Primeiro de julho de 1867. Nasce o Canadá, com a união de colônias inglesas em temor à invasão estadunidense. O povo canadense, porém, nasceu antes da colonização europeia. Comunidades indígenas já se organizavam em meio às florestas, planícies e montanhas do país norte-americano, ocupando centenas de territórios distintos, desconsiderados pela cartografia estrangeira.
Treze de julho de 2021. A tribo Penelakut anuncia a descoberta de mais 160 túmulos não-identificados no terreno de uma escola residencial para crianças indígenas. Somam-se mais de 1.100 sepulturas encontradas no Canadá entre maio e julho deste ano.
ETNICIDADE NATIVA
A Seção 35 da Constituição canadense de 1982 reconhece três grupos nativos, dentre eles, as Primeiras Nações (em inglês, First Nations), etnia composta por mais de 630 comunidades. Com a colonização, a herança indígena norte-americana e europeia deu origem a outro grupo, os métis (termo derivado do francês para “mestiço”).
Os inuítes, por sua vez, são popularmente conhecidos por “esquimós” e constituem a etnia de menor número, com cerca de 50 comunidades concentradas no ártico canadense.
A HERANÇA DO INDIAN ACT
A legislação, aprovada em 1876, impôs medidas rígidas sobre os povos indígenas, delimitando reservas, controlando entradas e saídas, e removendo crianças à força de suas casas para viverem em espécies de internatos. Durante o século XX, ao menos 139 das chamadas escolas residenciais eram administradas pelas igrejas Católica, Anglicana, Presbiteriana e pela Igreja Unida do Canadá (hoje, a maior denominação protestante do país), com apoio financeiro do governo federal.
Estima-se em mais de 150.000 crianças indígenas vitimadas pelo Indian Act entre 1883 e 1996. Segundo relatos de sobreviventes, apurados pela BBC, muitas crianças foram espancadas, abusadas verbal e sexualmente, e milhares morreram por doenças, negligência e suicídio.
"Para nós indígenas, isso não é uma descoberta, é apenas uma confirmação”, responde a parlamentar inuíte Mumilaaq Qaqqaq (representante do território de Nunavut na Câmara dos Comuns, entre 2019 e 2021) à BBC1. “Para outros canadenses, isso confirma o que falamos sobre a história — especificamente a que afeta os povos indígenas do Canadá: a maior parte dela é muito perturbadora”.
A última escola residencial foi fechada apenas em 1996. Em 2008, o primeiro-ministro Stephen Harper realizou um pedido formal de desculpas às pessoas afetadas por essas instituições.
GENOCÍDIO CANADENSE
A partir da coleta de milhares de horas de testemunhos de sobreviventes, a Comissão da Verdade e da Reconciliação indicou, em 2015, a ocorrência de um “genocídio cultural” em decorrência das práticas de aculturação cometidas nas 150 escolas residenciais investigadas. A decisão foi apoiada pela então Chefe de Justiça do Canadá, Beverley McLachlin - a primeira mulher a ocupar o cargo, com o mandato mais longo da história do país.
As recentes descobertas de túmulos não-identificados trouxeram à tona novas investigações, agravando as denúncias contra o governo federal.
“Demos muitos exemplos de colonização para o mundo”, conta Qaqqaq. “Mas tudo isso é embalado e apresentado de uma forma muito fofa: ‘Somos o Canadá, muito diverso, inclusivo, feliz e ótimo’. Na verdade, os indígenas não veem assim. E acho que cada vez mais canadenses estão percebendo isso”.
Em pronunciamento no dia 31 de maio, o primeiro-ministro Justin Trudeau prometeu “ações concretas” para ajudar comunidades indígenas em suas buscas, embora os custos previstos excedam o orçamento oferecido pelo governo.
“Trudeau pode dizer o que quiser, que não foi ele quem criou essas coisas — mas ele ainda está levando crianças indígenas aos tribunais, ele ainda não fornece água potável para reservas em todo o país, nem uma vida acessível”, acrescenta Qaqqaq.
Durante anos, ativistas e povos indígenas pressionaram o governo por um inquérito acerca do número de mulheres indígenas que desapareceram ou foram mortas, em estimativa de mais de 4.000 vítimas, segundo o The Guardian. Na época de campanha, Trudeau prometeu direcionar esforços estatais para determinar o alcance e a extensão dos desaparecimentos, em contrapartida à postura do governo anterior, de ideais conservadores.
Em 2019, um relatório de quase 1.200 páginas, promovido por inquérito nacional, declarou que três décadas de desaparecimentos e assassinatos de mulheres indígenas configuram como “genocídio canadense”. O documento, intitulado “Reclaiming Power and Place”, reuniu depoimentos de pelo menos 2.380 pessoas – dentre elas, familiares de vítimas, acadêmicos, idosos e oficiais do governo -, e determinou que “ações e inações estatais enraizadas no colonialismo e suas ideologias” motivaram o extermínio.
“Nós sabemos que milhares de mulheres indígenas, garotas e pessoas 2SLGBTQQIA (two-spirits*, lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer, questionando, intersexuais e assexuais) foram perdidas para o genocídio canadense até os dias de hoje”, divulga o relatório.
Protestos em prol das causas indígenas esquentam no Canadá. Em meio aos escândalos recentes, manifestantes derrubaram estátuas das rainhas Vitória e Elizabeth II no município de Winnipeg, durante atos no “Dia do Canadá”, feriado de fundação do país. Demais manifestações foram registradas, sendo canceladas as celebrações em diversos municípios e ocorrendo a remoção de estátuas de figuras envolvidas com as escolas residenciais.
(*Dois-espíritos, ou two-spirits, é um termo referente às pessoas que se identificam como detentoras de ambos os espíritos masculino e feminino, sendo usado por povos indígenas do continente norte-americano para descrever sexualidade, gênero e/ou identidade espiritual. O termo é uma tradução de “niizh manidoowag”, da língua ojíbua, ou anishinaabemowin, segunda mais falada dentre os idiomas indígenas canadenses.)
A liberdade de expressão é ‘pré-condição para a democracia e para uma paz duradoura’, afirmou a Academia Real das Ciências da Suécia. Há menos de um mês do Dia Internacional pelo Fim da Impunidade dos Crimes contra Jornalistas (2/11), vence o Nobel da Paz, a filipina, Maria Ressa, ao lado do russo Dmitry Muratov. Ambos jornalistas, acrescentaram de forma significativa para a defesa da liberdade expressão em seus países - e, a partir de agora, mundialmente, através da representação e encorajamento de outros profissionais.
A jornalista Maria Ressa, foi laureada por defender a exposição de uso de violência, abuso de poder e autoritarismo através da liberdade de expressão. "Essa é a melhor época para ser jornalista. Os tempos em que isso é mais perigoso também são aqueles em que isso é mais importante”, afirmou. Disse também a premiada que o Rappler - site do qual é fundadora e pelo qual publica suas matérias - “vai continuar fazendo oque tem feito”.
Já Muratov é um dos fundadores – e diretor chefe - do Novaya Gazeta, um jornal russo que desde sua fundação (1993) publica reportagens que denunciam situações de violência, abuso de poder e autoritarismo. Em consequência, já teve seis de seus jornalistas, assassinados. O jornalista, afirmou ainda que esse prêmio não era dele, mas sim, de todos aqueles jornalistas que morreram lutando pela liberdade de expressão na Rússia.
Ao comentar o prêmio: “São representantes de todos os jornalistas que defendem esse ideal em um mundo em que a democracia e a liberdade de imprensa enfrentam condições cada vez mais adversas”, afirmou Berit Reiss-Anderson, presidente do conselho do Prêmio Nobel.
O valor do prêmio é de 10 milhões de coroas suecas – equivalente a R$ 6,3 milhões. Esse valor será dividido entre os ganhadores.
Mas, o que o Brasil tem a ver com isso?
Em 17 dias, se completam 46 anos do assassinato de Vladimir Herzog jornalista assassinado, durante o período de ditadura militar no Brasil. Após ter se apresentado, de forma voluntária, a depor no destacamento de Operações de Informação, o jornalista, foi submetido a prisão, tortura e, por fim, protagonista de um teatro covarde e macabro no qual foi colocado como autor protagonista de sua própria morte. Vlado – como era conhecido – é um símbolo da luta pela democracia. Ele vive!
Jornalistas continuam sendo mortos por investigar e denunciar. Também por publicar denúncias de corrupção política, violência policial e outros crimes contra a cidadania. E, justamente, por exercer a sua profissão. A América Latina é o continente que mais mata seus profissionais de mídia. Em 2019, o Brasil foi o 4º país que mais matou jornalistas, segundo o levantamento feito pela Press Emblem Campaign, organização não governamental com sede em Genebra.
Neste ano de 2021, a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) divulgou um levantamento que mostra que o Brasil é o país com o maior número de mortes de jornalistas pelo novo Coronavírus no mundo. O nosso tão apreciado, colega e professor André Russo, coordenador da Agência de Jornalismo Mauricio Tragtemberg - Agemt, foi uma dessas vítimas. Sua vida foi ceifada pelo descaso e inutilidade governamental para com a gravidade da doença.
Esta calamidade representa a violência em seus diversos espectros, ela não precisa ser explicita ou fisicamente visível, a ideologia atrelada a repressão e inobservância para com os que precisam, são as maiores armas do autoritarismo de Estado. E assim como Vlado, André Russo e outras centenas de jornalistas que tiveram morte registrada pela Covid-19, sofreram as consequências deste teatro autoritário. Como sempre, o objetivo é responsabilizar a vítima por sua própria morte e, assim, velar a irrefutável crueldade Estatal.
A República Democrática do Congo, é um dos maiores países em área do mundo atualmente e sua capital Kinshasa é a cidade com maior população falante de francês do mundo. Congo, significa “encontro” no idioma Kinkongo do reino do Kongo do povo kongo. A nomenclatura fez com que em 1483 o navegador português Diogo Cão batizasse o rio que desemboca no Atlântico de Rio Congo. O rio é tão importante que atualmente existem dois países chamados Congo. O outro é chamado República do Congo e é um país menor.
Sob o solo da República Democrática do Congo estão reservas estimadas em 24 trilhões de dólares em ouro, cobalto, cobre, diamante e columbita tantalita (material essencial para a indústria da tecnologia).
Por cerca de 400 anos, os portugueses foram os principais exploradores da região e não se limitaram a navegações na área. Em 1491 o monarca congolês, Soba Nzinga – A – Nkuwu se converteu ao catolicismo e passou a se chamar João I em honra ao rei de Portugal.
Em 1871, o galês Henry Morton Stanley, por acidente, descobriu uma rota entre a atual Tanzânia e o Rio Congo. Decorrente deste fato, se transformou em herói para a Europa e vários governos tentaram contratá-lo.
Em 1876 o rei da Bélgica, Leopoldo II, sediou uma Conferência Internacional de Geografia na sua capital, Bruxelas. E convidou exploradores, geógrafos e missionários com o objetivo de organizar uma associação “humanitária” para civilizar e melhorar a vida dos africanos. A associação recebeu o nome de Associação Internacional Africana, com o rei Leopoldo II como presidente.
O verdadeiro interesse do rei belga, não era uma missão “humanitária”, e sim, a exploração econômica da região. E ele contratou Henry Stanley como seu agente para estua operação.
Durante cinco anos Stanley trabalhou secretamente para Leopoldo, sendo financiado pelo rei, ele mapeou o Rio Congo e forçou acordos com os líderes africanos locais. Neste interim, na Europa, o rei tentava justificar seus atos humanitários e ganhar reconhecimento das demais potências europeias das suas posses africanas tentando oferecer vantagens aos países e, até mesmo, colocando líderes uns contra os outros.
O seu maior problema era que a maior parte dos países europeus reconhecia a presença portuguesa na região. E para evitar uma possível guerra por conta da disputa pelo território, o estadista alemão, Otto Von Bismarck, organizou a Conferência de Berlim.
Diversas resoluções surgiram dessa conferência, dentre elas, a formação do Congo Português (atual Cabinda, território de Angola). Também foi delineado o Princípio da Ocupação Efetiva, estabelecendo que o Rio Congo teria livre navegação e que novas posses sempre teriam que ser notificadas. Além disto, o governo africano não seria reconhecido. E por fim, o Congo, a partir daquele momento, seria propriedade privada do rei da Bélgica. Não seria uma colônia. Pertenceria apenas ao rei Leopoldo II e seria administrada por uma empresa, a Associação Internacional do Congo.
Leopoldo II rapidamente começou seu plano de extrativismo de recursos naturais, utilizando a exploração da mão de obra forçada dos nativos. O principal produto, em um primeiro momento era o marfim, depois o ouro e por fim a extração de látex.
No Congo de Leopoldo, o ato de decepar a mão ou o braço dos nativos era comum quando eles não conseguiam cumprir suas cotas de extração do látex para a produção da borracha. Outros castigos físicos e torturas eram aplicados regularmente por uma milícia (Force Publique) financiada pelo rei. Assassinatos, amputações, açoitamentos, estupros e até mesmo esquartejamentos tornaram-se ocorrências diárias no Congo ao final do século XIX.
Além de decepar a mão dos nativos também era recorrente mulheres e crianças serem sequestradas para garantir que cotas de produção fossem cumpridas por líderes tribais. A milícia era composta por mercenários europeus, oficiais belgas e nativos alistados à força. Este regime de trabalho forçado, torturas e mutilações, causou aproximadamente entre 5 milhões de mortes em um período de menos de 15 anos.
Durante seu reinado, o rei Leopoldo II lucrou pessoalmente cerca de 1 bilhão de dólares, cerca de 220 milhões de francos na época. Na Bélgica, ficou conhecido como “O Construtor”, pois usou parte destes recursos para modernizar Bruxelas.
A “missão civilizatória e humanitária” do rei belga foi tão abusiva e violenta, que mesmo na época de exploração imperial europeia da África, suas ações causaram ultraje na opinião internacional.
A missionária e fotógrafa Alice Harris e o escritor Joseph Conrad realizaram um extenso trabalho de denúncia do genocídio orquestrado pelo rei da Bélgica. Em 1908, a pressão das potências europeias foi tão grande que o parlamento da Bélgica transferiu o Congo para o estado belga, tirando-o da posse do rei, tornando o território uma colônia belga. Porém, o trabalho forçado permaneceu uma prática comum em partes do Congo até a sua independência em 30 de junho de 1960.
Recentemente, muitas estátuas do rei Leopoldo II foram retiradas ou vandalizadas em diferentes cidades da Bégica e da República Democrática do Congo. Apesar da pressão internacional para que a Bélgica peça desculpas e indenize o Congo pela violência e exploração do trabalho forçado, o país jamais mostrou se responsabilizar pelas atrocidades cometidas.