Influenciadora é chamada de "homem" por espectadora; confusão gerou vaias, atraso no espetáculo e intervenção policial
por
Carolina Zaterka
Manoella Marinho
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15/04/2025 - 12h

 

Malévola Alves, influenciadora digital e mulher trans, denunciou ter sido vítima de transfobia no Teatro Renault, em São Paulo, no dia 26 de março de 2025, ao ser tratada pelo pronome masculino e chamada de “homem” por uma espectadora. O incidente ocorreu antes do início do musical “Wicked”. Malévola, com mais de 840 mil seguidores, publicou trechos do episódio em suas redes, que rapidamente viralizaram.

Segundo relatos de testemunhas e da própria vítima, a confusão começou quando Malévola esperava uma nota fiscal e a mulher atrás dela mostrou impaciência. As duas trocaram palavras e, ao se afastar, a mulher teria gritado "isso é homem ou mulher?" em sua direção. A vítima então se sentiu ofendida e levou a denúncia à plateia, apontando a espectadora como autora do ataque transfóbico, causando um tumulto que paralisou a plateia.

A reação do público foi de imediato apoio a Malévola, com vaias à agressora e pedidos para que ela fosse retirada do teatro. “A gente não vai começar a assistir a um espetáculo que é extremamente representativo para a diversidade com uma mulher dessa aqui. Não faz o menor sentido”, afirmou um dos espectadores durante o protesto.

Diante da pressão da plateia, a apresentação atrasou cerca de 30 minutos. A mulher acusada acabou saindo do teatro sob escolta policial, levada à  delegacia para realizar um boletim de ocorrência, recebendo aplausos e vaias dos demais presentes. Miguel Filpi, presente no evento, celebrou nas redes sociais: “Justiça foi feita!! Obrigado a todo mundo nessa plateia que fez a união para que isso acontecesse.”

Carlos Cavalcanti, presidente do Instituto Artium (Produtor do musical), pediu desculpas pelo ocorrido antes de dar início ao espetáculo: “Peço desculpas por esse acontecimento e por esse atraso. Tudo o que a gente pode admitir, é bom que a gente admita na vida, mas transfobia em Wicked, não dá”. A atriz Fabi Bang, também se manifestou durante e após o espetáculo: “Transfobia jamais” - uma improvisação durante a música “Popular”.

 

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Fabi Bang, atriz que interpreta Glinda, em apresentação do musical. Foto: Blog Arcanjo/Reprodução

Viviane Milano, identificada como a espectadora acusada, negou as acusações em um pronunciamento, alegando que a confusão na fila da bombonière não foi sobre identidade de gênero, mas sobre uma tentativa de furar fila. Ela afirmou: “Perguntei em voz alta: ‘Era o homem ou a mulher que estava na fila?’”, dizendo que sua pergunta foi mal interpretada.

A produção de Wicked e membros do elenco reiteraram seu compromisso com a diversidade e repudiaram o incidente. A nota oficial da produção destacou: “Nosso espetáculo é e continuará sendo um espaço seguro para todas as pessoas, independentemente de identidade de gênero ou orientação sexual.”

Declaração é realizada 50 anos após a morte do jornalista pela ditadura militar
por
Beatriz Alencar
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25/03/2025 - 12h

O jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 1975, foi declarado, no dia 18 de março, anistiado político post mortem pelo governo. A decisão foi publicada pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) no Diário Oficial e, além do reconhecimento, a decisão incluiu uma reparação mensal permanente para a viúva Clarice Herzog, no valor correspondente ao cargo que o jornalista ocupava antes do assassinato, de diretor do Departamento de Jornalismo da TV Cultura, equivalente a R$ 34.577,89.

Em nota, o Instituto Vladimir Herzog, criado para preservar a memória do jornalista e destacar problemas da sociedade causadas pelo golpe de 1964, celebrou a conquista: “Este importante reconhecimento, que ocorre após 49 anos de luta incansável por memória, verdade, justiça e democracia, liderada por Clarice, é tão mais simbólico, pois, acontece em 2025, marco de  50 anos do assassinato de Vlado. Seguiremos confiantes de que o Estado Brasileiro cumprirá com, além deste, todos os demais pontos resolutivos da Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Herzog”.

O agora anistiado, foi preso, torturado e morto em São Paulo, pela ditadura militar. Em 1975, o jornalista foi convocado pelos militares a prestar depoimento dentro do DOI-Codi sobre uma possível ligação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas nunca mais retornou para a família.  

 

Vladimir Herzog
Foto: Reprodução: Editora Senac / Livro Jornalistas, lançado em dezembro de 1997

 

Apesar disso, a versão oficial da época divulgada pelos militares, foi que Herzog teria se suicidado dentro da cela de confinamento. No entanto, investigações comprovaram que a causa da morte teria sido após o jornalista passar por tratamentos de tortura. Mas foi somente em 2013 que a Justiça de São Paulo determinou uma mudança na causa da morte no atestado de óbito de Herzog. Agora, no documento consta: “morte causada por asfixia mecânica por enforcamento em decorrência de maus tratos sofridos durante interrogatório em dependência do 2º Exército (DOI-Codi)”.

Para o filho do jornalista, Ivo Herzog, esse reconhecimento não aconteceria sem a disposição da família de lutar pela memória do pai. “São quase 50 anos de luta iniciada pela minha mãe na busca da verdade e justiça. Esta reparação concedida agora de alguma forma colabora neste processo de busca pela justiça e poderá ajudar que minha mãe tenha segurança na atual etapa de sua vida”, declarou em entrevista à Agemt.

 

Ivo Herzog
Foto: Ivo Herzog, filho de Vladimir Herzog,  em coletiva de imprensa | Reprodução: Estadão / Fotógrafo: Manoel Marques

 

 

Ivo ainda relata que ainda há muito o que ser conquistado. Em abril de 2024, a Comissão da Anistia concedeu o título de anistiada para Clarice Herzog e o Estado oficializou um pedido de perdão à viúva, em reconhecimento aos anos de perseguição e pela resistência em não aceitar o silenciamento do governo em torno do desaparecimento e assassinato do marido.

“Há 4 pedidos de Anistia na Comissão de Anistia: Meu pai, minha mãe, eu e meu irmão. Só concederam o da minha mãe. Ou seja, o pedido de perdão até este momento somente foi feita para a minha mãe. Estamos cobrando o mais importante pedido de perdão que seria para o que foi feito ao meu pai”, declarou Ivo.

O filho mais velho do casal também diz se orgulhar da luta e das conquistas feitas em nome do pai e acredita que, se pudesse descrever o que Vladimir Herzog acharia de todos os atos feitos em reconhecimento da memória dele, seria orgulho. “Acho que ao longo destes quase 50 anos conseguimos cuidar bem da ‘memória’ dele. E talvez ainda mais  importante, de forma natural a sociedade brasileira trata com muito carinho a história do meu pai. Acho que isto significa realmente muito”, acrescentou.

Em 2023, nenhuma outra violência contra a mulher cresceu como a psicológica. Entre as atitudes que enfraquecem a saúde mental feminina está o stalking, comportamento abusivo 34,5% mais incidente no último ano
por
Bianca Abreu
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12/11/2024 - 12h

Por Bianca Abreu

 

Reta final do segundo semestre de 2024, sexta-feira, nove e meia da noite. Data e horário propícios para os estudantes de Jornalismo se encontrarem para curtir o final de mais uma semana rumo às férias. Após sair da aula na unidade Monte Alegre da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, um grupo desce as escadas da saída da universidade que desemboca na rua Ministro Godói. Ali se concentram os bares onde os Puquianos costumam confraternizar - e foi na frente de um deles em que esses universitários pararam e se reuniram.

Alguns bebem, outros comem e todos conversam. Trabalhos finais, estágio (a rotina ou a falta dele), futebol e família são alguns dos assuntos. Conversa vai, conversa vem, em dado momento, entre esse grupo majoritariamente feminino, o papo afunilou em torno da perseguição masculina. Em todas as histórias naquela noite, os algozes eram estudantes do sexo masculino - em alguns momentos, reincidentes, com mais de um relato que os envolvia. O assunto surgiu porque um deles passou próximo delas fazendo menção de se aproximar, fato que as deixaram apreensivas. Elas desviaram seus olhares e viraram o corpo, como que criando um escudo contra a aproximação que foi parcialmente repelida, visto que se aproximaram por instantes mas acabaram se afastando em seguida, indo ao encontro de outras colegas que estavam por ali.

Quando um dos algozes se afastou, Marcela, a primeira estudante a compartilhar a situação que ocorreu consigo, contou que chegou a receber chamadas de vídeo durante a madrugada, via WhatsApp, em que dois estudantes insistiam em falar com ela. Foram recusados e, em dado momento, cessaram as tentativas. Na relação entre ela e a dupla que estava do outro lado da linha nunca houve afinidade, sua intenção era apenas nutrir uma boa convivência. O que, para a estudante, não justificava receber uma ligação deles altas horas da madrugada. Ainda mais por considerar que, provavelmente, eles estariam alcoolizados naquele momento, já que se tratava de um final de semana. Outro fator que a fez, de primeira, desconsiderar atender a ligação foi o fato de que o comportamento de ambos, nos momentos de interação ainda no ambiente acadêmico, a deixava desconfortável - são intrusivos e se aproximam corporalmente de maneira exagerada, sem respeitar seu espaço pessoal e tampouco o afastamento que ela própria provoca em resposta a essas atitudes.

Mas as investidas não pararam nas ligações. Marcela evita ocupar o mesmo espaço que qualquer um dos dois estudantes e, por isso, quando coincide de sair da universidade no mesmo horário que eles, ela retarda sua chegada ao ponto de ônibus para que haja tempo hábil deles terem ido embora. Assim não precisa se preocupar em passar por situações desconfortáveis mais uma vez, principalmente se estiver sozinha. Só que agora, em vez do celular, o caminho para casa se tornou o ambiente em que ela seria novamente abordada. Um dos indivíduos da dupla passou a esperar por ela no ponto de ônibus à noite. Esse comportamento foi percebido pelo fato de que ele a viu saindo ao mesmo tempo que ele, vários coletivos subiram a Rua Cardoso de Almeida e, quando ela chegou para aguardar o transporte, ele ainda estava lá, e fez questão de se juntar a ela durante o caminho, mesmo que Marcela tenha demonstrado desinteresse pela sua companhia. Na estação de Metrô, parada em comum, ela se despediu e desviou seu caminho, a fim de aguardar que ele entrasse na próxima locomotiva para, em seguida, ir sozinha na seguinte, evitando a situação indesejada. Para sua surpresa, quando olhou para a plataforma antes de descer as escadas, ele continuava lá. Outros vagões passaram por aqueles trilhos e ele lá permanecia - aliás, permaneciam, pois Marcela também não se moveu. Após longos minutos naquela situação, ele finalmente embarcou e ela pôde, já tarde da noite, enfim seguir o caminho para casa. Enquanto ela contava o que aconteceu, sua amiga Fernanda confirmava tudo, acenando com a cabeça. Elas estavam juntas quando, uma vez mais, isso aconteceu. Exatamente nos mesmos moldes, com a única diferença de que, desta vez, elas estavam juntas. Fernanda também foi contatada pela amiga quando as ligações na madrugada aconteceram. Com os acontecimentos, a presença de qualquer um dos dois indivíduos causa mal-estar emocional a Marcela.

A perseguição pessoal e virtualmente vivida pela estudante é tipificada pelo Código Penal (CP) brasileiro como stalking. O artigo 147-A explica que essa é a atitude de “Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade” - foram 77.083 casos apontados em 2023, representando um crescimento de 34,5% em relação ao ano anterior, de acordo com dados do 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O documento também expôs que o Brasil registrou aumento de todas as modalidades de violência contra mulheres no ano passado. Mas a que mais cresceu foi a psicológica - onde enquadra-se o stalking. Foram 38.507 registros, 33,8% a mais que em 2022. Por meio do artigo 147-B, o CP define a violência psicológica contra a mulher a atitude de “Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação”. E não é só Marcela, entre o grupo ali reunido, quem está passando pelo desconforto de ser pressionada a tolerar uma presença masculina indesejada. Assim que ela terminou de contar sua história, outra de suas colegas compartilhou que também não vinha se agradando da insistência por atenção que um desses mesmos estudantes cobrava por parte dela.

Com frequência, os mesmos grupos de universitários se reúnem em frente à PUC-SP e curtem a sexta-feira à noite. Todas as vezes que Joana está lá com seus amigos, com quem tem real afinidade, um dos estudantes presente no relato de Marcela se achega junto ao grupo e busca forçar sua inclusão - principalmente, junto à Joana. Ela, assim como a colega, convive com o outro estudante, mas não alimenta nenhuma relação afetuosa que justifique a busca pela proximidade em momentos de descontração fora do ambiente acadêmico. Quando eles se movem e trocam de lugar, ele os segue. Mesmo quando se despedem, ele novamente se aproxima. Certa vez, quando ela estava entrando em um carro por aplicativo para ir para outro lugar com outro grupo de amigos, ele insistiu por longos minutos para ir junto, mesmo não tendo sido convidado - pelo contrário, Joana falou para ele, com todas as letras, que nem ela, nem o restante do grupo, levariam ele junto pois sua presença, por unanimidade, não era desejada junto aquelas pessoas. Ela entrou no carro, fechou a porta e foi embora, deixando-o falando sozinho, pois ele ainda insistia. Quando é confrontado por seu comportamento, ele coloca no álcool a culpa por suas atitudes, mas seu comportamento intrusivo também se manifesta em dias e ambientes onde ninguém está bebendo - como foi com Marcela. E assim como ela, a preocupação e o desconforto se tornaram sentimentos constantes, mesmo em momentos em que o relaxamento deveria ser a lei.

Colocar a culpa de comportamentos abusivos em fatores externos, como a ingestão do álcool, em algum acontecimento pontual ou questionar a reação da vítima ao ser importunada são atitudes comuns entre os homens que praticam essas ações. Sem autocrítica, eles perpetuam a reprodução de comportamentos nocivos que respingam em todo o cotidiano da mulher afetada, pois introduz a aflição, a ansiedade, a angústia, a insegurança e os demais sentimentos de preocupação que possam vir nesse combo. Não sendo respeitada, a mulher se vê na posição de tentar evitar, a todo custo, passar por situações onde seu espaço pessoal seja invadido, seu corpo seja tocado ou sua mente, perturbada. E isso acarreta mudanças no trajeto, no comportamento, nas companhias e em todos os demais detalhes que dizem respeito às suas escolhas individuais - ou seja, opta por tolher sua própria liberdade em nome de resguardar sua integridade física e mental. 

A inquietação diante do desrespeito é um sentimento coletivo entre as mulheres no Brasil. Uma pesquisa nacional realizada em 2023 pelo instituto DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), mostra que 46% das brasileiras acreditam que as mulheres não são respeitadas no Brasil. Em São Paulo, 48% das cidadãs paulistas consideram que as mulheres não são tratadas com respeito no país e 59% delas reforçam que a formação social brasileira é muito machista.

Em uma de suas aulas na universidade, Fabio Fernandes destacou a seus alunos do sexo masculino a importância de que eles, enquanto homens, façam uma leitura séria e comprometida de suas atitudes. Pois a masculinidade é formada a partir de elementos que estão intrínseco ao cotidiano masculino, o que lapida e direciona muitas de suas ações, pensamentos e atitudes. Sem isso, eles estão fadados a reproduzir comportamentos abusivos e nocivos contra as mulheres que encontram no caminho. As histórias contadas por Marcela, Joana e Fernanda reforçam que, enquanto as bases do patriarcado não são atacadas, o gênero masculino encontra caminhos abertos para, despretensiosamente, importunar, assediar, incomodar e atrapalhar o cotidiano das pessoas do sexo feminino em nome das suas vontades - como historicamente sempre fizeram.
 

Secretário de Estado americano, Antony Blinken, está em Tel Aviv para pressionar andamento de negociações de trégua
por
Pietra Nelli Nóbrega Monteagudo Laravia
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20/08/2024 - 12h

Desde o início do conflito na Faixa de Gaza, diversas tentativas de cessar-fogo foram realizadas, refletindo a complexidade das negociações e a persistência das partes envolvidas. Anteriormente, os esforços para interromper as hostilidades foram marcados por intensos diálogos entre os mediadores e um contínuo desgaste das condições em campo. No entanto, essas tentativas ainda não conseguiram estabelecer uma trégua duradoura.

Na última segunda-feira (19), o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, anunciou um novo desenvolvimento significativo: o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, aceitou uma proposta de cessar-fogo formulada pelos mediadores dos EUA, Catar e Egito. Esta proposta foi apresentada durante a rodada mais recente de negociações realizada em Doha, no Catar.

Blinken, que está em Tel Aviv desde domingo (18), informou que se reuniu com Netanyahu para discutir o novo plano. De acordo com a declaração de Blinken, a proposta dos EUA visa "resolver as lacunas restantes" nas negociações e permitir uma "rápida implementação" se for aceita por todas as partes envolvidas. Embora os detalhes da proposta ainda não tenham sido divulgados, o clima entre os negociadores é de otimismo após as conversas da semana passada.

Até o momento, o Hamas ainda não se pronunciou oficialmente sobre a nova proposta. As negociações deverão continuar ao longo desta semana, e Blinken expressou a expectativa de que o Hamas se comprometa com a proposta para avançar nas discussões. O secretário de estado dos EUA também alertou que esta pode ser uma oportunidade crucial para a devolução dos reféns mantidos pelo Hamas e para alcançar um desfecho mais amplo do conflito.

 O governo israelense informou que o Hamas ainda detém 111 pessoas sequestradas desde o ataque de 7 de outubro de 2023, que iniciou a guerra na Faixa de Gaza. A proposta de cessar-fogo enfrenta desafios significativos, incluindo a exigência de Israel pela destruição total do Hamas e a demanda do grupo terrorista por um cessar-fogo permanente, em vez de uma trégua temporária. Divergências também permanecem em relação à presença militar de Israel em Gaza, à movimentação dos palestinos e à identidade e quantidade de prisioneiros a serem libertados em uma possível troca.

 Em resposta a essas complexas questões, Netanyahu afirmou que busca a libertação do "máximo de reféns vivos" durante a primeira fase do novo plano de três etapas proposto pelos EUA. Após sua reunião com Netanyahu, Blinken confirmou que o primeiro-ministro se comprometeu a enviar uma delegação para as novas negociações, previstas para esta semana em Doha ou no Egito. Blinken também estará presente nas discussões. Paralelamente, os confrontos continuam em Gaza, com uma nova operação israelense em Khan Yunes e um atentado reivindicado pelo Hamas em Tel Aviv no domingo, evidenciando a fragilidade e a intensidade do conflito em curso.

 

Manifestantes e familiares de mortos por violência de Estado fizeram atos simbólicos em São Paulo no aniversário de 60 anos do golpe militar no Brasil
por
Sophia Linares
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28/05/2024 - 12h

A força de segurança brasileira passa ser formada em 1827 com a chegada de Dom João VI, para equivaler a Guarda Real de Polícia de Lisboa no Rio de Janeiro. Ao longo do tempo se estabeleceram no resto do país. Nos seus mais de 190 anos, foi “organizada e reinventada diversas vezes” como diz a linha do tempo disponibilizada no site da Polícia Militar, com a criação de ramificações que compuseram e compõe a estrutura da instituição como o Corpo Policial Permanente, o Corpo de Bombeiros, a Radiopatrulha Aérea, Guarda Civil, Força Expedicionária Brasileira, entre outros.

Quando houve a queda do sistema escravista em 1888, no mesmo ano, é criado o 1º Batalhão de Polícia de Choque. “Abolição da escravidão. A partir de agora o Brasil tem um só povo em plena igualdade de direitos. O efetivo da Polícia Militar é triplicado nesse ano, chegando a 1480 homens.” 

Em 1906, o governo do Estado de São Paulo convida militares franceses para modernizar as práticas “aliando a estética militar ao serviço de policiamento ostensivo voltado para as necessidades comunitárias” e diz que o conjunto de ideais estabelecidos “liberdade, igualdade e fraternidade que se traduzem no respeito à dignidade da pessoa humana e na defesa intransigente dos direitos humanos, persiste nos dias atuais, mantendo na Polícia Militar uma visão humanista, voltada para a formação moral e patriótica do policial militar, com dedicação incansável à instrução, para bem servir à comunidade paulista e brasileira.” 

No ano de 1932 civis armados lutaram "ao lado das tropas regulares do Exército e da milícia paulista” contra o governo de Getúlio Vargas. 

A polícia ainda nomeada Força Pública em 1964, há 60 anos tinha o dever “garantir a ordem pública e a estabilidade da nação” sob o comando do eleito governador de São Paulo Adhemar de Barros, deposto dois anos depois pelo governo militar por desejar o fim do período de ausência democrática. A partir do AI-5 em 1968 “coube à Força Pública garantir a paz social e proteger a sociedade paulista”. 1969: é construído o edifício que sediou o departamento de repressão vinculado ao governo militar, DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), para perseguir integrantes de guerrilhas armadas, pessoas que poderiam ter pouca ou muita vinculação a movimentos comunistas e aqueles que se opunham ao regime.

Em 1970, a Polícia Militar é formalizada a partir da união da Guarda Civil e Força Pública. 

Instaurada em 2012, a Comissão da Verdade instituída em países que passaram por supressão de direitos individuais democráticos, investigou crimes cometidos pelo Estado brasileiro durante o período militar e identificou mais de 8 mil indígenas mortos e pelo menos 434 mortos e desaparecidos políticos. Um estudo de 2019 da Human Rights Watch calculou 20.000 pessoas torturadas. E a pesquisa publicada neste ano de Gilney Viana, pesquisador colaborador da UnB desvelou mais de 1.600 camponeses mortos e desaparecidos nos 21 anos que perdurou a ditadura civil-militar.

O tempo que militares estavam no poder, acabou em 1985. A instituição permanece realizando a fiscalização de uma ordem na sociedade, e de lá acumulou histórico de ocasiões que marcaram o país, relembre algumas delas: 

SP 1992, Massacre do Carandirú

111 detentos mortos

RJ 1993, Chacina da Candelária

8 crianças e adolescentes mortos

Um mês depois, o caso de assassinato de 4 policiais na Praça Catolé do Rocha, resultou na morte de 21 civis inocentes.

RJ 1998, Duque de Caxias

24 mortos

RJ 2005, Chacina da Baixada

Depois depois da troca de comandante do batalhão, policiais saíram em direção ao município de Queimados, atiraram indiscriminadamente o que resultou na morte de 29 civis. 11 policiais foram denunciados, 5 deles liberados.

SP 2006, Crimes de Maio

505 pessoas mortas pela polícia depois que o Primeiro Comando da Capital (PCC) chacinou 59 pessoas.

RJ 2007, Complexo do Alemão

24 civis mortos

RJ 2021, Chacina do Jacarezinho

Após 1 policial ser morto,

28 civis foram mortos.

SP 2023-2024, Operação Verão

56 civis mortos. Entre pessoas do crime organizado e aquelas que segundo relatórios da PM teriam entrado em confronto com os agentes, estão: uma cabeleireira, mãe de seis crianças; dois vizinhos que conversavam na rua, um deles de muleta; dois jovens no interior de uma casa onde familiares tomavam café na sala, um deles era deficiente visual e possuía um dos olhos com 20% da visão e o outro cego.

Outros eventos ocasionaram mortes decorrentes de confrontos com a força pública de segurança, que resultaram cicatrizes em muitas famílias. Em comparação com 2022, os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostraram que em 2023 a letalidade policial cresceu 18% no estado de São Paulo e chegou a 313 civis mortos, também cresceu em 63% a taxa de policiais militares que tiraram a própria vida, foram 31 suicídios de agentes enquanto 16 morreram em confronto, segundo dados obtidos através da LAI (Lei de Acesso à Informação) pela Ponte.

A virada de março para abril deste ano, marcou 60 anos do dia que os cidadãos brasileiros perderam durante 21 anos seus direitos democráticos. Grupos da sociedade fizeram atos em São Paulo, pela memória das pessoas mortas e desaparecidas por ação de forças do Estado brasileiro durante a ditadura até os dias atuais. Familiares e amigos seguraram os corpos em forma de cartazes e caminharam pelas ruas da cidade. 

 

Escada interna de onde funcionou o aparelho de repressão militar DOI-Codi (1970-1976) em São Paulo.
Escada interna da construção onde funcionou o aparelho de repressão militar DOI-Codi (1970-1976) em São Paulo, aos fundos do 36° Distrito Policial na Vila Mariana que na porta, manifestantes da 4ª Caminhada do Silêncio se concentraram para ir em direção ao Monumento aos Mortos e Desaparecidos Políticos - Foto: Sophia Linares

 

Portas: à esquerda entrada para uma das salas de tortura e à direita uma das celas.
DOI-Codi: à esquerda entrada para uma das salas de tortura e à direita uma das celas - Foto: Sophia Linares

 

DOI-Codi: sala de tortura localizada no segundo andar
DOI-Codi: sala de tortura localizada no segundo andar, a menor onde não há porta, é o local que o hoje jornalista e escritor Ivan Seixas, preso quando tinha 16 anos, após ter sido tirado do pau-de-arara pode ter visto seu pai na cadeira do dragão — poltrona com condução elétrica para choque em todo o corpo — e que foi morto durante uma das sessões de tortura. Os gritos podiam ser ouvidos dia e noite em todas as celas, assim como na vizinhança - Foto: Sophia Linares

 

Emilio Ivo Ulrich, ex-preso político no DOI-Codi e autor do livro “Tortura não tem fim”
Emilio Ivo Ulrich, ex-preso político no DOI-Codi e autor do livro “Tortura não tem fim” - Foto: Sophia Linares

 

Familiares seguram cartazes de parentes na 4a Caminhada do Silêncio
Familiares seguram cartazes de parentes na 4ª Caminhada do Silêncio - Foto: Sophia Linares

 

Mulher caminha em direção ao Monumento aos Mortos e Desaparecidos Políticos
Foto: Sophia Linares

 

Na Avenida Brasil, manifestante mostra cartazes para carros parados no semáforo próximo ao Monumento aos Mortos e Desaparecidos
Na Avenida Brasil, manifestante mostra cartazes para carros parados em semáforo próximo ao Monumento aos Mortos e Desaparecidos - Foto: Sophia Linares

 

Mães e familiares de pessoas mortas durante os Crimes de Maio em caminhada do Cordão da Mentira
Mães e familiares de pessoas mortas durante os Crimes de Maio no Cordão da Mentira, passeata que saiu do Centro Maria Antonia, na Consolação, e seguiu para o antigo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) que hoje abriga o Memorial da Resistência - Foto: Sophia Linares

 

Participante vestida de morte salta caçambas com entulho em ato Cordão da Mentira.
Pessoa vestida de morte acompanhou policiais que realizaram a fiscalização da passeata Cordão da Mentira - Fotos: Sophia Linares

 

Performance artística no Cordão da Mentira
Performance artística no Cordão da Mentira - Foto: Sophia Linares

 

Participantes de ato pela memória dos mortos e desparecidos da ditadura civil-militar que ocorria à frente, na entrada da Universidade de Direito da USP no Largo São Francisco
Participantes de ato pela "defesa da democracia e por aqueles que lutaram contra a ditadura militar no Brasil" que ocorria em frente, na entrada da Faculdade de Direito da USP no Largo São Francisco - Foto: Sophia Linares

 

O termo, criado em 1944, foi definido como crime internacional apenas no ano seguinte e reverbera até os dias de hoje.
por
João Curi
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22/11/2021 - 12h

A definição do dicionário Oxford é clara. “Extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, racial ou religioso”, e ainda complementa: “inclui outras formas de extermínio, como a prevenção de nascimentos, o sequestro sistemático de crianças dentro de um determinado grupo étnico, a submissão a condições insuportáveis de vida etc.”.

Genocídio é um termo formado pelo prefixo grego “geno” (raça ou tribo) e pelo sufixo latino “cídio” (referente à morte). O vocábulo foi criado em 1944, como sugestão do advogado judeu polonês Raphael Lemkin (1900-1959), que enfrentou intensas negociações com diplomatas para oficializar o cunho jurídico.

Depois de muita insistência, o que Lemkin definiu por “um plano coordenado, com ações de vários tipos, que objetiva à destruição dos alicerces fundamentais da vida de grupos nacionais com o objetivo de aniquilá-los”, foi enfim caracterizado pela Assembleia Geral das Nações Unidas como “crime contra o Direito Internacional", por meio da resolução 96, de 11 de dezembro de 1945.

Em 9 de dezembro de 1948, foi estabelecida a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, que hoje agrega mais de 140 Estados signatários, incluindo o Brasil. A declaração afirma o compromisso de “libertar a humanidade de flagelo tão odioso” e configura a cooperação internacional como uma necessidade.

A Assembleia Geral da ONU ainda proclamou o dia 9 de dezembro como o “Dia Internacional de Comemoração da Dignidade das Vítimas do Genocídio e Prevenção deste Crime”, sob aprovação unânime da resolução 69/323, adotada em 11 de setembro de 2015.

“O genocídio representa o pior da humanidade”, disse Adama Dieng, ex-Conselheiro Especial da ONU para a Prevenção do Genocídio. “Relembrar os eventos do passado e prestar homenagem àqueles que pereceram deve fortalecer a nossa vontade de fazer prevenção para que tais eventos não voltem a acontecer”.

Sob a liderança do líder radical Pol Pot, o Camboja sofreu um dos maiores extermínios da história.
por
Mariana Lopes
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24/10/2021 - 12h

        No Camboja, o jovem Saloth Sar, nascido em 1925, em uma família de camponeses que cultivava arroz, na vila de Prek Sbauv. Seu pai o levou para a capital Phnom Pehn para que ele pudesse frequentar a escola. Saloth cresceu estudando literatura  e história francesa, aprendeu sobre a revolução francesa de 1789 e o Reino do Terror. O Camboja, desde 1863, for um protetorado francês e fazia parte da colônia francesa da Indochina.

       Apesar de ser uma monarquia constitucional, quem realmente governava o Camboja eram os oficiais franceses. Porém, no país vizinho, o Vietnã, eles estavam com dificuldade de manter sua influência.  O exército francês estava em direto conflito com os vietnamitas e seu líder Ho Chin Minh no Vietnã. Na década de 1950, uma tendência política surgiu no mundo, além da independência, muitos países a buscaram através de revoluções comunistas, um movimento que se espalhou por grande parte da Indochina.


       Em solidariedade, os vietnamitas começaram a treinar militarmente cidadãos do Camboja e instiga-los a se engajar na luta por sua independência e em um modelo social baseado no comunismo. Saloth Sar, então com 20 anos no ano de 1945, fez uma peregrinação ao templo de Angkor Wat. O templo, local representativo na história do Camboja inspirou seu desejo pela independência do seu país e sua consciência política.

       Em 1949, em viagem a Paris, acompanhado de amigos cambojanos, Saloth chegou a uma conclusão; os países que estão conquistando sua independência tem algo em comum, seus revolucionários são comunistas. Além disto, Sar defendia a tomada de poder pela resistência armada. Estuda o pensamento de Karl Marx, porém se identifica com os textos de Joseph Stalin, e pelo resto da vida, ele defenderá o stalinismo, sua ênfase na industrialização, no governo totalitário e no culto de personalidade.


       Em 1951 se filia ao Partido Comunista e em 1953 retorna ao Camboja  totalmente comprometido com a revolução de seu país. Em viajem para o norte, se integra às forças  vietnamitas com o objetivo que de tornar o país livre dos franceses. Ainda em 1953 os vietnamitas derrotam os franceses que se retiram do Vietnã e também do Camboja. A solução institucional para o novo governo foi a designação de um rei como governante, e apesar da insistência de Sar, para que os vietnamitas continuassem a atacar, eles retiram suas forças do Camboja e fazem um acordo com o novo governante, Norodom Sihanouk.


       Após cinco anos de governo, um novo primeiro ministro é eleito. O partido comunista é banido do país e seus membros perseguidos e presos. Esta guinada política força Sar a se esconder nas florestas fora da cidade. Em seu refúgio, adota um novo nome, Pol Pot, e torna-se o líder do partido comunista no Camboja. O então primeiro ministro do país passa a chamar seu grupo de Khmer Vermelho.


       Novamente Pol Pot junta-se aos vietnamitas nas selvas do Camboja, porém, desta vez, lutavam contra os Estados Unidos e não a França. Durante o longo conflito, os EUA bombardearam o norte do Camboja inúmeras vezes, causando a morte de mais de 150 mil cidadãos cambojanos. A destruição causada pelos bombardeios provocou o fortalecimento da causa de Pol Pot, e logo, a ajuda vietnamita não era mais necessária, pois um exército revolucionário havia se formado em resposta à ação norte-americana.

       Diante do crescimento da força oposicionista, primeiro ministro é deposto por um golpe militar em 1970. Sua sobrevivência política foi pedir uma aliança com o Khmer Vermelho. O apoio das forças governistas faz as tropas de Pol Pot chegarem a 64 mil homens. Em dezembro de 1974, Pol Pot ataca a capital Phnom Penh e, em apenas cinco dias, a capital é rendida. A data de 17 de abril de 1975 marca o primeiro dia do novo governo. O nome do país muda para Kampuchea e seu novo governante, Pol Pot, comandaria o partido Kampuchea Democrático. Sua proposta ideológica era o país se desenvolver de uma sociedade socialista agrária para uma sociedade comunista.


       Logo, sua faceta política autoritária e radical é colocada em prática. Pol Pot ordena a evacuação da capital sob a justificativa da ameaça de bombardeio norte-americano. Mais de 2 milhões de pessoas foram evacuadas às pressas. Mas, na realidade, o novo governante estava iniciando sua estratégia de limpeza ideológica. Sob o pressuposto de igualitarismo completo, os cidadãos foram deslocados para trabalhar em fazendas coletivas. O dinheiro foi abolido, assim como todo tipo de entretenimento. Pensamentos e sentimentos privados não eram tolerados e todos tinham que usar uniformes pretos.


       O Estado passou a autorizar casamentos e aqueles suspeitos eram punidos com  espancamento e até a morte em público. A brutalidade aliada à fome e a doenças que se espalhavam pelo país, provocou a moirte de centenas de cidadãos diariamente. Pol Pot atribuía a falta de sucesso de seu governo a inimigos do partido e com isso iniciou uma perseguição generalizada no Camboja. Na prisão de Tuol Sleng, cidadãos, membros do partido suspeitos de traição e seus familiares eram  interrogados, torturados e mortos. Este local ficou conhecido internacionalmente como “Killing Fields” (Campos de Mortes). Aproximadamente 14 mil homens, mulheres crianças e idosos foram encarcerados. Apenas 7 sobreviveram.

       Após a expulsão dos norte-americanos do país, os vietnamitas voltaram sua atenção para o Camboja. Pol Pot temia uma aliança de seus soldados com exército vietnamita. O ditador levou sua campanha de terror para a fronteira com o Vietnã. Ao final, aproximadamente 2 milhões de cambojanos foram massacrados. Após o massacre de suas próprias forças cambojanas, as forças do Vietnã não tiveram dificuldade para invadir e pais e tomar sua capital, Phnom Pehn, em 1978. Pol Pot escapou dos conflitos, faleceu em sua casa no ano de1998 sem nunca ter sofrido consequências por suas ações.

Buscas entre maio e julho deste ano descobrem mais de 1.100 túmulos não-identificados em terrenos de escolas residenciais indígenas.
por
João Curi
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23/10/2021 - 12h

Primeiro de julho de 1867. Nasce o Canadá, com a união de colônias inglesas em temor à invasão estadunidense. O povo canadense, porém, nasceu antes da colonização europeia. Comunidades indígenas já se organizavam em meio às florestas, planícies e montanhas do país norte-americano, ocupando centenas de territórios distintos, desconsiderados pela cartografia estrangeira.

Treze de julho de 2021. A tribo Penelakut anuncia a descoberta de mais 160 túmulos não-identificados no terreno de uma escola residencial para crianças indígenas. Somam-se mais de 1.100 sepulturas encontradas no Canadá entre maio e julho deste ano.

 

ETNICIDADE NATIVA

A Seção 35 da Constituição canadense de 1982 reconhece três grupos nativos, dentre eles, as Primeiras Nações (em inglês, First Nations), etnia composta por mais de 630 comunidades. Com a colonização, a herança indígena norte-americana e europeia deu origem a outro grupo, os métis (termo derivado do francês para “mestiço”).

Os inuítes, por sua vez, são popularmente conhecidos por “esquimós” e constituem a etnia de menor número, com cerca de 50 comunidades concentradas no ártico canadense.

 

A HERANÇA DO INDIAN ACT

A legislação, aprovada em 1876, impôs medidas rígidas sobre os povos indígenas, delimitando reservas, controlando entradas e saídas, e removendo crianças à força de suas casas para viverem em espécies de internatos. Durante o século XX, ao menos 139 das chamadas escolas residenciais eram administradas pelas igrejas Católica, Anglicana, Presbiteriana e pela Igreja Unida do Canadá (hoje, a maior denominação protestante do país), com apoio financeiro do governo federal.

Estima-se em mais de 150.000 crianças indígenas vitimadas pelo Indian Act entre 1883 e 1996. Segundo relatos de sobreviventes, apurados pela BBC, muitas crianças foram espancadas, abusadas verbal e sexualmente, e milhares morreram por doenças, negligência e suicídio.

"Para nós indígenas, isso não é uma descoberta, é apenas uma confirmação”, responde a parlamentar inuíte Mumilaaq Qaqqaq (representante do território de Nunavut na Câmara dos Comuns, entre 2019 e 2021) à BBC1. “Para outros canadenses, isso confirma o que falamos sobre a história — especificamente a que afeta os povos indígenas do Canadá: a maior parte dela é muito perturbadora”.

A última escola residencial foi fechada apenas em 1996. Em 2008, o primeiro-ministro Stephen Harper realizou um pedido formal de desculpas às pessoas afetadas por essas instituições.

 

GENOCÍDIO CANADENSE

A partir da coleta de milhares de horas de testemunhos de sobreviventes, a Comissão da Verdade e da Reconciliação indicou, em 2015, a ocorrência de um “genocídio cultural” em decorrência das práticas de aculturação cometidas nas 150 escolas residenciais investigadas. A decisão foi apoiada pela então Chefe de Justiça do Canadá, Beverley McLachlin - a primeira mulher a ocupar o cargo, com o mandato mais longo da história do país.

As recentes descobertas de túmulos não-identificados trouxeram à tona novas investigações, agravando as denúncias contra o governo federal.

“Demos muitos exemplos de colonização para o mundo”, conta Qaqqaq. “Mas tudo isso é embalado e apresentado de uma forma muito fofa: ‘Somos o Canadá, muito diverso, inclusivo, feliz e ótimo’. Na verdade, os indígenas não veem assim. E acho que cada vez mais canadenses estão percebendo isso”.

            Em pronunciamento no dia 31 de maio, o primeiro-ministro Justin Trudeau prometeu “ações concretas” para ajudar comunidades indígenas em suas buscas, embora os custos previstos excedam o orçamento oferecido pelo governo.

“Trudeau pode dizer o que quiser, que não foi ele quem criou essas coisas — mas ele ainda está levando crianças indígenas aos tribunais, ele ainda não fornece água potável para reservas em todo o país, nem uma vida acessível”, acrescenta Qaqqaq.

Durante anos, ativistas e povos indígenas pressionaram o governo por um inquérito acerca do número de mulheres indígenas que desapareceram ou foram mortas, em estimativa de mais de 4.000 vítimas, segundo o The Guardian. Na época de campanha, Trudeau prometeu direcionar esforços estatais para determinar o alcance e a extensão dos desaparecimentos, em contrapartida à postura do governo anterior, de ideais conservadores.

Em 2019, um relatório de quase 1.200 páginas, promovido por inquérito nacional, declarou que três décadas de desaparecimentos e assassinatos de mulheres indígenas configuram como “genocídio canadense”. O documento, intitulado “Reclaiming Power and Place”, reuniu depoimentos de pelo menos 2.380 pessoas – dentre elas, familiares de vítimas, acadêmicos, idosos e oficiais do governo -, e determinou que “ações e inações estatais enraizadas no colonialismo e suas ideologias” motivaram o extermínio.

“Nós sabemos que milhares de mulheres indígenas, garotas e pessoas 2SLGBTQQIA (two-spirits*, lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer, questionando, intersexuais e assexuais) foram perdidas para o genocídio canadense até os dias de hoje”, divulga o relatório.

Protestos em prol das causas indígenas esquentam no Canadá. Em meio aos escândalos recentes, manifestantes derrubaram estátuas das rainhas Vitória e Elizabeth II no município de Winnipeg, durante atos no “Dia do Canadá”, feriado de fundação do país. Demais manifestações foram registradas, sendo canceladas as celebrações em diversos municípios e ocorrendo a remoção de estátuas de figuras envolvidas com as escolas residenciais.

(*Dois-espíritos, ou two-spirits, é um termo referente às pessoas que se identificam como detentoras de ambos os espíritos masculino e feminino, sendo usado por povos indígenas do continente norte-americano para descrever sexualidade, gênero e/ou identidade espiritual. O termo é uma tradução de “niizh manidoowag”, da língua ojíbua, ou anishinaabemowin, segunda mais falada dentre os idiomas indígenas canadenses.)

Maria Ressa e Dmitry Muratov receberam o prêmio pela corajosa luta em defesa da liberdade de expressão em seus respectivos países: Filipinas e Rússia.
por
Milena Camargo
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08/10/2021 - 12h

A liberdade de expressão é ‘pré-condição para a democracia e para uma paz duradoura’, afirmou a Academia Real das Ciências da Suécia. Há menos de um mês do Dia Internacional pelo Fim da Impunidade dos Crimes contra Jornalistas (2/11), vence o Nobel da Paz, a filipina, Maria Ressa, ao lado do russo Dmitry Muratov. Ambos jornalistas, acrescentaram de forma significativa para a defesa da liberdade expressão em seus países - e, a partir de agora, mundialmente, através da representação e encorajamento de outros profissionais.  

A jornalista Maria Ressa, foi laureada por defender a exposição de uso de violência, abuso de poder e autoritarismo através da liberdade de expressão. "Essa é a melhor época para ser jornalista. Os tempos em que isso é mais perigoso também são aqueles em que isso é mais importante”, afirmou. Disse também a premiada que o Rappler - site do qual é fundadora e pelo qual publica suas matérias - “vai continuar fazendo oque tem feito”.  

Já Muratov é um dos fundadores – e diretor chefe - do Novaya Gazeta, um jornal russo que desde sua fundação (1993) publica reportagens que denunciam situações de violência, abuso de poder e autoritarismo. Em consequência, já teve seis de seus jornalistas, assassinados. O jornalista, afirmou ainda que esse prêmio não era dele, mas sim, de todos aqueles jornalistas que morreram lutando pela liberdade de expressão na Rússia.  

Ao comentar o prêmio: “São representantes de todos os jornalistas que defendem esse ideal em um mundo em que a democracia e a liberdade de imprensa enfrentam condições cada vez mais adversas”, afirmou Berit Reiss-Anderson, presidente do conselho do Prêmio Nobel.  

O valor do prêmio é de 10 milhões de coroas suecas – equivalente a R$ 6,3 milhões. Esse valor será dividido entre os ganhadores. 

Mas, o que o Brasil tem a ver com isso? 

Em 17 dias, se completam 46 anos do assassinato de Vladimir Herzog jornalista assassinado, durante o período de ditadura militar no Brasil. Após ter se apresentado, de forma voluntária, a depor no destacamento de Operações de Informação, o jornalista, foi submetido a prisão, tortura e, por fim, protagonista de um teatro covarde e macabro no qual foi colocado como autor protagonista de sua própria morte. Vlado – como era conhecido – é um símbolo da luta pela democracia. Ele vive! 

Jornalistas continuam sendo mortos por investigar e denunciar. Também por publicar denúncias de corrupção política, violência policial e outros crimes contra a cidadania. E, justamente, por exercer a sua profissão. A América Latina é o continente que mais mata seus profissionais de mídia. Em 2019, o Brasil foi o 4º país que mais matou jornalistas, segundo o levantamento feito pela Press Emblem Campaign, organização não governamental com sede em Genebra.  

Neste ano de 2021, a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) divulgou um levantamento que mostra que o Brasil é o país com o maior número de mortes de jornalistas pelo novo Coronavírus no mundo. O nosso tão apreciado, colega e professor André Russo, coordenador da Agência de Jornalismo Mauricio Tragtemberg - Agemt, foi uma dessas vítimas. Sua vida foi ceifada pelo descaso e inutilidade governamental para com a gravidade da doença. 

Esta calamidade representa a violência em seus diversos espectros, ela não precisa ser explicita ou fisicamente visível, a ideologia atrelada a repressão e inobservância para com os que precisam, são as maiores armas do autoritarismo de Estado. E assim como Vlado, André Russo e outras centenas de jornalistas que tiveram morte registrada pela Covid-19, sofreram as consequências deste teatro autoritário. Como sempre, o objetivo é responsabilizar a vítima por sua própria morte e, assim, velar a irrefutável crueldade Estatal. 

A ambição desmedida do rei Leopoldo II transformou a ocupação do Congo em um dos mais brutais genocídios da história.
por
Mariana Lopes
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23/11/2021 - 12h

A República Democrática do Congo, é um dos maiores países em área do mundo atualmente e sua capital Kinshasa é a cidade com maior população falante de francês do mundo. Congo, significa “encontro” no idioma Kinkongo do reino do Kongo do povo kongo. A nomenclatura fez com que em 1483 o navegador português Diogo Cão batizasse o rio que desemboca no Atlântico de Rio Congo. O rio é tão importante que atualmente existem dois países chamados Congo. O outro é chamado República do Congo e é um país menor.

Sob o solo da República Democrática do Congo estão reservas estimadas em 24 trilhões de dólares em ouro, cobalto, cobre, diamante e columbita tantalita (material essencial para a indústria da tecnologia).

Por cerca de 400 anos, os portugueses foram os principais exploradores da região e não se limitaram a navegações na área.  Em 1491 o monarca congolês, Soba Nzinga – A – Nkuwu se converteu ao catolicismo e passou a se chamar João I em honra ao rei de Portugal.

Em 1871, o galês Henry Morton Stanley, por acidente, descobriu uma rota entre a atual Tanzânia e o Rio Congo. Decorrente deste fato, se transformou em herói para a Europa e vários governos tentaram contratá-lo.

Em 1876 o rei da Bélgica, Leopoldo II, sediou uma Conferência Internacional de Geografia na sua capital, Bruxelas. E convidou exploradores, geógrafos e missionários com o objetivo de organizar uma associação “humanitária” para civilizar e melhorar a vida dos africanos. A associação recebeu o nome de Associação Internacional Africana, com o rei Leopoldo II como presidente.

O verdadeiro interesse do rei belga, não era uma missão “humanitária”, e sim, a exploração econômica da região. E ele contratou Henry Stanley como seu agente para estua operação.

Durante cinco anos Stanley trabalhou secretamente para Leopoldo, sendo financiado pelo rei, ele mapeou o Rio Congo e forçou acordos com os líderes africanos locais. Neste interim, na Europa, o rei tentava justificar seus atos humanitários e ganhar reconhecimento das demais potências europeias das suas posses africanas tentando oferecer vantagens aos países e, até mesmo, colocando líderes uns contra os outros.

O seu maior problema era que a maior parte dos países europeus reconhecia a presença portuguesa na região. E para evitar uma possível guerra por conta da disputa pelo território, o estadista alemão, Otto Von Bismarck, organizou a Conferência de Berlim.

Diversas resoluções surgiram dessa conferência, dentre elas, a formação do Congo Português (atual Cabinda, território de Angola). Também foi delineado o Princípio da Ocupação Efetiva, estabelecendo que o Rio Congo teria livre navegação e que novas posses sempre teriam que ser notificadas. Além disto, o governo africano não seria reconhecido. E por fim, o Congo, a partir daquele momento, seria propriedade privada do rei da Bélgica. Não seria uma colônia. Pertenceria apenas ao rei Leopoldo II e seria administrada por uma empresa, a Associação Internacional do Congo.

Leopoldo II rapidamente começou seu plano de extrativismo de recursos naturais, utilizando a exploração da mão de obra forçada dos nativos. O principal produto, em um primeiro momento era o marfim, depois o ouro e por fim a extração de látex.

No Congo de Leopoldo, o ato de decepar a mão ou o braço dos nativos era comum quando eles não conseguiam cumprir suas cotas de extração do látex para a produção da borracha. Outros castigos físicos e torturas eram aplicados regularmente por uma milícia (Force Publique) financiada pelo rei. Assassinatos, amputações, açoitamentos, estupros e até mesmo esquartejamentos tornaram-se ocorrências diárias no Congo ao final do século XIX.

Além de decepar a mão dos nativos também era recorrente mulheres e crianças serem sequestradas para garantir que cotas de produção fossem cumpridas por líderes tribais. A milícia era composta por mercenários europeus, oficiais belgas e nativos alistados à força. Este regime de trabalho forçado, torturas e mutilações, causou aproximadamente entre 5 milhões de mortes em um período de menos de 15 anos.

Durante seu reinado, o rei Leopoldo II lucrou pessoalmente cerca de 1 bilhão de dólares, cerca de 220 milhões de francos na época. Na Bélgica, ficou conhecido como “O Construtor”, pois usou parte destes recursos para modernizar Bruxelas. 

A “missão civilizatória e humanitária” do rei belga foi tão abusiva e violenta, que mesmo na época de exploração imperial europeia da África, suas ações causaram ultraje na opinião internacional.

A missionária e fotógrafa Alice Harris e o escritor Joseph Conrad realizaram um extenso trabalho de denúncia do genocídio orquestrado pelo rei da Bélgica. Em 1908, a pressão das potências europeias foi tão grande que o parlamento da Bélgica transferiu o Congo para o estado belga, tirando-o da posse do rei, tornando o território uma colônia belga. Porém, o trabalho forçado permaneceu uma prática comum em partes do Congo até a sua independência em 30 de junho de 1960.

Recentemente, muitas estátuas do rei Leopoldo II foram retiradas ou vandalizadas em diferentes cidades da Bégica e da República Democrática do Congo. Apesar da pressão internacional para que a Bélgica peça desculpas e indenize o Congo pela violência e exploração do trabalho forçado, o país jamais mostrou se responsabilizar pelas atrocidades cometidas.