Preso desde 2 de agosto por invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Walter Delgatti Neto compareceu ao Senado, nesta última quinta-feira (17), para depor à CPI dos Atos Golpistas. Delgatti afirma ser o hacker contratado pelo ex-presidente da República, Jair Messias Bolsonaro (PL), para criar provas contra o resultado eleitoral obtido nas urnas em 2022.
De terno preto e gravata rosa, o hacker que diz ter recebido R$40.000, 00 da deputada federal Carla Zambelli (PL) para invadir o site do CNJ, chegou à câmara alta do Congresso Nacional dentro de uma viatura da Polícia Federal. O objetivo de seu depoimento, era que ele esclarecesse seu envolvimento com o então ex-presidente, Jair Bolsonaro. Com o semblante calmo e sem a barba ruiva que costuma utilizar, Delgatti acenou modestamente com a cabeça para aqueles que o aguardavam na entrada.
Walter ganhou fama ainda em 2019 ao ficar conhecido como o “hacker da Vaza Jato” após invadir e vazar mensagens de celulares particulares de diversas autoridades envolvidas na operação. Desde então, para Bolsonaro, tornou-se um exemplo de profissional chegando até a ser classificado pelo líder do Partido Liberal como hacker "do bem" e uma pessoa “confiável”. Certamente, Messias não previa, na época, o que viria depois.
Convocado a depor, Delgatti, ao contrário de Mauro Cid – tenente-coronel braço direito de Bolsonaro que também está preso e que chegou a comparecer à CPI, mas recusou-se a falar – colocou a boca no trombone. Walter surpreendeu a todos ao acusar Jair Messias Bolsonaro de ser o principal mandante de todas as ações tomadas pelo investigado.
O deputado federal Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) foi um dos parlamentares que conseguiu arrancar de Delgatti as respostas mais diretas possíveis. O líder cristão fez sete questionamentos e todos foram respondidos prontamente pelo hacker.
Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ):
— “Quem pediu para o senhor tentar fraudar esse sistema?”
Delgatti respondeu:
— “Carla Zambelli, por ordem do Presidente Bolsonaro. Do ex-presidente Bolsonaro.”
Assim se deram todas as outras seis perguntas, Delgatti apontando e reafirmando o envolvimento de Bolsonaro como principal mandante das tentativas de fraudar o resultado do sistema eleitoral de 2022.
Ao finalizar sua fala dentro do tempo permitido, o deputado Vieira reiterou que a data se tratava de um dia histórico por apontar o envolvimento claro do ex-presidente nos fatos investigados pela comissão.
Já com o senador Sérgio Moro (União Brasil-PR), as respostas do depoente não foram consideradas tão agradáveis e muito menos receberam elogios. O então juiz "herói" da época da Operação Lava Jato travou um embate com o declarante. Ambos com os ânimos à flor da pele.
O político paranaense, ao iniciar sua fala, apresentou aos participantes ali presentes uma imensa ficha apontando todos os antecedentes criminais e processos movidos contra o hacker numa tentativa, é claro, de descredibilizá-lo e deslegitimar suas afirmações ali dadas durante o depoimento.

O hacker, que se mostrou nervoso com a exposição realizada por Moro, se defendeu afirmando:
- “Eu li as conversas de vossa excelência e posso dizer que o senhor é um criminoso contumaz, que cometeu diversas irregularidades e crimes”.
Moro então rebateu:
— “Bandido aqui, senhor Walter, que está preso, é o senhor. O senhor foi condenado, o senhor é inocente como o presidente Lula então”.
Soraya Thronicke (Podemos-MS), que também um dia já foi apoiadora de Bolsonaro, na contramão de Moro, defendeu a legitimidade do depoimento do hacker:
— “Se a pessoa cometeu um crime, isso não está sendo objeto de investigação. O que está sendo investigado aqui é a tentativa de golpe de estado. E, para esse desiderato, o senhor (Walter Delgatti Neto) é sim uma testemunha valiosa para nós”.
A deputada não somente advogou pelas declarações dadas por Delgatti como também exibiu provas de ameaças que o então advogado do hacker vem enfrentando. Thronicke ainda pediu proteção a ambos.
O deputado federal Nikolas Ferreira (PL), com tom de provocação, sua marca registrada, iniciou seu discurso trazendo uma análise do comportamento de Delgatti ao longo do dia durante o depoimento. O hacker, no período da tarde, se recusou a responder os questionamentos levantados por deputados de direita recorrendo constantemente ao seu direito de permanecer em silêncio. Já durante a manhã, com deputados de esquerda, Walter respondeu prontamente tudo a que foi indagado.
Nikolas articulou:
- “De manhã estava todo saltitante, feliz, respondendo todas as perguntas da esquerda, mas de repente, na parte da tarde, não responde ninguém da direita. A famosa testemunha seletiva... a mentira é sua verdadeira profissão”.
O parlamentar, na mesma tentativa de Moro de descredibilizar as declarações dadas pelo hacker, exigiu que um vídeo antigo do interrogado fosse mostrado durante a sessão. Nas imagens apresentadas por Nikolas, Delgatti afirma:
- “Eu tenho planos futuros, caso eu ganhe uma notoriedade positiva com tudo isso, quero me candidatar a deputado federal pelo meu estado. Não tenho ainda um partido definido, mas atualmente, não sei no futuro, se fosse me candidatar hoje seria com um partido de esquerda."
Durante o depoimento que durou quase 7 horas, Delgatti confessou as promessas feitas por Bolsonaro a ele. Entre elas, estaria um indulto garantido caso o hacker fosse preso por ação contra as urnas eletrônicas.
Não obstante, o ex-presidente teria pedido a Delgatti que 'assumisse a autoria' da invasão do aparelho celular de Alexandre Moraes, que também teria sido grampeado e acessado.
Delgatti ainda declarou ter plena consciência dos crimes que estava cometendo contra as urnas, mas informou que por se tratar de ordens do então presidente da República, na época, resolveu obedecê-lo.
Embora esteja detido, por ora, devido a seu envolvimento com a deputada Carla Zambelli, nesta segunda-feira (21), a Justiça Federal do Distrito Federal condenou Walter Delgatti Neto também a 20 anos e um mês de prisão pelos crimes cometidos no caso da Vaza Jato em 2019.
Na última sexta-feira (11), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes autorizou a busca e apreensão de objetos e provas na casa de Mauro César Cid, pai de Mauro Cid, ex-ajudante de ordem de Jair Bolsonaro. A Polícia Federal (PF) aponta o envolvimento do político na venda ilícita de jóias dadas pelo príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, em 2021. Além do ex-presidente, outras quatro pessoas ligadas a ele estão sendo investigadas.

Tudo começou em outubro de 2019. O ex-chefe de Estado brasileiro embarcou rumo ao distrito Al-Turaif com o objetivo de apaziguar qualquer “mal-entendido” provocado pela ideia de transferir a embaixada do Brasil em Israel, além de atrair investimentos de infraestrutura para a nação latina. Durante a visita à Arábia Saudita, último país do projeto oficial “Ásia e Oriente Médio”, Bolsonaro recebeu um presente valioso e robusto que seria repassado a terceiros com facilidade meses depois. O kit recebido continha um anel, abotoaduras, um rosário e um relógio da marca Rolex de ouro branco.
Aqueles não foram os únicos acessórios luxuosos que o político ganhou. Primeiro, o ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, em uma viagem à Arábia Saudita, retornou a ao Brasil com um conjunto de itens da marca Chopard. Ele trouxe consigo uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário e um relógio. No mês seguinte, o reino de Bahrein presenteou o ex-presidente com duas esculturas (uma palmeira e um barco). De acordo com a Polícia Federal , as obras não foram registradas oficialmente, assim como um relógio da Patek Phillipe. Mauro Cid enviou uma foto do seu certificado de autenticidade a Bolsonaro. O item não foi registrado no acervo do presidente.
A patrulha expandiu seu plano por meio de uma série de viagens de avião aos Estados Unidos a partir de junho de 2022. O ex-general passou por idas e vindas com uma lista de relógios recebidos pela Presidência e documentos das peças. Na época em que Jair embarcou para a Cúpula das Américas nos EUA, um relógio Rolex foi levado ao país. De acordo com a PF, o kit estava na casa do pai do ex-ajudante de Bolsonaro, em Miami.

A essa altura, a venda de boca em boca valorizou o trabalho de Cid. Em 13 de junho de 2022, o ex-general viajou para Willow Grove, na Pensilvânia, e vendeu os relógios das marcas Rolex e Patek Philippe para a empresa Precision Watches. O preço foi de US$ 68 mil, equivalente a R$346.983,60. Uma foto do comprovante de depósito foi armazenada pelo ex-assessor. O dinheiro foi depositado numa conta que corresponde a Mauro Cesar Lourena Cid, o pai do militar e também ex-general da reserva.
“Presentes que são doados ao Estado devem ser incorporados ao patrimônio público", reforçou o Presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas. No entanto, todos os regalos recebidos por Jair como honra da Presidência foram arquivados em seu acervo pessoal. Sua equipe chegou a registrá-los no Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH) da Presidência como declaração legal de Patrimônio Público.
Dois dias antes da posse presidencial de Luis Inácio Lula da Silva, Bolsonaro foi para Orlando com uma mala que continha o kit da Chopard e as esculturas. Seu destino era a casa do pai de Mauro Cid.
Em mensagens de texto, pai e filho discutiram sobre os cuidados dos objetos. É neste momento que dois personagens entram em cena : os assessores do ex-representante de ordem e do ex-presidente, Osmar Crivelatti e Marcelo Câmara. Os homens eram responsáveis por levar as peças a lugares especializados em avaliação de venda. Nas mensagens, subtende-se que eles não conseguiram vender os brilhantes. Porém, no dia 4 de janeiro, Mauro Cid conversou com o pai e pediu para ele “não esquecer de tirar fotos".O general enviou uma sequência de imagens de duas esculturas em que o reflexo do seu rosto aparece nas fotos.
Uma reportagem do jornal O Globo teve acesso a fotos e transcrições de áudio dos negócios., No histórico, Mauro Cid diz que já mandou “voltar” o kit de jóias que havia sido colocado em leilão e afirma: “Só dá pena pq estamos falando de 120 mil dólares / Hahaaahaahah”. Já Câmara diz que o trâmite é “pra não ter problema” e acrescenta: "porque já sumiu um que foi com a DONA MICHELLE”, em referência à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.

As jóias que estavam na mala do ex-assessor do ex-ministro Bento Albuquerque foram apreendidas pela Receita Federal no Aeroporto Internacional de Guarulhos em outubro de 2021. A justificativa do órgão condiz com uma lei que obriga a declaração de qualquer bem cujo valor seja superior a US$1 mil. Os responsáveis ignoraram a opção de declarar as joias como bens destinados ao patrimônio da União.
Após uma reportagem do Estado de São Paulo revelando o esquema em março de 2023, a Operação de resgate das jóias, também chamada de “Lucas 12:2”, é oficializada. Em busca de provas da comercialização dos objetos sauditas pelo governo Bolsonaro, a PF coletou áudios e mensagens dos envolvidos. Neste momento, mais uma figura surge no mar de fiados: o advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef. Ele ficou responsável por recuperar o relógio Rolex com a empresa Precision Watches, vendido no ano anterior por Mauro Cid no fim do primeiro trimestre. Com provas em mãos, o Tribunal das Contas da União (TCU) suspendeu o uso e a guarda dos objetos pelo ex-chefe de Estado.
A partir dessa decisão, a devolução dos acessórios é declarada para a defesa de Bolsonaro. O primeiro kit da marca Chopard foi entregue e os outros retornaram ao cofre público da Caixa Econômica Federal pouco tempo depois que Mauro Cid retornou ao Brasil.
Até o dia da busca e apreensão dos próximos a Bolsonaro, nenhuma das defesas dos acusados se pronunciou. Ao não ser pelo próprio ex-presidente em conversas rápidas e informais.
Durante uma coletiva em de março de 2023, Bolsonaro, questionado pelo caso das jóias, insistiu na versão vitimizada. “Eu tô sendo crucificado por um presente que eu não recebi”.
Dois meses depois, Mauro Cid foi preso por conta de uma operação da PF sobre a inserção de dados falsos de vacinação contra o COVID-19 no sistema do Ministério da Saúde. O militar não havia se pronunciado até que, o dia 17 de agosto, sua defesa afirmou que iria em solos judiciários admitir o mandatário de Bolsonaro sobre as jóias e a transferência da venda em espécie ao ex-chefe de Estado. No mesmo dia, Alexandre de Moraes autorizou o pedido da PF para a quebra de sigilo bancário do ex-presidente e sua mulher.
A delação do ex-general, entretanto, não chegou a acontecer. No dia seguinte ao anúncio, o advogado Cezar Bittencourt negou que Cid iria “dedurar Bolsonaro”. Em uma entrevista ao Estúdio i da GloboNews, declarou que “houve um equívoco” com relação às informações divulgadas.
Diante de tanta ebulição política, os deputados federais Érika Hilton (PSOL) e Pastor Henrique Vieira (PSOL) acionaram o STF para que o passaporte de Bolsonaro seja apreendido nas próximas 24 horas. A Ministra do Planejamento e Orçamento do Brasil, Simone Tebet, também apoia a decisão. Na cerimônia de posse do novo presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizada nesta sexta-feira (18), disse que “quem fugiu para não passar a faixa para um presidente legitimamente eleito pelo povo com certeza vai querer abandonar o Brasil para poder salvar a própria pele”.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A ação que julgava abuso de poder político de Bolsonaro durante as eleições de 2022 terminou em 5 a 2 a favor da inelegibilidade até as eleições de 2030. Na mesma decisão, o Tribunal rejeitou, por unanimidade, as acusações contra o ex-ministro e ex-candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, Walter Braga Netto.
Na ação movida pelo PDT, o ex-presidente também foi acusado de uso impróprio dos meios de comunicação, por acusar sem provas, em reunião com embaixadores estrangeiros, o sistema eleitoral, fazendo declarações sobre a segurança das urnas. A defesa de Bolsonaro afirmou que a reunião não teve caráter político.
O julgamento
A denúncia teve origem após uma transmissão realizada pela TV Brasil, às vésperas das eleições, na qual o ex-presidente acusou sem apresentar provas o sistema eleitoral brasileiro e questionou as urnas eletrônicas. A votação da ação começou na última quinta-feira (22), com a leitura do relatório da ação pelo Ministro Benedito Gonçalves, relator do processo, as argumentações da defesa e da acusação, além do parecer do Ministério Público Eleitoral. O vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet Branco, apresentou um parecer favorável à condenação de Bolsonaro e pela improcedência da ação contra Braga Netto.

Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
Na terça-feira (27), o julgamento foi retomado com a leitura do voto do Ministro Benedito Gonçalves, favorável à inelegibilidade do ex-presidente. “O Tribunal Superior Eleitoral se manterá firme em seu dever de, como órgão de cúpula da governança eleitoral, transmitir informações verídicas e atuar para conter o perigoso alastramento da desinformação que visa desacreditar o próprio regime democrático”, afirmou o relator em seu voto. Para Gonçalves, Bolsonaro praticou “conduta ilícita em benefício de sua candidatura à reeleição”.
A votação foi retomada na quinta-feira (29), com o Ministro Raul Araújo abrindo a divergência. Em seu voto, Araújo se manifestou contra a inclusão da chamada “minuta do golpe” - encontrada na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres - entre as provas da ação. Nesse momento, a ministra Cármen Lúcia, vice-presidente do TSE, interrompeu Araújo para divergir do entendimento. “Não me pareceu que, no voto do ministro-relator, tivesse nenhuma referência a que este documento que o ministro-relator acolheu como juntada, nem de autoria, nem de responsabilidade, do primeiro investigado”, disse a ministra. O presidente da Corte, Alexandre de Moraes, e o relator, Benedito Gonçalves, reafirmaram a posição colocada pela Ministra com relação à minuta.
Durante seu voto, o ministro Raul Araújo reconheceu que o então presidente Jair Bolsonaro fez afirmações inverídicas, mas também cometeu excessos verbais. “Nem todo o discurso (de Bolsonaro na reunião) veicula afirmações inverídicas, estando igualmente presentes naquela manifestação trechos nos quais o investigado apenas expõe sua opinião política sobre temas abertos ao diálogo institucional público”, afirmou o ministro ao votar contra o entendimento do relator.
Depois de Araújo, foi a vez do Ministro Floriano de Azevedo Marques proferir seu voto e acompanhar o relator da ação. No entendimento do ministro, Bolsonaro se comportou como um “típico candidato” durante a reunião com embaixadores. “A postura do primeiro investigado faz pronunciar que a performance ali caracterizada patenteou-se menos como a de um chefe de Estado, no exercício da competência de travar relações com nações estrangeiras, e mais como um comportamento típico de campanha eleitoral”, disse Azevedo Marques.
O quarto a votar foi o ministro André Ramos Tavares, que acompanhou o relator e abriu 3 a 1 a favor da inelegibilidade. “É absolutamente inviável, objetivamente falando, acolher a tese defensiva na linha de que não houve divulgação de informação falsa ou ainda de que a informação veiculada se baseou em subsídios concretos capazes de sustentar um discurso que, como resultado geral final, teria sido positivo e verdadeiro”, afirmou Tavares.

Foto: Alejandro Zambrana / Secom / TSE
Já nesta sexta-feira (30), foi a vez da Ministra Cármen Lúcia dar o voto decisivo a favor da inelegibilidade de Jair Bolsonaro. “Não há democracia sem judiciário independente”, disse a Ministra ao falar sobre os ataques do ex-presidente ao Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal Superior Eleitoral. “O que está aqui não é um filme, o que está em apreciação é uma cena, aquilo que aconteceu e pelo qual não se controverte nos autos. Ocorreu, portanto, essa reunião e nessa reunião, num monólogo, o primeiro investigado, que era presidente da República, a menos de três meses das eleições, que se cuidava ali de uma exposição basicamente sobre alguns temas, todos eles relativos à eleição. Esse é o objeto”, afirmou.

Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
Com a inelegibilidade já definida, o penúltimo a votar foi o Ministro Kássio Nunes Marques que, apesar de sair em defesa do sistema eleitoral, disse não ter visto gravidade nas ações de Bolsonaro. “Tenho como irrefutável a integridade do sistema eletrônico de votação. Não obstante, retornando ao objeto desta ação, considero que a atuação do investigado Jair Bolsonaro no evento sob investigação não se voltou a obter vantagem sobre os demais contendores do pleito de 2022”, disse Nunes Marques.
No encerramento da votação, o presidente do TSE, Ministro Alexandre de Moraes, ressaltou que o resultado do julgamento “confirma nossa fé na democracia”. “A resposta que a Justiça Eleitoral, o Tribunal Justiça Eleitoral dá para essa questão, confirma a nossa fé na democracia, nossa fé no Estado de Direito e nosso grau, enquanto poder judiciário, de repulsa ao degradante populismo renascido das chamas do discurso de ódio, dos discursos antidemocráticos e dos discursos que propagam infame desinformação produzida por milicianos digitais em todo o mundo”, ressaltou Moraes.
Bolsonaro pode recorrer ?
O ex-presidente pode recorrer ao TSE ou ao STF, com duas possibilidades: embargos de declaração e recursos extraordinários. O embargo de declaração será enviado ao TSE, na tentativa de apontar obscuridades e contradições na sentença, além de se preparar para o uso do outro recurso no STF. O advogado do ex-presidente, Tarcísio Vieira, afirma que analisa elementos para a solicitação do recurso extraordinário.
O Instituto Moreira Salles traz até setembro uma exposição grátis de fotos de Evandro Teixeira no Estádio Nacional do Chile quando ele foi usado de campo de concentração pelo governo Pinochet e no enterro do poeta Pablo Neruda, ambas tiradas no inicio do período Pinochet, em 1973. Veja a matéria completa no nosso Youtube:https://youtu.be/vPj2cWB6ikI
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Smart Sampa
O programa 'Smart Sampa', projeto de videomonitoramento e reconhecimento facial para a segurança pública da cidade de São Paulo, vem dividindo opiniões. Idealizado pela gestão Ricardo Nunes (MDB), o edital prevê a instalação de 20 mil câmeras pela capital, com o intuito de armazenar informações do sistema de reconhecimento facial em cruzamento com a localização dos indivíduos. A meta é instalar 2,5 mil câmeras na região central, e também no entorno de escolas, parques, unidades de saúde e locais com grande movimentação. A previsão é integrar o monitoramento na cidade até o ano de 2024, com um investimento estimado de 70 milhões por ano.
Histórico
A primeira versão do edital foi publicada em novembro de 2022, e alegava que "a pesquisa deve ser feita por diferentes tipos de características como cor, face e outras características", e também afirmava que "a previsão de que a identificação do comportamento ocorra com base em situações de ‘vadiagem’ e ‘tempo de permanência’ do suspeito em um local."
Entidades como o IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa ao Consumidor) e outras 50 organizações se manifestaram contra, e após críticas, a prefeitura decidiu suspender o pregão para a contratação do sistema, a fim de suprimir as possíveis dúvidas sobre a gestão do programa. “A gestão municipal entende que a tecnologia pode e deve ser empregada também nas políticas de segurança pública preventiva, desde que corrigindo erros anteriores, respeitando as leis e os direitos individuais”, apontou o prefeito.
Depois de quatro meses em suspensão, no mês de abril de 2023, o conteúdo do edital foi parcialmente modificado e o Tribunal de Contas do Município (TCM) liberou a retomada para a compra das câmeras. No dia 18 de maio, o pregão foi novamente suspenso por uma liminar do juiz Luis Manuel Fonseca Pires, que considerou a possibilidade de ameaça aos dados pessoais dos indivíduos, o que poderia violar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Além disso, Fonseca salientou a quantidade de especialistas e estudiosos que preveem o risco de reprodução do racismo estrutural no uso do sistema.
Alguns dias depois, 23 de maio, a prefeitura de São Paulo e a Secretaria de Segurança Urbana conseguiram derrubar o embargo ao projeto, através de uma liminar da desembargadora Paola Lorena, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) , que alegou que “não há evidência de que a implementação de videomonitoramento reforce eventual discriminação social e racial, considerando que, com relação a artigos e matérias jornalísticas, não é possível analisar como foram produzidos ou, ainda, se os autores e suas conclusões são independentes e imparciais”. Realizado na última segunda-feira (29), o pregão eletrônico contou com a participação de 12 empresas interessadas em fornecer o sistema de videomonitoramento para a prefeitura da capital. A melhor proposta apresentada foi de 9,2 milhões por mês para a implementação do serviço, com todos os requisitos exigidos no edital. Caso a oferta seja confirmada, a empresa vencedora deve faturar em média 552 milhões de reais ao longo de 60 meses.
Racismo estrutural
O uso de tecnologias com reconhecimento facial já é uma realidade em muitos países. O Brasil ocupa o quinto lugar na lista de países com mais redes de câmeras utilizadas para a vigilância e com a tecnologia de inteligência artificial, segundo o Índice Global de Vigilância de Direitos Digitais. No entanto, esse sistema é questionado por muitos especialistas e as controvérsias são cada vez mais latentes na sociedade.
O Panóptico, projeto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), tem como objetivo monitorar o reconhecimento facial no Brasil. O mapa que registra os casos em andamento, finalizados ou em teste no país, identifica que cidades em 23 estados brasileiros já possuem ou estão aderindo a algum projeto de videomonitoramento para a segurança pública.
Os estudos do centro de pesquisa revelam que, em 2018, cerca de 90% das pessoas presas com a tecnologia utilizada no Rio de Janeiro eram negras. Pablo de Moura Nunes de Oliveira, coordenador adjunto do CESeC e doutor em ciência política pela UERJ, afirma que "Esses algoritmos erram muito, e erram principalmente com pessoas negras, notoriamente mulheres negras. Pelo paper publicado chamado Gender Shades, avaliou exatamente que os homens brancos possuem 34% mais chances de serem reconhecidos de maneira correta do que mulheres negras."
Pablo ainda complementa que o cenário do Brasil não contribui para o sucesso do sistema, ignorando os problemas estruturais do país. "Além disso, nós utilizamos aqui no Brasil essa tecnologia em uma sociedade que está estruturada, o seu sistema de justiça criminal, no racismo."
As taxas de erro são uma grande preocupação. Em um contexto global, mesmo com avanços, aprimoramentos e melhora nas tecnologias de inteligência artificial, a Universidade de Essex apontou que a porcentagem de erro do sistema utilizado pela polícia de Londres chegou a 81%. A pesquisa apresentou a necessidade de uma atenção em relação ao uso dessas tecnologias, além da falta de precisão e falhas que o sistema apresenta. Rafael Alcadipani, professor titular da Fundação Getúlio Vargas e associado pleno ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública, comenta que são necessárias soluções inovadoras para a gestão da área, no entanto é fundamental que "as soluções funcionem, mas funcionem de forma a não gerar mais problemas em um país tão racista quanto o nosso."
Pablo enfatizou um caso de erro no reconhecimento facial que aconteceu no Rio de Janeiro, quando uma mulher foi identificada erroneamente e a pessoa suspeita já estava presa há quatro anos, "mostrando exatamente que o banco de dados utilizado era desatualizado, e deixando bem claro que as força de segurança pública não estão capacitadas e não tem responsabilidade para lidar com tamanho risco" - comentou.
O município garantiu que o sistema será rígido e diferente de outras cidades, aderindo um protocolo que considera detecções com apenas 90% de paridade no reconhecimento facial. Além disso, é frizado que todos os alertas serão devidamente investigados por profissionais capacitados. Durante o evento LIDE, na capital, o prefeito Ricardo Nunes defendeu o programa e afirmou que "Estão criando uma polêmica em algo que a gente já construiu, um sistema que muitas cidades já desenvolvem, que no metrô tem, em vários locais tem, é como se fosse algo muito inovador e na verdade estamos atrasados. São Paulo está correndo atrás de um prejuízo.
Lei Geral de Proteção de Dados
Especialistas também chamam atenção para uma possível transgressão da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) na utilização das câmeras. Quando suspendido pelo TJSP, uma das fortes alegações envolveu o fato de que "O edital não é claro a respeito do processamento de dados, o que poderia levar à exposição de informações sigilosas da população e ferir a lei".
A LGPD entrou em vigor em setembro de 2022, no entanto existe um vácuo na lei, afirmando que as suas regulamentações e parâmetros não se encaixam no que diz respeito à segurança pública.
Em entrevista para reportagem do O Panóptico, O coordenador de políticas e pesquisador do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS-BH), Gustavo Rodrigues, afirmou que “No caso brasileiro, há uma peculiaridade porque o desenho da nossa Lei Geral de Proteção de Dados é muito inspirado no desenho da lei Europeia, a GDPR. Só que na Europa, eles promulgaram a GDPR e logo já promulgaram uma lei sobre o tratamento de dados para os fins dessas exceções, de segurança pública, etc. Aqui no Brasil, não. Nós passamos a LGPD, mas essa outra lei ficou para depois”
Alcadipani pontua sobre a necessidade de rigor e clareza: "É importante que você tenha total de como esses dados vão ser armazenados, como esses dados vão ser utilizados, isso é fundamental acontecer para que a gente tenha uma implementação que seja a contento e funcione de forma adequada."
As câmeras pelo mundo
Atualmente, é possível dizer que a maioria dos países utilizam o sistema de reconhecimento facial de alguma maneira, de forma institucionalizada. Ainda não existem estudos e pesquisas que realmente comprovem os benefícios da tecnologia, no entanto é comum ver a expansão das câmeras em um contexto global.
Na Europa, a taxa de erro do sistema foi de 96% dos casos, apontando que a maioria dos suspeitos são, na realidade, inocentes. Em artigo, Lucas Cortizo, advogado e especialista em direito digital, questiona "Se para prender um culpado, o Estado precisa monitorar cada passo de vários inocentes, até que ponto a vigilância vai causar um sentimento de segurança?".
Já na Rússia, o uso da IA ficou conhecido por mapear as vítimas de COVID-19 e analisar a movimentação de cada um dos infectados pelo vírus, averiguando o cumprimento das regras de quarentena. Em territórios belgas e marroquinos o uso da tecnologia de reconhecimento facial foi banido, uma vez que os países entenderam que a implementação poderia violar direitos e ser nociva à população.

O modelo estadunidense de cultuar um policiamento preditivo, é potencializado pelo uso das câmeras na segurança pública. Esse modelo possui como pressuposto a utilização e coleta de dados de diversas fontes para antecipar um crime, ou seja, prevenir e tomar medidas com base em um possível crime no futuro. São Francisco foi a primeira cidade no país a banir o uso da tecnologia para o serviço público, alegando que "A propensão da tecnologia de reconhecimento facial a colocar em perigo os direitos e as liberdades civis supera substancialmente seus benefícios. Além de "exacerbar a injustiça racial e ameaçar nossa capacidade de viver sem a contínua vigilância do governo".