Realizado no Parque da Juventude, o evento reuniu educadores, pesquisadores e vítimas para reivindicar o reconhecimento do massacre após 33 anos, e fortalecer ação judicial contra o Estado de São Paulo
por
Daniela Cid
Maria Clara Palmeira
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23/10/2025 - 12h

Quem caminha pela Avenida Cruzeiro do Sul e entra no atual Parque da Juventude, no bairro de Santana, em São Paulo, ao ver uma área aberta com bancos, árvores e até mesmo a estrutura de um circo, talvez não tenha consciência de que ali ocorreu um dos maiores crimes de estado da história do país. O nome “Carandiru” é conhecido nacionalmente através da indústria cinematográfica e por outras entidades que comentam sobre o famoso massacre ocorrido no dia 02 de outubro de 1992, e que hoje permeia a memória coletiva brasileira como uma lenda. 

Imagem da estrutura da antiga casa de detenção com a localização de cada pavilhão. Atualmente nesta área encontra-se o Parque da Juventude e ETEC, local onde aconteceu o evento. Foto: Daniela Cid
Imagem da estrutura da antiga casa de detenção com a localização de cada pavilhão. Atualmente nesta área encontra-se o Parque da Juventude e ETEC, local onde aconteceu o evento. Foto: Daniela Cid/AGEMT

33 anos mais tarde, no mesmo local do ocorrido, acontecia o evento Território Memória Carandiru, protagonizado por sobreviventes do massacre e familiares de vítimas. O evento teve como objetivo fortalecer o processo judicial movido pelo educador e sobrevivente do massacre Maurício Monteiro contra o Estado de São Paulo, buscando indenização e reconhecimento para sobreviventes e famílias, um pedido que já havia sido negado anteriormente por prescrição da ação. O ato também integrou a comunidade carcerária pela luta por memória e reparação: “O evento é significativo para a gente entender que essas mortes que foram provocadas pelo Estado, de pessoas que estavam sob a sua tutela, não resultaram em uma melhora, pelo contrário, tivemos uma propagação do crime, com criação de mais penitenciárias”, explica Maurício Monteiro."

O evento também contou com a presença de Camila Tourinho, Coordenadora do Núcleo Especializado da Situação Carcerária (NESC), Maíra Machado, Coordenadora do Grupo de pesquisa em Direito e Violência do Estado da FGV Direito-SP, Maria Cecília Asperti, Professora do curso de Direito da FGV e Advogada Orientadora do Centro de Assistência Jurídica Saracura (CAJU), Tâmara Nascimento, Coordenadora do centro de Referência de Promoções da Igualdade Racial (CRPIR-Carandiru), Raílda Alvez do AMPARAR e Hamilton Pereira da Silva, Assessor do Gabinete Ministerial do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. 

“Tive filho na FEBEM e no cárcere”, conta Raílda Alvez, “Essas pessoas já foram marcadas para morrer, e essas mesmas pessoas continuam morrendo dentro do sistema prisional. Quantos mais dos nossos vão morrer porque são pobres, pretos e periféricos? (...) São dadas como mortes naturais, essas pessoas são assassinadas o tempo todo nesses espaços de violência”, desabafa. Além da violência sofrida dentro do cárcere, outros temas foram discutidos, como a ineficácia da ressocialização. Edson Pereira, formado em enfermagem e egresso da Casa de Detenção, comenta sobre a dificuldade em encontrar emprego mesmo após 30 anos de cumprimento da pena: “eu sou aprovado na entrevista, mas quando pedem meu documento eles me descartam, inventam umas desculpas”, comenta Edson, “dizem que meu currículo é bom, mas pelo jeito não fala por mim, a ponto de eu conseguir provar que eu sou honesto e que eu quero trabalhar”. 

Estima-se que 3,5 mil tiros de fuzis AR-15 e submetralhadoras tenham sido disparados em apenas 20 minutos no dia 02 de outubro de 1992. A repercussão internacional da época colocou o Brasil nos holofotes e resultou em denúncias à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Até hoje, nenhuma das autoridades competentes foi punida pelo Estado. 

Fotos das 111 vítimas do Massacre do Carandiru no dia 02 de outubro de 1992, no evento de 33 anos do acontecimento. Foto: Daniela Cid
Fotos das 111 vítimas do Massacre do Carandiru no dia 02 de outubro de 1992, no evento de 33 anos do acontecimento. Foto: Daniela Cid/AGEMT

De acordo com o Centro de Assistência Jurídica Saracura da FGV (CAJU), hoje os processos de tortura contra o Estado no Brasil são imprescritíveis. O trabalho em conjunto com o Núcleo Memórias Carandiru é realizado para que o governo brasileiro reconheça o Massacre do Carandiru como uma grave violação de direitos humanos, um ato cruel de tortura. Além disso, os sobreviventes alegam que o número de 111 mortos divulgado pelo Estado não é exato, tendo muitos deles contado mais de 200 no dia seguinte ao acontecimento. 

Presente no evento, Alexandre Carvalho, formado em direito penal, professor e amigo íntimo de Maurício, relata: “O senso comum sobre o Massacre é de que ‘bandido bom é bandido morto’ e de que morreram poucos, mas o que é visto cotidianamente, de fato, é uma busca por justiça”. 

Roda de conversa entre Maurício Monteiro e representantes do CAJU (FGV) sobre imprescritibilidade de processos de tortura. Foto: Maria Mielli
Roda de conversa entre Maurício Monteiro e representantes do CAJU (FGV) sobre imprescritibilidade de processos de tortura. Foto: Maria Mielli/AGEMT

 

Memórias Carandiru: é preciso lembrar para não repetir

O Núcleo Memórias Carandiru é formado pelos educadores Maurício Monteiro, sobrevivente do Massacre no Carandiru, Helen Baum e Walter Luiz, sobreviventes do cárcere, e Nádia Lima, museóloga. O projeto realiza um roteiro quinzenal gratuito pelo Parque da Juventude, onde os educadores apresentam os locais dos pavilhões da antiga casa de detenção relatando suas experiências dentro do cárcere, enquanto os sobreviventes compartilham o que viveram no dia do massacre. Além do roteiro, este núcleo realiza pesquisas de arquivos e casos relacionados ao Massacre do Carandiru em conjunto com grupos de estudos da USP, Unifesp e FGV. O objetivo é oficializar um projeto de memória do Massacre, para que não volte a acontecer. 

Maurício Monteiro em roteiro do Memórias Carandiru, em frente ao local onde ocorreu o Massacre do Carandiru (Antigo pavilhão 9), hoje demolido. Atualmente se tornou um estacionamento de carros. Não há placas de referência histórica no local. Foto: Maria Mielli.
Maurício Monteiro em roteiro do Memórias Carandiru, em frente ao local onde ocorreu o Massacre do Carandiru (Antigo pavilhão 9), hoje demolido. Atualmente se tornou um estacionamento de carros. Não há placas de referência histórica no local. Foto: Maria Mielli/AGEMT

Reflexo da importância deste projeto de memória é o caso de Bruna Castorino Alves, filha de uma das vítimas que obteve arquivos de seu pai graças ao projeto. “Eu era uma criança quando meu pai foi assassinado em 1992. (...) Se hoje eu tenho fotos, e coisas sobre o meu pai é graças ao Maurício, que fez esse projeto maravilhoso, pois desde quando eu me conheço por gente, a única coisa que eu tinha era o atestado de óbito que diz que ele foi morto por bala na Casa de Detenção, no Massacre do Carandiru”, declara Bruna. “Eu, quando era criança, gostava de futebol, mas não entendia o porquê de eu gostar tanto, e hoje eu sei que é porque ele também gostava.” 

O roteiro é gratuito, para realizá-lo basta preencher um formulário de presença através do Instagram @memoriacarandiru para as datas disponíveis.

Confira também a videorreportagem:

 

 

Em vídeos publicados nas redes, a educadora relatou o ocorrido
por
Marcelo Barbosa Prado
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22/10/2025 - 12h

Após passar em primeiro lugar em um concurso docente para a Universidade de São Paulo (USP), a professora Érica Bispo, de 45 anos, foi surpreendida com a anulação do resultado. Aprovada para lecionar o curso “Literaturas Africanas de Língua Portuguesa”, seis concorrentes brancos alegaram favorecimento da candidata e o Conselho Universitário decidiu aceitar o pedido.

 

Antes de prestar a prova, Érica passou por uma série de problemas de saúde, o que resultou em seu afastamento da vida acadêmica. Ainda enquanto doente, a professora  viu um edital aberto na USP e decidiu que queria voltar a estudar. Foi então que ela prestou o concurso e, sem expectativas, passou no exame em primeiro lugar. “Nem consegui dormir de tanta emoção. Eu tinha sido aprovada para a maior universidade do Brasil”, disse.

Depois de um tempo sem receber notícias sobre a prova, Érica entrou em contato com o apoio acadêmico e foi orientada sobre as etapas de nomeação e posse. Ela começou a acompanhar as reuniões da Congregação da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) pelo YouTube e, durante uma das transmissões, descobriu que havia uma contestação contra o concurso.

A FFLCH chegou a homologar o resultado, mas depois revogou o processo seletivo para a disciplina. Érica iria se mudar do Rio de Janeiro para São Paulo, com o intuito de assumir o cargo e se casar. A anulação do concurso fez com que Érica ficasse doente e com uma infecção, chegando a perder mais de cinco quilos  em um mês, segundo ela, em relato dado à AGEMT. “Nesse contexto, minha vida acadêmica se tornou um escudo e fonte de forças. Organizei dois simpósios temáticos em dois congressos diferentes, além de participar de um congresso este ano. Submeti alguns artigos a revistas acadêmicas e quero concluir mais dois antes do fim do ano”, afirmou.
 

Reprodução: CAELL-USP| Arte postada nas redes sociais pelo Centro Acadêmico de Letras da USP
Arte produzida pelo Centro Acadêmico de Letras em repúdio à anulação do concurso de Érica. Reprodução: CAELL-USP- Instagram

 

Ao todo, 15 candidatos estavam inscritos no processo e as seis pessoas que entraram com recurso alegaram que a professora tinha uma “relação de proximidade com a banca avaliadora”. A acusação referia-se a algumas fotos postadas por Érica nas redes sociais, em que ela frequentava eventos dos quais pessoas da banca também estavam. Na ocasião, Érica estava em um Congresso de literatura africana e publicou a foto com a breve legenda “Entre amigos é muito bom”. Segundo ela, a imagem não comprova amizade com nenhuma das pessoas. 

Além de entrarem  com recurso na USP, esses candidatos também recorreram à justiça. Depois de passar pelo Ministério Público, o órgão entendeu que não havia irregularidades no processo seletivo.

Mesmo após o arquivamento do caso pelo Ministério Público, a FFLCH publicou uma nota nas redes sociais confirmando a abertura de um novo concurso. Enquanto  as inscrições já foram abertas, Érica segue procurando justiça. Em uma sequência de vídeos publicados, via Instagram, na segunda semana de outubro, Érica denunciou o ocorrido e abordou o tratamento que tem recebido por parte da universidade, da imprensa e de coletivos.

Na USP, o curso de letras se pronunciou sobre o acontecimento. O Centro Acadêmico de estudos linguísticos e literários Suely Yumiko, de Letras, emitiu uma nota repudiando a falta de diversidade e divulgando um abaixo-assinado em defesa de Érica. 

A AGEMT entrou em contato com a FFLCH e, em nota, eles alegam que houve diferentes análises antes da decisão. Veja a nota na íntegra:

"
A Erica foi aprovada em primeiro lugar, e a Congregação da FFLCH homologou o resultado, aprovando o relatório da banca examinadora. O processo de contratação da Érica foi iniciado pela FFLCH. Alguns candidatos entraram com recurso, o qual foi indeferido pela Congregação da FFLCH. Os candidatos, então, fizeram recurso junto ao Conselho Universitário, órgão máximo da Universidade. Após análise, a Procuradoria Acadêmica da USP recomendou a anulação do concurso, que foi aprovada pelo Conselho Universitário, que considerou que havia indícios de relações de proximidade da candidata aprovada e indicada com pessoas integrantes da banca. Essa conclusão teve embasamento em postagens em redes sociais em que, além de fotos, havia expressões de amizade. Sendo uma decisão do Conselho Universitário, a FFLCH não tem como reverter a decisão. Informamos também que, no momento da inscrição, houve três candidaturas de pessoas autodeclaradas negras (PPI), que foram deferidas pela banca de heteroidentificação da Faculdade, mas apenas a Erica realizou as provas do concurso, sendo que os demais não compareceram."

A professora acredita que isso é um reflexo do Brasil, que não vê negros em uma posição de professor universitário. “ O país se construiu sobre uma estrutura escravocrata, que, mesmo após a abolição, continuou a definir os lugares sociais que poderiam ser ocupados como negros”.

 

Mortes causadas por policiais a pessoas já rendidas reacende questionamentos sobre a segurança estatal
por
Daniela Vicente Cid
Victoria Ignez
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11/09/2025 - 12h

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, aponta que o país vive desde 2018 queda nas taxas de mortes violentas intencionais (MVI), reflexo de políticas públicas, prevenção à violência e mudanças no crime organizado. Contudo, 14% das MVI são de autoria policial, resultando em 60.394 vítimas entre 2014 e 2024. Em cidades como Itabaiana (SE), Santos (SP) e São Vicente (SP), a violência policial responde por mais de 60% das mortes. O perfil das vítimas segue concentrado em homens negros mortos por armas de fogo. 

O anuário alerta: “Mesmo diante de reduções gerais nas MVI, o Brasil ainda falha em garantir padrões mínimos de controle institucional da ação policial.” 

Análise produzida a partir dos microdados dos registros policiais e das Secretarias estaduais da Segurança Pública e/ou Defesa Social. Imagem/Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Análise produzida a partir dos microdados dos registros policiais e das Secretarias estaduais da Segurança Pública e/ou Defesa Social. Imagem/Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 

 

Conexões entre agentes do Estado e crime organizado 

O anuário também destaca que a “licença para matar” foi historicamente concedida a quem deveria zelar pela lei. A Operação Escudo, por exemplo, motivou ação da Defensoria Pública e criação de um relatório preliminar após 11 denúncias de violações de direitos humanos, em 2023.  

Outro caso citado pelo anuário é o de Vinicius Gritzbach, morto no aeroporto de Guarulhos por militares a mando do PCC em novembro de 2024, após colaborar com o Ministério Público em denúncias de lavagem de dinheiro e envolvimento de policiais civis em extorsões. 

Em artigo publicado no jornal da USP em 2023, o pesquisador Bruno Paes Manso lembra que episódios como o Massacre do Carandiru colaboraram para a formação do PCC, com o discurso de guerra contra o sistema. Para ele, “o crescimento da violência policial e das prisões, ao invés de fragilizar o crime, disseminou as gangues pelos presídios, que já ultrapassam os 70 grupos” – Comenta, “Longe de promover a ordem e reduzir o crime, portanto, as medidas populistas como as aplicadas no passado recente vêm promovendo o caos.” 

Saúde mental dos policiais 

O anuário também aborda a vitimização de policiais. Entre 2018 e 2024, as mortes em confronto caíram, mas os suicídios aumentaram. Hoje, esta é a principal causa de morte na categoria, seguida por confrontos durante a folga e em serviço. 

Embora a PM registre mais mortes gerais devido à natureza do trabalho, as taxas de suicídio destes são semelhantes às da Polícia Civil. O perfil dos policiais vítimas de homicídios, tanto em confronto, quanto em pausa é majoritariamente de homens negros, de 40 a 44 anos. O documento não detalha os perfis em casos de suicídio. 

Fatores apontados no último anuário e relembrados neste incluem assédio moral intenso, cobrança por metas, endividamento, insegurança jurídica e desgaste pelo contato contínuo com situações de risco. O fácil acesso a armas é um agravante. 

Na Bahia, onde os suicídios de policiais cresceram 66% no último ano, tentativas de entrevista com cadetes revelaram perda de subjetividade pelo receio em falar sobre saúde mental e outros temas como as câmeras de segurança sem autorização superior, com o seguinte argumento: “tudo o que eu tenho, agora pertence ao Estado”. A Bahia também se encontra entre os dez com maior taxa de letalidade policial. 

Proteção contra aqueles que nos protegem 

A nomenclatura de registros para ocorrências de mortes geradas em confrontos com policiais mudou de “resistência seguida de morte” para “morte decorrente de intervenção policial”, buscando mais rigor na investigação. As câmeras corporais, de acordo com o anuário, vêm auxiliando nesse processo, oferecendo dupla garantia: inibir abusos e proteger agentes de acusações infundadas. Elas têm auxiliado na visibilidade dos episódios de execução de suspeitos já rendidos.  

Apesar do incentivo federal, apenas 10 estados contavam com programas de uso de câmeras corporais em funcionamento em 2024. Em São Paulo, o governo retirou a obrigatoriedade da gravação contínua, gerando embates com famílias de vítimas, como foi o caso da Operação Escudo.  

Em maio de 2025, o STF homologou acordo para ampliar o uso das câmeras no estado, porém ainda deixa brechas. O contrato com a Motorola prevê aumento de 25% nos equipamentos, chegando a 15 mil, priorizando unidades de alta e média criticidade. O uso obrigatório vale em operações de grande porte, “comunidades vulneráveis”, ou em resposta a ataques contra policiais. A ativação pode ser feita pelo COPOM ou pelo próprio agente.  

O acordo prevê ainda o desenvolvimento de indicadores para avaliar a efetividade do programa. 

Câmera na farda da PM. Foto/Rovena Rosa/Agência Brasil
Câmera na farda da PM. Foto/Rovena Rosa/Agência Brasil

 

 

 

Tema em alta atravessa diferentes núcleos sociais como trabalho, práticas esportivas e afazeres domésticos
por
Fernando Amaral
Guilbert Inácio
João Paulo Moura
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06/10/2025 - 12h

O alvorecer do dia começa a despontar no horizonte, e milhares de meninos e meninas acordam para assumir responsabilidades que deveriam ser exclusivas do mundo adulto. Nas cidades, oferecem balas nos semáforos; no campo, ajudam na colheita; em lares da periferia, cuidam dos irmãos menores. Esse dia a dia revela mais do que trabalho precoce, é a adultização forçada. 

De acordo com relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 138 milhões de crianças se encontravam em situação de trabalho infantil em 2024. Dentre elas, 61% dos casos estavam no setor agrícola, e 54 milhões ocupavam cargos de perigo à integridade do menor. 

No Brasil, os dados também são alarmantes. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) do IBGE, em 2023 havia 1,6 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos nessa situação. O número, embora menor do que há vinte anos, ainda apresenta uma dura realidade: 4,2% de toda uma geração que deveria estar apenas estudando, brincando e crescendo sem pressa. Entre eles, 586 mil enfrentam tarefas que colocam sua saúde em risco. 

As desigualdades regionais dão forma ao problema. No Nordeste, 506 mil meninos e meninas ajudam a sustentar suas famílias, seja na roça, seja em atividades informais nas cidades. No Sudeste, os semáforos e camelódromos mostram outra face do mesmo drama. Já no Norte, quase 7% das crianças dessa faixa etária trabalham. A cor da pele também pesa, crianças pretas e pardas, que já são maioria entre os mais jovens, representam 65% de quem trabalha antes da hora. 

A rotina é pesada. Mais de um quinto dos que estão no trabalho infantil enfrentam 40 horas ou mais de serviço por semana, jornada igual à de um adulto. Para os de 16 e 17 anos, quase um terço já vive essa realidade. A escola é um dos pontos mais afetados, enquanto quase todas as crianças brasileiras estão matriculadas, apenas 88% das que trabalham conseguem permanecer estudando. As outras veem a sala de aula ser substituída pelo balcão, pelo campo, pela rua. 

O prejuízo não é só educacional, a infância roubada também deixa marcas emocionais. Muitos aprendem cedo a conviver com a preocupação da falta de comida, com o medo do desemprego dos pais ou com a responsabilidade de cuidar dos irmãos. A pressa em amadurecer elimina o espaço do lúdico, das brincadeiras que ensinam a sonhar. 

Mesmo com a proibição legal para menores de 16 anos, com exceção aos aprendizes a partir de 14, a regra é constantemente rompida. Nas comunidades mais pobres, a urgência da sobrevivência transforma a contribuição das crianças em algo naturalizado, quase obrigatório. Assim, ser criança acaba parecendo um privilégio distante. Cada hora de trabalho antecipado é também uma hora a menos de estudo, de descanso, de prática esportiva, de futuro. 

Responsabilidades no esporte 

Esse cenário também afeta o desempenho esportivo de jovens atletas, que precisam tomar decisões e assumir responsabilidade muito cedo, sendo, em alguns casos, os principais provedores de fonte de renda das famílias. 

A fotografia mostra o atleta Cristian, sentado em um banco de reserva, olhando fixamente em direção à câmera. A foto está em preto e branco
Atualmente, Cristian atua no Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP) / Foto: R7fotografo

Em entrevista a AGEMT, conhecemos Cristian Alves Oliveira, um dos atletas que viveu essa realidade. Hoje em São Paulo, o jovem de 18 anos é originário de Belford Roxo na Baixada Fluminense (RJ) e veio sozinho para a capital paulista por causa de uma oportunidade que surgiu no começo do ano de 2025.  

Cristian chegou a São Paulo para ser o goleiro do Real Cubatense de São Bernardo dos Campos na Taça São Paulo, campeonato amador organizado pela Federação Alternativa de Desporto.  

"Eu só ia disputar esse campeonato e voltar para o Rio, mas, ao decorrer dessa competição, outras oportunidades surgiram: morar aqui e defender o clube que estou hoje. Essa chance surgiu em um momento que eu estava pensado em parar de jogar bola. Então quando recebi essa oportunidade de poder vir para São Paulo e jogar, eu agarrei como se fosse a esperança do meu futuro." Destaca o atleta. 

Presente desde sua infância, o futebol se tornou um objetivo na vida de Cristian quando tinha 15 anos. Em 2022, ele decidiu que queria viver disso, mas não conseguia focar totalmente no esporte, pois tinha que estudar e trabalhar. O goleiro lembra que arrumou seu primeiro emprego com 14 anos, em um Sacolão, para poder ajudar sua família.

"Comecei a trabalhar cedo para poder ajudar em casa e para ter minhas coisas. Eu tinha que dividir o tempo para treinar, trabalhar e estudar. Era uma rotina muito cansativa que eu tinha no Rio e, às vezes, tinha que sacrificar alguma dessas coisas porque atrapalhava um pouco no meu rendimento esportivo, mas eu não podia deixar de trabalhar e ajudar em casa."  

Três anos depois, o atleta está se dedicando só ao futebol. Ele conta que a vida na capital paulista é muito diferente de Belford Roxo, porém ele segue atrás de seu objetivo porque a família depende dele. “É uma rotina muito cansativa, mas é a oportunidade que eu pedia a Deus e ele está me proporcionando. Cheguei em São Paulo em 4 de janeiro e vim sozinho, um grande desafio para mim. Conviver longe da família não é fácil, tem que saber lidar com as emoções, saudades etc., mas sempre tento manter contato com eles porque assim ameniza um pouco as saudades.” 

A história de Cristian mostra um cenário recorrente em nosso país, pois, embora tenhamos diretrizes que regulam a prática esportiva de crianças e jovens como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei Geral do Esporte (Lei 14.597/2023), outros mecanismos sociais inviabilizam a prática esportiva plena. 

Isso leva muitos, ainda novos, a abandonarem seus sonhos. Como exemplo, uma reportagem feita pela Folha de São Paulo em 2024 analisou a trajetória dos atletas que jogaram a Copa São Paulo de Futebol Junior, a copinha, em 2010. Segundo os dados obtidos, 36,9% dos atletas desistiram de tentar a carreira no esporte. 

Esses dados em um dos campeonatos mais importantes de formação de futebolistas são preocupantes. Vale destacar que o futebol é o esporte mais popular no país, ou seja, os dados em outras modalidades, como as olímpicas, devem ser mais críticos. 

O país até tem o programa Bolsa Atleta, que entrou em vigor em 2025 com o objetivo de patrocinar individualmente atletas e para-atletas de alto rendimento em competições nacionais e internacionais de sua modalidade. Contudo a maioria dos esportivas enfrentam inúmeras barreiras socioeconômicas até conseguirem chegar de fato nessas competições de alto rendimento, em que poderão vislumbrar um futuro mais otimista. 

Trabalho doméstico 

Entre as várias faces da adultização forçada, uma das mais silenciosas é a realidade de crianças que assumem tarefas domésticas para que seus pais ou responsáveis possam trabalhar fora. Longe de ser apenas uma “ajuda”, essa dinâmica transfere a elas responsabilidades que ultrapassam os limites da infância, comprometendo seu desenvolvimento emocional, social e até escolar. 

Catia Silene, psicóloga infantil, explica que, ao assumir papéis que não condizem com sua idade, essas crianças podem carregar marcas profundas para a vida adulta. “As crianças sobrecarregadas, com muitas responsabilidades inadequadas para sua idade, podem desenvolver ansiedade, estresse e um sentimento constante de pressão”, afirma.

Segundo ela, isso ocorre porque muitas vezes o esforço não é reconhecido, o que gera “baixa autoestima e a sensação de que nunca são boas o suficiente... é uma independência colocada em um lugar que não é dela”. 

A imagem, em preto e branco, mostra uma menina de costas olhando para uma pia.
Criança realizando tarefa domésticas / Fonte: Gênero e Número 

Em 2023, segundo a PNAD, da população estimada de 38,3 milhões de crianças e adolescentes, 52,6% (cerca de 20,1 milhões) realizavam afazeres domésticos e/ou tarefas de cuidado, sendo 69% de classes baixas e 57% meninas. Em famílias numerosas ou sem condições financeiras de contratar alguém para cuidar dos mais novos, é comum que o filho ou a filha mais velha seja encarregado dessa função. 

A psicóloga alerta que esse modelo pode desorganizar a noção de autoridade dentro do lar. “Às vezes os pais dizem: ‘cuida do seu irmão porque você é mais velho’. Mas esse jovem não tem maturidade para ocupar esse lugar e acaba recorrendo a formas punitivas ou ameaçadoras. Isso confunde quem é cuidado... quando isso se perde dentro da família, a confusão se projeta para a vida em sociedade” explica. 

Esse cenário, além de prejudicar a relação entre irmãos, pode gerar dificuldades sociais futuras. Uma criança que cresce sem referências claras de autoridade tende a apresentar comportamentos desafiadores e resistência a regras, tanto na escola quanto em outros ambientes. Apesar de, em alguns casos, ‘despertar’ um senso precoce de responsabilidade, a adultização no espaço doméstico tira da criança oportunidades essenciais de brincar, conviver com os demais jovens e aprender pela sua própria experiência pessoal. 

O debate sobre adultização infantil revela que, por trás da ideia de “ajuda em casa” ou de “responsabilidade precoce”, existe uma prática que limita direitos e impõe às crianças papéis que não deveriam assumir. Longe de ser um sinal de maturidade, trata-se de um processo que compromete a infância e pode deixar marcas para a vida adulta. 

Mais do que enxergar “pequenos adultos”, é preciso compreender também que se trata de um fenômeno ocasionado por desigualdades de gênero, classe e raça, do qual sobrecarregam as crianças. Encarar essa realidade como uma violação de direitos é um passo essencial para que a infância deixe de ser vista como apenas uma passagem para a vida adulta, mas sim como uma iniciação no mundo, com práticas de aprendizado, inocência e, além de tudo, protegidas. 

Episódios contam histórias reais de jovens que morreram por tiros com armas das
por
Khauan Wood
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16/06/2025 - 12h

Idealizado, produzido, dirigido e apresentado por Khauan Wood, estudante do curso de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o podcast tem o intuito de contar histórias reais de jovens que morreram em decorrência da violência policial do Brasil.

Dados de um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado em abril de 2025, mostram que a taxa de mortalidade de crianças e adolescentes pela PM cresceu 120% entre 2022 e 2024, apenas no estado de São Paulo.

Com uma imersão sonora, o áudio é pensado para ser rápido. Tudo no podcast é pensado para se assemelhar a um tiro. Além disso, conta com músicas que retratam justamente a violência policial no país.

Ficha técnica

  • Idealização, direção e apresentação: Khauan Wood

  • Duração: 5min22seg

  • Orientação: Prof.ª Dra. Anna Flavia Feldmann

 

As equipes devem inscrever-se até o dia 17 de maio no site oficial da ONG PDMIG.
por
Gustavo Pereira
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26/04/2022 - 12h
Imagem de divulgação do início das inscrições para a "Copa dos refugiados e Imigrantes" - Foto: ONG Pacto Pelo Direito de Migrar
Imagem de divulgação do início das inscrições para a "Copa dos Refugiados e Imigrantes" - Foto: ONG Pacto Pelo Direito de Migrar

Após três anos de paralisação por conta da pandemia, a “Copa de Refugiados e Imigrantes” está de volta. Os capitães ou representantes das equipes interessadas em participar do torneio devem responder o formulário disponibilizado no site oficial da ONG Pacto pelo Direito de Migrar até o dia 17 de maio de 2022. A inscrição para o campeonato é gratuita. 

O que é a “Copa dos Refugiados e Imigrantes”? 

Criada em 2014 pela ONG PDMIG, o campeonato já conta com 6 edições e é atualmente apoiada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, ACNUR, Cruz Vermelha Brasileira, OIM (Organização Internacional para as Migrações) e da SJMR (Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados Brasil). Apesar do início humilde, há oito anos, em um campo improvisado no bairro do Glicério, a Copa já atinge grandes proporções. Um exemplo disso foi a última edição realizada em 2019, dividida em etapas regionais com mais de 1200 atletas e disputada em 5 estados diferentes: Recife, Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo, além do Distrito Federal. Na etapa de São Paulo a final ocorreu no histórico Estádio do Pacaembu. 

O principal objetivo desse projeto é promover a integração dos imigrantes e refugiados por meio do futebol e das oficinas que acontecem no evento, além de gerar o protagonismo destes na sociedade brasileira. 

Como irá funcionar o campeonato? 

A 7ª edição terá um alcance ainda maior, sendo disputada em dois países: No Brasil, com jogos no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Minas Gerais e Distrito Federal e em Buenos Aires, capital da Argentina. 

A “Copa dos Refugiados e Imigrantes” terá início no mês de setembro com o seguinte formato: A primeira fase será dividida em nível local, como na edição anterior; na segunda etapa, os vencedores de cada estado disputarão o nacional e, por fim, o campeão brasileiro enfrentará o vitorioso da Copa Argentina. 

A premiação é muito mais do que um troféu, como diz o presidente da ONG PDMIG, Jean Katumba, “O principal prêmio do campeão é a união, a confraternização e a celebração da nossa causa de imigração, é isso que vale. Não tem taça como a Copa do Mundo, mas tem taça da solidariedade e da conquista de nossa nova vida em um país que não é nosso”. 

O evento não se baseia apenas nos jogos. Acontecerão simultaneamente feiras culturais, oficinas e a “Corrida Coração Acolhedor”. 

Qual a importância de ter um evento como esse? 

Para Luiz Fernando Godinho, porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), a Copa “chama a atenção primeiro para a situação das pessoas refugiadas no Brasil, para a integração deles com a cultura nacional representada por meio do futebol e é também um momento de demonstrar que as pessoas refugiadas são capazes de organizar eventos. Elas têm suas capacidades e sua interação com a comunidade onde elas vivem”.  

Luiz ainda comenta sobre a importância do esporte como um todo para os refugiados e imigrantes: “Por um lado o esporte é uma maneira de retomar uma certa normalidade da vida das pessoas. É uma atividade de lazer que contribui para reduzir o estresse e para aliviar um pouco do sofrimento dessas pessoas, além de um mecanismo de socialização muito forte, tanto para pessoas refugiadas, quanto entre elas e as nacionais. No caso do Brasil, o futebol é uma tremenda ferramenta de integração”, concluiu. 

Expectativa para o retorno 

Após uma paralisação de três anos, os organizadores estimam que o campeonato terá 1520 atletas. Katumba se diz esperançoso com o retorno: “Depois dessa paralisação da pandemia queremos retomar tudo, para tentar sensibilizar e acabar com essa xenofobia que cada vez mais cresce dentro da sociedade”, afirmou. 

Jornalista australiano está preso por divulgar documentos que comprovam abusos e assassinatos realizados pelo governo norte-americano e aliados
por
Camilo Mota, Luan Leão
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20/04/2022 - 12h

 

A justiça do Reino Unido emitiu nesta quarta-feira (20) a ordem formal que autoriza a extradição do jornalista e fundador do site WikiLeaks, Julian Assange, aos Estados Unidos, para que possa ser julgado pelo crime de espionagem. Durante a manhã, na frente do Tribunal de Magistrados de Westminster, manifestantes protestaram contra a decisão, entre eles estavam a esposa do jornalista, Stella Morris, o ex-líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn e membros da Anistia Internacional.

O australiano de 50 anos de idade está em uma penitenciária britânica desde abril de 2019, quando foi detido na embaixada do Equador, onde passou sete anos, após o presidente equatoriano Lenín Moreno retirar a proteção concedida pelo seu antecessor, Rafael Correia, em 2012. 

A acusação contra Assange é baseada na denúncia realizada pelo WikiLeaks sobre a atuação de tropas estadunidenses nas guerras do Iraque e Afeganistão, com a publicação de mais de 700 mil documentos confidenciais a partir de 2010. Nos documentos vazados, o site trouxe à tona atividades diplomáticas e militares estadunidenses que mostraram a brutalidade das ações de guerra. 

Em um vídeo divulgado em abril de 2010 e intitulado "Assassinato Colateral", parte do material divulgado pelo WikiLeaks, é possível ver forças militares dos Estados Unidos atirando indiscriminadamente de um helicóptero em civis de Bagdá, capital do Iraque. Neste ataque, um motorista e um jornalista da Agência de notícias Reuters e outras dez pessoas, morreram. 

A divulgação do vídeo desmontou a afirmação do Departamento de Defesa estadunidense de que as pessoas mortas no ataque eram "terroristas". Antes do vídeo, o site já havia publicado as Regras de Combate das Forças dos Estados Unidos no Iraque em 2007, as informações ajudaram na constatação de que as operações realizadas pelas forças de ocupação ocorriam fora do que estabelecem as regras internacionais que limitam as ações durante conflitos armados, em particular as Convenções de Genebra.

Outro escândalo vazado foi o da prisão, por anos, de pelo menos 150 pessoas mesmo sabendo que eram inocentes. Um deles foi o jornalista da Al Jazeera, veículo de comunicação do Catar, Sami Al-Hajj,  que ficou preso por anos em Guantánamo, em condições inumanas e sob a falsa acusação de ligação com o terrorismo, mesmo a CIA (serviço de inteligência dos EUA) sabendo que não havia nenhuma conexão. A prisão de Al-Hajj foi estendida para que o serviço de inteligência pudesse obter mais informações internas sobre o trabalho do jornalista. 

Esses são alguns dos diversos casos divulgados nos vazamentos realizados pelo WikiLeaks, que expuseram a estratégia dos Estados Unidos na chamada "guerra global ao terror".

Agora cabe à Ministra do Interior do Reino Unido, Priti Patel, a decisão final sobre a extradição ou não de Assange. Ela só pode negar o pedido com base na lei britânica de extradições, que estipula poucas exceções. O prazo para que ela se manifeste é de 28 dias. A defesa do jornalista tem até 18 de maio para apresentar suas alegações.

Caso seja extraditado, Assange pode ser condenado a pelo menos 175 anos de prisão. Vale lembrar que o governo dos Estados Unidos tem 25 acusações contra o australiano, e para eludir as críticas de ameaçar a liberdade de imprensa, diz que Assange é um "hacker" e não um jornalista.

A Secretária-Geral da Anistia Internacional, Agnes Callamard, afirmou em nota que a extradição de Assange poderia causar danos "irreversíveis" ao bem-estar físico e psicológico dele, e "seria devastadora para a liberdade de imprensa" no mundo. 

"As acusações contra Assange nunca deveriam ter sido feitas, em primeiro lugar. Nunca é tarde demais para as autoridades dos Estados Unidos acertarem as coisas e retirarem as acusações", afirmou Callamard. 

Assange foi um dos homenageados com o Troféu Audálio Dantas - Indignação, Coragem e Esperança, realizado pela família Kunc Dantas, Oboré e mais 30 entidades e 17 personalidades apoiadoras da democracia, da liberdade de imprensa e dos direitos humanos. O prêmio foi entregue no último dia 9, na Praça Memorial Vladimir Herzog, pelo radialista e ativista social ítalo-brasileiro José Luis Del Roio. 

Quem o recebeu em nome do jornalista australiano foi Carmen Diniz, coordenadora do Capítulo Brasil do Comitê  Internacional Paz, Justiça e Dignidade aos Povos, em solidariedade ao jornalista no país.

Na foto, José Luiz Del Roio entrega o prêmio a Carmen Diniz, coordenadora do Comitê Internacional Paz, Justiça e Dignidade aos Povos, capítulo Brasil. Foto: Camilo Mota.


Na foto, José Luiz Del Roio entrega o prêmio a Carmen Diniz, coordenadora do Comitê Internacional Paz, Justiça e Dignidade aos Povos, capítulo Brasil. Foto: Camilo Mota.

 

Os repórteres do Consórcio de Veículos de imprensa, criado para divulgar os dados sobre a pandemia após omissão do Governo Federal, também foram homenageados no evento. 

Antes da entrega a Assange, Del Roio enfatizou que a prisão de Assange, há 10 anos, é uma das grandes dores da humanidade. “Assange é um jovem, que teve coragem de denunciar detalhadamente torturas”. O radialista, que disse estar no Conselho da Europa quando as declarações de tortura chegaram a público, ressaltou que se soube “ dessas torturas detalhadas, como, quando e onde, feitas pelos EUA e seus aliados, sobretudo Inglaterra”, mas que o Conselho, mesmo assim, não denunciou os Estados Unidos. 

“Teve que ter um jovem jornalista que pegou aquele material e muitos outros, e denunciou o mundo. Ele é um dos prisioneiros mais perseguidos. Há 10 anos vive em quartos fechados ou em embaixadas, numa cela, que só arrisca passar o resto da vida num buraco nos EUA até morrer. Aqui tem muita gente que perdeu amigos, familiares, e tem gente aqui que foi torturada. E todos esses, não só o agradecem, mas agradecem a sua resistência”, acrescentou.

Ao receber o troféu, que será encaminhado à Inglaterra, Carmen Diniz realçou: “a gente só sabe que existe tortura na prisão do Iraque, por causa do Assange, do WikiLeaks. A gente só sabe que existiam soldados norte-americanos num helicóptero matando civis e rindo, como se fosse num videogame, graças ao Assange. (...) Não é contra o Assange, o que eles estão fazendo, é contra nós. Contra nós sabermos a verdade. Essa perseguição política ao Assange é contra nós também”, finalizou.

A Anistia Internacional enfatizou que “se a Ministra do Interior britânica autorizar a extradição de Assange, isso irá violar a proibição contra tortura e abrir um precedente alarmante para editores e jornalistas em todo o mundo”. Em nota, a organização ainda disse que o Reino Unido tem obrigação de não mandar ninguém para nenhum lugar em que sua segurança seja colocada em risco.

No Brasil, a Associação Brasileira de Imprensa disse que a "perseguição ao criador do WikiLeaks é um gravíssimo atentado à liberdade de imprensa", manifestou "integral solidariedade a Assange" e denunciou "de forma vigorosa a arbitrariedade da qual ele é vítima" A ABI convocou os meios de comunicação brasileiros a "se somarem à sua defesa, que no momento se confunde com a defesa da liberdade de imprensa". 

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) se manifestou dizendo que o "suposto crime" que Assange cometeu foi o de "denunciar crimes de guerra, irregularidades e violações a direitos humanos do governo norte-americano". A associação ainda declarou que "sua extradição é um sinal muito perigoso dado para jornalistas que trabalham com documentos de interesse público", e "vê com muita preocupação essa extradição, pois ela podeum efeito intimidatório em outros jornalistas e a partir de outros vazamentos que denunciem crimes de guerra e violações de direitos humanos que devem vir à tona para que as sociedades possam agir", concluiu a presidente da Abraji, a jornalista Natalia Mazotte.

Sérgio Gomes, jornalista integrante do Instituto Vladimir Herzog de Direitos Humanos, amigo da família Kunc Dantas e fundador do Projeto Repórter do Futuro e da Obore, ressaltou que “mais de 30 entidades representativas dos jornalistas - incluindo a Oboré -, artistas e estudantes de jornalismo de São Paulo, se uniram para promover o Troféu Audálio Dantas – Indignação, coragem e esperança, que foi entregue para a Carmen Diniz, representante do Julian Assange". A entrega ocorreu no dia 9 de abril, na Praça Memorial Vladimir Herzog, localizada no bairro Bela Vista da capital paulista. "Isso significa uma manifestação unitária de todos os jornalistas, artistas e estudantes daqui de São Paulo", afirmou.

No dia 14 de março desse ano completou-se 4 anos de um dos maiores crimes políticos da história do Brasil: o assassinato da ex-vereadora do PSOL Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes
por
Marcelo Ferreira, Nicole Conchon e Nicolly Golz
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05/04/2022 - 12h

Nesses 4 anos sem Marielle, suas famílias, entidades, partidos políticos, movimentos sociais dentro e fora do Brasil realizam manifestações e cobranças ao Estado em relação às investigações que, apesar de já terem condenado os executores, não levam aos mandantes do crime e suas reais motivações.

As informações obtidas são limitadas. Foram 65 prisões efetuadas desde o início das investigações, inclusive de seus executores: Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, ambos ex-policiais militares, servindo ao Escritório do Crime (um grupo de matadores de aluguel). Mas a grande questão que ainda paira no ar e na vida de milhares de brasileiros é: Quem mandou matar Marielle e por quê?

Há mais de 1.640 dias essa pergunta é repetida, cobrada e mesmo assim, nunca se chegou à sua resposta. Ronnie Lessa, um dos executores, pediu uma ajuda ao então deputado na época, Jair Messias Bolsonaro, em 2009. A informação era de que Ronnie era vizinho de porta de Bolsonaro, no Vivendas da Barra, condomínio de luxo situado na zona oeste do Rio de Janeiro. Diversos de seus arsenais foram encontrados na casa de seu amigo, mais especificamente 117 fuzis. A maior apreensão de armas da história do Rio. "É um crime com um grau de sofisticação de matadores contratados para tal, e quem tem dinheiro para esse tipo de contratação evidentemente é gente poderosa", afirma Glauber Braga, deputado estadual do Rio de Janeiro e amigo da vereadora. "A execução de Marielle teve como objetivo colocar o medo como um fato consumado", completa. 

A condução das investigações dos assassinatos pode ser questionável por assim dizer, quando familiares de Marielle não estão permitidos a participar das investigações do caso, nem seus advogados. Diversos investigadores foram trocados ao longo desses anos, o fato de não existir uma atuação coordenada das instâncias a níveis estadual e federal sobre a elucidação do caso, tentativa de fraude na investigação e outros desdobramentos.

Então, se nem os próprios órgãos de investigação cumprem esse papel, cabe à sociedade civil cobrar e exigir um desfecho para esse crime. - "O acompanhamento das investigações de maneira paralela, a pressão sobre os órgãos que tinham a obrigação de investigar, a cobrança por parte dos movimentos principalmente pela manutenção do legado de Marielle. São todas ações que repercutem ainda nos dias de hoje e vão repercutir para sempre na história, pela força que era e que é a representação da Marielle", conclui Glauber. 

Marielle foi vítima de ódio ao longo de seus anos em sua vida dentro e fora da institucionalidade. Isso é evidenciado, por exemplo, meses após sua execução. Nas eleições de 2018, os então candidatos pelo PSL, Rodrigo Amorim e Daniel Silveira – mesmo partido que o candidato e depois eleito presidente Jair Bolsonaro –, criaram fake news como as de que ela participaria de milícias ou tráfico no Rio de Janeiro; se envolveu com traficantes, mesmo sendo lésbica e casada com a arquiteta e militante Monica Benício. 

 

 

Amanhã, quinta-feira (25), Bolsonaro estará no banco dos réus. Cabe ao povo brasileiro decidir.
por
Luan Leão
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24/11/2021 - 12h

O Tribunal do Genocídio foi instituído por iniciativa do Coletivo Professor André Naveiro Russo - uma homenagem ao jornalista André Russo, vítima do COVID-19 neste ano, professor da PUC-SP e ex-editor-chefe da Agência de Jornalismo Mauricio Tragtenberg - AGEMT. O coletivo reúne professores e alunos de diversas áreas do ensino e trabalhadores da PUC-SP. Na conta oficial, em uma de suas redes sociais, o Coletivo afirma que a sociedade “não pode assistir passivamente a tragédia”. 

O julgamento tem como intuito analisar os diversos crimes cometidos na gestão da pandemia pelo governo federal que já levou à morte de mais de 612 mil brasileiros. Sua realização será amanhã, 25/11, no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o TUCA, que estará com capacidade reduzida, seguindo todas as normas e protocolos sanitários, das 8h30 até às 12h. A ação será transmitida em tempo real pelo canal universitário de São Paulo e também pela TV PUC, no Youtube e no Facebook.

Tribunal do Genocídio
Reprodução: Instagram Jornalismo_pucsp

A ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo, Kenarik Boujikian, presidirá o Tribunal. A acusação será feita pela jurista e ex-Procuradora Geral da República, Deborah Duprat, que falou com exclusividade ao jornalista Camilo Mota na última segunda-feira (22). O advogado criminalista, especialista em dogmática penal e política criminal, Fábio Tofic Simantob, ficará encarregado da defesa. O júri será composto por Edson Kayapó, ativista do movimento indígena e ambientalista no Brasil, Frei David Santos, diretor executivo da Educafro Brasil, Arthur Chioro, médico sanitarista e ex-Ministro da Saúde, Sheila de Carvalho, advogada internacional de direitos humanos e conselheira da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Luana Hansen, DJ, produtora musical, ativista feminista e LGBT, Lucineia Rosa, doutora e mestra em direito pela PUC-SP e João Pedro Stédile, membro do coletivo da coordenação nacional do Movimento Dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

O diretor da FAFLICA da PUC-SP, Fábio Cypriano, em entrevista a AGEMT falou sobre a expectativa para o evento. "Estamos muito animados, vai ser um evento muito forte. O júri que foi convocado é muito plural, muito diversificado, muito representativo, e a gente tem certeza que vai ser um grande evento público sobre toda essa má administração da pandemia feita pelo governo federal nesses últimos dois anos".

A Agência Maurício Tragtenberg fez uma série especial sobre genocídios históricos, disponível na editoria de Direitos Humanos. Além disso, a AGEMT estará cobrindo todos os desdobramentos do julgamento antes, durante e após, no Instagram @Jornal.Age e também aqui no site. 

 

Livro Encarceramento em massa inspira produção sonora
por
Gabriel Aragão, Hiero de Lima e Rodrigo Mendonça
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23/11/2021 - 12h

Por meio de um podcast, Gabriel Aragão, Hiero de Lima e Rodrigo Mendonça, apresentam parte do livro “Encarceramento em Massa”, de Juliana Borges, tratando da origem deste problema tão atual, além de dados, impactos e exemplos de casos dentro do tema. Para ouvir o conteúdo, clique aqui.