Episódios contam histórias reais de jovens que morreram por tiros com armas das
por
Khauan Wood
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16/06/2025 - 12h

Idealizado, produzido, dirigido e apresentado por Khauan Wood, estudante do curso de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o podcast tem o intuito de contar histórias reais de jovens que morreram em decorrência da violência policial do Brasil.

Dados de um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado em abril de 2025, mostram que a taxa de mortalidade de crianças e adolescentes pela PM cresceu 120% entre 2022 e 2024, apenas no estado de São Paulo.

Com uma imersão sonora, o áudio é pensado para ser rápido. Tudo no podcast é pensado para se assemelhar a um tiro. Além disso, conta com músicas que retratam justamente a violência policial no país.

Ficha técnica

  • Idealização, direção e apresentação: Khauan Wood

  • Duração: 5min22seg

  • Orientação: Prof.ª Dra. Anna Flavia Feldmann

 

Na região central da cidade, o número de pessoas vivendo nas ruas aumenta e com ele a perseguição a quem oferece ajuda humanitária
por
Iasmim Silva
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12/06/2025 - 12h

O trabalho voluntário liderado por ONGs (Organizações Não Governamentais) no centro de São Paulo tem mobilizado o apoio popular na tentativa de suprir a lacuna deixada pelo Estado no atendimento à população em situação de rua.

Por outro lado, os projetos têm enfrentado intimidações e ataques da porção conservadorista da atual gestão pública paulistana, apesar das iniciativas serem independentes de financiamento governamental.

A mais recente ocorreu em maio, quando o prefeito Ricardo Nunes vetou as ações da Moradores de Rua e Seus Cães, ONG que presta assistência à população em situação de rua com alimentos, itens de higiene pessoal e cuidados veterinários para os animais de estimação que os acompanham.

Em março desse ano, o vice-prefeito de São Paulo, Coronel Mello Araújo, acusou o padre Júlio Lancelotti, que coordena a Pastoral do Povo de Rua, de fazer um “desserviço” ao oferecer ajuda comunitária no bairro do Belém, na Zona Leste da capital e, ainda, o responsabilizou pela criação de uma “nova Cracolândia”.  

Mello Araújo, Coronel e ex-chefe das Rotas Ostensivas Tobias Aguiar (ROTA), foi indicado pelo ex-Presidente Jair Bolsonaro ao atual prefeito Ricardo Nunes (MDB). Em entrevista ao Portal UOL, gerou críticas ao afirmar que a abordagem policial deve ser diferente em bairros periféricos e em outros de classe alta.

“Perplexo com comentário do vice-prefeito de São Paulo, que me coloca em situação de risco”, disse o padre, em uma postagem nas redes sociais feita após a acusação de Mello Araújo.

Intimidações, incitação de ódio, violência verbal e ameaças explícitas não são novidade para quem oferece ajuda humanitária em São Paulo, alvos frequentes de políticos e civis.

Em entrevista à AGEMT, a Dra. Lígia Bahia, médica sanitarista e doutora em saúde pública, explica que o maior erro da atual gestão é não reconhecer a realidade. “Frequentemente as pessoas em situação de rua são consideradas como um fenômeno indesejado, um transtorno, e não cidadãos com direitos”, diz ela.

Segundo o advogado Eduardo Muylaert, criminalista e especialista em direito público, a tentativa de criminalização se dá de forma velada, por meio de discursos oficiais, ameaças jurídicas e tentativas de associar o trabalho voluntário a “incentivo à permanência nas ruas”. “É uma narrativa perigosa, que transforma o cuidado em crime. Precisamos lembrar: solidariedade não é ilegal. Pelo contrário, é um dever ético e um direito protegido pela Constituição Federal e por tratados internacionais assinados pelo Brasil.”

Apesar das melhorias em acessibilidade, transporte ainda impõe desafios a quem não enxerga
por
Maria Julia Malagutti.
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15/05/2025 - 12h

Pessoas com deficiência visual ainda enfrentam dificuldades significativas no transporte público brasileiro, uma realidade que persiste apesar das tentativas de inclusão e adaptação dos sistemas de transporte. No cotidiano, muitos usuários relatam barreiras no uso de ônibus, trens e metrôs, que comprometem a autonomia e segurança de quem depende do transporte público para se locomover. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 7 milhões de brasileiros com 2 anos ou mais declararam ter muita dificuldade ou não conseguir enxergar de modo algum.

Maria de Souza, 32 anos, é deficiente visual e utiliza o transporte público diariamente para se deslocar ao trabalho. “É um desafio constante. Mesmo com as melhorias, ainda há muitos pontos de falha”, afirma Maria, que vive em São Paulo. “Muitas vezes, o ônibus para no lugar errado, o motorista não avisa a minha parada e eu preciso contar com a boa vontade de estranhos para me ajudar”, complementa. 

Embora a legislação exija adaptações como piso tátil, sinalização sonora e informações visuais nos veículos, muitos desses recursos não são suficientes para garantir a acessibilidade completa. Além disso, o treinamento de motoristas e cobradores não é homogêneo, o que agrava o problema. Para muitas pessoas com deficiência visual, o simples ato de utilizar o transporte público se torna uma luta diária pela autonomia. 

O sistema de transporte em grandes cidades, como São Paulo, possui algumas iniciativas, como os sistemas de áudio nos metrôs e ônibus, mas as falhas ainda são frequentes, especialmente em áreas periféricas ou em horários de menor movimento. “É uma questão de segurança e dignidade. Eu não deveria precisar de ajuda o tempo todo para saber onde estou ou onde descer”, diz Maria. 

A dificuldade de locomoção das pessoas com deficiência visual não se limita apenas à adaptação física dos veículos e pontos de transporte, mas também à falta de conscientização e treinamento adequado de quem opera o sistema. 

O urbanista e pesquisador em mobilidade inclusiva,  Rafael Mendes, destacou a importância de uma abordagem mais integrada para garantir a acessibilidade no transporte público. Segundo ele, "a acessibilidade não pode ser tratada como um item opcional ou complementar; ela deve ser parte central do planejamento urbano e do desenho dos sistemas de transporte". Mendes enfatizou que, além das adaptações físicas, é fundamental investir na formação contínua dos profissionais que atuam no setor, para que compreendam as necessidades específicas dos usuários com deficiência visual e possam oferecer um atendimento mais humanizado e eficaz.

 

Influenciadora é chamada de "homem" por espectadora; confusão gerou vaias, atraso no espetáculo e intervenção policial
por
Carolina Zaterka
Manoella Marinho
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15/04/2025 - 12h

 

Malévola Alves, influenciadora digital e mulher trans, denunciou ter sido vítima de transfobia no Teatro Renault, em São Paulo, no dia 26 de março de 2025, ao ser tratada pelo pronome masculino e chamada de “homem” por uma espectadora. O incidente ocorreu antes do início do musical “Wicked”. Malévola, com mais de 840 mil seguidores, publicou trechos do episódio em suas redes, que rapidamente viralizaram.

Segundo relatos de testemunhas e da própria vítima, a confusão começou quando Malévola esperava uma nota fiscal e a mulher atrás dela mostrou impaciência. As duas trocaram palavras e, ao se afastar, a mulher teria gritado "isso é homem ou mulher?" em sua direção. A vítima então se sentiu ofendida e levou a denúncia à plateia, apontando a espectadora como autora do ataque transfóbico, causando um tumulto que paralisou a plateia.

A reação do público foi de imediato apoio a Malévola, com vaias à agressora e pedidos para que ela fosse retirada do teatro. “A gente não vai começar a assistir a um espetáculo que é extremamente representativo para a diversidade com uma mulher dessa aqui. Não faz o menor sentido”, afirmou um dos espectadores durante o protesto.

Diante da pressão da plateia, a apresentação atrasou cerca de 30 minutos. A mulher acusada acabou saindo do teatro sob escolta policial, levada à  delegacia para realizar um boletim de ocorrência, recebendo aplausos e vaias dos demais presentes. Miguel Filpi, presente no evento, celebrou nas redes sociais: “Justiça foi feita!! Obrigado a todo mundo nessa plateia que fez a união para que isso acontecesse.”

Carlos Cavalcanti, presidente do Instituto Artium (Produtor do musical), pediu desculpas pelo ocorrido antes de dar início ao espetáculo: “Peço desculpas por esse acontecimento e por esse atraso. Tudo o que a gente pode admitir, é bom que a gente admita na vida, mas transfobia em Wicked, não dá”. A atriz Fabi Bang, também se manifestou durante e após o espetáculo: “Transfobia jamais” - uma improvisação durante a música “Popular”.

 

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Fabi Bang, atriz que interpreta Glinda, em apresentação do musical. Foto: Blog Arcanjo/Reprodução

Viviane Milano, identificada como a espectadora acusada, negou as acusações em um pronunciamento, alegando que a confusão na fila da bombonière não foi sobre identidade de gênero, mas sobre uma tentativa de furar fila. Ela afirmou: “Perguntei em voz alta: ‘Era o homem ou a mulher que estava na fila?’”, dizendo que sua pergunta foi mal interpretada.

A produção de Wicked e membros do elenco reiteraram seu compromisso com a diversidade e repudiaram o incidente. A nota oficial da produção destacou: “Nosso espetáculo é e continuará sendo um espaço seguro para todas as pessoas, independentemente de identidade de gênero ou orientação sexual.”

Declaração é realizada 50 anos após a morte do jornalista pela ditadura militar
por
Beatriz Alencar
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25/03/2025 - 12h

O jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 1975, foi declarado, no dia 18 de março, anistiado político post mortem pelo governo. A decisão foi publicada pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) no Diário Oficial e, além do reconhecimento, a decisão incluiu uma reparação mensal permanente para a viúva Clarice Herzog, no valor correspondente ao cargo que o jornalista ocupava antes do assassinato, de diretor do Departamento de Jornalismo da TV Cultura, equivalente a R$ 34.577,89.

Em nota, o Instituto Vladimir Herzog, criado para preservar a memória do jornalista e destacar problemas da sociedade causadas pelo golpe de 1964, celebrou a conquista: “Este importante reconhecimento, que ocorre após 49 anos de luta incansável por memória, verdade, justiça e democracia, liderada por Clarice, é tão mais simbólico, pois, acontece em 2025, marco de  50 anos do assassinato de Vlado. Seguiremos confiantes de que o Estado Brasileiro cumprirá com, além deste, todos os demais pontos resolutivos da Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Herzog”.

O agora anistiado, foi preso, torturado e morto em São Paulo, pela ditadura militar. Em 1975, o jornalista foi convocado pelos militares a prestar depoimento dentro do DOI-Codi sobre uma possível ligação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas nunca mais retornou para a família.  

 

Vladimir Herzog
Foto: Reprodução: Editora Senac / Livro Jornalistas, lançado em dezembro de 1997

 

Apesar disso, a versão oficial da época divulgada pelos militares, foi que Herzog teria se suicidado dentro da cela de confinamento. No entanto, investigações comprovaram que a causa da morte teria sido após o jornalista passar por tratamentos de tortura. Mas foi somente em 2013 que a Justiça de São Paulo determinou uma mudança na causa da morte no atestado de óbito de Herzog. Agora, no documento consta: “morte causada por asfixia mecânica por enforcamento em decorrência de maus tratos sofridos durante interrogatório em dependência do 2º Exército (DOI-Codi)”.

Para o filho do jornalista, Ivo Herzog, esse reconhecimento não aconteceria sem a disposição da família de lutar pela memória do pai. “São quase 50 anos de luta iniciada pela minha mãe na busca da verdade e justiça. Esta reparação concedida agora de alguma forma colabora neste processo de busca pela justiça e poderá ajudar que minha mãe tenha segurança na atual etapa de sua vida”, declarou em entrevista à Agemt.

 

Ivo Herzog
Foto: Ivo Herzog, filho de Vladimir Herzog,  em coletiva de imprensa | Reprodução: Estadão / Fotógrafo: Manoel Marques

 

 

Ivo ainda relata que ainda há muito o que ser conquistado. Em abril de 2024, a Comissão da Anistia concedeu o título de anistiada para Clarice Herzog e o Estado oficializou um pedido de perdão à viúva, em reconhecimento aos anos de perseguição e pela resistência em não aceitar o silenciamento do governo em torno do desaparecimento e assassinato do marido.

“Há 4 pedidos de Anistia na Comissão de Anistia: Meu pai, minha mãe, eu e meu irmão. Só concederam o da minha mãe. Ou seja, o pedido de perdão até este momento somente foi feita para a minha mãe. Estamos cobrando o mais importante pedido de perdão que seria para o que foi feito ao meu pai”, declarou Ivo.

O filho mais velho do casal também diz se orgulhar da luta e das conquistas feitas em nome do pai e acredita que, se pudesse descrever o que Vladimir Herzog acharia de todos os atos feitos em reconhecimento da memória dele, seria orgulho. “Acho que ao longo destes quase 50 anos conseguimos cuidar bem da ‘memória’ dele. E talvez ainda mais  importante, de forma natural a sociedade brasileira trata com muito carinho a história do meu pai. Acho que isto significa realmente muito”, acrescentou.

Livro Encarceramento em massa inspira produção sonora
por
Gabriel Aragão, Hiero de Lima e Rodrigo Mendonça
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23/11/2021 - 12h

Por meio de um podcast, Gabriel Aragão, Hiero de Lima e Rodrigo Mendonça, apresentam parte do livro “Encarceramento em Massa”, de Juliana Borges, tratando da origem deste problema tão atual, além de dados, impactos e exemplos de casos dentro do tema. Para ouvir o conteúdo, clique aqui. 

Obra da escritora e antropóloga Juliana Borges ajuda a entender a situação do Sistema Prisional Brasileiro
por
Danilo Zelic
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22/11/2021 - 12h

A obra “Encarceramento em Massa” da escritora e antropóloga Juliana Borges, lançado no ano de 2019, trás para o público pouco familiarizado com o debate sobre o sistema prisional brasileiro um olhar atento e assertivo: não podemos deixar de analisar o cenário das prisões brasileiros, antes de tudo, sem passar pelo crivo do debate racial.

Encarceramento em Massa - Juliana BorgesDividido em três partes, a autora faz um recorte sucinto, porém elaborado com muitos detalhes, sobre o passado, presente e futuro daqueles que se encontram sob privação de liberdade, pensando também como a engrenagem que corrobora para o funcionamento do sistema prisional é baseada, principalmente, na raça e no gênero daqueles que integram o sistema prisional. Como também, segundo a perspectiva da autora, os mesmos visados e colocados em um lugar de suspeitos para adentrar as prisões brasileiros, de acordo com as leis e ideologias culturais do Estado brasileiro.

 Na primeira parte, “Breve história – Punição e aprisionamento. Qual a ideologia?”, a autora elabora um relato sobre o surgimento do sistema de justiça criminal, observando suas mudanças até o presente recente. Detalhando como o Estado cuida de situações que envolvem pessoas que ultrapassam as regras e pactos sociais propostos e impostos para uma sociedade, portanto, são apontados como transgressores e culpados diante dos delitos que cometem, isso tudo na perspectiva do Estado, a autora transcorre seus argumentos diante de questionamentos dos quais são essenciais para pensar o sistema prisional brasileiro, apontados no prefácio e no capítulo em questão. São eles:

  • De onde e com quais motivações se estrutura esse sistema de justiça criminal como conhecemos hoje?
  • Como se estabelece crime e criminoso?
  • Como e sob quais interesses se define o que deve ser tornado ilegal e criminalizado?
  • Como se estabelece e se constitui esse sistema que, ao surgir com a proposta de controle e de sanções, se articula no emaranhado sistema vigente de reprodução de desigualdades?
  • Que ideologia se esconde nas propostas e nas modificações pelas quais o sistema penal passou ao longo dos anos?
  • Direitos e avanços ou simples reorganização e reestruturação de punição?
  • As prisões estão sendo espaços de real ressocialização como se propõe?
  • Como surge essa ideia da privação de liberdade como uma pena para quebra de convenções e contratos sociais?
  • São as prisões as únicas formas de tratar certas quebras de acordos sociais?
  • Quem define o que é crime e quem é criminoso?
  • Por que o fato de considerar que um indivíduo não está, supostamente, sendo útil à sociedade garante o argumento para intervenções e criminalização desse cidadão?
  • Quem e onde é definido o parâmetro de utilidade social? E com quais propósitos?
  • E no Brasil? Como esse processo foi inserido em um contexto totalmente diferente do europeu, operado pela lógica colonialista e tendo na escravidão, baseada na hierarquização racial, um eixo fundamental de exploração?

Em “Brasil: ideologia racista e sistema de justiça criminal”, Borges defende o que toda e qualquer pessoa que se interessa pela temática precisa ter em mente: abordar o sistema de justiça criminal brasileiro é, sobretudo, tratar da cultura racial e, segundo ela, da “ideologia racista” do país. Perguntas formuladas pela autora, como “Porque falamos no racismo como ideologia fundante da sociedade brasileira?”, “Qual a ideologia por trás desse gigantesco complexo que se expande e se aprofunda no mundo todo?” e “Por que são as populações negras e indígenas – esses últimos com pouquíssimos dados sobre sua situação carcerária – as mais afetadas por esse complexo prisional?”, ajudam a compreender melhor quais são as intenções do sistema prisional e os motivos por trás do aprisionamento da população mais afetada por esse regime, as populações negras e indígenas.

Além da questão racial, o debate sobre o sistema prisional deve ser pautado também sobre a política de drogas que o país passou adotar ao longo dos anos como uma instituição democrática. Interrogações apresentadas por Borges como “Quem define se uma pessoa é usuária ou traficante?”, “Quais são as chances de uma mulher negra, com uma pequena quantidade de substância ilícita, ser considerada traficante ou usuária?”, “Quais as influências sociais, políticas territoriais, raciais e de gênero para a definição dessa diferenciação?”, “Qual a periculosidade real dessas pessoas à sociedade, se a maioria dos seus delitos é de microtráfico e considerados não violentos?”, são necessárias para assimilar o debate sobre a “guerra às drogas” com o encarceramento em massa que segue constante no país. “Gênero, raça e classe e guerra às drogas: estruturas de manutenção das desigualdades” é a parte da obra que fundamenta o que Borges pensa sobre o sistema prisional, apontando os tópicos que deveriam ser reformulados ou, até mesmo, extintos do eixo que faz parte dessa política de encarceramento no Brasil.

DADOS SOBRE O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), do Departamento Penitenciário Nacional, de 2019, o número de pessoas em privação de liberdade no país é de 748.009, correspondendo a 3ª maior população carcerária do mundo. Desse número total, 362.547 e 133.408 estão em Regime Fechado e Semiaberto, respectivamente. 25.137 se encontram em Regime Aberto e 222.558 em Regime Provisório. Sob Tratamento Ambulatorial são 250 presos e 4.109 estão em Medida de Segurança. Quando se trata do aumento de pessoas encarceradas no Brasil ao longo dos anos, Borges traz um dado que exemplifica muito didaticamente os motivos pelos quais especialistas do sistema de justiça criminal e temáticas que estão ligadas a ele, principalmente sob a perspectiva da “Lei de Drogas”, apontam como um sistema falho e que exige uma reformulação imediata. “De 2006 a 2014, quando temos dados oficiais pelo InfoPen, o número de encarcerados aumentou em mais de 200 mil pessoas em um período de oito anos, sendo que de 1990 a 2005, um período de 15 anos, houve cerca de 27 mil pessoas encarceradas”. O ano escolhido pela escritora, 2006, não por acaso foi o período que a lei 13.343/2006, mais conhecida como “Lei de Drogas”, foi implementada, impulsionando o encarceramento no país.

RECORTE DE GÊNERO

A questão central que a escritora aborda no livro é o recorte de gênero dentro desse sistema. De acordo com a autora, “68% das mulheres encarceradas são negras, e três em cada dez não tiveram julgamento”, ou seja, estão em Regime Provisório. Analisando sob o ponto da escolaridade dessas mulheres, “50% não concluíram o ensino médio e 50% são jovens, sendo essa média de mulheres em torno de 20 anos”, completa Borges. Comparando com outros países, lembra a autora, temos a quinta maior população de mulheres encarceradas do mundo, com 37.380 mulheres em situação prisional. O Brasil só fica atrás de Estado Unidos, atingindo a marca de 205.400 mulheres, China, com um total de 103.766, Rússia, sendo 53.304 mulheres encarceradas e Tailândia, com 44.751.

Analisando os dados da população carcerária masculina, “poderíamos refletir sobre esse dado como uma informação de que esse número não é tão alarmante”, aponta Borges. Porém, de acordo com suas apurações, “entre 2006 e 2014, a população feminina nos presídios aumentou em 567,4%, ao passo que a média de aumento da população masculina foi de 220% no mesmo período”.

Quando se trata do encarceramento de mulheres, os temas que devem ser pensados nem sempre passam por quem os formula, segundo a escritora, questões relacionadas à saúde pessoal, maternidade e de seu posicionamento diante de uma sociedade baseada em valores patriarcais. “No caso das mulheres, enquanto que visibilizamos a violência doméstica no debate público, não trazemos para o centro do debate a invisibilidade e a situação de extrema violência no cárcere. As prisões dependem da violência para funcionarem. E esse contexto de intensa violência, adquirindo contornos de violência psicológica contra as mulheres de forma muito mais intensa, corrobora o ambiente perverso de relacionamentos abusivos”, diz Borges.

Levantamentos da escritora corroboram com estudos que demonstram como o sistema prisional brasileiro é insalubre, ainda mais se tratando de mulheres encarceradas. “No Brasil, segundo dados do InfoPen [Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias], há apenas 32 profissionais ginecologistas para atender todo o universo de mulheres encarceradas. Apesar de terem assegurado o acesso ao pré-natal, fica evidente nos dados que muitas delas interrompem acesso regular à Saúde”, lembra Borges. Sobre o pré-natal, a autora completa dizendo que é “notadamente violado, além dos graves relatos de partos realizados com mulheres algemadas, que ainda persistem, sendo que, em 2016, a Comissão de Constituição e Justiça aprovou, em caráter terminativo, a proibição desse procedimento”.

Do ponto de vista social, relata a autora, “esse cenário de encarceramento é a realidade de penas mais duras para mulheres, principalmente negras, ao adicionarmos o elemento racista, frente a delitos mais leves. Segundo ela, “das mulheres encarceradas, 635 têm penas de até oito anos”. Pensando em que posição na sociedade está essa mulher, sendo muitas delas mães, como lembra a autora, “45% delas cumprem penas em regimes fechados”. Dessas mulheres, completa Borges, “40,6% estavam desempregadas, e em 96,5% dos autos de prisão há referências ao uso de drogas, reforçando uma narrativa de drogas como problemas, invertendo a lógica de que, na verdade são as vulnerabilidades sociais que levam ao uso abusivo de substâncias”. Outro dado que assusta é a escolaridade, chegando a 72% das mulheres encarceradas que não concluíram o Ensino Médio, e, como afirma Borges, “apesar da Lei de Execução Penal determinar que é dever do Estado fornecer assistência educacional, tanto instrução escolar quanto profissional, apenas 25,3% das mulheres em situação prisional estão envolvidas em atividade educacionais formais”.

RECORTE RACIAL

“Nosso país foi construído tendo na instituição da escravização de populações sequestradas do continente africano um de seus pilares mais importantes”. Esta é a frase que a autora inicia para explicar a importância de relacionar no debate sobre o sistema prisional brasileiro a temática racial. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 56,10% da população brasileira se declara negra no país.

Ao falar sobre racismo, Borges cita a intelectual Beatriz Nascimento, que define o racismo como “um emaranhado de sutilezas”. Segundo a autora, Nascimento pensava “o fenômeno [racismo] e suas consequências não podem ser estudadas apenas na externalidade, mas também nos impactos da corporeidade e da subjetividade dos sujeitos oprimidos, ou seja, “o racismo é uma experiência que retira o sujeito de si mesmo”. No sistema prisional, 64% dessa população é negra, aponta a autora, “dois em cada três presos no Brasil são negros”. Quando se trata da faixa etária dessa população, 55% são jovens, de acordo com o Estatuto da Juventude, entre 18 e 29 anos. “Há, portanto, um alarmante dado que aponta para a juventude negra como foco de ação genocida do Estado Brasileiro”, afirma.

Outro dado que evidencia o racismo como ideologia dentro do sistema de justiça é a definição das penas comparadas entre brancos e negros que cometeram o mesmo crime. Segundo Borges, “dos acusados em varas criminais [segundo a página Jusbrasil, são responsáveis por processar e julgar aqueles acusados de cometerem crimes], 57,6% são negros, enquanto que em juizados especiais [de acordo com o portal do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os juizados especiais “servem para conciliar, julgar e executar causas de menor complexidade] que analisam casos menos graves, esse número se inverte, tendo uma maioria branca (52,6%)”.

No capítulo Brasil: ideologia racista e sistema de justiça criminal”, a autora faz um levantamento sobre dados raciais do sistema de justiça criminal, o que denomina como “Sistema de Justiça Criminal Brasileiro em cores”. São eles:

  • 84,5% dos juízes, desembargadores e ministros do Judiciário são brancos, 15,4% negros, e 0,1% indígenas;
  • 64% dos magistrados são homens, 36% das magistradas são mulheres;
  • 82% das vagas nos tribunais superiores são ocupadas por homens;
  • 30,2% de mulheres já sofreram reação negativa por serem do sexo feminino;
  • 69,1% dos servidores do Judiciário são brancos, 28,8% são negros, 1,9 amarelos;
  • 67% da população prisional é negra (tanto homens quanto mulheres);
  • 56% da população prisional masculina é jovem, 50% da população prisional feminina é jovem.

VÍDEOS COM A AUTORA SOBRE ENCARCERAMENTO EM MASSA

 

 

 

 

 

OBRAS E PORTAIS ACADÊMICOS E DE NOTÍCIAS PARA ENTENDER MELHOR O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Pelo fato de o Brasil ter a 3ª maior população carcerária do mundo, são muitas as produções audiovisuais, literárias e portais online sobre a temática. Para ajudar o leitor a compreender melhor a situação que enfrentamos no país, a reportagem separou algumas dessas produções sobre o Sistema Prisional Brasileiro e temas relacionados a ele.

PRODUÇÕES AUDIOVISUAIS

Deus e o Diabo em Cima da Muralha - https://www.youtube.com/watch?v=VbTMV1-0BTk

A partir do ponto de vista do médico e escritor Dráuzio Varella, que trabalhou como médico voluntário na Casa de Detenção de São Paulo, mais conhecida como Carandiru, por 13 anos, a produção lançada no ano de 2006 narra histórias e situações que aconteceram na penitenciária. Desativado e demolido a maior parte do prédio em 2002, ficou sob os holofotes da população brasileira após ocorrer o chamado “Massacre do Carandiru”, que, em 1992, resultou no assassinato de 111 encarcerados após a intervenção da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Tortura e Encarceramento em Massa no Brasil - https://www.youtube.com/watch?v=khplZUIRD_8&t=1s (parte 1), https://www.youtube.com/watch?v=cTSgBhSU-dI&t=2s (parte 2)

Produzido pela Pastoral Carcerária, o documentário relata, em duas partes, a tortura dentro do sistema prisional brasileiro e como ela atinge as mulheres que estão encarceradas, respectivamente.

Pelo Direito de Recomeçar - https://www.youtube.com/watch?v=YLrwdquiL4Y&t=1s

Promovido pela Defensoria Pública do Tocantins, a obra aborda a realidade do sistema prisional tocantinense, segundo a apresentação da DP-TO, apresentando “propostas para amenizar os problemas relatados e reinserir os detentos na sociedade através do trabalho”.

Falcão – Meninos do Tráfico - https://www.youtube.com/watch?v=B-s2SDi3rkY&t=1730s

Produzido pelo centro de audiovisual da Central Única das Favelas (CUFA), o documentário acompanha o produtor e fundador da Central Única das Favelas (CUFA), Celso Athayde, e o rapper e ativista social, MV Bill, que percorrem as favelas brasileiras atrás de histórias de meninos envolvidos no tráfico de drogas.

OBRAS LITERÁRIAS

Estação Carandiru; Carcereiros; e Prisioneiras

Estação Carandiru, Carcereiros e Prisioneiras

 

Escritos pelo médico e escritor Dráuzio Varella, as três obras abordam a experiência que o médico teve como voluntário em uma das casas de detenção mais conhecidas no Brasil, o Carandiru. Transitando entre um relato pessoal e profissional durante sua experiência, trata da temática com muita responsabilidade e de uma maneira pedagógica, sob um olhar atento as questões que fazem parte do sistema em questão.

Presos que Menstruam – A brutal vida das mulheres – tratadas como homens – nas prisões brasileira 

Presos que menstruam

 

Produzido pela jornalista Nana Queiroz, a obra dialoga com a produção de Juliana Borges, analisando a situação do sistema prisional feminino. Porém, do ponto de vista de relatos pessoais de mulheres encarceradas e de seus familiares, constrói uma narrativa mais instigante para quem as lê.

A Guerra – A ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil

A Guerra

 

Sob a pesquisa e produção do jornalista Bruno Paes Manso, e da socióloga Camila Nunes Dias, o livro aborda a maior facção criminosa do país, o PCC, analisando seu surgimento, desenvolvimento e a consolidação como uma das maiores distribuidoras de drogas do mundo. Traz relatos e diagnósticos do Sistema Prisional Brasileiro essenciais para adicionar nas questões levantadas por Borges.

Falcão – Meninos do Tráfico” e “Falcão – Mulheres e o Tráfico

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Do produtor e fundador da Central Única das Favelas (CUFA), Celso Athayde, e do rapper e ativista social, MV Bill, a partir de relatos coletados ao longo de anos e situações que os envolvidos no projeto vivenciaram – além de experiências próprias dos autores – as duas obras trazem para o leitor a realidade de meninos e mulheres, na maioria das vezes de classes socioeconômicas baixas, que se envolveram com o tráfico de drogas. Além disso, “Falcão – Meninos do Tráfico”, foi produzido em cima do documentário sob o mesmo título.

PORTAIS JORNALÍSTICOS E ACADÊMICOS

Ponte Jornalismo - https://ponte.org/

Site jornalístico independente especializado em direitos humanos, que aborda temáticas como Violência de Estado, Raça, Gênero e Cultura.

Agência Pública – Agência de Jornalismo Investigativo - https://apublica.org/

Uma das primeiras agências de jornalismo investigativo no país, a Agência Pública segue uma linha editorial pautada na investigação e produção de longas reportagens sobre temáticas relacionadas a questões sociais.

The Intercept Brasil - https://theintercept.com/brasil/

Conhecido pela “Vaza Jato”, o site Intercept Brasil, é antes de tudo, um meio jornalístico que acompanha e produz reportagens sobre diversas questões sociais que fazem parte do debate público no Brasil, como a situação da política de Segurança Pública no Brasil.

 Alma Preta- Jornalismo Preto e Livre - https://almapreta.com/

Lançado em 2015, o Alma Preta é uma agência de jornalismo especializado na temática racial. Produz um material que discute política, cultura e a situação do cotidiano da população brasileira, todos esses temas sob a perspectiva do recorte racial da população negra.

Memória Massacre Carandiru - https://www.massacrecarandiru.org.br/

Uma parceria do Núcleo de Estudo sobre o Crime e a Pena da FVG Direito SP (Fundação Getúlio Vargas) com a Andhep (Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós-Graduação), o portal transmídia tem como objetivo apresentar documentos e materiais sobre o “Massacre do Carandiru”, a partir de analises acadêmicas, entrevistas, reportagens e documentos do próprio Estado sobre o ocorrido.

Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CeSeC) - https://cesecseguranca.com.br/

Fazendo parte da Universidade Candido Mendes, no Rio de Janeiro, é uma das instituições acadêmicas referências no tema sobre violência e segurança pública no Brasil.

Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) - https://forumseguranca.org.br/

Composto por acadêmicos e agentes de Segurança Pública do país, a ONG FBSP traz publicações robustas, a partir de dados e análises da temática, que ajudam a compreender melhor os problemas e desafios das políticas de Segurança Pública do país.

Monitor da Violência - https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/

Uma parceria entre o G1, o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o FBSP, o projeto tem como objetivo acompanhar a temática da violência e assuntos relacionados, produzindo um conteúdo que mescla o jornalismo e a academia.

- Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) - https://www.ibccrim.org.br/

O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) é referência quando se trata da produção e divulgação acadêmica de temáticas relacionadas às Ciências Criminais.

Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas (PBPD) - https://pbpd.org.br/

Trazendo questionamentos sobre a conjuntura da Política de Drogas adotada pelo Brasil e como é tratado a temática no país, a Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD) promove o debate a partir de uma perspectiva dos direitos humanos e da redução de danos sobre o uso e assuntos relacionados as drogas.

Agenda Nacional pelo Desencarceramento - https://desencarceramento.org.br/

Surgido em 2013 após um documento apresentado em audiência pública com o Governo Federal, a Agência Nacional pelo Desencarceramento (AGENDA) logo se consolidou como uma das principais ONGs que discutem o Sistema Prisional Brasileiro com grande participação da população que vivencia ou está presente, direta e indiretamente, dentro dele.

Pastoral Carcerária - https://carceraria.org.br/

Ligada a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Pastoral Carcerária (PCr) faz um trabalho dentro e fora do Sistema Prisional, produzindo relatórios e realizando ações visando a proteção dos encarcerados nas prisões espalhadas pelo Brasil.

Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) - https://ittc.org.br/

Criado em 1997 após uma visita na Casa de Detenção do Tatuapé, sob a denúncia de tortura a uma mulher grávida na unidade, o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania promove relatórios e ações que ajudam a visibilizar a situação das prisões no país, focando principalmente na situação das mulheres encarceradas.

Núcleo de Estudos da Violência (NEV) - https://nev.prp.usp.br/

Logo após o fim da ditadura civil-militar no Brasil, no ano de 1987 docentes da Universidade de São Paulo (USP) e ativistas de Direitos Humanos criam o Núcleo de Estudos da Violência (NEV), após anos monitorando e produzindo relatórios sobre as violações de direitos humanos no regime militar. Até os dias atuais, é um dos principais difusores de conhecimento acadêmica sobre a questão de direitos humanos no país.

Conectas Direitos Humanos - https://www.conectas.org/

Surgida em 2001, a Conectas Direitos Humanos é uma ONG que acompanha de perto a situação de Direitos Humanos no Brasil, publicando relatórios, participando de ações judiciais e ajudando a pautar no debate público temáticas de Direitos Humanos.

124 anos depois, a resistência contra o ‘Corta Cabeças’ ainda persiste
por
Milena Camargo
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23/11/2021 - 12h

O idealismo iluminista da República soberana se faz esquecer da sujeira que esconde em baixo do tapete. O extermínio deliberado pelo Estado de aproximadamente 25 mil brasileiros comprova a insanidade inata encontrada na configuração da República brasileira. A guerra contra Belo Monte (Canudos), ocorrida há mais de 124 anos, ainda é extremamente atual, conforme afirma Sérgio Guerra, doutor em história com ênfase na guerra de Canudos: “O genocídio se deu em 1897, mas continua. Porque a população dos sertões continua sendo massacrada. Se você procurar ver as vítimas da Covid, são aqueles mesmos pretos, pardos e índios de sempre. Na realidade, o Brasil ainda vive essa política”. 

De acordo com um estudo feito em fevereiro desse ano pelas pesquisadoras Ligia Bahia e Jéssica Pronestino, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a taxa de letalidade varia de acordo com o nível de escolaridade, da cor da pele e do IDH dos municípios. Lugares com o IDH baixo tiveram 61,7% de mortes. Já os municípios com IDH muito alto ficaram com 32,9%. 56% dos pacientes brancos internados com síndrome respiratória morreram, contra 79% dos não brancos. Entre os pacientes sem escolaridade, 71,3% vão a óbito, contra 22,5% para os de nível superior. 

“O Brasil foi montado a partir da invasão dos brancos, do genocídio da população indígena e da escravização da população negra e é esse resultado que vivemos até hoje”  (Sérgio Guerra)

Canudos representou um, dentre inúmeros, massacres genocidas brasileiros. Em 1889, com a instauração da República na recente ex-colônia, poucos se sentiam realmente pertencentes a esse sistema. A realidade era uma via de mão única, que obrigava o pagamento de impostos sem nada em troca. O Líder religioso, Antônio Conselheiro, se recusava a pagar as taxas estatais, pois entendia que a República, por eles, nada fazia. E dessa forma, eram vistos como uma ameaça, que deveria ser combatida. 

A execução em Canudos ocorreu de diversões formas. Não só a violência física foi crucial para esse acontecimento, como também o abandono do Estado e a justificativa ideológica - processo que autoriza o uso da violência. A alusão de Anti República e marginalidade foi indispensável para a aceitação e legalização do assassinato em massa, bem como o roubo da identidade. A própria denominação, ‘Canudos’, é, em si, uma violência contra a população que, na verdade, se auto nominava ‘Belo Monte’.  Deslegitimar e fazer esquecer são as formas mais ferozes de atrocidar movimentos. 

“A partir dos jornais da época, fizeram de Canudos um reduto de rebeldes, pessoas que não tinham religião, não tinham leis, tabaréus, que estavam causando mal ao desenvolvimento do país. Ou seja, era preciso exterminar” afirma João Batista, historiador com ênfase em turismo. Além disso, outra artimanha de inverter os papéis - de vítimas a vilões - é taxa-los de violentos quando se defendem. Quanto a isso, afirma Guerra: “Não existe violência do escravo para o escravizador. Porque a violência que está instruída é a da repressão contínua. Então, o que você tem são movimentos de resistência a essa violência institucional. Não há violência do mais fraco contra o mais forte”.

“Quando se escolhe Moreira César, a ideia é causar esse impacto na população brasileira, ‘Canudos agora será dizimada, agora temos um comandante a altura dos jagunços, assassinos e bárbaros’” (João Batista).

Moreira César, mais conhecido como ‘Corta Cabeças’, foi o escolhido pelo então presidente, Prudente de Morais, para comandar as tropas contra Canudos. Esse representante violento é sempre uma ótima estratégia propagandista em prol da segurança patriota. Um líder destruidor, que degola vidas em prol do bem-estar do poder.   

“Patriota, a favor da família e que não tolera nada que destoe o patriarcal. O Bolsonaro representa esse ‘Corta Cabeças’. As cabeças representam a falta de investimento na educação, a liberação de mais agrotóxico, o nenhum centímetro a mais para os indígenas, tantas mulheres que são violentadas - por esse discurso machista que ele prega -, da comunidade LGBT e do povo negro que são perseguidos e assassinados pelo discurso homofóbico e racista e mais de 600 mil mortes pela negligencia da pregação da não vacinação. Até hoje ele não se vacinou”, conclui Batista.  

A cabeça de Antônio Conselheiro foi levada para o Exame Médico Legal, afim de que a ciência pudesse encontrar uma explicação para o que eles consideravam aberrações mentais. À época, se faziam grandes pesquisas com o intuito de descobrir as características físicas de um ‘delinquente’ anti-Estado. Essa antropologia criminal é aceita até hoje em discursos que tentam estereotipar criminosos por sua cor e etnia. O que representa uma forma de legalizar o genocídio de grupos de pessoas por suas características físicas.  

A chance de uma pessoa negra ser assassinada no Brasil é 2,6 vezes superior àquela de uma pessoa não negra. Os dados fazem parte do Atlas da Violência de 2021 – divulgado em agosto desse ano. O ato genocida, continua acontecendo, com inúmeros discursos traiçoeiros para justificar que seu alvo tem etnia, cor, religião e classe social específicas. 

Segundo Batista, “uma pauta sobre o que foi esse movimento [Canudos], é necessária para que as pessoas compreendam o que foi o Brasil de ontem, e o em que estamos inseridos hoje. [...] fazer com que as pessoas entendam que os erros do passado continuam sendo repetidos hoje, por conta dessas lideranças que são constituídas, e que são, infelizmente, colocadas pelo povo – de alguma forma”. 

 “A gente precisa superar os ‘os donos da história’” 

Euclides da Cunha, em seu livro ‘Os Sertões’ (1902), faz um panorama respeitado sobre o que foi a Guerra de Canudos. Sendo correspondente do jornal – O Estado de S. Paulo -, e tendo participado de uma parte da guerra, o então escritor constrói uma crítica humana ao acontecimento.  

Esse livro, tendo uma repercussão avassaladora – inclusive internacionalmente - foi o que deu a Euclides sua cadeira na Academia de Letras. Entretanto, segundo Guerra, “ninguém pode negar o mérito de Euclides da Cunha, mas além dele você tem 25 mil moradores de Belo Monte e 15 mil soldados envolvidos”. Cabe dizer, que esse livro parte de certa meia culpa pelo ocorrido. Euclides da Cunha foi membro do exército e integrante da imprensa – dois dos principais grupos responsáveis pelo massacre. 

A história precisa ser ouvida pelos vencidos, e por seus descendentes. Garantindo, assim, o lugar de fala, livre de projeções estereotipadas, dotadas de privilégios, hipocrisias e segundas intenções. “Os vencidos também merecem um lugar na história. A história de Belo Monte foi contada sob a ótica dos vencedores”, diz Batista. 

Preservar e divulgar a verdadeira história de Canudos, tendo como referência as narrativas dos descendentes conselheiristas é o principal objetivo do Instituto Popular Memorial de Canudos (IPMC). Atualmente, o grupo é uma das principais formas de estreitar a relação do que foi Belo Monte com os movimentos socias de hoje.  

Vanderlei Leite da Silva, morador da cidade de Canudos e coordenador do IPMC explica que “essa experiência da união e da organização dos grupos, é a estratégia que a gente tem para colocar em risco os privilégios dos grandes. Têm muitos poderosos que fazem de tudo para que isso não aconteça”.  

A romarias, são eventos abertos que acontecem anualmente – geralmente no mês de outubro -, desde 1988. É um evento aberto para a população de Canudos e pessoas de outras regiões que se interessem pelo assunto. Cada romaria possui um tema para debate, que é selecionado pela paróquia do IPMC e uma comissão dos movimentos atuais.  

“Fazemos uma relação do que estamos vivendo hoje, a atual conjuntura e a relação do que representou o movimento de Canudos. O tema deste ano foi: ‘O grito de Belo Monte em defesa da vida’. É o nosso grito hoje, né? De defender a vida, de nos proteger, contra esses retrocessos que vêm acontecendo com esse desgoverno bolsonarista”, reforça Silva. O IPMC pode ser encontrado através do instagram - @ipmcanudos - e no canal no Youtube - Instituto Popular Memorial de Canudos.  

O termo, criado em 1944, foi definido como crime internacional apenas no ano seguinte e reverbera até os dias de hoje.
por
João Curi
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22/11/2021 - 12h

A definição do dicionário Oxford é clara. “Extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, racial ou religioso”, e ainda complementa: “inclui outras formas de extermínio, como a prevenção de nascimentos, o sequestro sistemático de crianças dentro de um determinado grupo étnico, a submissão a condições insuportáveis de vida etc.”.

Genocídio é um termo formado pelo prefixo grego “geno” (raça ou tribo) e pelo sufixo latino “cídio” (referente à morte). O vocábulo foi criado em 1944, como sugestão do advogado judeu polonês Raphael Lemkin (1900-1959), que enfrentou intensas negociações com diplomatas para oficializar o cunho jurídico.

Depois de muita insistência, o que Lemkin definiu por “um plano coordenado, com ações de vários tipos, que objetiva à destruição dos alicerces fundamentais da vida de grupos nacionais com o objetivo de aniquilá-los”, foi enfim caracterizado pela Assembleia Geral das Nações Unidas como “crime contra o Direito Internacional", por meio da resolução 96, de 11 de dezembro de 1945.

Em 9 de dezembro de 1948, foi estabelecida a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, que hoje agrega mais de 140 Estados signatários, incluindo o Brasil. A declaração afirma o compromisso de “libertar a humanidade de flagelo tão odioso” e configura a cooperação internacional como uma necessidade.

A Assembleia Geral da ONU ainda proclamou o dia 9 de dezembro como o “Dia Internacional de Comemoração da Dignidade das Vítimas do Genocídio e Prevenção deste Crime”, sob aprovação unânime da resolução 69/323, adotada em 11 de setembro de 2015.

“O genocídio representa o pior da humanidade”, disse Adama Dieng, ex-Conselheiro Especial da ONU para a Prevenção do Genocídio. “Relembrar os eventos do passado e prestar homenagem àqueles que pereceram deve fortalecer a nossa vontade de fazer prevenção para que tais eventos não voltem a acontecer”.

Sob a liderança do líder radical Pol Pot, o Camboja sofreu um dos maiores extermínios da história.
por
Mariana Lopes
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24/10/2021 - 12h

        No Camboja, o jovem Saloth Sar, nascido em 1925, em uma família de camponeses que cultivava arroz, na vila de Prek Sbauv. Seu pai o levou para a capital Phnom Pehn para que ele pudesse frequentar a escola. Saloth cresceu estudando literatura  e história francesa, aprendeu sobre a revolução francesa de 1789 e o Reino do Terror. O Camboja, desde 1863, for um protetorado francês e fazia parte da colônia francesa da Indochina.

       Apesar de ser uma monarquia constitucional, quem realmente governava o Camboja eram os oficiais franceses. Porém, no país vizinho, o Vietnã, eles estavam com dificuldade de manter sua influência.  O exército francês estava em direto conflito com os vietnamitas e seu líder Ho Chin Minh no Vietnã. Na década de 1950, uma tendência política surgiu no mundo, além da independência, muitos países a buscaram através de revoluções comunistas, um movimento que se espalhou por grande parte da Indochina.


       Em solidariedade, os vietnamitas começaram a treinar militarmente cidadãos do Camboja e instiga-los a se engajar na luta por sua independência e em um modelo social baseado no comunismo. Saloth Sar, então com 20 anos no ano de 1945, fez uma peregrinação ao templo de Angkor Wat. O templo, local representativo na história do Camboja inspirou seu desejo pela independência do seu país e sua consciência política.

       Em 1949, em viagem a Paris, acompanhado de amigos cambojanos, Saloth chegou a uma conclusão; os países que estão conquistando sua independência tem algo em comum, seus revolucionários são comunistas. Além disto, Sar defendia a tomada de poder pela resistência armada. Estuda o pensamento de Karl Marx, porém se identifica com os textos de Joseph Stalin, e pelo resto da vida, ele defenderá o stalinismo, sua ênfase na industrialização, no governo totalitário e no culto de personalidade.


       Em 1951 se filia ao Partido Comunista e em 1953 retorna ao Camboja  totalmente comprometido com a revolução de seu país. Em viajem para o norte, se integra às forças  vietnamitas com o objetivo que de tornar o país livre dos franceses. Ainda em 1953 os vietnamitas derrotam os franceses que se retiram do Vietnã e também do Camboja. A solução institucional para o novo governo foi a designação de um rei como governante, e apesar da insistência de Sar, para que os vietnamitas continuassem a atacar, eles retiram suas forças do Camboja e fazem um acordo com o novo governante, Norodom Sihanouk.


       Após cinco anos de governo, um novo primeiro ministro é eleito. O partido comunista é banido do país e seus membros perseguidos e presos. Esta guinada política força Sar a se esconder nas florestas fora da cidade. Em seu refúgio, adota um novo nome, Pol Pot, e torna-se o líder do partido comunista no Camboja. O então primeiro ministro do país passa a chamar seu grupo de Khmer Vermelho.


       Novamente Pol Pot junta-se aos vietnamitas nas selvas do Camboja, porém, desta vez, lutavam contra os Estados Unidos e não a França. Durante o longo conflito, os EUA bombardearam o norte do Camboja inúmeras vezes, causando a morte de mais de 150 mil cidadãos cambojanos. A destruição causada pelos bombardeios provocou o fortalecimento da causa de Pol Pot, e logo, a ajuda vietnamita não era mais necessária, pois um exército revolucionário havia se formado em resposta à ação norte-americana.

       Diante do crescimento da força oposicionista, primeiro ministro é deposto por um golpe militar em 1970. Sua sobrevivência política foi pedir uma aliança com o Khmer Vermelho. O apoio das forças governistas faz as tropas de Pol Pot chegarem a 64 mil homens. Em dezembro de 1974, Pol Pot ataca a capital Phnom Penh e, em apenas cinco dias, a capital é rendida. A data de 17 de abril de 1975 marca o primeiro dia do novo governo. O nome do país muda para Kampuchea e seu novo governante, Pol Pot, comandaria o partido Kampuchea Democrático. Sua proposta ideológica era o país se desenvolver de uma sociedade socialista agrária para uma sociedade comunista.


       Logo, sua faceta política autoritária e radical é colocada em prática. Pol Pot ordena a evacuação da capital sob a justificativa da ameaça de bombardeio norte-americano. Mais de 2 milhões de pessoas foram evacuadas às pressas. Mas, na realidade, o novo governante estava iniciando sua estratégia de limpeza ideológica. Sob o pressuposto de igualitarismo completo, os cidadãos foram deslocados para trabalhar em fazendas coletivas. O dinheiro foi abolido, assim como todo tipo de entretenimento. Pensamentos e sentimentos privados não eram tolerados e todos tinham que usar uniformes pretos.


       O Estado passou a autorizar casamentos e aqueles suspeitos eram punidos com  espancamento e até a morte em público. A brutalidade aliada à fome e a doenças que se espalhavam pelo país, provocou a moirte de centenas de cidadãos diariamente. Pol Pot atribuía a falta de sucesso de seu governo a inimigos do partido e com isso iniciou uma perseguição generalizada no Camboja. Na prisão de Tuol Sleng, cidadãos, membros do partido suspeitos de traição e seus familiares eram  interrogados, torturados e mortos. Este local ficou conhecido internacionalmente como “Killing Fields” (Campos de Mortes). Aproximadamente 14 mil homens, mulheres crianças e idosos foram encarcerados. Apenas 7 sobreviveram.

       Após a expulsão dos norte-americanos do país, os vietnamitas voltaram sua atenção para o Camboja. Pol Pot temia uma aliança de seus soldados com exército vietnamita. O ditador levou sua campanha de terror para a fronteira com o Vietnã. Ao final, aproximadamente 2 milhões de cambojanos foram massacrados. Após o massacre de suas próprias forças cambojanas, as forças do Vietnã não tiveram dificuldade para invadir e pais e tomar sua capital, Phnom Pehn, em 1978. Pol Pot escapou dos conflitos, faleceu em sua casa no ano de1998 sem nunca ter sofrido consequências por suas ações.