Após dois votos favoráveis à condenação dos oito réus pela tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, o ministro Luiz Fux fez a leitura do seu voto na última quarta (10). Foram mais de 12 horas de sessão e, até o momento, Fux é o único da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) a se manifestar em desacordo com o relator do caso, Alexandre de Moraes. Entre as argumentações, o ministro considerou o STF inadequado para o julgamento da ação penal 2668 e pontuou atraso no envio de materiais probatórios às defesas dos denunciados.
Logo no início de sua fala, Fux discorreu sobre o papel imparcial e técnico que os julgadores devem ter durante o processo penal. Ele reforçou que a Constituição deve servir como “ponto de partida”. "Cumprimos, enquanto magistrados, zelar pela verticalidade das normas constitucionais e legais no âmbito da vida social, de modo que cada cidadão brasileiro reconheça na Constituição a necessária autoridade que a torna, não apenas um texto, mas uma norma viva, respeitada e eficaz”, afirmou durante leitura do seu voto, nesta quarta-feira (10).
PEDIDO DE NULIDADE DO PROCESSO
Ao detalhar seu voto, o ministro destacou preliminares trazidas pelas defesas que culminariam na anulação total da ação. Entre elas, estão:
- Incompetência de julgamento pelo STF
Fux reforçou que não compete ao grupo o julgamento da ação, uma vez que Bolsonaro e os outros réus não exercem mais os cargos. Segundo o ministro, caso estivessem na ativa, os denunciados teriam foro apropriado de responsabilidade do STF. “Compete a este tribunal afirmar o que é constitucional ou inconstitucional; legal ou ilegal”, enfatizou.
- Cerceamento do direito de defesa
Segundo as partes denunciadas, a disponibilidade tardia de mais de 70 terabytes de documentos, mensagens e arquivos utilizados pela denúncia comprometeram a elaboração da defesa. Fux levanta que o acesso foi enviado 20 dias, após o documento da PGR (Procuradoria Geral da República), em maio, e que a Polícia Federal enviou o link com os materiais cinco dias antes do início do julgamento, em junho. Isso teria comprometido os denunciados, de acordo com o juiz. “Como se não bastasse, novos arquivos foram incluídos no curso da instrução processual – inclusive em 15 de junho de 2025”.
- Incompetência do julgamento pela primeira turma do STF
Fux utilizou do último regimento interno da Casa que afirma que casos criminais são julgados pela 1ª instância. Por isso, a partir das ações penais, de acordo com o ministro, não caberia à Primeira Turma julgar. Além disso, ele citou uma normativa que propõe que o presidente da República deve ser julgado em Plenário, ou seja, com todos os 11 ministros.
- Validação da delação de Mauro Cid
Para Fux, o ex-ajudante de ordens colaborou com as investigações da ação penal. Além disso, o ministro cita que a delação não foi “voluntariamente” realizada e apontou ter havido um “vício de homologação” no processo.
O magistrado ainda evocou a Ação Penal 937 que afirma que apenas senadores e deputados devem ser julgados pelo STF, caso o crime tenha sido cometido após a diplomação. "Meu voto é no sentido de reafirmar a jurisprudência desta corte adotada na questão adotada na AP 937.”
A opinião de Fux, porém, não é unânime. O assessor da Secretaria Nacional da Justiça do Ministério da Justiça, Rodrigo Portella, entende que o julgamento deve acontecer na Primeira Turma diante “da competência privativa de âmbito criminal”, uma vez que não há nenhuma determinação descrita no regimento sobre o julgamento de ex-presidentes da República em Plenário.

A ABSOLVIÇÃO PELO CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
Baseado em múltiplos conceitos e referências jurídicas, o ministro destacou não haver requisitos importantes para levar à concretização da tipificação, como a realização de reuniões regulares e habituais com objetivos indeterminados e estruturalmente ordenados. Ele também descartou a existência de uma associação criminosa.
“Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.”
Art. 1 § 1º da Lei Nº 12.850, de 2 de agosto de 2013
VOTO DE FUX EM RELAÇÃO ÀS ACUSAÇÕES DOS RÉUS
Os oito réus estão sendo julgados pelos crimes de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado de Direito; golpe de Estado; dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado.
Para Portella, o ministro teve um olhar “mais delicado ao réu” quando decidiu se basear nos atos preparatórios, que não são puníveis, ao invés da materialidade e absolvição dos crimes. “Desde o começo do voto, ele não tem um olhar detalhado e apurado dos fatos processuais.", observa. "Ele trabalhou nas preliminares, discutindo muitas teses jurídicas, mas não olhou os autos para discutir os fatos. E acontece o mesmo na questão política.”. Portella também chamou a atenção para a fala acusatória de Fux que tentou colocar na mesma balança o julgamento do Mensalão, em 2005, equivalendo o escândalo envolvendo o Partido dos Trabalhadores a um golpe de Estado.
Mauro Cid
Fux julgou “improcedente” a condenação do ex-ajudante de ordens do ex-presidente por participação em uma organização criminosa. Os fundamentos defendem que não há provas de que ele se reuniu com um grupo a fim de abolir o Estado de direito. Por outro lado, o ministro votou pela responsabilização de Cid pelo crime de tentativa de abolição violenta contra o Estado Democrático de Direito. Ele destaca que foram encontradas mensagens que demonstraram o financiamento de manifestações que incitavam a derrubada do poder. Além de participar do plano “Punhal Verde-Amarelo”, com o objetivo de assassinar o relator da ação, o ministro Alexandre de Moraes; o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente Geraldo Alckmin. Cid também teria acompanhado de perto a realização da minuta do golpe. As informações foram confirmadas durante a colaboração de Cid com as investigações.
Almir Garnier
O ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, teve o voto de Fux para absolvição de todos os crimes que foram denunciados pela PGR durante seu julgamento. Para o ministro, não há provas do envolvimento e da prática de Garnier nos crimes imputados pela Procuradoria Geral da República. O ex-comandante foi absolvido então dos crimes de: dano qualificado contra o patrimônio da União; deterioração do patrimônio tombado; organização criminosa armada e golpe de Estado;
Fux entendeu que, devido a posição de comandante de Garnier, as suas disposições com a Marinha e os decretos de Bolsonaro não sinalizam “dolo de praticar uma série indeterminada de delitos”. E que não seria possível acusá-lo de fazer parte de uma organização criminosa, apenas pela sua participação em duas reuniões.
Jair Messias Bolsonaro
O ministro votou pela absolvição do ex-presidente da República de todas as acusações. Para Fux, não é possível penalizá-lo pelos atos de 8 de janeiro de 2023 por conta de suas falas inconstitucionais durante o mandato ou falas contrárias ao uso de urnas eletrônicas. O magistrado alegou a utilização de acusações genéricas por parte da Procuradoria Geral da República.
Alexandre Ramagem
Fux pediu pela suspensão total das condenações de Alexandre Ramagem, que é deputado federal e esteve no cargo de diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), no momento da investigação. O ministro votou pela suspensão dos cinco crimes. Ramagem já teve parte da ação penal suspensa por decisão da Câmara dos Deputados.
Walter Braga Netto
O ex-ministro da Casa Civil e da Defesa do governo Bolsonaro levou o voto do ministro pela condenação por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Fux argumenta que o general se manteve ativo no planejamento de execução do ministro Alexandre de Moraes - e essa ação poderia ameaçar a estrutura dos Poderes. O réu foi preso preventivamente em dezembro de 2024 pela Polícia Federal pelo crime ao qual o ministro Fux o condenou.
Paulo Sérgio Nogueira
De acordo com Fux, a PGR não comprovou a participação do ex-ministro da Defesa na tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Por isso, ele absolveu o réu de todas as acusações.
Augusto Heleno
O ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) recebeu o voto de absolvição de Fux por todos os crimes de que foi acusado. Para o ministro, a agenda do general que continha escritos sobre a desconfiança nas urnas eletrônicas não corresponde a um crime, sendo apenas de caráter privado - o que a torna inviável como prova.
Anderson Torres
Fux votou pela absolvição de todas as acusações relacionadas ao ex-ministro da Justiça. O magistrado compreende que Torres não estava no país no dia 8 de janeiro de 2023 - e não poderia, portanto, ser responsabilizado, já que aquela era uma ação da Polícia Militar. Além disso, não ficou comprovado para o magistrado da Primeira Turma que os impedimentos da Polícia Rodoviária Federal durante o segundo turno das eleições de 2022 tenham sido coordenados por Torres.

O voto extenso e descritivo do ministro deixou alta as expectativas para os próximos dias. Portella avalia que há duas questões a serem pensadas após esta quarta-feira: quais serão os recursos utilizados, caso a condenação não seja unânime - o único recurso previsto seria o de embargos infringentes; e qual seria a turma julgadora. Geralmente, nesse tipo de recurso, a análise vai a Plenário, porque entende-se que não houve um resultado unânime. Caso ele fosse um embargo declaratório, a mesma turma que julgou faria uma revisão para sanar algum vício material.
Desde 2023, o ministro Luiz Fux se põe à favor da condenação dos 400 réus envolvidos na depredação da Praça dos Três Poderes. Para Portella aponta aí uma contradição no comportamento exercido pelo magistrado nesta ação penal: “Fux tem um perfil punitivista, mas está adotando, neste voto, um perfil ultra garantista.”
Durante a inauguração da Hemobrás em Pernambuco, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Brasil atravessa um momento especial, marcado pela retomada da confiança da população no país. Segundo ele, esse cenário positivo se consolida à medida que os brasileiros passam a acreditar na possibilidade de construir uma nação mais justa, onde todos sejam tratados com respeito e tenham acesso às mesmas oportunidades.
Esse evento transformou-se em palco de um discurso político marcado pela defesa da soberania nacional e por duras críticas às tarifas impostas pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Brasil buscará novos mercados e não aceitará se submeter às pressões externas

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No entanto, o tom da cerimônia não ficou restrito às questões de saúde. Lula aproveitou a visibilidade do evento para criticar a política de sanções adotada pelos Estados Unidos durante o governo de Donald Trump. Segundo ele, medidas unilaterais contra países da região, como Venezuela e Cuba, aprofundam desigualdades e prejudicam diretamente populações que já enfrentam dificuldades. O presidente afirmou que nenhum povo pode ser condenado à fome ou à miséria por causa de disputas políticas entre governos, “Se os Estados Unidos não quiserem comprar nossos produtos, não vou ficar chorando, rastejando.”, declarou Lula, em tom firme diante de autoridades, trabalhadores e moradores da região.
O atual presidente também critica a tarifa de 50% imposta por Donald Trump considerando os anos de trocas comerciais entre Brasil e Estados Unidos, ressaltando que a medida teve motivação política. Segundo o governante norte-americano, a sobretaxa foi uma resposta aos supostos “ataques insidiosos do Brasil às eleições livres e à liberdade de expressão”, em referência ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e remoção de conteúdos em redes sociais por parte do STF.
Sobre tal posicionamento do presidente dos Estados Unidos, Lula destacou: “Eu acho que, na verdade, veja, é importante ficar claro, não tem nenhuma acusação de nenhum opositor ao ex-presidente. Ele está sendo julgado pelas mazelas que ele fez.”. De forma indireta, o presidente reforçou que Bolsonaro não enfrenta perseguição política de forma alguma, mas responde a processos por suas próprias ações durante o governo anterior. Políticos do Partido dos Trabalhadores (PT) e aliados têm elogiado a postura de Lula como firme e soberana. Exemplo disso é o senador Humberto Costa que disse que Lula reagiu com “sobriedade” frente ao que chama de agressão à soberania nacional.
Além das críticas às tarifas impostas pelos Estados Unidos, Lula direcionou parte de sua fala a adversários políticos no Brasil. Para ele, recorrer a pressões externas contra o próprio governo significa ultrapassar os limites da disputa democrática. “O que não é aceitável é ter brasileiro que vai aos Estados Unidos pedir para que eles dificultem a vida do Brasil. Isso não é oposição, isso é traição”.
O presidente ainda ironizou as justificativas apresentadas pelos EUA para impor barreiras comerciais, dizendo que o Brasil não aceitará argumentos “falsos” sobre déficits e concorrência desleal. “Eles não querem concorrência. Querem mandar no mundo. E eu aprendi a andar de cabeça erguida e quero que este país seja respeitado”, completou.
Em entrevista à AGEMT, Eduardo Viveiros de Freitas, cientista político, pesquisador da Mediatel (Mediações Telemáticas), e egresso do Neamp (Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política), ambos grupos de pesquisa da PUC-SP, avaliou que o discurso de Lula projeta uma imagem de independência e tem sido bem recebido no cenário internacional. “Tão respeitado o Brasil era, até recentemente, quando se falava no debate político internacional e nas relações internacionais. Não é à toa que é o presidente brasileiro que abre a Assembleia Geral da ONU anualmente, como vai acontecer agora em setembro.” Ele afirma que o discurso do governante brasileiro, consolida o Brasil como país respeitado e que defende sua soberania nacional.
O especialista também destacou que a recusa em aceitar pressões externas coloca o Brasil em sintonia com o debate global sobre o comércio justo. “É uma postura muito boa da diplomacia brasileira, do governo brasileiro, do Estado brasileiro, em se apresentar como um país que não aceita pressões externas. É uma pressão de uma nação poderosa, uma nação que está movendo uma guerra comercial contra o mundo praticamente. E o exemplo brasileiro talvez não tarde a ser seguido por outras nações.” declarou.
Além disso, a retórica em torno de traição e soberania não pode ser confundida com um simples embate entre polos ideológicos. Segundo Eduardo, não se trata de uma polarização equilibrada, mas da atuação de uma extrema direita que, ao buscar apoio externo e pressionar por sanções contra o próprio país, adota uma postura de radicalização que ameaça diretamente o Estado e a democracia brasileira. O cientista político ressalta que, em contextos históricos, o Brasil sempre defendeu sua independência frente a pressões estrangeiras, e é essa tradição que hoje se reafirma como pilar da política nacional.
Em uma de suas declarações, também referiu que o Brasil não ficará parado esperando mais “punições” de Donald Trump, destaca que apesar de afetar, em certo sentido, as negociações, novos caminhos estão abertos para a construção de relações políticas sólidas com outros países, “pode criar caminhos e oportunidades para o Brasil procurar outros mercados e fortalecer parcerias sólidas, como por exemplo, com a China e a Rússia, e trazer novas oportunidades de negócio e relações políticas, no cenário político mundial.”.
Além do conteúdo político, a inauguração contou com visitas às instalações da fábrica, demonstração de equipamentos e explicações sobre a produção de hemoderivados, que vão de até hemoderivados até fatores de coagulação. O presidente lembrou que a fábrica não representa apenas crescimento econômico, mas também geração de empregos e fortalecimento da indústria nacional.
O governo dos Estados Unidos, sob o comando de Donald Trump, deu início à mobilização de mais de quatro mil militares para regiões da América do Sul e do Caribe, sob a justificativa de combater cartéis de drogas considerados “organizações narcoterroristas”. A operação, iniciada após uma ordem presidencial sigilosa, inclui o deslocamento de submarinos nucleares, destróieres e unidades expedicionárias de fuzileiros navais, segundo confirmou o Pentágono à imprensa americana.
A ação militar, que contempla operações aéreas, navais e terrestres em países como Venezuela e México, já provocou reações de autoridades regionais. A presidente do México, Claudia Sheinbaum, afirmou que “não haverá operações militares dos EUA em solo mexicano”. Ainda assim, seu governo extraditou 26 suspeitos de envolvimento com cartéis, decisão tomada fora dos trâmites regulares. No sul do Caribe, Trump confirmou que tropas americanas realizaram um ataque contra uma embarcação venezuelana, marcando o primeiro confronto armado da atual ofensiva.
No Brasil, a movimentação acende um alerta geopolítico. Segundo o professor Ricardo Zortéa, 36, da UFRJ, a ação representa uma deterioração nas relações entre os dois países e desafia o princípio universal da soberania nacional. “O Brasil tende a protestar contra o uso da força americana, mas não por solidariedade regional. A resposta será pautada mais pela legalidade internacional do que por alianças sul-americanas”, analisa.
Além das implicações bilaterais, Zortéa chama atenção para o risco de que a América do Sul volte a ser tratada como esfera de influência dos EUA, em uma releitura da Doutrina Monroe. Para ele, o isolacionismo trumpista não elimina o desejo de controle regional, apenas o torna mais explícito. “Quanto mais recursos militares os EUA empregarem no hemisfério, menos poderão se dedicar à contenção chinesa na Eurásia. Isso cria uma tensão entre estratégia global e prioridades locais.”
No campo interno, a militarização da política externa americana pode ter efeito reverso. “A pressão aberta, por meio de tarifas, sanções e presença militar, pode estimular um movimento popular e institucional de reação à influência dos EUA”, afirma. O Brasil, nesse contexto, tende a reforçar seus vínculos com países dos BRICS e consolidar sua influência fora do eixo norte do continente, onde a presença americana é mais direta.
Na última terça-feira (9), a porta-voz do governo norte-americano, Karoline Leavitt, 28, declarou em entrevista coletiva que “Trump não tem medo de utilizar meios militares para proteger a liberdade de expressão”, referindo-se ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal. A afirmação foi recebida como nova ameaça de possível intervenção no Brasil.
Em nota oficial, o Itamaraty respondeu:
“O governo brasileiro condena o uso de sanções econômicas ou ameaças de uso da força contra a nossa democracia. O primeiro passo para proteger a liberdade de expressão é justamente defender a democracia e respeitar a vontade popular expressa nas urnas. É esse o dever dos três Poderes da República, que não se intimidarão por qualquer forma de atentado à nossa soberania.”
Apesar do enfrentamento público por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, manifestações recentes indicam que Trump ainda conta com apoio político expressivo entre setores da sociedade brasileira. No último sábado, o ato de 7 de Setembro na Avenida Paulista, São Paulo, foi marcado por bandeiras dos Estados Unidos dividindo espaço com as do Brasil. Cartazes pedindo ajuda a Trump, clamando por intervenção militar ou econômica, foram amplamente registrados.
Mesmo se apresentando como patriotas, muitos manifestantes recorreram a símbolos norte-americanos. A mistura entre as flâmulas revela uma dependência simbólica que especialistas têm chamado de “patriotismo vira-lata”, uma subordinação voluntária ao poder externo.
Em meio à manifestação, apoiadores do ex-presidente exibiam tornozeleiras eletrônicas cenográficas, como forma de ironizar as decisões judiciais tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes, responsável por medidas cautelares contra Bolsonaro.

As imagens e os discursos ecoaram memórias de outros momentos em que o Brasil foi alvo de ingerência direta dos EUA. Em 1964, durante o golpe civil-militar, Washington apoiou diretamente a derrubada do presidente João Goulart, com influência decisiva do então embaixador Lincoln Gordon. O histórico de intervenções se repete em Cuba, República Dominicana, Panamá, Honduras, Chile, Argentina e outros países latino-americanos ao longo do século XX.
Na visão de analistas como Erik Sperling, 39, da Just Foreign Policy, a ofensiva atual marca o retorno da “diplomacia da canhoneira”, que combina força militar, sanções econômicas e apoio a regimes alinhados para manter a hegemonia norte-americana no hemisfério. Mas, segundo ele, essa estratégia pode sair pela culatra:
“É mais provável que essa abordagem fortaleça a determinação da região de se aproximar da China e construir alternativas ao domínio dos EUA”, afirmou ao Intercept.

Bolsonarista utilizando “tornozeleira eletrônica” no ato de 7 de setembro como símbolo ironizando a decisão de Alexandre de Moraes - Foto: Sophia Coccetrone
Cada vez mais as redes sociais passam a ser um dos principais meios de informação das pessoas. Segundo pesquisa do Alfaia Lab, mais da metade dos brasileiros usam as redes sociais como principal fonte de informação. E isso impacta a política do país em vários âmbitos.
Para entender melhor as consequências disso, a AGEMT entrevistou uma das principais pesquisadoras do Brasil nessa área, a professora Lucia Santaella.

Segundo Lucia, esse fenômeno se inicia na desconfiança com a grande mídia que existiu desde sempre, mas que ganhou força com a chegada da internet como possível espaço para veículos independentes. Isso se acentuou no Brasil a partir das manifestações de 2013. “Foi a época de criação da Mídia Ninja, que em sua inserção ágil na própria rua, evidenciou trapalhadas da grande mídia e demonstrou sua incapacidade de registrar o fervor do coletivo em movimento vital”. Santaella trabalhou na inserção das mídias digitais como meio de informação e os abalos que a mídia tradicional sofreu.
Porém Santaella destaca que, desde 2016, as redes sociais tiveram fortes mudanças e o que foi sonhado com a chegada da democracia e da palavra aberta, se tornou palavra perversa. “Se tornou o oposto na era da pós-verdade, provocada pelas fake news”.
A professora afirma que a liberdade das redes sociais se tornou um espaço de grupos políticos fanáticos disseminadores de informações, que muitas vezes não são devidamente apuradas. “Infelizmente as pessoas hoje vivem em bolhas alienantes, e o pior, fechadas na satisfação autocomplacente de suas mentes encolhidas vociferando paixões tristes como o ódio e o apagamento da alteridade”, completou.
Para Lucia, os políticos se aproveitam disso para criar suas narrativas próprias, principalmente aquelas que atacam a democracia. Com isso, a confiança na grande mídia também passou a ser reivindicada por seu compromisso com a checagem dos fatos.
Um exemplo disso foram as fakes news sobre as urnas eletrônicas propagadas durante as campanhas eleitorais. O TSE divulgou que em 2022 removeu mais de 150 publicações falsas sobre as urnas eletrônicas e o processo de votação. Todas elas propagadas pela extrema direita, um ataque à democracia desde o início das campanhas, que resultou nos atos de vandalismo do dia 8 de janeiro de 2023 e fez parte da tentativa de golpe de estado do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus cúmplices.
A professora finalizou dizendo que para que possamos sanar esses problemas, não temos muitas alternativas, o caminho é um só: “não existe cura para esse estado de desinformação, a não ser a educação midiática levada a sério”. É por isso também que ela tem cada vez mais buscado abordar esse tema.
Vera Chaia, Doutora em Ciências Políticas, aponta para como as informações veiculadas na internet e nas redes sociais, tornaram-se fundamentais para a formação dos cidadãos. “Elas auxiliam os políticos a se projetarem e informarem suas ações para suas bases eleitorais.”

O documentário da Netflix “Dilema das Redes”, lançado em 2020, denunciou a compra de dados de mais de 50 milhões usuários do Facebook para direcionar a campanha de Donald Trump para as eleições presidenciais estadunidenses de 2017. E fez um alerta para os usuários das redes sociais com uma famosa fala de um ex designer da Google, Tristan Harris: “Se você não está pagando pelo produto, então você é o produto”.
Segundo análise da SciElo Brasil e dados de uma pesquisa realizada pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, a campanha de Jair Bolsonaro utilizou, em 2018, uma estratégia de comunicação parecida com a de Donald Trump em 2017, consistindo no foco em diferentes perfis de eleitores, com técnicas de microtargeting e profiling. Microtargeting político é um tipo de estratégia em que se emprega uma combinação entre análise de dados e campanha política personalizada. Já a técnica denominada psychometric profiling acontece a partir do desenvolvimento de perfis do eleitorado tendo como base seus traços de personalidade.
A internet e seu crescimento exponencial contribuíram para a disseminação política e quem acabou conseguindo melhor alcance foi a extrema direita, se utilizando de discursos falsos e apelativos aproveitando de todo e qualquer caso para se promover.
Um estudo feito pela Universidade Fluminense aponta que a ascensão da extrema direita está diretamente ligada ao crescimento das mídias sociais.
No último mês, o caso de adultização publicado pelo Youtuber Felca, mostra como a exposição de crianças na internet pode ser perigosa e fonte de munição para pedófilos. Seu vídeo tomou grandes proporções, fazendo com que autoridades e a população brasileira soubessem e entendessem a gravidade do que era tratado, levando o Congresso a abordar a pauta de maneira urgente.
“A classe política, que já havia apresentado projetos limitando a ação das redes sociais por representarem uma influência negativa para crianças e adolescentes, ganhou força política com o vídeo”, reforçou Vera Chaia.
O Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu, nos dias 13 e 14 de agosto, 26 influenciadores digitais de diferentes regiões do país para a segunda edição do “Leis e Likes: o papel do Judiciário e a influência digital”, iniciativa realizada em parceria com a ONG Redes Cordiais e com apoio do YouTube, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB Nacional), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e do Instituto Justiça e Cidadania (IJC). Segundo informações publicadas no site oficial do STF, o objetivo foi aproximar o Poder Judiciário da sociedade por meio de quem hoje ocupa um espaço central na formação de opinião, promovendo uma troca direta com a magistratura sobre temas como polarização, liberdade de expressão, inteligência artificial e combate à desinformação.
Ainda de acordo com informações divulgadas pelo STF, a programação incluiu visita guiada aos espaços emblemáticos do Tribunal da Constituição, acompanhamento de uma sessão no Plenário e rodas de conversa com a ministra Cármen Lúcia e os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, presidente da Corte. Na primeira roda de conversa, Moraes falou sobre “influência responsável, liberdade de expressão e democracia”, afirmando que as redes sociais são ferramentas inovadoras, mas têm sido deturpadas por grandes grupos políticos e econômicos para fins ideológicos. “O que é proibido no mundo real não pode ser permitido no ambiente virtual, nem mais, nem menos”, disse. Na segunda roda, Barroso abordou “inteligência artificial, desinformação e o mundo que queremos”, alertando para riscos como uso bélico da tecnologia, impactos no mercado de trabalho e propagação de notícias falsas. “Nenhuma causa justifica mentir ou incitar ódio. A boa-fé e a boa vontade são indispensáveis para que possamos viver de forma plena, com paz interior”, afirmou.
O site do STF também registrou que não há pagamento de cachê aos influenciadores e que a participação tem caráter 100% social, sem custeio por parte do Tribunal, reforçando o viés cívico e educativo da iniciativa. A orientação foi para que os convidados compartilhassem, em tempo real, suas impressões e conteúdos produzidos durante a imersão, com o objetivo de ampliar a transparência, promover educação cívica e estimular engajamento qualificado.

Entre os participantes estava Déia Freitas, criadora do podcast “Não Inviabilize”, conhecida por abordar temas como empatia, diversidade e direitos humanos. Em postagem feita no seu perfil oficial no Instagram, ela afirmou: “Estar no STF e ouvir diretamente dos ministros sobre como funciona a Corte foi uma experiência transformadora. Muitas vezes, as pessoas têm uma visão distante ou até distorcida do Judiciário. Poder compartilhar com meu público o que vi e ouvi aqui é uma forma de aproximar a Justiça da vida real”. Na mesma publicação, destacou a responsabilidade de quem fala para grandes audiências: “A gente precisa entender que o que publicamos pode influenciar milhões de pessoas. Isso é um poder enorme, mas também uma responsabilidade. Estar aqui me fez refletir sobre como posso contribuir para um debate mais saudável nas redes”.
Especialistas ouvidos pela reportagem avaliam que a iniciativa pode ter impacto positivo na percepção pública sobre o STF, mas alertam para desafios. A professora Vera Chaia, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), afirma que o Judiciário, historicamente, é visto como distante do cidadão comum e que dialogar com quem tem grande alcance nas redes é uma forma de disputar narrativas em um ambiente onde a desinformação circula com rapidez. “Quando um influenciador entende como funciona o processo decisório, ele pode explicar isso de forma acessível, ajudando a reduzir boatos e interpretações equivocadas”, disse. Para ela, o evento também tem um efeito simbólico importante: “Ao abrir as portas para criadores de conteúdo, o STF sinaliza que está disposto a ouvir e a se mostrar, o que é fundamental para reduzir a percepção de que a Corte é uma instituição fechada e inacessível. É uma oportunidade de mostrar que a Justiça não é um ente distante, mas parte ativa da vida democrática”.
Já o cientista político Guilherme Casarões, professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV-SP), pondera que, em um ambiente polarizado, qualquer gesto do STF é lido politicamente e que é fundamental garantir diversidade e pluralidade para evitar interpretações de alinhamento institucional. “A credibilidade do Judiciário não depende apenas das decisões que toma, mas também da forma como se comunica e de como responde às críticas”, afirmou. Ele acrescenta que a presença do STF nas redes precisa ser constante e estratégica: “Não basta aparecer em momentos de crise ou em ações pontuais. É preciso construir uma narrativa contínua, que mostre o papel da Corte na defesa da democracia e dos direitos fundamentais, e que dialogue com diferentes públicos, inclusive os mais críticos. A comunicação institucional precisa ser proativa, transparente e capaz de reconhecer dúvidas legítimas, respondendo com dados e contexto”.
Segundo o site oficial do STF, a experiência buscou reforçar o caráter pedagógico do encontro, permitindo que os influenciadores conhecessem de perto os ritos da Corte, o funcionamento do Plenário e a dinâmica de construção das decisões. A expectativa é que, ao compreenderem melhor o processo, os participantes possam traduzir informações jurídicas para formatos acessíveis, ajudando a reduzir boatos e interpretações equivocadas.
Ao final do evento, Déia Freitas afirmou em sua rede social que sai da experiência mais preparada para explicar temas jurídicos de forma clara e responsável, e que pretende continuar usando seu alcance nas redes para incentivar o entendimento sobre direitos e deveres. Para o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, citado no site oficial do Tribunal, levar “lições de nossa Constituição” para as redes sociais é uma forma de fortalecer a democracia, aproximando a Justiça da sociedade e ocupando o mesmo espaço onde circulam críticas e desinformação.