Após décadas de avanços, a criminalização do aborto e a falta de políticas públicas interseccionais seguem colocando em risco a vida de mulheres negras e pobres no Brasil
por
Por Joana Prando e Luiza Zaccano
|
11/11/2025 - 12h

 

Por trás das estatísticas sobre abortos clandestinos e violência obstétrica, há uma história de silenciamento. O corpo das mulheres, especialmente o das negras e periféricas, segue sob a tutela de um Estado que criminaliza a autonomia, evidenciado pelo fato de que mulheres negras têm 46% mais probabilidade de recorrer ao aborto no Brasil, e de uma sociedade que trata direitos como moralidade, o que também vemos na mortalidade materna, na qual mães negras morrem em média duas vezes mais que mães brancas.


O corpo feminino é alvo de vigilância e controle por autoridades masculinas. Na tradição cristã ocidental, o corpo feminino frequentemente é associado ao pecado e à tentação. Essa concepção legitima a vigilância e a regulação da figura feminina pela Igreja, que estabelecia e ainda impõe moralidades sobre a virgindade e a maternidade. 

A partir do século XIX, a medicina consolidou discursos para patologizar o corpo e a sexualidade feminina, como a histeria, caracterizado pelo excesso de emoções e perda de controle, diagnosticada majoritariamente em mulheres. Isso indica como a ciência foi utilizada como mecanismo de manutenção para a ideia de que figuras femininas eram instáveis e necessitavam de tutela masculina. Do ponto de vista jurídico, as legislações históricas também revelam esse controle. Quando o Código Penal de 1940 definiu o aborto como crime, o fez sob o olhar de um país governado por homens e moldado por valores patriarcais. As exceções previstas, raras e sempre sob o filtro da moral masculina, tratavam a decisão sobre o corpo feminino não como um direito, mas como concessão. Essa lógica atravessava também o casamento: a mulher só podia agir sobre si com a permissão do marido, como se sua autonomia fosse um privilégio a ser concedido, não uma condição natural.
 

Nos Estados Unidos, durante a década de 1970, o aborto era um tópico central no movimento feminista, pois a partir dele, poderia haver a emancipação da mulher. No entanto, a comunidade afro-estadunidense se mantinha distante do movimento, já que o controle de natalidade tinha forte componente racial e legitimava interesses racistas. A partir de um estudo comparativo feito pela PubMed, estima-se que entre 1970 e 1975, cerca de 2,3 milhões de mulheres nos EUA fizeram laqueadura, em que a maioria ocorria após o parto. Mulheres não-brancas tinham taxas de esterilização aproximadamente duas vezes maiores que as mulheres brancas.
 

Tipos de laqueadura - Reprodução: G1

No Brasil, a esterilização em massa foi uma estratégia utilizada pelo racismo, mascarada de planejamento familiar, que consistia na esterilização massiva de mulheres negras e jovens, e na distribuição em larga escala de pílulas e dispositivos intrauterinos. Tais procedimentos médicos, não eram informados devidamente para as mulheres, assim como suas consequências. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1986 mostrou que 49,3% das mulheres que usavam métodos contraceptivos estavam esterilizadas. Além disso, o índice do procedimento contraceptivo cresceu em áreas mais pobres e era mais presente entre mulheres com menos escolaridade. Com a criação da CPI da Esterilização, em 1991, foi constatado que houve a prestação inadequada de serviços, abuso de métodos irreversíveis. 
 

Como aponta a professora Vanessa Souza de Oliveira, do curso de jornalismo na PUC-SP e no Mackenzie, episódios de violência reprodutiva em mulheres não são uma exceção. “A gente ainda sofre essas violências de maneiras diferentes. Um exemplo na minha família: minha avó paterna teve um DIU implantado sem qualquer aviso. Ela foi à Santa Casa por causa de uma apendicite, se não me engano, e só anos depois descobriu que tinha um DIU dentro do corpo. Ninguém informou nada. E a dor era absurda: o corpo passa um, dois anos tentando expulsar aquilo até se adaptar. Só descobriu muito mais velha  e, pior, já tinha ultrapassado o tempo seguro de uso daquele dispositivo.” Histórias assim são comuns em famílias negras e mestiças. São violências silenciosas, muitas vezes descobertas décadas depois. E o mais preocupante é que estamos vivendo uma onda conservadora em que práticas desse tipo voltam a ser tratadas como aceitáveis: esterilizações e intervenções feitas sem consentimento, sem explicação, sem garantir o mínimo de informação sobre o próprio corpo.”
 

A criminalização da prática do aborto impacta diretamente a vida reprodutiva. O racismo e as relações patriarcais se articulam construindo um contexto de desigualdades e vulnerabilidade para mulheres negras e pobres que precisam recorrer ao aborto clandestino. A criminalização do aborto não evita que esse procedimento não ocorra, ao contrário, empurra práticas para a clandestinidade e para ambientes inseguros.
 

No Brasil, o aborto é crime exceto em casos de risco de vida para a mulher, estupro e anencefalia fetal. A ausência de políticas públicas interseccionais que integrem recortes raciais, de gênero e socioeconômicos na saúde perpetua a exclusão. A partir de um levantamento feito pelo G1 com dados do DataSus, no primeiro semestre de 2020, o número de mulheres atendidas por abortos mal-sucedidos, tenham sido provocados ou espontâneos no Brasil pelo Sistema Único de Saúde (SUS) foi 79 vezes maior que o de interrupções de gravidez previstas pela lei. Apenas no primeiro semestre de 2020, o SUS gastou quase 30 vezes mais com procedimentos pós-abortos incompletos do que com interrupções previstas em lei, R$ 14,29 milhões em comparação com R$ 454 mil.
 

O enquadramento penal (artigos 124–126) transforma um problema de saúde e de direitos reprodutivos em questão forense, ampliando estigmas e dificultando o acolhimento médico adequado. A criminalização, além de não reduzir a ocorrência do aborto, sustenta a ilegalidade e a punição seletiva, como visto no sistema de justiça, que criminaliza rotas da vida reprodutiva que recai com mais força sobre mulheres pobres e racializadas, enquanto mulheres brancas com mais poder econômico permanecem intactas. Um levantamento feito pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro, apontado entre 2005 à 2017, revelam que a maioria das mulheres processadas por aborto no Rio de Janeiro são negras e pobres.
 

A junção da interseccionalidade, sendo ela, a coexistência de desigualdades de gênero, raça e classe, revelam que as mulheres negras e em situação de pobreza são as que mais realizam o aborto em locais com pouca ou nenhuma higiene e sem supervisão médica. Segundo a Pesquisa Nacional do Aborto (PNA 2016–2021), mulheres negras têm 46% mais chance de realizar um aborto do que mulheres brancas, em qualquer faixa etária. Aos 40 anos, 21% das mulheres negras já teriam recorrido ao procedimento, contra 15% das brancas. Esses números refletem não apenas desigualdades raciais, mas também econômicas e territoriais, são as mulheres de menor renda, escolaridade e acesso a serviços de saúde que mais se submetem a abortos clandestinos, muitas vezes em locais sem higiene adequada e sem supervisão médica.
 

As estatísticas e relatos expõem um projeto histórico de controle sobre os corpos femininos, sobretudo os corpos negros e periféricos. Entre a criminalização do aborto e a esterilização forçada, persiste a mesma lógica de tutela que nega às mulheres o direito de decidir sobre si mesmas. Enquanto o debate público seguir guiado por moralistas e não por políticas de saúde baseadas em justiça e igualdade, a liberdade reprodutiva continuará sendo um privilégio de poucas.
 

Editado por: Carolina Zaterka

 

Segundo Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), pessoas cis têm o dobro de expectativa de vida que pessoas da comunidade LGBTQIA+
por
Annick Borges
Chiara Abreu
|
11/11/2025 - 12h
Gráfico sobre estados que mais assassinaram pessoas trans

Enquanto a expectativa de vida no Brasil é de 76,4 anos, para a comunidade trans esse número cai pela metade. O país é o que mais mata pessoas trans e travestis no mundo, refletindo a vulnerabilidade interseccional enfrentada especialmente por mulheres trans. Com a falta de projetos de lei que protejam as pessoas, a necessidade de buscar alternativas para moradia e renda, colaboram para a redução da longevidade.  

Muitas mulheres trans, ao se assumirem, são expulsas de casa. O mercado de trabalho, assim como toda a sociedade, ainda é muito preconceituoso. Uma pesquisa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), de 2020, indicou que apenas 13,9% das mulheres trans e travestis tinham emprego formal. Para sobreviver, elas se prostituem. A ANTRA estima que cerca de 90% das mulheres trans recorrem ao trabalho como forma de sobrevivência.  

Em entrevista para o programa “#provoca”, da TV Cultura, a deputada Erika Hilton conta parte de sua história. “Eu não queria viver da prostituição. Com 14 anos de idade você não quer ser prostituta. E aí você não tem emprego, não tem condições de trabalho, você não tem idade e o seu corpo é constantemente acessado através do sexo.”   

A comunidade lida de forma cotidiana com a invisibilidade e institucionalização da violência, o que estabelece um ciclo de exclusão e marginalização desses corpos. Foram 122 casos de assassinatos contra travestis e mulheres transexuais no ano de 2024, segundo “Dossiê de assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras”. Essa é a primeira vez que o número de casos ficou abaixo da média de assassinatos, que, naquele ano, foi de 125 assassinatos. 78% dos crimes ocorrem justamente com as profissionais do sexo, a maioria atuando nas ruas. 77,5% dos assassinatos aconteceram em espaços públicos.   

O descaso com a população trans também está no acesso à saúde pública. Em 2024, no Dia Internacional dos Direitos Humanos, o Ministério da Saúde apresentou o programa Pop Paes Trans, com objetivo de ampliar o acesso e melhorar a qualidade da atenção em saúde para pessoas trans e travestis. O que seria um grande avanço para a comunidade, se encontra paralisado há pelo menos 10 meses. O programa regulamentaria a realização de cirurgias de readequação e autorização do uso de hormônios aos jovens de 16 anos. Em entrevista à Agência Brasil, 15% dos entrevistados disseram que raramente ou nunca vão ao médico. Além disso, 54% das pessoas que usam hormônio fazem por conta própria, e 44% das travestis já utilizaram silicone industrial.  

 

Editado por: Beatriz Manocchio e Sophia Aquino

 

Universidade enfrenta diversas barreiras em equalizar o cotidiano dos alunos
por
Davi Rezende
Rafael Pessoa
|
11/11/2025 - 12h

 

Em protestos realizados no ano de 2025 por alunos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), diversos problemas envolvendo questões de acessibilidade no campus foram denunciados. Durante a ocupação do Movimento Estudantil, em maio, no campus Monte Alegre, vários alunos de diferentes cursos sugeriram, dentre diversas pautas, ações concretas da Reitoria e da Fundação São Paulo (FUNDASP), mantenedora da universidade, em relação aos problemas no espaço frequentado pelos estudantes.

Esta manifestação abrangia pautas frequentes entre os alunos PCD, principalmente em relação aos problemas de mobilidade no campus da universidade. A unidade Monte Alegre é dividida em dois prédios, o Edifício Cardeal Motta (“Prédio Velho”) e o Edifício Reitor Bandeira de Mello (“Prédio Novo”), este último sendo o mais moderno em relação às formas de locomoção. Os estudantes circulam entre cinco dos seis andares do prédio através de rampas e elevadores, com o espaço mais acima do edifício sendo acessível somente pelas escadas de incêndio.  

Em questão ao “Prédio Velho”, a locomoção se dá exclusivamente por escadas, sem a presença de rampas, elevadores ou qualquer meio de mobilidade acessível a alunos PCD. A conexão do edifício com os outros espaços da universidade também não é acessível, à exceção da rampa principal, presente na entrada da universidade através da rua Monte Alegre. 

Rampas do prédio novo da PUC-SP, unidade monte alegre, com carteiras bloqueando a passagem, em manifestações do movimento estudantil
Alunos da PUC-SP fazem piquetes nas rampas em manifestações - Foto: Reprodução/Facebook 

Após o período de férias, o volta às aulas foi marcado por algumas reformas, o seu refeitório universitário, conhecido como bandejão, e uma nova loja da Havan. Em uma entrevista dada ao jornal-PUC pela gerente do setor de Arquitetura e Infraestrutura da Fundasp, Ana Maria Eder afirmou: “A reforma trará contemporaneidade, conforto e uma revitalização geral da praça de alimentação, convidando a comunidade a frequentá-la ainda mais”. Em contrapartida, em uma pesquisa feita entre os alunos do curso de jornalismo da universidade, em sua grande maioria foi apontado que não há acessibilidade e pontuado também por alunos que não têm muitos lugares para cadeira de rodas no bandejão. 

Lucas Oliveira, estudante de RI na PUC-SP, nos procurou queixando-se sobre a infraestrutura do campus, que devido a sua dificuldade de locomoção se tornaram problemáticas. Lucas que entrou na universidade em 2018 afirma: ”os maiores desafios eu encontro até hoje, na verdade, por que eu não tenho autonomia para acessar o campus”. Essa questão foi trazida pelo estudante como seu maior desafio, contando que necessita de uma segunda pessoa, seja ela funcionário, aluno, professor ou alguém que esteja passando por perto, para poder utilizar o campus. 

Além disso, a PUC carece de representatividade, assim como disse o estudante: “Eu não acho que a PUC possui um perfil de alunos ou até mesmo docentes diversificados a ponto de representar as mais diversas pessoas que possam frequentar a instituição.” Atualmente a universidade conta com diversos coletivos que são ativos no movimento estudantil, fato que foi visto e comprovado nas manifestações, mas nenhum deles representa a comunidade PCD que depende do Setor de atendimento comunitário, o PAC, para resolverem suas queixas.

Entrada do prédio velho da PUC-SP, campus Monte Alegre
Prédio velho da PUC-SP sofre com falta de acessibilidade - Foto: Reprodução/Youtube

No site da instituição eles colocam como principal projeto Inclusão e Diversidade que,segundo eles, “Tem o compromisso de contribuir com a construção de um ambiente universitário inclusivo e representativo, atuando no âmbito das Políticas Afirmativas.”

O estudante conclui que “Em termos de ensino, oportunidades no mercado e professores a PUC é muito boa” e acrescentou que se sente bastante confortável na universidade, “não sei eu tenho um carinho especial pela PUC”. Por fim adicionou “Entretanto em termos de acessibilidade a PUC deixa muito a desejar”.

Editador por: Ian Ramalho e Lucal Leal

Negros ocupam mais cargos nas empresas, mas racismo e desigualdade salarial ainda é presente
por
Liliane Aparecida Barbosa Gomes
|
11/11/2025 - 12h

O racismo no trabalho é uma realidade em que profissionais negros são prejudicados em vagas, promoções e salários devido a preconceitos de raça ou cor. Essa prática é considerada crime pelo Art. 5º da Lei nº 7.716/89, e os atos podem ser punidos com reclusão de até 5 anos. 

No ambiente de trabalho o racismo pode não ser tão explícito, a vítima muitas vezes nem percebe a descriminalização, segundo André Nascimento de Oliveira, estudante de direito na FAAP - Fundação Armando Alvares Penteado “Percebi depois de um tempo, no começo pensei que fosse pela orientação sexual, na qual impacta também no racismo. Em determinadas situações me constrangeu, desmoralizou e desconfiou”. 

A injuria pode trazer consequências graves à saúde do trabalhador, atingindo seu bem-estar, “Queria me atirar do prédio, chorei. A partir disso as consequências foram agravando, comecei a ter algumas crises de ansiedade, baixa autoestima, insegurança ao me comunicar com ele e outros superiores, me autossabotando” completou André após um desentendimento com o seu superior. 

Pessoas brancas recebem, em média, R$ 23,02 por hora, enquanto negros recebem R$ 13,73, uma diferença de 67,7%. 48,8% das pessoas negras ou pardas estavam em ocupações informais comparadas a 34,3% entre brancos, (dados do IBGE). Segundo o autor Achille Mbembe “O pensamento contemporâneo se esqueceu de que, para seu funcionamento, o capitalismo, desde suas origens, sempre precisou de subsídios raciais.” 

Pela segunda vez negros superam brancos nas eleições municipais (prefeito/a e vereador/a) em 2024, 52,7% foram de pessoas negras, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com informações da Agência Brasil, ainda que esses dados sejam positivos, a representatividade de negros e mulheres é baixa, já que a cada cinco candidatos eleitos, quatro são brancos. 

Apesar do progresso as dificuldades no mercado de trabalho no jornalismo, nas áreas de editoria, audiovisual, digital e social em geral. Visto que jornalismo negros/pardos representam um terço das redações. 

 Foto: AGECEF/BA
Fonte: FENAJ 2024

Segundo a auditora-fiscal do Trabalho e coordenadora nacional do Projeto de Combate à Discriminação e Promoção da Igualdade de Oportunidades no Trabalho, “A discriminação é o reflexo das estruturas de poder na sociedade, dentre elas as decorrentes das relações de trabalho.” informou Marina Cunha Sampaio na Roda de Conversa da Comissão Interna de Saúde do Servidor Público - Cissp para a Fundacentro. 

Empresas e instituições, pregam discursos motivacionais, mas na prática é o ódio que enxergamos, já que são coniventes em situações em que o racismo é claro. Recebendo denúncias, relatos e ouvidorias, porém nenhuma atitude é tomada, dando razão ao agressor. 

Edição: Guilherme Romero e Guilherme D’Aloisio

O descaso da CONMEBOL e o racismo estrutural são cada vez mais expostos conforme o tempo passa 
por
Guilherme Romero
Guilherme D'Aloisio
|
11/11/2025 - 12h

Ônibus apedrejado, gestos imitando macacos e a impunidade como resposta. Esse foi o cenário que a delegação do Flamengo enfrentou em 25 de setembro, nas quartas de final da Libertadores contra o Estudiantes - Arg. O lateral Danilo, da equipe rubro-negra e da Seleção Brasileira, usou suas redes sociais para denunciar torcedores argentinos direcionando insultos racistas ao time, no Estádio Jorge Luis Hirschi, em La Plata. O caso, reportado à CONMEBOL, integra um histórico sinistro no continente de incidentes que raramente resultam em punições severas, reforçando a tese de que a impunidade é o combustível da reincidência. 

 

Print do Instagram do Jogador Danilo do Flamengo com torcedores fazendo gesto de macaco
Torcedor argentino fazendo gestos racistas. Foto:Reprodução/Instagram/@daniluiz2 

Esse cenário de conivência se manifesta até no mais alto escalão. Em março, o presidente da CONMEBOL, Alejandro Domínguez, fez uma declaração com tom racista em meio à pressão de clubes brasileiros que cogitavam abandonar os torneios. A fala que gerou indignação veio quando Domínguez comparou as competições sem os clubes do Brasil a “Tarzan sem Chita”, referência à chimpanzé do filme, o que reforçou críticas sobre a postura da confederação diante do tema. 

O ciclo de violência e complacência se repete em toda a América do Sul. Em 2025, a ineficácia das leis foi exposta no Paraguai, onde o atacante Luighi do Palmeiras Sub-20 foi alvo de ofensas racistas. O país só criou uma lei antirracista em 2022, que prevê apenas multas e protege exclusivamente descendentes de paraguaios. Da mesma forma, no Uruguai, em 2024, torcedores do Nacional foram filmados fazendo gestos racistas em partida contra o São Paulo, novamente só uma multa foi aplicada. O presidente do clube, Alejandro Balbi, chegou a declarar que considera multas "punições severas demais" e criticou a sugestão do São Paulo de incluir a perda de pontos para clubes reincidentes. 

A punição branda da CONMEBOL tornou-se padrão, replicando-se de país a país. No Chile, após o jogo entre Colo-Colo e Fortaleza em 2023, torcedores foram flagrados imitando macacos. O clube chileno foi punido com uma multa simbólica, apesar de já ter reincidido no ano anterior contra o Fluminense. O problema é estrutural: o Chile só aprovou sua Lei Antidiscriminação em 2012, após o assassinato de Daniel Zamudio expor a fragilidade legislativa do país. Na Venezuela, a delegação do Atlético-MG foi recebida em Caracas aos gritos de “macacos hijos de puta” em 2023. A CBF pediu punições severas, mas a CONMEBOL respondeu, mais uma vez, com apenas uma multa ao clube local. E no Peru, o goleiro do Alianza Lima, Ángelo Campos, denunciou ofensas raciais em 2024, mas a investigação da federação local não teve desfecho, reflexo de um desafio nacional mais profundo no combate à discriminação contra povos indígenas e afro-peruanos. 

O racismo na América do Sul é um fenômeno enraizado, especialmente na Argentina, onde a incidência é maior e a impunidade se torna mais visível. A visão de superioridade é antiga e atinge o mais alto escalão político: em 2021, o então presidente Alberto Fernández afirmou que: “Os mexicanos vieram dos indígenas, os brasileiros da selva, e nós chegamos em barcos vindos da Europa”. 

Essa mentalidade tem histórico no futebol desde 1920, quando jornais argentinos se referiram aos brasileiros como “monos en Buenos Aires”. Décadas depois, em 1996, o jornal Olé estampou a manchete “Que vengan los macacos” em sua capa, prevendo um confronto contra o Brasil ou a Nigéria, após ganhar de Portugal nas Olimpíadas. 

 

Charge racista postada pelo Jornal "El Deporte Al Dia" com a frase "Que vengan los monos"
Foto: Reprodução/Jornal El Deporte Al Día 

 

Foto racista postada pelo Jornal Olé com a frase "Que vengan los macacos"
Foto: Reprodução/Jornal Olé 

Mais do que incidentes isolados, o racismo no futebol do continente reflete uma herança social profunda, marcada por desigualdade, negação e conivência institucional. Em entrevista a torcedora Rafaela Silva disse: “A quantidade de vezes em que viajei para ver algum jogo, não só do meu time, e me deparei com cenas de preconceito claro é algo bizarro”. Isso não demonstra que o preconceito é extremamente enraizado e não ocorre somente em momentos que o agressor está no seu país, ela afirma “No estádio do meu time, onde frequentei durante minha vida toda, quando eu vi os torcedores adversários pela primeira vez fazerem gestos racistas eu tive um choque de realidade”. 

Esses episódios demonstram que o racismo no futebol sul-americano não é um problema pontual, mas uma estrutura sustentada pela ausência de punições exemplares. A CONMEBOL, mesmo diante de provas concretas, segue preferindo decisões administrativas brandas, temendo desgastes políticos e econômicos com seus filiados. 

Editado por: Liliane Gomes

 

 

Coletivos estudantis, sindicatos e civis se organizam para impedir que o projeto de lei avance
por
Iasmim Silva
Maria Luiza Reining
|
23/10/2025 - 12h

No dia 21 de setembro, as principais capitais do país amanheceram tomadas por cartazes, faixas e gritos de protesto. Em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e outras cidades, milhares de pessoas se reúnem contra a chamada PEC da Blindagem, proposta de emenda constitucional que restringe investigações e punições a parlamentares, exigindo autorização prévia das Casas Legislativas para o avanço de ações penais. A medida, vista como um retrocesso por juristas e movimentos civis, é o estopim de uma mobilização que, embora diversa, encontra na defesa da transparência um ponto em comum.

Na Avenida Paulista, o asfalto volta a se transformar em um grande espaço de convergência política. Bastam alguns minutos observando a saída da estação Trianon-Masp para visualizar que ali estavam diversos grupos reunidos, como estudantes, professores, aposentados, artistas, advogados, sindicalistas e civis misturados entre bandeiras coloridas e faixas com dizeres diretos: “Quem é inocente pede justiça, não anistia” e “A justiça é igual para todos, PEC da Blindagem não”. Entre os rostos pintados e cartazes improvisados, a foto do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, estampa o rótulo de “inimigo do povo”.

O clima é de cansaço e indignação, não apenas com o texto da PEC, mas com a percepção de que a proposta amplia privilégios e dificulta a responsabilização de agentes públicos. Luiz Biella Jr., advogado de 63 anos, e Andrea Amaral Biella, educadora museal de 53, participam do ato e afirmam que vieram por indignação com o projeto. “Outras pautas horrorosas até vinham passando, mas essa é o limite. É preciso dar um grito para ver se sensibiliza os deputados. Na próxima eleição, é fundamental lembrar disso. Esse retrocesso é horroroso”, dizem.

Homem de vermelho
Manifestante em frente ao MASP. Foto: Iasmim Silva/AGEMT.

Grupos de jovens ligados a coletivos estudantis distribuem panfletos que explicam os impactos da proposta. Se aprovada, a PEC impediria que investigações contra deputados e senadores avançarem sem autorização das próprias Casas Legislativas, o que, segundo especialistas, criaria uma barreira de proteção política e dificulta o combate à corrupção.

O protesto começou de forma pacífica por volta das 14 horas e ganhou corpo ao longo da tarde. Ao som de tambores e palavras de ordem, a manifestação ocupava a Avenida Paulista em direção ao MASP. Organizações civis estimam cerca de 80 mil participantes, número contestado pela Secretaria de Segurança Pública, que aponta 35 mil. Em Brasília, a concentração foi na Esplanada dos Ministérios, com presença de sindicatos e entidades de classe.

Entre os manifestantes, o designer gráfico Érico Prado Martins, de 49 anos, diz que o protesto representa uma resposta da população. “É uma forma de se revoltar contra um sistema que engana o povo. Colocam PECs e projetos de anistia enquanto ignoram o que realmente importa. Se a gente não protesta, eles passam tudo por cima da gente”, afirmou.

Nas redes sociais, hashtags como #PECdaVergonha e #TransparênciaJá alcançaram o topo dos assuntos mais comentados no X (antigo Twitter). O Monitor de Debate Político, grupo de pesquisa da USP, registrou picos de interação durante a manhã e o início da tarde, indicando grande engajamento digital em torno da pauta. A pesquisadora do Monitor, Roberta Lima, avalia que o movimento demonstra um interesse crescente de jovens em temas ligados à ética e à responsabilidade política. Segundo ela, “o engajamento aconteceu tanto de forma presencial quanto digital, refletindo uma disposição em participar do debate público e acompanhar de perto as decisões que afetam o funcionamento das instituições”.

A manifestação ocorre em um contexto de instabilidade política, impulsionado por disputas internas no Congresso e pelo debate sobre o projeto de anistia aos condenados pelos ataques de 8 de janeiro. A repórter Ana Clara Costa, apresentadora do podcast Foro de Teresina da revista piauí, especializada em cobertura política de esquerda, aponta que a PEC da Blindagem surgiu como parte de uma negociação entre o PL e o Centrão para garantir proteção parlamentar e apoio à proposta de anistia de Jair Bolsonaro. Segundo Ana, a PEC não é apenas uma tentativa de autoproteção política, mas parte de um jogo de chantagens e barganhas que expõe a fragilidade ética do Congresso.

Grupo de alunos da USP com cartazes de protesto
Alunos do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP. Foto: Maria Luiz Reining/AGEMT.

Cartazes e discursos também faziam referência à anistia, com críticas à tentativa de flexibilizar punições e proteger figuras públicas. Em várias capitais, manifestantes exibiam faixas com os dizeres “Blindagem é impunidade disfarçada” e “Anistia é o nome novo do perdão seletivo”.

Embora não tenha alcançado o tamanho de protestos anteriores, como os de 2013, o ato do dia 21 é considerado expressivo por entidades civis. A mobilização nacional pressiona o Congresso a rever o texto da proposta e reforça o debate sobre a necessidade de garantir mecanismos de fiscalização e responsabilização no exercício de mandatos parlamentares.

Projeto transforma pugilismo em ferramenta anti-opressão e oportunidade de profissionalização para jovens de periferias
por
Sophia Coccetrone
|
23/10/2025 - 12h

Boxe Autônomo é um coletivo fundado na capital paulistas em 2015 por Breno Macedo, treinador do projeto e Mestre em História pela USP juntamente com Raphael Piva, instrutor do projeto e Mestre em Antropologia Social pela USP, que também esteve presente no time de futebol amador Autônomos F.C., clube de viés libertário fundado por jovens punks em 2006. É um projeto social e esportivo que busca a utilidade do boxe para autodefesa de grupos oprimidos (mulheres, LGBTs, negros, imigrantes...) ao mesmo tempo que constrói carreiras promissoras para jovens atletas que buscam uma vida melhor de suas famílias através do esporte. O projeto conta com a coordenação e treinamento por Michel de Paula Soares, conhecido como "Micha". O treinador possui doutorado em Antropologia Social pela USP e busca relacionar o boxe como um fenômeno social no Brasil, marginalizado e muitas vezes considerado "luta de cadeia".

Inicialmente, o projeto utilizou a Ocupação Leila Khaled – onde vivem diversos refugiados de guerras originários da Síria e Palestina – para seus treinos, posteriormente, passou pela Favela do Moinho e outros espaços para a divulgação e sustentação do coletivo. Dessa forma, Boxe Autônomo conseguiu criar sua comunidade em São Paulo, atingindo camadas sociais mais necessitadas. Um exemplo é o jovem baiano Kelvy Alecrim, de 19 anos, que conheceu o boxe através das atuações na Favela do Moinho, onde o atleta reside. Kelvy atingiu o tricampeonato brasileiro (2019, 2021, 2023), atuou em Jogos Escolares na França (2022) e conquistou a medalha de bronze na Copa Mundial Juvenil em Montenegro (2023). Segundo ele, nunca havia pensado em praticar a arte marcial antes do contato com o projeto, e a democratização do esporte através dos treinos em comunidades e ocupações o fortaleceu para seguir sua carreira. 

Atualmente, os treinos do Boxe Autônomo acontecem na Casa do Povo, localizada no Bom Retiro, região central de São Paulo, contando com eventos de treinos abertos, almoços coletivos, palestras e atividades artísticas, sempre reforçando seu caráter político-cultural, um dos pilares do coletivo. É importante lembrar que estamos falando de uma área esportiva dominada pelo pensamento conservador e reacionário, principalmente popularizado por grandes estrelas como José Aldo, Rodrigo Minotauro, Wanderlei Silva, Fabrício Werdum e outros nomes do MMA apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados.

Caio César, aluno do Boxe Autônomo e ativista político, diz: “As lutas não podem ficar somente nas mãos daqueles que desejam oprimir (...) Não é inteligente pensar em uma esquerda pacífica e reativa, enquanto nós estamos sem nos proteger, há sempre um extremista de direita que está usando a violência livremente. (...) É claro, não podemos utilizar as artes marciais ou qualquer meio de defesa para causar o mal, mas não podemos ficar parados. É essencial manter as armas e as lutas nas mãos de pessoas inteligentes e preparadas, pois já há gente ignorante e conservadora demais com esses poderes nas mãos.” 

Caio, aluno do Boxe Autônomo, utilizando seu colar com pingente em formato do território Palestino: "A gente se posiciona até nos mínimos detalhes."
Caio César, aluno do Boxe Autônomo, utilizando seu colar com pingente em formato do território Palestino: "A gente se posiciona até nos mínimos detalhes." Foto: Sophia Coccetrone/AGEMT 

Entre as principais bandeiras do Boxe Autônomo estão: o antifascismo, como o principal pilar e estrutura do pensamento dos atletas e ativistas, anti-imperialismo, com forte solidariedade à pauta palestina e a denúncia ao genocídio na Faixa de Gaza, antirracismo, antimisoginia, com ênfase ao combate ao preconceito sobre os esportes de combate femininos e a exaltação da autodefesa da mulher contra potenciais agressores e apoio aos movimentos dos Sem Terra e Sem Teto. Inclusive, o coletivo é parceiro do Boxe Sem Teto e Centro Social e Desportivo Estrela Vermelha, movimentos que também abraçam a pauta do anti-reacionarismo e a luta combativa em meio às artes marciais.

O grupo de alunos é diverso, contando com todas as faixas etárias e origens ou nacionalidades. Durante o treinamento aberto, um aluno holandês se comunicava com os brasileiros a partir de seu amor pelo boxe e seu esforçado português. Ele conta que começou a prática das artes marciais pelo Kickboxing na Holanda, e que sua namorada brasileira o apresentou ao Boxe Autônomo. Durante o treino, ostentava seu apoio solidário à população palestina, através de sua camisa de treino. 

Aluno holandês utilizando camisa do Palestino, clube de futebol chileno fundado por imigrantes palestinos. Foto: Sophia Coccetrone/AGEMT
Aluno holandês utilizando camisa do Palestino, clube de futebol chileno fundado por imigrantes palestinos. Foto: Sophia Coccetrone/AGEMT

 

Os treinos do Boxe Autônomo estão disponíveis de segunda à quinta-feira das 18h30 às 19h e aos sábados às 10h30. Os atletas colaboram com um valor fixo mensal, mas para os mais necessitados é ofertado bolsas. 

A manifestação em solidariedade ao povo palestino pedia o fim imediato dos ataques em Gaza
por
Maria Julia Malagutti
Isabelle Muniz
|
23/10/2025 - 12h

A Avenida Paulista foi ocupada por uma manifestação em apoio à Palestina no dia 5 de outubro, reunindo milhares de pessoas ao longo da tarde. A concentração começou em frente ao Masp, com a chegada de grupos de diferentes idades e origens, levando bandeiras, faixas e cartazes. Estudantes, representantes de coletivos, movimentos sociais, sindicatos e pessoas sem vínculo com organizações específicas se espalharam pela avenida, que teve uma de suas faixas ocupada durante boa parte do ato. O tom predominante era de indignação diante da situação em Gaza e da escalada da violência no território palestino. Muitos cartazes traziam mensagens de solidariedade e pedidos de cessar-fogo, enquanto outros faziam referência ao histórico do conflito e defendiam o fim de acordos militares com Israel.

As falas feitas em carros de som destacaram a necessidade de pressionar governos e instituições internacionais por uma resposta mais consistente. Também houve espaço para manifestações culturais, como apresentações musicais e leitura de nomes e relatos de vítimas palestinas. A presença de integrantes da comunidade árabe-brasileira foi expressiva, com famílias inteiras participando e levando símbolos, lenços e bandeiras. “Acho que chegou um ponto em que ficar em silêncio já não é opção, estamos aqui pra pedir um cessar-fogo imediato! Por trás dos números, existem vidas, famílias, crianças, pessoas comuns tentando sobreviver.” afirma manifestante, não quis ser identificado.

A manifestação ocorreu em um contexto internacional marcado por denúncias de violações de direitos humanos e preocupação com a crise humanitária na Faixa de Gaza. Relatórios de agências internacionais vêm indicando aumento no número de mortos civis, incluindo crianças, além da destruição de casas e de infraestrutura básica. Esses dados foram citados pelos organizadores nos discursos ao longo do trajeto, reforçando a ideia de que mobilizações em outros países podem contribuir para dar visibilidade ao tema e pressionar diplomaticamente. Entre os participantes, também houve críticas ao posicionamento de países ocidentais e ao que consideram uma cobertura desequilibrada da mídia internacional.

Durante o percurso, diversos cartazes foram erguidos em frente a prédios simbólicos da Avenida Paulista, incluindo a região próxima à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Algumas faixas abordavam a relação entre interesses econômicos e políticas internacionais, com pedidos para que instituições brasileiras revisem contratos e parcerias ligados a setores que atuam na produção e comércio de armas. As mensagens variavam em tom e conteúdo, já que o ato não tinha um documento unificado de reivindicações.

Bandeira Ato Pro Palestina
Manifestante segurando bandeira da Palestina. Foto: Sophia Coccetrone/ AGEMT

A manifestação ocorreu de forma pacífica. A presença policial foi discreta, e não houve registros de confrontos ou tumultos. Coletivos jurídicos e equipes de saúde voluntárias acompanharam o trajeto. O deslocamento aconteceu de maneira gradual, e alguns grupos se retiraram antes do encerramento oficial. Em determinados momentos, o trânsito precisou ser parcialmente desviado, mas sem bloqueio total da avenida.

Em entrevista para a Agemt, Eduardo Viveiros, cientista político, pesquisador do Mediatel (Mediações Telemáticas) e egresso do Neamp (Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política), relatou que as manifestações em apoio à palestina acontecem em diferentes lugares do mundo e são marcadas por grupos progressistas de esquerda, ele afirma que o impacto desses protestos varia de acordo com o alinhamento político e grau de democracia de cada país. “O impacto pode ser maior em estados democráticos, governados por forças progressistas ou de esquerda”.

O especialista também classificou a mobilização como humanitária e política. “Posicionar-se contra um genocídio, limpeza étnica ou uma invasão de um país mais forte contra um mais fraco já implica um alinhamento político”, afirma. Para ele, o papel da sociedade é atuar politicamente, pressionando governos e instituições.

A discussão sobre a cobertura midiática do conflito também esteve presente. Participantes criticaram o que entendem como uma abordagem limitada por parte de grandes veículos de comunicação, com pouca ênfase no impacto humanitário dos ataques. Alguns defenderam o fortalecimento de mídias alternativas, coletivos de comunicação e jornalistas independentes como forma de ampliar o acesso a informações e versões pouco exploradas pelos meios tradicionais. Também houve quem ressaltasse o papel das redes sociais na organização do ato e na circulação de dados, imagens e relatos.

Representantes de movimentos sociais brasileiros aproveitaram o ato para relacionar a pauta palestina a outras lutas locais, como a defesa dos povos indígenas, a denúncia da violência policial e o combate ao racismo estrutural. Essas conexões foram usadas para reforçar o caráter internacionalista das mobilizações e para afirmar que denúncias de violações de direitos humanos não se limitam a fronteiras específicas.

No fim da tarde, os últimos grupos começaram a se dispersar sem registros de incidentes. Mesmo sem um documento final ou manifesto único, os participantes apontaram a possibilidade de novos atos caso a situação no Oriente Médio continue a se agravar.

 

 

Especialistas e organizações de direitos humanos alertam para o aumento de mortes de crianças e adolescentes após mudanças na política de monitoramento da PM
por
Khadijah Calil
Larissa Pereira
Thomas Fernandez
|
23/10/2025 - 12h

A reversão na política de uso das câmeras operacionais portáteis (COPs) nos uniformes da Polícia Militar de São Paulo e o aumento da violência letal contra crianças e adolescentes foram pauta nesta segunda-feira (6), na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Organizada pela deputada estadual Marina Helou (Rede), a mesa de debate reuniu representantes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), da Defensoria Pública e do Instituto Sou da Paz, em um momento em que o estado registra um crescimento alarmante das mortes provocadas por agentes de segurança pública.

De acordo com relatório elaborado pelo Unicef e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as mortes por intervenção policial em São Paulo aumentaram 120% em 2024. O levantamento mostra que, entre 2020 e 2022, as câmeras corporais haviam contribuído para uma redução de cerca de 60% na letalidade policial. Sendo considerada referência internacional na prevenção de abusos, a política de monitoramento, implementada em gestões anteriores, sofreu mudanças nas diretrizes e a suspensão parcial do uso dos equipamentos durante o atual governo, entretanto, acenderam um alerta entre especialistas e organizações da sociedade civil.

Durante a roda de conversa, a deputada Marina Helou, defendeu que o cenário representa um retrocesso institucional em um momento em que o país deveria avançar na proteção à vida. “Vivemos em um estado em que todos têm uma maior sensação de insegurança, com aumento nos índices de criminalidade e de mortes, inclusive mortes provocadas pela nossa própria polícia e pelo Estado. São mortes institucionais e, entre elas, o aumento de mortes de crianças e adolescentes”, afirmou. A parlamentar cobrou ainda do governo estadual a regulamentação da Lei nº 17.652 de 2023, que cria a Política Estadual de Prevenção à Violência Letal contra Crianças e Adolescentes. Segundo ela, a norma segue sem regulamentação, sem implementação, sem orçamento e sem garantia de que se torne uma política efetiva de proteção à vida. “É fundamental que, como sociedade e como Assembleia, cobremos o governador Tarcísio, porque ele mesmo disse, em eventos públicos, que estava convencido da importância das câmeras corporais. Rever uma política pública tão importante quanto essa é escolher entre a omissão e a prática dos direitos humanos”, completou.

A chefe do escritório do Unicef em São Paulo, Adriana Alvarenga, chamou a atenção para a desigualdade racial nas estatísticas e para o impacto do racismo estrutural na letalidade policial. “A maior parte das vítimas são meninos negros, moradores das periferias. É para eles que precisamos olhar com atenção, reconhecendo que essa situação é também resultado do racismo estrutural presente na nossa sociedade”, afirmou. Segundo os dados do relatório, crianças e adolescentes negros, de 0 a 19 anos, têm 3,7 vezes mais chances de morrer em intervenções policiais do que jovens brancos. Para Adriana, a solução passa também pela formação e pelo acompanhamento dos profissionais de segurança. “É muito importante que o Estatuto da Criança e do Adolescente faça parte não apenas da formação inicial, mas da formação continuada dos policiais, porque à medida que eles se relacionam com diferentes comunidades, precisam se adaptar e aprender constantemente. Outro ponto essencial é o cuidado com a saúde mental dos policiais, que influencia diretamente o tipo de abordagem feita a crianças e adolescentes”, acrescentou.

Em entrevista a AGEMT, a diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, reforçou a importância da sociedade civil no processo de formulação e acompanhamento das políticas de segurança. Segundo ela, o enfraquecimento do programa de câmeras corporais representa o resultado de uma política que vinha apresentando resultados positivos. “Estamos aqui debatendo o resultado de um retrocesso — de uma política que vinha dando certo. O desafio é fazer com que o que o policial aprende na sala de aula seja colocado em prática nas ruas. Muitas vezes, quando ele chega ao campo, ouve: ‘Agora sim, você é um policial de verdade’, como se o que aprendeu antes não valesse”, afirmou. Para Bueno, a dificuldade em conciliar a formação técnica com a prática cotidiana reflete um problema que ultrapassa o caso paulista. “Isso não diz respeito apenas ao ECA, mas também às questões raciais e à defesa dos direitos humanos de forma mais ampla. O problema das polícias não é só o da polícia de São Paulo — é um problema nacional”, completou.

Como um dos obstáculos para a mudança, a defensora pública Fernanda Balera destacou a falta de responsabilização de agentes de segurança em casos de violência letal e apontou a tolerância social com esse tipo de prática. “É muito raro que haja denúncias. Quando há, os processos terminam, em sua maioria, com absolvição, sempre tratando o argumento de legítima defesa do policial como verdade absoluta”, declarou. Além do acesso às imagens, Fernanda diz que é necessária uma mudança estrutural na cultura institucional do sistema de justiça e das forças policiais. “As imagens são fundamentais e devem estar à disposição de todas as instituições, mas é preciso também transformar a cultura que naturaliza a violência”, completou.

 

RODA DE CONVERSA PROMOVIDA PELA ALESP SOBRE AS CÂMERAS CORPORAIS USADAS PELA POLICIA DE SÃO PAULO
Roda de conversa na ALESP reuniu especialistas para debater o uso de câmeras corporais pela polícia de São Paulo.
Foto/Reprodução: Barbara Novaes/Alesp

Os dados apresentados pelas instituições reforçam a gravidade do cenário na segurança pública. Entre 2022 e 2024, o número de pessoas mortas por policiais militares em serviço cresceu de 256 para 716, um aumento expressivo após a revisão do programa de câmeras corporais. Em 2025, 496 pessoas foram mortas pelas forças de segurança do estado, sendo 61,3% delas negras. Na capital, foram registradas 156 mortes, 73,4% de vítimas negras. As mortes cometidas por policiais em folga aumentaram 10% em relação a 2024, e as mortes de pessoas negras cresceram 32,3% durante a gestão do governador Tarcísio de Freitas.

O relatório também indica que as interações policiais ficaram mais violentas: em 2022, a cada mil prisões e apreensões em flagrante, 2,3 pessoas morreram em ações de policiais em serviço; em 2024, esse número subiu para 5,3. Além disso, o levantamento aponta que os policiais militares também estão morrendo mais — o que evidencia um cenário de aumento da letalidade em ambos os lados da relação entre Estado e sociedade.

Para a AGEMT, a socióloga e diretora do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo destacou que as câmeras corporais não devem ser vistas apenas como um instrumento de controle, mas também como uma ferramenta de aprimoramento da atuação policial, já que amplia as motivações de implementação da política de monitoramento. “Não é sobre escolher um lado, as câmeras também protegem a vida e o trabalho dos policiais”, afirmou.

As instituições responsáveis pelo estudo concluíram que os programas de uso de câmeras corporais devem ser acompanhados por avaliações independentes e políticas efetivas de controle do uso da força. “Não basta adquirir a tecnologia. É preciso compromisso político, transparência e fortalecimento das estruturas de controle interno e externo das polícias”, destaca o documento. O debate na Alesp reforçou que, diante do aumento da letalidade policial e da ausência de políticas consolidadas de prevenção, a retomada e o aprimoramento do programa de câmeras corporais se tornam não apenas uma medida de transparência, mas uma necessidade urgente para a proteção da vida de crianças, adolescentes e de toda a população paulista.

 

A retirada aconteceu depois de Kimmel criticar Donald Trump, em um comentário sobre a morte do influenciador e ativista conservador Charlie Kirk. O caso reacendeu o debate sobre censura
por
Matheus Henrique
|
06/10/2025 - 12h

O apresentador estadunidense Jimmy Kimmel teve seu programa retirado do ar, após criticar o presidente Donald Trump, no dia 15 de setembro, durante a repercussão da morte do influenciador e ativista conservador Charlie Kirk. Ele questionou a reação do líder norte-americano e sugeriu que Tyler Robinson, autor do atentado que vitimou Kirk, seria republicano e trumpista.
 


Kimmel iniciou seu monólogo afirmando que o fim de semana havia trazido mais uma cena vergonhosa ao comentar a tentativa do movimento conservador MAGA, sigla para “Make America Great Again”, de se desvincular do acusado: "A gangue do MAGA está tentando desesperadamente caracterizar o garoto que assassinou Charlie Kirk como algo diferente de um deles, e faz tudo o que pode para ganhar pontos políticos com isso.” 

Ele comentou também sobre a reação inusitada de Trump quando um repórter perguntou como ele estava lidando com a morte de Kirk. O presidente respondeu que estava muito bem e começou a falar sobre a construção de um novo salão de baile na Casa Branca. O apresentador ironizou a situação e disse que essa não é a forma de um adulto lamentar a morte de alguém de quem dizia ser amigo. 

A emissora se posicionou sobre o caso e afirmou que os comentários foram ofensivos, optando por suspender o programa. Nas redes sociais, o presidente comemorou a suspensão e aproveitou para pedir o cancelamento de outros programas que criticam a sua gestão. 
 

trump
Grande notícia para os Estados Unidos: a ABC finalmente teve a coragem de fazer o que precisava ser feito. Kimmel não tem NENHUM talento e tem uma audiência pior que a do [Stephen] Colbert, se é que isso é possível. Agora restam Jimmy [Fallon] e Seth [Meyers], dois completos perdedores, na mentirosa NBC. A audiência deles também é horrível. Faça isso, NBC!!! Presidente Donald Trump - Reprodução: Truth Social

A suspensão repercutiu também entre os Democratas. Barack Obama, ex-presidente dos Estados Unidos, acusou o governo de censura, enquanto o senador pelo Estado de Vermont, Bernie Sanders, classificou o caso como mais um episódio de autoritarismo da gestão Trump. Ambos insistiram que o atual presidente busca calar vozes críticas. 

bama
Depois de anos reclamando sobre a cultura do cancelamento, a atual administração levou isso a um novo e perigoso nível ao ameaçar rotineiramente com ações regulatórias contra empresas de mídia, a menos que silenciem ou demitam repórteres dos quais não gostam. -  Reprodução: X
bernie
O autoritarismo é isso: o governo silenciando vozes dissidentes. Colbert. Kimmel. Um processo de 15 bilhões de dólares contra o New York Times. Muita gente lutou e morreu para defender a liberdade. Não vamos deixar que Trump a tire de nós. - Reprodução: X 

O apresentador voltou ao ar no dia 23 de setembro. Em seu discurso, esclareceu que nunca teve a intenção de menosprezar o assassinato de um jovem e aproveitou para provocar Trump novamente: “Ele fez o possível para me cancelar, mas, em vez disso, obrigou milhões de pessoas a assistir ao programa. O tiro saiu pela culatra. Talvez agora ele tenha que divulgar os arquivos de Epstein para nos distrair disso.”

Kimmel ainda comentou sobre a decisão de que conteúdos jornalísticos terão de ser submetidos à análise antes da publicação: "Pete Hegseth [Secretário de Defesa dos Estados Unidos], anunciou uma nova política que exige que jornalistas com credenciais de imprensa do Pentágono assinem um termo de compromisso, prometendo não divulgar informações que não tenham sido explicitamente autorizadas. Eles querem escolher as notícias." 

Neste ano, a emissora americana CBS anunciou o encerramento do programa The Late Show, apresentado por Stephen Colbert. A suspeita é de que as recorrentes críticas feitas pelo apresentador a Donald Trump tenham motivado a decisão.