Entenda como funciona a manipulação da extrema-direita que reacende sinal de alerta para 2026
por
Oliver de Souza Santiago
Rafael Pessoa
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15/04/2025 - 12h

O cenário político brasileiro tem apresentado um rumo preocupante nestes últimos anos. O aumento dos lobbies de outsiders como Elon Musk e Luciano Hang, somados com a polarização e diversas linhas ideológicas dos partidos nas redes sociais, tem alertado o Legislativo, Judiciário e o Executivo. O discurso de mudanças e urgências, baseado em instigar emoções como ódio, medo e esperança, tem fortalecido o crescimento de políticas extremistas.

No dia 6 de março, o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros políticos de sua base, como Tarcísio de Freitas (Republicanos/SP), Eduardo Bolsonaro (PL/SP) e entre outros,  reuniram-se em Copacabana,  para manifestar o apoio à anistia para os crimes cometidos no atentado do dia 8 de janeiro de 2023. O evento teve a participação de 18,3 mil apoiadores, e apesar da derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022, a presença do poder de controle e manipulação do bolsonarismo se mantém presente. Afirmações sobre uma suposta manipulação do pleito eleitoral de 2022 e apoio à anistia para Bolsonaro, que está sendo investigado por envolvimento na trama golpista, foi um dos temas mais comentados.

A imagem acima retrata uma charge do ex-presidente Jair Bolsonaro no ato pró-Anistia, realizado em Copacabana
Charge sobre o protesto sobre o ato pró-Anistia para presos do 8 de janeiro em Copacabana. Foto/Reprodução: Rafael Pessoa (Agemt)

O que começou com o Movimento Passe Livre em 2013, para o atentado de 08 de janeiro de 2023, evidencia o uso de mecanismos de manipulação das massas na mídia ocidental. Veículos de comunicação como Jovem Pan, Brasil Paralelo e Revista Oeste, destacam-se por sua linguagem fácil para todos os públicos, alcance midiático e por propagação de fake news. Além do surgimento de figuras como o ex-presidente, Jair Bolsonaro, a ex-primeira dama, Michelle Bolsonaro, o deputado federal, Nikolas Ferreira, o vereador Lucas Pavanato e a vereadora Zoe Martinez, com todos sendo do mesmo partido: o Partido Liberal (PL). Os parlamentares são conhecidos nas redes sociais por sua comunicação intensiva com seus apoiadores e grande parte do eleitorado brasileiro.

Da esquerda para a direita: a vereadora, Zoe Martinez, o ex-presidente, Jair Bolsonaro, a ex-primeira dama, Michelle Bolsonaro e o vereador, Lucas Pavanato (Foto/Reprodução: instagram @zoebmartinez, instagram @lucaspavanato)
Da esquerda para a direita: a vereadora, Zoe Martinez, o ex-presidente, Jair Bolsonaro, a ex-primeira dama, Michelle Bolsonaro e o vereador, Lucas Pavanato (Foto/Reprodução: instagram @zoebmartinez, instagram @lucaspavanato)

Em entrevista exclusiva para a AGEMT, o influencer político Henrique Lopes, 25 anos, mestrando em Ciências Sociais na USP, explicou quais são os métodos utilizados em maioria pela extrema-direita. “[..] Dentro do universo das redes sociais hoje, principalmente quando você trabalha com política, é praticamente impossível fugir da questão emocional. Toda influência que você tem, e faz conteúdo, para poder influenciar alguma pessoa, tratando-se aqui no Brasil, somos um povo em que a emoção é mais aflorada. Há uma necessidade muito grande de comover alguém a ter algum sentimento. A extrema-direita consegue convencer facilmente com sentimentos negativos.”

“Gerando ódio nas pessoas, deixando elas assustadas, e trabalhando narrativas que se montam em cima desses sentimentos, é fácil conseguir que aquele que está te assistindo tenha a reação que o criador de conteúdo queira passar para o consumidor.”

 

Henrique relembrou sobre o caso da suposta taxação do pix, divulgada amplamente pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL), e apresentou quais argumentos são mais utilizados na propagação destes conteúdos: “Não é sobre defender a família, é colocar um temor na população de caso o outro lado ganhe, ele é inimigo. você precisa ter medo dele, porque senão a sua família vai ser destruída. Que a sua família vai acabar, não ter mais dinheiro para se manter, que todos vão passar fome e o Brasil virar uma Venezuela.”

“A questão do Pix, era o medo de ser vigiado e o governo pegar as suas informações e forçar o povo a pagar mais imposto. De onde ele (Nikolas) tirou essas informações? Ele inventou. O vídeo foi convincente o suficiente para ter 300 milhões de visualizações e muita gente acreditou. Então, são pautas delicadas. As pessoas têm um certo amor por aquilo. Amam a família delas, querem ter condições de comprar o que quiserem, morar no Brasil, e ter a liberdade de expressão. E aí, se eu ataco tudo isso de que o ‘outro lado’ irá destruir tudo o que você gosta, é bem substancial!”

Henrique também respondeu sobre os principais objetivos dos outsiders brasileiros e internacionais: priorizar o lucro próprio ou apoiar a ideologia que estão investindo. Seja por interesse próprio, ou às vezes, de alguém que está financiando aquilo.

Um desses que está super em alta agora, não é brasileiro, mas é um nome forte, é o Elon Musk. Ele faz toda aquela articulação em cima das políticas que acredita, porque ele tem interesses secundários. Um dos ataques ao Brasil que o bilionário fez, por exemplo, é porque uma mina de lítio, que ele tinha interesse, foi leiloada para a China.

Gesto de Elon Musk para apoiadores de Trump durante o desfile inaugural dentro da Capitol One Arena, em Washington, DC - ANGELA WEISS / AFP
Gesto de Elon Musk para apoiadores de Trump durante o desfile inaugural dentro da Capitol One Arena, em Washington, DC - ANGELA WEISS / AFP

Henrique também citou sobre o lobby político do agro, onde o representante desta indústria recebe o dinheiro, e beneficia este mercado no Legislativo, além de manter uma relação mútua onde ambos podem “sair felizes”.

Sobre os possíveis resultados desta manipulação, Henrique ressalta: “Hoje em dia, de um jeito bem grosso, parece que a esquerda eram ‘os caras legais’. Os anti-sistemas. O discurso foi tomado pela direita e extrema-direita, que hoje domina majoritariamente a internet.”

Relatório mostra a fatalidade das intervenções beirando o cotidiano dos jovens
por
Leticia Falaschi
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11/04/2025 - 12h

Na última quinta-feira (3) foi publicada a segunda edição do relatório As câmeras corporais na Polícia Militar no estado de São Paulo: Mudanças na política e impacto nas mortes de adolescentes, realizado pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). O que se destacou no documento foi o aumento no número de vítimas fatais das intervenções policiais entre crianças e adolescentes: de 2022 para 2024 houve um salto de 120%. O estudo buscou explorar a origem desse salto e analisar sua relação com atual gestão do estado.  

O que mudou nos últimos dois anos, nos órgãos de segurança, foi o aumento de ataques aos programas de contenção de risco. Essas ofensivas tiveram força e apoio pois foram oriundas de representantes de altos cargos, como o atual governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública. A primeira edição do relatório, realizada em 2022, conseguiu acompanhar os números antes e depois da implementação das câmeras corporais nos policiais militares do estado. Os resultados foram esclarecedores: comparando dados de 2017 e 2022, houve uma queda de 66,3% nas mortes na faixa etária de 10 a 19 anos por autoria da polícia militar. Na publicação, a queda foi atribuída ao Programa Olho Vivo adotado pela PMESP e pela Secretaria de Segurança Pública no segundo semestre de 2020. 

gráfico de mortes causadas por intervenção policial em São Paulo de 2001 a 2024
Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 

As crianças e adolescentes vítimas da ação truculenta da PM, registradas no ano passado, superaram o dobro do que foi contabilizado em 2022: saindo de 35 mortes para 77, entre elas, as negras são 3,7 vezes mais atingidas em intervenções letais. Segundo o relatório, a maioria das alterações no modo operante da PM diz respeito ao controle de força e punição dos responsáveis. Apesar do número de câmeras a disposição não ter diminuído, o uso não está sendo cumprido, e a quantidade de arquivos a serem consultados estão mais escassos. Além disso, a acessibilidade desses arquivos foi burocratizada: “Um levantamento da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, baseado em 457 solicitações de ocorrências entre julho e novembro de 2024, mostrou que a PMESP não forneceu resposta para 48,3% dos casos. No caso das ocorrências respondidas, em apenas 100 casos foi possível realizar a análise.” diz um trecho do estudo. 

O afrouxamento da Corregedoria da PMESP também foi fortemente sinalizado no relatório. Isso, somado às declarações de representantes do governo questionando a efetividade das câmeras parece ter encorajado os oficiais a abandonarem o uso. A Corregedoria também teve sua autonomia reduzida: agora, para realizar o afastamento de um oficial, a decisão será submetida à solicitação do um subcomandante geral. 

O governo assinou, em setembro de 2024, um contrato com a empresa Motorola para a compra de 12 mil novas câmeras, que substituirão as atuais. Porém, esse novo modelo apresenta alterações sensíveis: além das gravações não serem ininterruptas, o seu acionamento depende da decisão do policial que a usa. As inflexões do programa Olho Vivo são protagonistas nos resultados que assombram a juventude paulista. Apesar de representar apenas 0,6% do orçamento da Secretaria de Segurança, ao longo de 2023 o programa sofreu 37% de cortes do valor inicial de investimento. 

Tabela de princiais mudanças na gestão da Polícia Militar de SP - 2024 para 2025
Fonte: Unicef

No panorama geral, o relatório é alarmante para as crianças paulistas. As reformas questionáveis que insistem em ser realizadas pelos gestores, mesmo diante a eficiência das câmeras se traduzem em letalidade para os jovens do estado. “É importante destacar que 30,1% das mortes de crianças e adolescentes nos últimos oito anos foram provocadas por policiais militares durante a folga desses agentes, o que soma mais 316 vítimas. Em 2024, 1 em cada 4 mortes de adolescentes pela PMESP foi causada pela ação de policiais militares de folga, em ocorrências que não foram classificadas como homicídio doloso.”, expõe a investigação. 

Motoboys articularam-se em cidades por todo o Brasil exigindo melhores condições de trabalho
por
Leticia Falaschi
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07/04/2025 - 12h

Na última segunda-feira (31) motociclistas articulados pela Anea (Aliança Nacional dos Entregadores por Aplicativo) e outras associações, realizaram uma paralisação dos serviços como forma de protesto. O objetivo era reivindicar ajustes nas taxas e na remuneração, limites de distância para entregas feitas com bicicletas, conciliação do tempo diário de operação, entre outras demandas de trabalho. Com destaque para o ato na cidade de São Paulo, os manifestantes expuseram seu descontentamento com a desvalorização da categoria, que, principalmente na pandemia, foi vital para o funcionamento da vida nas cidades. A paralisação começou em frente ao estádio do Pacaembu, durante a manhã, seguiu para a Avenida Paulista e, ao final, se concentrou em frente à sede do IFood na cidade de Osasco, na zona oeste da região metropolitana. 

Entregadores no movimento na Av. Dos Autonomistas na cidade de Osasco, São Paulo.
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil 

Uma das principais exigências levantadas pelos motoboys foi o aumento da taxa das corridas, que hoje é de R$ 6,50. O que revolta muitos dos trabalhadores são os valores baixos oferecidos para um serviço de imensa demanda. Quando se trata do trabalho autônomo, a segurança e a saúde para exercer os serviços estão intrinsecamente ligados a remuneração. No Brasil, só no ano de 2024, foram 483 mortes no trânsito envolvendo motociclistas, segundo dados do DETRAN (Departamento Estadual de Trânsito). A realidade de boa parte dos motoqueiros, infelizmente, é escolher entre pagar as contas ou fazer a ajustes em suas motocicletas, o que acaba precarizando os trajetos do trabalhador e colocando sua segurança em risco.  

Em 2023, o Ministério do Trabalho criou um GT (grupo de trabalho) para discutir a regulamentação do trabalho por aplicativo, mas os termos propostos foram muito desvantajosos, segundo os motociclistas. Os motoristas de aplicativo (que levam passageiros, como os serviços oferecidos pela Uber), porém, aderiram às medidas, o que, segundo os motoboys, enfraqueceu o movimento. Desde então, o órgão prometeu um relatório com uma resposta aos motociclistas da categoria, o que nunca aconteceu: a discussão segue estagnada. Os breques acontecem desde 2020, e os resultados oferecidos até então pelo IFood (empresa que controla, hoje, cerca de 80% do mercado brasileiro de delivery) foi a alteração da taxa de R$ 6,00 para R$ 6,50 em 2022, depois disso não houve mais reajustes. Apesar de necessárias para impor as reivindicações de trabalho, as paralisações são difíceis de serem realizadas pois significam um dia a menos de captação para os motoboys. 

Manifestantes em frente à sede do IFood em Osasco, São Paulo
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil 

Entre os outros pedidos, estavam o aumento de R$ 1,50 para R$ 2,50 no pagamento por quilômetro percorrido nas corridas, limite de 3 quilômetros para entregas feitas por bicicletas e o pagamento de taxas separados por número de entregas, e não pelo número de corridas.  

Quando os manifestantes se concentraram em frente à sede do IFood, exigiram que o João Sabino, diretor de Políticas Públicas da empresa, saísse do estabelecimento para negociar com os líderes do movimento publicamente. O pedido foi negado, e diante a pressão, a empresa convocou nove representantes para entrarem e discutirem as demandas, mas nenhuma delas foi atendida. Como resultado, os motociclistas se dispersaram em clima de descontentamento. A paralisação seguiu por 48h. 

Supremo Tribunal Federal julga altos oficiais e políticos, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro
por
Manoella Marinho
Carolina Zaterka
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05/04/2025 - 12h

Nas eleições de 2022, o cenário político brasileiro foi marcado pela vitória de Luiz Inácio Lula da Silva sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro. Em meio a esse contexto, a Procuradoria-Geral da República apresentou uma denúncia fundamentada em uma ampla gama de evidências, que vão desde manuscritos e arquivos digitais até planilhas e trocas de mensagens, acusando um esquema destinado a manter Bolsonaro no poder. De acordo com a acusação, tal grupo teria se empenhado em adotar medidas que minassem os pilares do Estado Democrático de Direito, configurando uma possível trama golpista.

No cerne do processo, o STF analisa a participação de um núcleo de altos oficiais militares e políticos, conhecido informalmente como “Núcleo 1’’. Entre os denunciados estão: Jair Bolsonaro, Almir Garnier Santos, Alexandre Ramagem, Anderson Torres, Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno e Walter Braga Netto.

O ex-comandante da Marinha na gestão Bolsonaro, Almir Garnier, responde a seríssimas acusações devido a uma suposta conspiração de golpe de Estado. Ele foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República e está incluído no “inquérito do golpe”, instaurado após a pressão pública das eleições de 2022. A acusação afirmou que o então comandante da Marinha vinha discutindo com outros generais da reserva a elaboração de um plano de golpe, cujo cotidiano previa a execução de um atentado contra altas autoridades. Nesse plano, nos seus próprios termos, Garnier enfrentava a missão de assassinato do presidente eleito, do vice-presidente e de um ministro do Supremo Tribunal Federal.

Ex-comandante da Marinha, almirante da reserva Almir Garnier Santos, durante programa A Voz do Brasil
Ex-comandante da Marinha, almirante da reserva Almir Garnier Santos, durante programa A Voz do Brasil/ Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil 

Em uma reunião realizada com Jair Bolsonaro, pouco após a derrota eleitoral, Garnier teria supostamente afirmado que suas tropas estavam prontas para agir, enquanto outros comandos militares haviam se recusado a aderir ao plano. Conversas interceptadas pela Polícia Federal mostram que Garnier estava disposto a mobilizar recursos militares e, assim, foi o único chefe das Forças Armadas a se opor, pela força, à posse do presidente eleito.

Em 26 de março de 2025, a Primeira Turma do STF admitiu a denúncia contra Garnier e seus corréus, tornando-o réu em um processo no qual, se condenado, cumprirá mais de 30 anos de prisão. Antes disso, sua carreira no Exército não foi marcada por escândalos especiais; no entanto, seu nome foi associado a investigações de organizações golpistas, e o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos atos de 8 de janeiro definiu motivos para acreditar que Garnier cometeu três crimes relacionados à intenção golpista. Outra notícia em torno do ex-comandante foi a contínua ocupação de um apartamento da Marinha após sua aposentadoria, o que levou a especulações e suspeitas sobre sua ação durante a transição.

No entanto, no mérito, a defesa de Garnier, encampada pelo advogado Demóstenes Torres, anteviu “nulidade absoluta” do processo, por ausência de justa causa, e “frágil prova” – classificando a denúncia como uma “grande mentira”. O que foi voto vencido na Corte no julgamento deste caso. Contudo, com base na manifestação do relator, ministro Alexandre de Moraes, os ministros da Suprema Corte entenderam que todos os elementos, relatos, mensagens e depoimentos autorizavam o prosseguimento, sobretudo mantendo a validade dos depoimentos da delação premiada de Mauro Cid.

Portanto, o processo vai agora para a fase de instrução, com as oitivas das testemunhas e a produção de novas provas. Nota-se, dessa forma, um julgamento de impacto político e institucional, o primeiro contra um ex-comandante militar desde a reabertura da redemocratização, por tentativa de ruptura democrática.

Posteriormente, Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro no início do mandato (2019–2022) e atualmente delator dos criminosos nas maiores acusações, atua como réu nas denúncias. Na medida em que a acusação o incluiu no “núcleo decisório” da conspiração, ele foi envolvido nas mesmas narrativas de crime organizado por armamento e atentado contra a ordem democrática, dentre outros. Em 2 de março de 2025, o STF também aceitou denúncia contra o acusado, consolidando-o como réu no processo do golpe.

Após defesa de Bolsonaro pedir a nulidade da delação, o advogado de Cid reforçou a integridade    do acordo.    Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
Após defesa de Bolsonaro pedir a nulidade da delação, o advogado de Cid reforçou a integridade do acordo/ Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil 

Além da acusação de participar da tentativa de golpe, Mauro Cid está sob investigação por outros crimes graves. Uma das principais acusações diz respeito à fraude em cartões de vacinação da Covid-19. Ele foi preso pela Polícia Federal em maio de 2023 na Operação Venire, que investigava a fraude nos dados inseridos no sistema de vacinação do Ministério da Saúde. Cid está sendo acusado de liderar um grupo que falsificou os certificados de vacinação do próprio Bolsonaro, de sua filha e de outros assessores que, em seguida, foram utilizados para driblar as exigências sanitárias impostas a viajantes internacionais.

Outro crime investigado foi a comercialização de joias e presentes de alto valor roubados em feiras clandestinas de Cid, apreendidos de sua posse, que ele alega ter ganhado do ex-presidente da República, subtraídos do acervo presidencial de bens, com valor total em torno de 86 mil dólares.

Historicamente, Mauro Cid era visto como um fiel executor das ordens do ex-presidente. Ele havia ganhado a confiança do círculo bolsonarista e era chamado de “faz-tudo”. Apesar disso, assim que o governo caiu, seu nome passou a ser envolvido em uma série de esquemas controversos, que vão desde a participação em reuniões para discutir a invasão das urnas eletrônicas até os ilícitos envolvendo vacinação e patrimônio.

Em setembro de 2023, após alguns meses de investigação, ele fechou um acordo de delação premiada. Em seus depoimentos, Cid levou provas documentais e fez de sua fala um relato de base factual que traçou, procedimento a procedimento, cada passo que garantia a conexão de Bolsonaro com os crimes, incluindo a ordem para fazer cartões de vacina com mais doses do que a real e o envolvimento em tratativas para vender presentes oficiais dados ao presidente brasileiro.

Em seu primeiro dia de julgamento, Bolsonaro  acompanha julgamento no STF na primeira fila   Reprodução - TV Justiça
Em seu primeiro dia de julgamento, Bolsonaro  acompanha julgamento no STF na primeira fila./ Reprodução: TV Justiça

Seu papel como colaborador, apesar de resultar em benefícios da perspectiva do processo, foi cercado por dificuldades, exemplificadas pela referida prisão em março de 2024, após vazamento de áudios que implicavam sua coação para incriminar Bolsonaro. Enquanto isso, sua colaboração foi retida, mantendo-o uma peça vital do conjunto maior das investigações, que abrangem não apenas o golpe, mas também o falso processo de vacinação e a corrupção patrimonial.

Essa interposição peculiar, réu e testemunha ao mesmo tempo, intensifica os efeitos explosivos de suas apresentações, que quebraram o véu de segredo e jogaram luz nos detalhes das atividades ilícitas por trás do governo, além de acentuar a pressão legal abrangente sobre o ex-presidente e seus associados.

Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) avança nos julgamentos de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, também acusado de envolvimento no caso de golpe de Estado.

Anderson Torres responde a três crimes principais: Omissão nos atos de 8 de janeiro de 2023, posse de Minuta de Decreto para Estado de Defesa e disseminação de Conteúdo Golpista.

O advogado Eumar Roberto Novacki, defensor do réu, apresentou argumentos afirmando que não poderiam julgar Torres pelo atentado do dia 8 de janeiro pelo fato de ele não estar em território nacional no período do ocorrido. Além disso, afirmou que as provas encontradas em sua residência não comprovaram sua participação ativa no plano golpista, além de reiterar a desconsideração de mensagens que deveriam ser privadas e não necessariamente demonstrariam uma intenção criminosa.

A Procuradoria-Geral da República sustenta que a soma de elementos, aliada à postura passiva diante do golpe, à presença de um documento com teor anticonstitucional em sua casa e o incentivo a discursos antidemocráticos, revela uma justificativa de sua responsabilização penal.

Já o outro acusado, Paulo Sérgio Nogueira, também envolvido nos recentes atos, é acusado dos seguintes crimes: Participação em reuniões para planejar um golpe e pressão sobre comandantes militares.

Poder 360 Gustavo Moreno Sustentação oral do advogado de Paulo Sérgio Nogueira, Andrew Fernandes Farias (esq.), em julgamento da denúncia.
Sustentação oral do advogado de Paulo Sérgio Nogueira, Andrew Fernandes Farias (esq.), em julgamento da denúncia./ Foto: Gustavo Moreno/Poder 360

Porém, seu advogado de defesa, no momento do julgamento, afirmou que o réu teria sido um dos que se opuseram a um golpe de Estado e que apenas participou de reuniões onde se debatiam diferentes cenários políticos, baseando-se na delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que citou Paulo Sérgio como um dos militares contrários à tentativa de golpe. Andréa Fernandes Farias afirmou:

A aceitação das denúncias contra Anderson Torres, Paulo Sérgio Nogueira, Almir Garnier e Mauro Cid pelo STF representa um avanço na responsabilização de agentes que, direta ou indiretamente, contribuíram para o agravamento da crise democrática no Brasil, principalmente no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

O caso reflete a tensão entre setores militares e a política institucional. Enquanto parte da cúpula das Forças Armadas tentou se distanciar dos acontecimentos, há registros de que militares de diferentes patentes se envolveram nos atos antidemocráticos. O STF está avaliando cada caso e os julgados aguardam resultado.

 

 

 

 

135 anos após o fim dos reis no Brasil, articuladores trazem pauta
por
Marcelo Barbosa Prado Filho
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26/03/2025 - 12h

A Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Congresso Nacional colocou em pauta uma proposta inusitada: a realização de um plebiscito para substituir o atual sistema presidencialista por uma monarquia parlamentarista.

A monarquia foi abolida no Brasil em 1889, quando Dom Pedro II foi deposto por um golpe militar liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca. Sob intensa pressão política, Deodoro comandou a transição para a República, encerrando o período imperial.

Atualmente, os descendentes da antiga família real brasileira formam a chamada Casa Imperial do Brasil, que reúne os herdeiros de Dom Pedro II e tem raízes nas Casas de Bragança e Órleans. O atual chefe da Casa Imperial é o príncipe Bertrand de Órleans e Bragança.

Curiosamente, um dos entusiastas do tema dentro do Congresso é Luiz Philippe de Órleans e Bragança, tetraneto de Dom Pedro II e integrante do partido de Jair Bolsonaro, um ex-militar. A proposta, porém, não especifica quem assumiria o trono caso a monarquia fosse restaurada, nem detalha como funcionaria a estrutura desse governo.

Iniciativas semelhantes já ocorreram no Brasil. Em abril de 1993, um plebiscito decidiu entre presidencialismo, parlamentarismo e monarquia, resultando na manutenção do atual sistema presidencialista.

Apesar de estar em discussão no Senado, a proposta não partiu de parlamentares, mas sim da sociedade civil. Uma petição reuniu 29 mil assinaturas e foi encaminhada à CDH em 2024 por um cidadão identificado como "Ilgner A.", segundo apuração do jornal O Estado de S. Paulo.

A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra de Jair Bolsonaro e atual presidente da CDH, foi a responsável por dar andamento ao tema. Segundo ela, a proposta estava paralisada até sua chegada à comissão. Em entrevista ao Estadão, Damares defendeu o debate:

"Uma iniciativa vinda da sociedade não pode ficar na gaveta. Nem que seja um 'não' bonito, tem que ser apreciado. Não é o presidente de uma comissão que decide o que deve ser discutido, é o plenário. Vamos colocar o assunto em debate. Por que não?"

Enquanto isso, pesquisas indicam que a principal preocupação dos brasileiros está voltada para temas como economia, saúde e segurança pública. Sob a óptica da professora de história da PUC-SP Yvone Dias Avelino, "não é possível a volta de uma monarquia. Os parlamentares da câmara preferem uma democracia e Damares não é um exemplo de uma política forte para conduzir essa ideia. A Europa, por exemplo, demonstra que as monarquias estão desaparecendo. No Brasil, não se ouviram os cidadãos brasileiros, não se ouviu o STF, não se ouviram os jornais, não se ouviram a câmara e o Senado. Ou seja, as instâncias políticas, jurídicas e sociais não foram consultadas. Os gastos ainda poderiam ser enormes.” Então, essa é uma pauta que eu acredito que não vai pra frente.” Segundo um levantamento da Quaest, a volta de uma monarquia poderia significar custos elevados para o país, a exemplo do Reino Unido, onde a manutenção da família real custou mais de 102 milhões de libras (aproximadamente R$ 650 milhões) aos cofres públicos apenas em 2021.

Caso a CDH aprove a proposta, ela seguirá para votação no Senado e, posteriormente, na Câmara dos Deputados. Se aprovada em ambas as casas, ainda dependerá da sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.


 

De figura íntima do ex-presidente a homem-bomba do governo bolsonarista
por
Dayres Vitoria
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22/08/2023 - 12h

Preso desde 2 de agosto por invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Walter Delgatti Neto compareceu ao Senado, nesta última quinta-feira (17), para depor à CPI dos Atos Golpistas. Delgatti afirma ser o hacker contratado pelo ex-presidente da República, Jair Messias Bolsonaro (PL),  para criar provas contra o resultado eleitoral obtido nas urnas em 2022.

De terno preto e gravata rosa, o hacker que diz ter recebido R$40.000, 00 da deputada federal Carla Zambelli (PL)  para invadir o site do CNJ,  chegou à câmara alta do Congresso Nacional dentro de uma viatura da Polícia Federal. O objetivo de seu depoimento, era que ele esclarecesse seu envolvimento com o então ex-presidente, Jair Bolsonaro. Com o semblante calmo e sem a barba ruiva que costuma utilizar, Delgatti acenou modestamente com a cabeça para aqueles que o aguardavam na entrada. 

Walter ganhou fama ainda em 2019 ao ficar conhecido como o “hacker da Vaza Jato” após invadir e vazar mensagens de  celulares particulares de diversas autoridades envolvidas na operação. Desde então, para Bolsonaro, tornou-se um exemplo de profissional chegando até a ser classificado pelo líder do Partido Liberal como hacker  "do bem"  e uma pessoa “confiável”. Certamente, Messias não previa, na época, o que viria depois. 

Convocado a depor, Delgatti, ao contrário de Mauro Cid – tenente-coronel braço direito de Bolsonaro que também está preso e que chegou a comparecer à CPI, mas recusou-se a falar – colocou a boca no trombone. Walter surpreendeu a todos ao acusar Jair Messias Bolsonaro de ser o principal mandante de todas as ações tomadas pelo investigado.

O deputado federal Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) foi um dos parlamentares que conseguiu arrancar de Delgatti as  respostas  mais diretas possíveis. O líder cristão fez sete questionamentos e todos foram respondidos prontamente pelo hacker.

Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ):

— “Quem pediu para o senhor tentar fraudar esse sistema?”

Delgatti respondeu:

— “Carla Zambelli, por ordem do Presidente Bolsonaro. Do ex-presidente Bolsonaro.”

Assim se deram todas as outras seis perguntas, Delgatti apontando e reafirmando o envolvimento de Bolsonaro como principal mandante das tentativas de fraudar o resultado do sistema eleitoral de 2022. 

Ao finalizar sua fala dentro do tempo permitido, o deputado Vieira reiterou que a data se tratava de um dia histórico por apontar o envolvimento claro do ex-presidente nos fatos investigados pela comissão.

Já com o senador Sérgio Moro (União Brasil-PR), as respostas do depoente não foram consideradas tão agradáveis e muito menos receberam elogios. O então juiz "herói" da época da Operação Lava Jato travou um embate com o declarante. Ambos com os ânimos à flor da pele.

O político paranaense, ao iniciar sua fala, apresentou aos participantes ali presentes uma imensa ficha apontando todos os antecedentes criminais e processos movidos contra o hacker numa tentativa, é claro, de descredibilizá-lo e deslegitimar suas afirmações ali dadas durante o depoimento.

 

Créditos: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Créditos: Edilson Rodrigues/Agência Senado 

 

O hacker, que se mostrou nervoso com a exposição realizada por Moro, se defendeu afirmando:

- “Eu li as conversas de vossa excelência e posso dizer que o senhor é um criminoso contumaz, que cometeu diversas irregularidades e crimes”.

Moro então rebateu:

— “Bandido aqui, senhor Walter, que está preso, é o senhor. O senhor foi condenado, o senhor é inocente como o presidente Lula então”.

Soraya Thronicke (Podemos-MS), que também um dia já foi apoiadora de Bolsonaro, na contramão de Moro, defendeu a legitimidade do depoimento do hacker:

— “Se a pessoa cometeu um crime, isso não está sendo objeto de investigação. O que está sendo investigado aqui é a tentativa de golpe de estado. E, para esse desiderato, o senhor (Walter Delgatti Neto) é sim uma testemunha valiosa para nós”.

A deputada não somente advogou pelas declarações dadas por Delgatti como também exibiu provas de ameaças que o então advogado do hacker vem enfrentando. Thronicke ainda pediu proteção a ambos.

O deputado federal Nikolas Ferreira (PL), com tom de provocação, sua marca registrada, iniciou seu discurso trazendo uma análise do comportamento de Delgatti ao longo do dia durante o depoimento. O hacker, no período da tarde, se recusou a responder os questionamentos levantados por deputados de direita recorrendo constantemente ao seu direito de permanecer em silêncio. Já durante a manhã, com deputados de esquerda, Walter respondeu prontamente tudo a que foi indagado.

Nikolas articulou:

- “De manhã estava todo saltitante, feliz, respondendo todas as perguntas da esquerda, mas de repente, na parte da tarde, não responde ninguém da direita. A famosa testemunha seletiva... a mentira é sua verdadeira profissão”. 

O parlamentar, na mesma tentativa de Moro de descredibilizar as declarações dadas pelo hacker, exigiu que um vídeo antigo do interrogado fosse mostrado durante a sessão. Nas imagens apresentadas por Nikolas, Delgatti afirma:

- “Eu tenho planos futuros, caso eu ganhe uma notoriedade positiva com tudo isso, quero me candidatar a deputado federal pelo meu estado. Não tenho ainda um partido definido, mas atualmente, não sei no futuro, se fosse me candidatar hoje seria com um partido de esquerda."

Durante o depoimento que durou quase 7 horas, Delgatti confessou as promessas feitas por Bolsonaro a ele. Entre elas, estaria um indulto garantido caso o hacker fosse preso por ação contra as urnas eletrônicas.

Não obstante, o ex-presidente teria pedido a Delgatti que 'assumisse a  autoria' da invasão do aparelho celular de Alexandre Moraes, que também teria sido grampeado e acessado.

Delgatti ainda declarou ter plena consciência dos crimes que estava cometendo contra as urnas, mas informou que por se tratar de ordens do então  presidente da República, na época, resolveu obedecê-lo.

Embora esteja detido, por ora, devido a seu envolvimento com a deputada Carla Zambelli, nesta segunda-feira (21), a Justiça Federal do Distrito Federal condenou Walter Delgatti Neto também a 20 anos e um mês de prisão pelos crimes cometidos no caso da Vaza Jato em 2019. 

A cronologia das joias sauditas entregues ao ex-presidente do Brasil
por
Giuliana Barrios Zanin
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18/08/2023 - 12h

Na última sexta-feira (11), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes autorizou a busca e apreensão de objetos e provas na casa de Mauro César Cid, pai de Mauro Cid, ex-ajudante de ordem de Jair Bolsonaro. A Polícia Federal (PF) aponta  o envolvimento do político na venda ilícita de jóias dadas pelo príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, em 2021. Além do ex-presidente, outras quatro pessoas ligadas a ele estão sendo investigadas. 

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Mauro César Cid foi braço direito de Bolsonaro durante os últimos quatro anos./Reprodução

Tudo começou em outubro de 2019. O ex-chefe de Estado brasileiro embarcou  rumo  ao distrito Al-Turaif com o objetivo de apaziguar qualquer “mal-entendido” provocado pela ideia de transferir a embaixada do Brasil em Israel, além de atrair investimentos de infraestrutura para a nação latina. Durante a visita à Arábia Saudita, último país do projeto oficial “Ásia e Oriente Médio”, Bolsonaro recebeu um presente valioso e robusto que seria repassado a terceiros com facilidade meses depois. O kit recebido continha um anel, abotoaduras, um rosário e um relógio da marca Rolex de ouro branco.

 Aqueles não foram os únicos acessórios luxuosos que o político ganhou. Primeiro, o ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, em uma viagem à Arábia Saudita, retornou a ao Brasil com um conjunto de itens da marca Chopard. Ele trouxe consigo uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário e um relógio. No mês seguinte, o reino de Bahrein presenteou o ex-presidente com duas esculturas (uma palmeira e um barco). De acordo com a Polícia Federal , as obras não foram registradas oficialmente, assim como um relógio da Patek Phillipe. Mauro Cid enviou uma foto do seu certificado de autenticidade a Bolsonaro. O item não foi registrado no acervo do presidente. 

A patrulha expandiu seu plano por meio de  uma série de viagens de avião aos Estados Unidos a partir de  junho de 2022. O ex-general passou por idas e vindas com uma  lista de relógios recebidos pela Presidência e documentos das peças. Na época em que Jair  embarcou para a Cúpula das Américas nos EUA, um relógio Rolex foi levado ao país. De acordo com a PF, o kit  estava na casa do pai do ex-ajudante de Bolsonaro, em Miami.

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As jóias sauditas entregues à Jair deveriam ser de patrimônio público, porém  foram registradas no acervo pessoal do ex-chefe de Estado./Reprodução

 A essa  altura, a venda de boca em boca valorizou o trabalho de Cid. Em 13 de junho de 2022, o ex-general viajou  para Willow Grove, na Pensilvânia, e vendeu  os relógios das marcas Rolex e Patek Philippe para a empresa Precision Watches. O preço foi de US$ 68 mil, equivalente a R$346.983,60. Uma foto do comprovante de depósito foi armazenada pelo ex-assessor. O dinheiro foi  depositado numa conta que corresponde a Mauro Cesar Lourena Cid, o pai do militar e também ex-general da reserva.

“Presentes que são doados ao Estado devem ser incorporados ao patrimônio público", reforçou o Presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas. No entanto, todos os regalos recebidos por Jair como honra da Presidência foram arquivados em seu acervo pessoal. Sua equipe chegou a registrá-los no Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH) da Presidência como declaração legal de Patrimônio Público. 

Dois dias antes da posse presidencial de Luis Inácio Lula da Silva, Bolsonaro foi para Orlando com uma mala que continha o kit da Chopard e as esculturas.  Seu destino era a casa do pai de Mauro Cid.

Em mensagens de texto, pai e filho  discutiram sobre os cuidados dos objetos. É neste momento que dois personagens entram em cena : os assessores do ex-representante de ordem e do ex-presidente, Osmar Crivelatti e Marcelo Câmara. Os homens eram responsáveis por levar as peças a lugares especializados em avaliação de venda. Nas mensagens, subtende-se que eles não conseguiram  vender os brilhantes. Porém, no dia 4 de janeiro, Mauro Cid conversou  com o pai e pediu  para ele “não esquecer de tirar fotos".O general enviou  uma sequência de imagens de duas esculturas em que o reflexo do seu rosto aparece nas fotos.

Uma  reportagem do jornal O Globo teve acesso a fotos e transcrições de áudio dos negócios., No histórico, Mauro Cid diz que já mandou “voltar” o kit de jóias  que havia sido colocado em leilão e afirma: “Só dá pena pq estamos falando de 120 mil dólares / Hahaaahaahah”. Já Câmara diz que o trâmite é “pra não ter problema” e acrescenta: "porque já sumiu um que foi com a DONA MICHELLE”, em referência à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.

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O pai de Mauro Cid interceptou, em Miami, as vendas das jóias./Reprodução 

As jóias que estavam na mala do ex-assessor do ex-ministro Bento Albuquerque foram apreendidas pela Receita Federal no Aeroporto Internacional de Guarulhos em outubro de 2021. A justificativa do órgão condiz com uma lei que obriga a declaração de qualquer bem cujo valor seja superior a US$1 mil. Os responsáveis ignoraram a opção de declarar as joias como bens destinados ao patrimônio da União. 

Após uma reportagem do Estado de São Paulo revelando o esquema em março de 2023, a Operação de resgate das jóias, também chamada de  “Lucas 12:2”, é oficializada. Em busca de provas da comercialização dos objetos sauditas pelo governo Bolsonaro, a PF coletou áudios e mensagens dos envolvidos.  Neste momento, mais uma figura surge no mar de fiados: o advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef. Ele ficou responsável por recuperar o relógio Rolex com a empresa Precision Watches, vendido no ano anterior por Mauro Cid no fim do primeiro trimestre. Com provas em mãos, o Tribunal das Contas da União (TCU) suspendeu  o uso e a guarda dos objetos pelo ex-chefe de Estado.

A partir dessa decisão, a devolução dos acessórios é declarada para a defesa de Bolsonaro. O primeiro kit da marca Chopard foi entregue  e os outros retornaram ao cofre público da Caixa Econômica Federal pouco tempo depois que  Mauro Cid retornou  ao Brasil.

Até o dia da busca e apreensão dos próximos a Bolsonaro, nenhuma das defesas dos acusados se pronunciou. Ao não ser pelo próprio  ex-presidente em conversas rápidas e informais.

Durante uma coletiva em  de março de 2023, Bolsonaro, questionado pelo caso das jóias, insistiu  na versão vitimizada. “Eu tô sendo crucificado por um presente que eu não recebi”.

Dois meses depois, Mauro Cid foi preso por conta de uma operação da PF sobre a inserção de dados falsos de vacinação contra o COVID-19 no sistema do Ministério da Saúde. O militar não havia se pronunciado até que, o dia 17 de agosto,  sua defesa afirmou que iria em solos judiciários admitir o mandatário de Bolsonaro sobre as jóias e a transferência da venda em espécie ao ex-chefe de Estado. No mesmo dia, Alexandre de Moraes  autorizou o pedido da PF para a quebra de sigilo bancário do ex-presidente e sua mulher. 

A delação do ex-general, entretanto, não chegou a acontecer. No dia seguinte ao anúncio, o advogado Cezar Bittencourt negou que Cid iria “dedurar Bolsonaro”. Em uma entrevista ao Estúdio i da GloboNews, declarou que “houve um equívoco” com relação às informações divulgadas. 

Diante de tanta ebulição política, os deputados federais Érika Hilton (PSOL) e Pastor Henrique Vieira (PSOL) acionaram o STF para que o passaporte de Bolsonaro seja apreendido nas próximas 24 horas. A Ministra do Planejamento e Orçamento do Brasil, Simone Tebet, também apoia a decisão. Na cerimônia de posse do novo presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizada nesta sexta-feira (18), disse que “quem fugiu para não passar a faixa para um presidente legitimamente eleito pelo povo com certeza vai querer abandonar o Brasil para poder salvar a própria pele”.

Com maioria no TSE, o ex-presidente ficará oito anos sem poder concorrer às eleições a contar do último pleito em 2022.
por
Beatriz Brascioli
Laura Teixeira
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30/06/2023 - 12h

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A ação que julgava abuso de poder político de Bolsonaro durante as eleições de 2022 terminou em 5 a 2 a favor da inelegibilidade até as eleições de 2030. Na mesma decisão, o Tribunal rejeitou, por unanimidade, as acusações contra o ex-ministro e ex-candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, Walter Braga Netto.

Na ação movida pelo PDT, o ex-presidente também foi acusado de uso impróprio dos meios de comunicação, por acusar sem provas, em reunião com embaixadores estrangeiros, o sistema eleitoral, fazendo declarações sobre a segurança das urnas. A defesa de Bolsonaro afirmou que a reunião não teve caráter político. 

O julgamento

A denúncia teve origem após uma transmissão realizada pela TV Brasil, às vésperas das eleições, na qual o ex-presidente acusou sem apresentar provas o sistema eleitoral brasileiro e questionou as urnas eletrônicas. A votação da ação começou na última quinta-feira (22), com a leitura do relatório da ação pelo Ministro Benedito Gonçalves, relator do processo, as argumentações da defesa e da acusação, além do parecer do Ministério Público Eleitoral. O vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet Branco, apresentou um parecer favorável à condenação de Bolsonaro e pela improcedência da ação contra Braga Netto.

Julgamento TSE
Ministro Benedito Gonçalves foi favorável a inelegibilidade do ex-presidente.
Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil 



Na terça-feira (27), o julgamento foi retomado com a leitura do voto do Ministro Benedito Gonçalves, favorável à inelegibilidade do ex-presidente. “O Tribunal Superior Eleitoral se manterá firme em seu dever de, como órgão de cúpula da governança eleitoral, transmitir informações verídicas e atuar para conter o perigoso alastramento da desinformação que visa desacreditar o próprio regime democrático”, afirmou o relator em seu voto. Para Gonçalves, Bolsonaro praticou “conduta ilícita em benefício de sua candidatura à reeleição”.

A votação foi retomada na quinta-feira (29), com o Ministro Raul Araújo abrindo a divergência. Em seu voto, Araújo se manifestou contra a inclusão da chamada “minuta do golpe” - encontrada na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres - entre as provas da ação. Nesse momento, a ministra Cármen Lúcia, vice-presidente do TSE, interrompeu Araújo para divergir do entendimento. “Não me pareceu que, no voto do ministro-relator, tivesse nenhuma referência a que este documento que o ministro-relator acolheu como juntada, nem de autoria, nem de responsabilidade, do primeiro investigado”, disse a ministra. O presidente da Corte, Alexandre de Moraes, e o relator, Benedito Gonçalves, reafirmaram a posição colocada pela Ministra com relação à minuta.

Durante seu voto, o ministro Raul Araújo reconheceu que o então presidente Jair Bolsonaro fez afirmações inverídicas, mas também cometeu excessos verbais. “Nem todo o discurso (de Bolsonaro na reunião) veicula afirmações inverídicas, estando igualmente presentes naquela manifestação trechos nos quais o investigado apenas expõe sua opinião política sobre temas abertos ao diálogo institucional público”, afirmou o ministro ao votar contra o entendimento do relator.  

Depois de Araújo, foi a vez do Ministro Floriano de Azevedo Marques proferir seu voto e acompanhar o relator da ação. No entendimento do ministro, Bolsonaro se comportou como um “típico candidato” durante a reunião com embaixadores. “A postura do primeiro investigado faz pronunciar que a performance ali caracterizada patenteou-se menos como a de um chefe de Estado, no exercício da competência de travar relações com nações estrangeiras, e mais como um comportamento típico de campanha eleitoral”, disse Azevedo Marques.

O quarto a votar foi o ministro André Ramos Tavares, que acompanhou o relator e abriu 3 a 1 a favor da inelegibilidade. “É absolutamente inviável, objetivamente falando, acolher a tese defensiva na linha de que não houve divulgação de informação falsa ou ainda de que a informação veiculada se baseou em subsídios concretos capazes de sustentar um discurso que, como resultado geral final, teria sido positivo e verdadeiro”, afirmou Tavares.

Julgamento TSE
Ministros Nunes Marques (à esq.) e Raul Araújo (centro) foram os votos divergentes. 
Foto: Alejandro Zambrana / Secom / TSE



Já nesta sexta-feira (30), foi a vez da Ministra Cármen Lúcia dar o voto decisivo a favor da inelegibilidade de Jair Bolsonaro.  “Não há democracia sem judiciário independente”, disse a Ministra ao falar sobre os ataques do ex-presidente ao Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal Superior Eleitoral. “O que está aqui não é um filme, o que está em apreciação é uma cena, aquilo que aconteceu e pelo qual não se controverte nos autos. Ocorreu, portanto, essa reunião e nessa reunião, num monólogo, o primeiro investigado, que era presidente da República, a menos de três meses das eleições, que se cuidava ali de uma exposição basicamente sobre alguns temas, todos eles relativos à eleição. Esse é o objeto”, afirmou.

Julgamento TSE
Ministra Cármen Lúcia foi responsável pelo voto que confirmou a condenação de Bolsonaro. 
Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil 

Com a inelegibilidade já definida, o penúltimo a votar foi o Ministro Kássio Nunes Marques que, apesar de sair em defesa do sistema eleitoral, disse não ter visto gravidade nas ações de Bolsonaro. “Tenho como irrefutável a integridade do sistema eletrônico de votação. Não obstante, retornando ao objeto desta ação, considero que a atuação do investigado Jair Bolsonaro no evento sob investigação não se voltou a obter vantagem sobre os demais contendores do pleito de 2022”, disse Nunes Marques.

No encerramento da votação, o presidente do TSE, Ministro Alexandre de Moraes, ressaltou que o resultado do julgamento “confirma nossa fé na democracia”. “A resposta que a Justiça Eleitoral, o Tribunal Justiça Eleitoral dá para essa questão, confirma a nossa fé na democracia, nossa fé no Estado de Direito e nosso grau, enquanto poder judiciário, de repulsa ao degradante populismo renascido das chamas do discurso de ódio, dos discursos antidemocráticos e dos discursos que propagam infame desinformação produzida por milicianos digitais em todo o mundo”, ressaltou Moraes.
 

Bolsonaro pode recorrer ?

O ex-presidente pode recorrer ao TSE ou ao STF, com duas possibilidades: embargos de declaração e recursos extraordinários. O embargo de declaração será enviado ao TSE, na tentativa de apontar obscuridades e contradições na sentença, além de se preparar para o uso do outro recurso no STF.  O advogado do ex-presidente, Tarcísio Vieira, afirma que analisa elementos para a solicitação do recurso extraordinário.

A exposição do IMS tem fotos de Evandro Teixeira
por
José Pedro dos Santos
Rodolfo Dias
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08/06/2023 - 12h

O Instituto Moreira Salles traz até setembro uma exposição grátis de fotos de Evandro Teixeira no Estádio Nacional do Chile quando ele foi usado de campo de concentração pelo governo Pinochet  e no enterro do poeta Pablo Neruda, ambas tiradas no inicio do período Pinochet, em 1973. Veja a matéria completa no nosso Youtube:https://youtu.be/vPj2cWB6ikI

Programa da gestão Ricardo Nunes (MDB) prevê a instalação de 20 mil câmeras na cidade de São Paulo
por
Isadora Verardo Taveira
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06/06/2023 - 12h

Imagem: Istock 

Smart Sampa 

      O programa 'Smart Sampa', projeto de videomonitoramento e reconhecimento facial para a segurança pública da cidade de São Paulo, vem dividindo opiniões. Idealizado pela gestão Ricardo Nunes (MDB), o edital prevê a instalação de 20 mil câmeras pela capital, com o intuito de armazenar informações do sistema de reconhecimento facial em cruzamento com a localização dos indivíduos. A meta é instalar 2,5 mil câmeras na região central, e também no entorno de escolas, parques, unidades de saúde e locais com grande movimentação. A previsão é integrar o monitoramento na cidade até o ano de 2024, com um investimento estimado de 70 milhões por ano.

Histórico

       A primeira versão do edital foi publicada em novembro de 2022, e alegava que "a  pesquisa deve ser feita por diferentes tipos de características como cor, face e outras características", e também afirmava que "a previsão de que a identificação do comportamento ocorra com base em situações de ‘vadiagem’ e ‘tempo de permanência’ do suspeito em um local." 

      Entidades como o IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa ao Consumidor)  e outras 50 organizações se manifestaram contra, e após críticas, a prefeitura decidiu suspender o pregão para a contratação do sistema, a fim de suprimir as possíveis dúvidas sobre a gestão do programa. “A gestão municipal entende que a tecnologia pode e deve ser empregada também nas políticas de segurança pública preventiva, desde que corrigindo erros anteriores, respeitando as leis e os direitos individuais”, apontou o prefeito. 

       Depois de quatro meses em suspensão, no mês de abril de 2023, o conteúdo do edital foi parcialmente modificado e o Tribunal de Contas do Município (TCM) liberou a retomada para a compra das câmeras. No dia 18 de maio, o pregão foi novamente suspenso por uma liminar do juiz Luis Manuel Fonseca Pires, que considerou a possibilidade de ameaça aos dados pessoais dos indivíduos, o que poderia violar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Além disso, Fonseca salientou a quantidade de especialistas e estudiosos que preveem o risco de reprodução do racismo estrutural no uso do sistema. 

     Alguns dias depois, 23 de maio, a prefeitura de São Paulo e a Secretaria de Segurança Urbana conseguiram derrubar o embargo ao projeto, através de uma liminar da desembargadora Paola Lorena, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) , que alegou que “não há evidência de que a implementação de videomonitoramento reforce eventual discriminação social e racial, considerando que, com relação a artigos e matérias jornalísticas, não é possível analisar como foram produzidos ou, ainda, se os autores e suas conclusões são independentes e imparciais”. Realizado na última segunda-feira (29), o pregão eletrônico contou com a participação de 12 empresas interessadas em fornecer o sistema de videomonitoramento para a prefeitura da capital. A melhor proposta apresentada foi de 9,2 milhões por mês para a implementação do serviço, com todos os requisitos exigidos no edital. Caso a oferta seja confirmada, a empresa vencedora deve faturar em média 552 milhões de reais ao longo de 60 meses. 

 

Racismo estrutural

      O uso de tecnologias com reconhecimento facial já é uma realidade em muitos países. O Brasil ocupa o quinto lugar na lista de países com mais redes de câmeras utilizadas para a vigilância e com a tecnologia de inteligência artificial, segundo o Índice Global de Vigilância de Direitos Digitais. No entanto, esse sistema é questionado por muitos especialistas e as controvérsias são cada vez mais latentes na sociedade. 

      O Panóptico, projeto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), tem como objetivo monitorar o reconhecimento facial no Brasil. O mapa que registra os casos em andamento, finalizados ou em teste no país, identifica que cidades em 23 estados brasileiros já possuem ou estão aderindo a algum projeto de videomonitoramento para a segurança pública. 

       Os estudos do centro de pesquisa revelam que, em 2018,  cerca de 90% das pessoas presas com a tecnologia utilizada no Rio de Janeiro eram negras. Pablo de Moura Nunes de Oliveira, coordenador adjunto do CESeC e doutor em ciência política pela UERJ, afirma que "Esses algoritmos erram muito, e erram principalmente com pessoas negras, notoriamente mulheres negras. Pelo paper publicado chamado Gender Shades, avaliou exatamente que os homens brancos possuem 34% mais chances de serem reconhecidos de maneira correta do que mulheres negras."

       Pablo ainda complementa que o cenário do Brasil não contribui para o sucesso do sistema, ignorando os problemas estruturais do país. "Além disso, nós utilizamos aqui no Brasil essa tecnologia em uma sociedade que está estruturada, o seu sistema de justiça criminal, no racismo."

       As taxas de erro são uma grande preocupação. Em um contexto global, mesmo com avanços, aprimoramentos e melhora nas tecnologias de inteligência artificial, a Universidade de Essex apontou que a porcentagem de erro do sistema utilizado pela polícia de Londres chegou a 81%. A pesquisa apresentou a necessidade de uma atenção em relação ao uso dessas tecnologias, além da falta de precisão e falhas que o sistema apresenta. Rafael Alcadipani, professor titular da Fundação Getúlio Vargas  e associado pleno ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública, comenta que são necessárias soluções inovadoras para a gestão da área, no entanto é fundamental que "as soluções funcionem, mas funcionem de forma a não gerar mais problemas em um país tão racista quanto o nosso."

       Pablo enfatizou um caso de erro no reconhecimento facial que aconteceu no Rio de Janeiro, quando uma mulher foi identificada erroneamente e a pessoa suspeita já estava presa há quatro anos, "mostrando exatamente que o banco de dados utilizado era desatualizado, e deixando bem claro que as força de segurança pública não estão capacitadas e não tem responsabilidade para lidar com tamanho risco" - comentou. 

      O município garantiu que o sistema será rígido e diferente de outras cidades, aderindo um protocolo que considera detecções com apenas 90% de paridade no reconhecimento facial. Além disso, é frizado que todos os alertas serão devidamente investigados por profissionais capacitados. Durante o evento LIDE, na capital, o prefeito Ricardo Nunes defendeu o programa e afirmou que "Estão criando uma polêmica em algo que a gente já construiu, um sistema que muitas cidades já desenvolvem, que no metrô tem, em vários locais tem, é como se fosse algo muito inovador e na verdade estamos atrasados. São Paulo está correndo atrás de um prejuízo. 

 

Lei Geral de Proteção de Dados

      Especialistas também chamam atenção para uma possível transgressão da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) na utilização das câmeras. Quando suspendido pelo TJSP, uma das fortes alegações envolveu o fato de que "O edital não é claro a respeito do processamento de dados, o que poderia levar à exposição de informações sigilosas da população e ferir a lei". 

      A LGPD entrou em vigor em setembro de 2022, no entanto existe um vácuo na lei, afirmando que as suas regulamentações e parâmetros não se encaixam no que diz respeito à segurança pública. 

      Em entrevista para reportagem do O Panóptico, O coordenador de políticas e pesquisador do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS-BH), Gustavo Rodrigues, afirmou que “No caso brasileiro, há uma peculiaridade porque o desenho da nossa Lei Geral de Proteção de Dados é muito inspirado no desenho da lei Europeia, a GDPR. Só que na Europa, eles promulgaram a GDPR e logo já promulgaram uma lei sobre o tratamento de dados para os fins dessas exceções, de segurança pública, etc. Aqui no Brasil, não. Nós passamos a LGPD, mas essa outra lei ficou para depois” 

       Alcadipani pontua sobre a necessidade de rigor e clareza: "É importante que você tenha total de como esses dados vão ser armazenados, como esses dados vão ser utilizados, isso é fundamental acontecer para que a gente tenha uma implementação que seja a contento e funcione de forma adequada." 

As câmeras pelo mundo 

      Atualmente, é possível dizer que a maioria dos países utilizam o sistema de reconhecimento facial de alguma maneira, de forma institucionalizada. Ainda não existem estudos e pesquisas que realmente comprovem os benefícios da tecnologia, no entanto é comum ver a expansão das câmeras em um contexto global. 

      Na Europa, a taxa de erro do sistema foi de 96% dos casos, apontando que a maioria dos suspeitos são, na realidade, inocentes. Em artigo, Lucas Cortizo, advogado e especialista em direito digital, questiona  "Se para prender um culpado, o Estado precisa monitorar cada passo de vários inocentes, até que ponto a vigilância vai causar um sentimento de segurança?".

     Já na Rússia, o uso da IA ficou conhecido por mapear as vítimas de COVID-19 e analisar a movimentação de cada um dos infectados pelo vírus, averiguando o cumprimento das regras de quarentena. Em territórios belgas e marroquinos o uso da tecnologia de reconhecimento facial foi banido, uma vez que os países entenderam que a implementação poderia violar direitos e ser nociva à população.

     

Mapeamento reconhecimento facial
Já na Imagem: https://direitodigitalcast.com/o-mapa-da-tecnologia-de-reconhecimento-facial-no-mundo/

     O modelo estadunidense de cultuar um policiamento preditivo, é potencializado pelo uso das câmeras na segurança pública. Esse modelo possui como pressuposto a utilização e coleta de dados de diversas fontes para antecipar um crime, ou seja, prevenir e tomar medidas com base em um possível crime no futuro. São Francisco foi a primeira cidade no país a banir o uso da tecnologia para o serviço público, alegando que "A propensão da tecnologia de reconhecimento facial a colocar em perigo os direitos e as liberdades civis supera substancialmente seus benefícios. Além de "exacerbar a injustiça racial e ameaçar nossa capacidade de viver sem a contínua vigilância do governo".