fluminense. 
 
O folclore se espalhou a partir de uma crônica lançada em meados do século XX, se espalhando ao longo do tempo como uma polêmica que até hoje gera controvérsias e discussões. Independentemente da origem, fato é que a torcida tricolor adotou o pó de arroz como um verdadeiro símbolo antirracista, tornando o que antes era usado de forma pejorativa como representação de toda a torcida nas arquibancadas das laranjeiras: “Maior orgulho pra gente é quando saímos do jogo com todo o pó na cabeça. Não é uma maneira de embranquecer a torcida, e sim de dizer que nós vencemos o racismo aqui dentro e que somos um grupo a utilizar um xingamento que seria racista para combatê-lo!”, afirma o antropólogo torcedor do Fluminense, Ernesto Xavier. 

 

A POLÊMICA ORIGEM DO PÓ DE ARROZ 

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Carlos Alberto defendeu o Fluminense depois de ter atuado no América-RJ. Foto: Flu-Memória 


Em 13 de Maio de 1914, Carlos Alberto, de 17 anos, se preparava para atuar pelo Fluminense contra o seu ex-clube, América, pelo Campeonato Carioca daquele ano. O jogador, que era o único preto da equipe, foi visto com um pó branco no rosto, que durante a partida começou a se desmanchar em seu suor, abrindo brecha para a torcida Americana provocar o recém-saído da equipe: “Pó de Arroz! Pó de Arroz!”, gritava a torcida. 

“O rapaz veio conosco do América para o Fluminense, ele fazia a barba e, ao invés de deixar com sua cor natural e passar talco, ele colocava uma coisa branca, fazendo um contraste muito grande entre uma parte e outra do rosto, e então os torcedores começaram a chamar o time do Fluminense de ‘pó de arroz’”, explicou, aos 90 anos de idade, Marcos Carneiro de Mendonça, então goleiro da equipe de Carlos Alberto. 

O caso voltou à tona 38 anos depois do jogo contra o América, em uma coluna publicada pelo jornalista Mário Filho no “Jornal dos Sports”, onde o autor alega que Carlos Alberto utilizava pó de arroz para esconder sua etnia, visto que, segundo Mário, o Fluminense era uma equipe elitista da qual apenas brancos eram benquistos: “Valia a pena ser Fluminense, Botafogo, Flamengo, clube de brancos. Se aparecia um mulato, num deles, mesmo disfarçado, o branco pobre, o mulato, o preto da geral, eram os primeiros a reparar. (...) Era o momento que Carlos Alberto mais temia. Preparava-se para ele, por isso mesmo, cuidadosamente, enchendo a cara de pó-de-arroz, ficando quase cinzento, não podia enganar ninguém, chamava até mais atenção. A torcida do Fluminense procurava esquecer de que Carlos Alberto era mulato. Um bom rapaz, muito fino”, finaliza a coluna. 

 

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Novela “Lado a Lado”, da Globo, parodiou o caso de 1914, com o personagem Chico, interpretado por César Mello, sendo a representação ficcional de Carlos Alberto. Foto: Blog do Mauricio Stycer / UOL 


O trecho publicado no jornal foi retirado do livro de Mário que teve sua primeira edição publicada em 1947, denominado “O Negro no Foot-Ball Brasileiro”, onde o autor desmistifica as especulações que afirmavam que o Fluminense obrigava Carlos a usar o pó de arroz. Com base no livro, o historiador Athos Vieira explica que o jogador utilizava o produto por causa do racismo imposto pela sociedade, mas que o clube em nenhum momento obrigava Carlos a utilizar pó de arroz. “O racismo não era do Fluminense, e sim da sociedade, das instituições, o Fluminense como tal era um clube racista, de pessoas brancas. Carlos Alberto, um menino tímido, se sentia incomodado com os holofotes e usava o pó de arroz para dissimular a cor de sua pele”, explica. 
 
Athos chama atenção para o fato de que, no livro, Mário entrevista Carlos Alberto ainda em vida, onde o jogador explica as diferenças entre o América e o Fluminense, ressaltando que ambos eram times de branco, porém, por ser um clube aristocrata, o tricolor promovia bailes e eventos de luxo: “Essa era a diferença entre os times da Zona Sul e Norte, no América as famílias iam ver os jogos e se encontravam uma vez por semana na arquibancada. No Fluminense, eles viviam no clube, todo mundo devia ser igual, mesmo na cor”, afirma, segundo Athos Vieira, Carlos Alberto em entrevista à Mário Filho. 
 
Por outra ótica, o também historiador Felipe Duque, aponta que Carlos Alberto era um adolescente de muitas espinhas no rosto, obrigando-o a utilizar um medicamento para contê-las, esse que por sua vez continha na bula a recomendação de passar pó de arroz no rosto logo após o uso do remédio, com o objetivo de manter a pele protegida e evitar a oleosidade: “o talco é uma coisa só pra aliviar o pós-barba, já o pó de arroz tem a função de proteger. Como que um menino tímido de 17 anos vai ter a noção que quando ele corresse aquilo ia se desmanchar no sol?”, questiona.

Capela dos Aflitos é parte da história apagada da região, conhecida pelo comércio e tradições nipônicas derivadas da imigração japonesa
por
Ana Julia Bertolaccini
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11/11/2023 - 12h

A Capela Nossa Senhora das Almas dos Aflitos, fundada em 27 de junho de 1779, é um dos poucos símbolos históricos que restaram do período que antecedeu a imigração japonesa do século XX no Bairro da Liberdade em São Paulo. O local foi de 1175 até 1858, um cemitério, onde eram enterrados pobres, escravizados, criminosos e indígenas. Segundo os monitores da capela, o nome do bairro se deu pela história de Francisco José das Chagas, cabo do primeiro batalhão de Santos que foi condenado à morte por enforcamento depois de liderar uma revolta causada pela falta de pagamento a 5 anos. “Liberdade” era o que gritavam na praça em que Chaguinhas ou “Protetor do Excluídos”, como é conhecido, foi colocado à forca pela terceira vez e a corda arrebentou.

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Capela dos Aflitos, localizada no final da Rua dos Estudantes no Bairro da Liberdade //Autora: Ana Julia Bertolaccini

 

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Sandra, monitora da capela//Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Painel informativo e de protesto, localizado ao lado da capela// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Painel informativo e de protesto, localizado ao lado da capela// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Haroldo, voluntário da capela// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Placa que explica a origem do nome do Bairro// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Sala de promessas e agradecimentos da capela// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Velas da sala de promessas, normalmente direcionadas à Chaguinhas// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Agradecimentos de fiéis à Chaguinhas// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Imagem de Chaguinhas, conhecido como santo protetor dos excluídos// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Altar da Capela dos Aflitos// Autora: Ana Julia Bertolaccini
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Placa de Memória Paulistana// Autora: Ana Julia Bertolaccini

 

Autora Rafaela Silva aponta dificuldades para a representatividade de negros na literatura
por
Raissa Santos Cerqueira
Ana Clara Farias
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09/11/2023 - 12h

“Quando há pessoas falando sobre nós, sobre nossas vivências e sobre nossos corpos podemos nos ver naquele espaço”, afirmou Rafaela Silva (24) sobre a crescente produção de obras literárias que têm enfoque na representação positiva da população negra. O crescimento de livros com protagonistas negros e o aumento da procura por eles nos mercados levou títulos como “Lendários”, de Tracy Deonn e “Agora que ele se foi”, por Elizabeth Acevedo a ganharem espaço nas estantes de leitores pelo mundo todo. A divulgação que livros com protagonismo negro receberam durante os temos de confinamento fez com que mais livros que abordam a vida de pessoas afrodescendentes se tornassem cada vez mais populares. 

Nos últimos anos, houve um crescimento exponencial na quantidade de personagens negros, tanto em obras literárias, quanto cinematográficas, os personagens vêm ganhando destaque se tornando protagonistas, ou pontos importantes da história. Ainda assim a comunidade enfrenta alguns desafios para que sejam devidamente representados “Alguns conseguimos perceber que a pessoa apenas colocou um personagem de minoria para dizer que tem” Ressalta a escritora, e completa “Ainda precisamos cobrar das pessoas escreverem sobre pessoas pretas e isso é cansativo”. 

O número de autores negros publicados no Brasil ainda é considerado baixo, se comparado com a quantidade de autores brancos. Por consequência, os personagens desses autores também são brancos, o que aponta a falta de representatividade. De acordo com os dados das maiores editoras brasileiras, segundo uma pesquisa da Universidade de Brasília (UnB), entre 1965 e 2014, 70% dos autores são homens e, dessa porcentagem, 90% são brancos. Esse estudo revela que a escalada para uma cultura representativa de autores negros ainda é uma longa caminhada.

Rafaela, nascida em São Carlos e formada em Linguística pela Ufscar (Universidade Federal de São Carlos), também ressalta que, mesmo com os pontos negativos, a inserção de pessoas negras nessas obras é algo a se comemorar, além de se esforçar para sempre ter negros em suas obras. Em todas as suas histórias publicadas na Amazon, sendo elas: “Apito final”, “Meu lugar” e “As cores do nosso amor”, Rafaela colocou personagens negros em posição de protagonismo “É a minha reparação histórica” afirmou ela. “Todas as minhas obras escritas até aqui abordam o racismo, sei que parece cansativo, mas sempre que vou escrever trago minhas vivências e isso reflete muito nas minhas obras” explicou a autora. 

Livro 1
Ilustração dos personagens de "Apito Final" por: Maria Luísa Pitombeira

Além da questão da inclusão, a literatura negra também é necessária porque ela é capaz de desbancar padrões e estereótipos relacionados à cultura e ao povo afro-brasileiro. Quando contadas por escritores negros, as histórias têm um ponto de vista próprio de pessoas que vivem diariamente essa cultura sem reforçar os padrões criados pelo ponto de vista branco e eurocêntrico.

Apesar da pouca representatividade, existem autores negros relevantes e essenciais para a história literária do Brasil. Entre eles, podemos citar Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, Machado de Assis — considerado o maior escritor brasileiro —, Lima Barreto, entre muitos outros grandes nomes da literatura no país. Esses autores, que são atemporais, trazem em suas obras histórias com perspectivas únicas, contando sobre suas vivências e acontecimentos por eles presenciados.

 

A importância do Movimento Negro Unificado e outras entidades para a história e autoestima do povo negro para a criação de uma sociedade antirracista.
por
Maria Luisa Lisboa Alves
Natália Oliveira Perez
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09/11/2023 - 12h
Manifestação do Movimento Negro Unificado na frente do Theatro Municipal de São Paulo
Protesto do Movimento Negro Unificado (MNU),  no Theatro Municipal de São Paulo. 
Imagem: Reprodução/MNU/Lei de acesso à informação. 

 

"Hoje, a juventude negra anda olhando para o horizonte. E como diz o Miltão (Milton Barbosa): a nossa vitória é certa”, diz Regina Santos, coordenadora estadual do MNU em São Paulo. O movimento luta há 45 anos para garantir os direitos da população afrodescendente brasileira. Em sua criação a participação de diferentes personalidades negras foi fundamental. 

O Movimento Negro Unificado foi fundado em 18 de junho de 1978 no Centro de Cultura e Arte Negra e lançado a público 19 dias depois, em 7 de julho nas escadarias do Theatro Municipal de São Paulo. Três casos funcionaram como fator decisivo final: a discriminação de jogadores negros de vôlei pelo Clube Regatas do Tietê; a prisão e assassinato do feirante Robson Silveira da Luz; e o assassinato do operário Milton Lourenço por forças policiais.  

“Já havia uma discussão com gente do Rio e de Salvador acerca de que era necessário atingir um outro patamar na luta de combate ao racismo” explicou Regina Lúcia dos Santos, filiada há 28 anos é militante exclusiva e coordenadora estadual do MNU. “Colocamos na pauta política a discussão racial e isso não é qualquer coisa, porque faz parte da manutenção do racismo o encobrimento da nossa história.” 

 

Páginas da ata original da formação do Movimento Negro Unificado.
Páginas da ata original da formação do Movimento Negro Unificado. Imagem: Acervo Privado concedido pela família de Antonio Leite. 

 

Por ocorrer no período de ditadura, os membros buscaram apoio da mídia já desgastada pela censura e tentaram contato com o secretário de segurança do estadual da época, Erasmo Dias. “Eles sabiam que ia haver provocação da polícia no entorno, mesmo assim, o pessoal que estava no ato resistiu, não foi para cima das provocações porque era importante que o MNU fosse lançado.”   

O ativista Milton Barbosa, atual parceiro de Regina, foi figura central para o encontro de tantos ativistas e intelectuais para a assinatura da ata na escadaria do Municipal. Entre eles Eduardo Oliveira, poeta e primeiro vereador negro eleito pela capital paulista. Lélia González, referência nos estudos e debate de raça, gênero e classe no Brasil e no mundo, além de Antônio Leite, empresário e representante da Associação dos Empresários Negros.  

“Antes do MNU, em 1972, meu pai criou um grupo de trabalho de profissionais liberais universitários negros. O objetivo era trabalhar a autoestima das pessoas negras para que elas continuassem na educação formal e estivessem nas universidades, já que era a única forma de ascensão social da época” contou Elizabete Scheibmayr, a advogada e ativista é filha de Antonio Leite, militante do Movimento Negro Unificado. 

 

Antônio Leite durante ato público do MNU.
Antonio Leite durante ato público do MNU. Foto: Jesus Carlos via BBC News Brasil. 

 

Ações Afirmativas 

56% da população brasileira se declara negra, mas há pouca representatividade destas pessoas em cargos de liderança. Conforme pesquisa divulgada pelo Instituto Ethos, em 2018, apenas 4,7%, estão em uma posição de gerenciamento nas 500 maiores empresas do país, só 0,4% são de mulheres negras executivas. As ações afirmativas nas empresas vêm para representar a sociedade brasileira. “O racismo no Brasil tem essa peculiaridade: a gente se acostumou com ele, normalizou situações inaceitáveis como a ausência de pessoas negras nos espaços. E ninguém percebe que tem uma anormalidade nisso.” 

Para combater isso, junto de sua irmã, Elizabete fundou a Uzoma: empresa de consultoria focada na inclusão e diversidade no mercado de trabalho. “Há hoje uma pressão de mercado. As empresas as vezes não conseguem créditos internacionalmente por falta de diversidade. Se não é pelo amor e pelo que é certo, então será pelo dinheiro.”  

Logo do Uzoma e ao lado suas fundadoras, as irmãs Elizabete e Eliane Leite.
Logo do Uzoma e ao lado suas fundadoras, as irmãs Elizabete e Eliane Leite. Imagens: Uzoma Diversidade Educação e Cultura/Divulgação. 

Houve uma questão histórica que impediu que pessoas negras alcançassem certos espaços, para a mudança é preciso agir de uma forma intencional. “O Uzoma veio da questão: como vamos letrar pessoas não negras em empresas para que elas comecem a pensar na inclusão e ascensão de pessoas negras no mercado de trabalho” especifica ela. 

 

 

 

 

 

 

Legado 

“Quem não conhece seu passado não tem história e quem não tem história, não existe.” pontua Regina. No dia 4 de novembro de 1978, o MNU soltou um manifesto propondo que o dia 20 de novembro se transforme no Dia Nacional da Consciência Negra, para lembrar a importância da história de luta e da herança cultural do povo negro. Apesar da mobilização que ocorre desde o século passado para o dia de conscientização, apenas em 2011 a data foi oficialmente instituída. 

“A gente não veio do nada, é a história de um povo que sempre lutou por seus direitos, nada foi dado. Precisamos nos orgulhar da nossa história e de tudo que construímos.” - opina a filha de Leite – “É preciso conhecer e ter esse orgulho da jornada que nós trilhamos e vamos trilhar. Não é o começo, mas também não é o fim. Há uma jornada para a mudança, para termos uma sociedade em que as pessoas sejam respeitadas pelo que elas são.” 

“Meus sonhos e minhas lutas começaram a muito tempo antes da minha chegada’”, no documentário, ‘Emicida: AmarElo - É Tudo Pra Ontem’, o cantor lembra da importância de reconhecer a história dos que o antecederam. No longa ele traça a herança cultural do povo negro e lembra da relevância do MNU, e de personagens que marcaram a história como Ruth de Souza, Lélia Gonzales, entre outros. 

Regina, seu parceiro Milton Barbosa e outros militantes do MNU foram homenageados na apresentação que o rapper fez no Theatro Municipal, em que ocorreu a manifestação e fundação oficial do Movimento Negro Unificado. Emicida, em seu documentário, faz questão de lembrar a história e a importância deste grupo que luta pelos direitos dos afrodescendentes no Brasil. 

Elizabete ainda completa: “Acho que é um privilégio ter essa história, esse legado e ter vivenciado isso no seu dia a dia e como isso faz diferença. Nosso posicionamento hoje é muito mais forte. Por menor que seja, meu pai influenciou a história. E isso é motivo de orgulho. E temos a responsabilidade de não deixar isso morrer.” 

 

Ativistas do MNU homenageados no show do Emicida no Theatro Municipal de São Paulo
Ativistas do MNU homenageados por Emicida em seu show no Theatro Municipal de São Paulo. Imagem: Reprodução/AmarElo 

 

Futuro de lutas e vitórias 

“O futuro é ainda de muita luta e de muitas conquistas”. A militante lembra pautas importantes que devem ser discutidas, como a reparação histórica ao povo negro e aos povos originários. 

Para a ativista a educação é fundamental, o letramento racial é necessário para que a população compreenda as relações estabelecidas no Brasil e para que esta se dê de uma melhor forma. O ensino da história da cultura e dos povos africanos é pauta do MNU desde 1978, porém só foi promulgado em 2003. 

“Os jovens negros contam histórias negras, narram a resistência de suas famílias em batalhas de rap”, a militante conta como é importante para os jovens terem as suas culturas validadas, e como o movimento negro foi fundamental para a autoestima dos jovens, que assumem a sua negritude. “Não é à toa que o símbolo do MNU é uma lança”, para Regina o MNU lança e abre caminhos para esta população. 

“Exu matou um pássaro ontem com uma pedra que só jogou hoje”, ditado iorubá que é citado por Emicida no seu documentário para lembrar aos espectadores que a sociedade que foi construída de forma racista, pode ser modificada hoje, a hora de mudar é agora. 

 

Com a aposentadoria de Rosa Weber, a pressão é para uma jurista negra ocupe seu assento no STF
por
Geovana Bosak
Isabelli Albuquerque
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26/10/2023 - 12h
Foto oficial da composição do STF (03-08-2023). Foto: Fellipe Sampaio/ SCO/STF

“Sou uma juíza de Direito, mas sou uma juíza de Direito negra. Isso é um fator importante, porque eu sou praticamente a única e a sociedade tem que prestar atenção nisso”, declara a juíza Karen Luise de Souza para o Brasil de Fato no ano de 2020. Três anos depois o cenário não está muito diferente, porém, com a abertura de um novo cargo de ministra no STF, as esperanças estão altas para que a posição seja tomada por uma mulher negra. 

 

Dentre as indicadas, estão a jurista e professora da faculdade de Direito da PUC-SP, Lucineia Rosa dos Santos. Quando soube do abaixo-assinado realizado pelos alunos da instituição, Lucineia diz ter se sentido muito emocionada e surpresa.  

 

Durante a entrevista – realizada em uma ligação pela plataforma Teams -, a professora compartilhou um ocorrido muito significativo. Os funcionários da copa da PUC-SP a procuraram para poder assinar o abaixo-assinado a seu favor. “Eu me senti muito grata de também ver trabalhadores, pessoas do nosso convívio, irem me procurar para me apoiar”, relatou Lucineia. 

Professora Lucineia Rosa dos Santos, na PUC-SP Foto: Carine Wallauer, Diego Bresani e Maiara Cerqueira

De acordo com a plataforma Justa - criada para ser um observatório do sistema de justiça brasileiro, para cada juíza negra, existem 7,4 juízes brancos no país. Essa discrepância é um reflexo da sociedade no Brasil, e levanta uma questão: como a justiça deve ser igualitária se os responsáveis por elas são todos do mesmo grupo social? Karen Luise apontou esse problema em sua entrevista ao BdF: “Se você só tem homens brancos na magistratura, você só vai ter a visão, a vivência e a experiência do homem branco no mundo” 

 
As mulheres negras constituem a maioria da população no Brasil, porém formam o grupo mais marginalizado e ignorado pela sociedade. “Ter uma mulher negra no STF vai além da representatividade, traz também uma mudança de pensamento dentro do sistema jurídico brasileiro”, apontou Lucineia. 

 

Segundo o IBGE, mulheres negras praticam duas vezes mais abortos do que mulheres brancas, e, como o procedimento não é legalizado no Brasil, mulheres negras arriscam suas vidas duas vezes mais do que mulheres brancas. “Você criminalizar uma mulher que aborta, é criminalizar uma mulher pobre, periférica, preta, mãe solo e que colocou em risco sua vida por não ter condições de realizar um aborto seguro”, afirmou a professora, deixando claro que a descriminalização do aborto é mais do que necessária no país. 

 

A exclusão do povo preto, principalmente das mulheres, se faz presente no país desde sua fundação. Lucineia explicou, “Por mais que tenhamos participado e contribuído na história do país, não nos viram fazendo parte do desenvolvimento pleno econômico”, e ainda acrescenta que “os espaços de poder desse país sempre centralizaram nas mãos dos mesmos”. 

 

Esperançosa de que o presidente Lula indique uma mulher negra para o cargo de ministra, a professora finalizou a entrevista desejando que daqui para a frente mais mulheres, de qualquer raça e classe social, consigam posições de poder e representem a população brasileira, que, em sua maioria, é constituída por pessoas do sexo feminino.