Mesmo após avanços na ciência, a saúde feminina continua sub-representada em pesquisas e consultas. O corpo das mulheres segue sendo tratado como exceção.
por
Helena Costa Haddad
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27/10/2025 - 12h

Por Helena Haddad

 

Apesar de representarem metade da população mundial, as mulheres continuam sub-representadas nas pesquisas médicas. A lacuna nos ensaios clínicos compromete a eficácia, a segurança e a equidade dos tratamentos disponíveis hoje. Segundo levantamento publicado na Nature Medicine (2024), menos de 35% dos estudos clínicos globais incluem dados diferenciados por sexo, e apenas 20% consideram como os medicamentos afetam homens e mulheres de forma distinta. Até 1993, o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH) proibia a participação de mulheres em idade fértil em ensaios clínicos, sob o argumento de proteger possíveis gestações. O resultado foi uma medicina construída sobre o corpo masculino como padrão universal: dosagens, efeitos colaterais e até sintomas de doenças graves, como o infarto, foram definidos a partir de corpos de homens jovens e brancos.

Durante décadas, o corpo feminino foi visto como instável, hormonal e difícil de estudar — uma percepção que moldou uma ciência que não representa as mulheres. Até hoje, muitos sintomas femininos são subestimados ou confundidos com causas psicológicas, explica a psiquiatra Maria Franco.

Casos recentes reforçam a urgência dessa discussão. Um exemplo é o medicamento Zolpidem, usado para insônia. Estudos mostraram que as mulheres metabolizam a substância mais lentamente, o que faz com que acordem ainda sob efeito sedativo — aumentando o risco de acidentes. A FDA já havia reduzido pela metade a dose recomendada para mulheres em 2013, e, em 2024, a Anvisa atualizou as bulas no Brasil após relatos de efeitos adversos graves, como sonambulismo e confusão mental.

Um estudo publicado na Biology of Sex Differences em 2024, analisou 86 medicamentos aprovados pela FDA: em 76 deles, as mulheres apresentaram maior concentração da substância no sangue, e em 96% dos casos isso estava associado a maior incidência de reações adversas — como náusea, tontura e arritmia. Em resumo, a maioria dos remédios vendidos hoje ainda é testada e dosada para corpos masculinos.

O corpo feminino possui diferenças de massa magra, gordura e metabolismo hepático. Essas variáveis interferem diretamente na absorção e eliminação de medicamentos, explica a psiquiatra.

A desigualdade de gênero também aparece no atendimento médico. Em 2024, um levantamento do Instituto Patrícia Galvão apontou que 61% das mulheres brasileiras afirmam não se sentirem ouvidas por profissionais de saúde. As queixas vão de dores crônicas desconsideradas a diagnósticos errados de doenças cardíacas, endometriose e lúpus. Casos como o de Lidiane Vieira Frazão, que morreu 22 dias após o parto durante a pandemia de Covid-19, sem atendimento adequado, ilustram o impacto disso. A família denunciou o hospital por violência obstétrica e negligência médica. 

O viés masculino na medicina é tão antigo quanto a própria ciência. A partir do século XIX, o corpo feminino passou a ser tratado como “anômalo” — sujeito a histerias, desequilíbrios hormonais e instabilidade emocional. Essa visão ainda ecoa em práticas clínicas e diagnósticos enviesados. A Organização Mundial da Saúde reconhece que o viés de gênero é uma das principais causas de erro de diagnóstico no mundo. Não basta incluir mais mulheres nos testes. É preciso mudar o olhar, considerar o ciclo hormonal, a gravidez e a menopausa, conclui a Dra. Franco.

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Apesar da eficácia na prevenção do HIV, mulheres têm acesso limitado à medicação
por
Maria Dantas Macedo
Pedro da Silva Menezes
Yan Gutterres Ricardi
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24/09/2025 - 12h

Desde 2017, o Brasil oferece gratuitamente a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), método de prevenção eficaz contra o vírus HIV, disponível no Sistema Único de Saúde para qualquer pessoa sexualmente ativa, maior de 15 anos de idade. Na prática, o remédio é amplamente divulgado entre homens, especialmente da comunidade LGBTQIA+, enquanto as mulheres ficam excluídas dessa prevenção. 

Segundo dados do Ministério da Saúde publicados no Boletim Epidemiológico sobre HIV em 2023, 35% dos brasileiros que continham o vírus do HIV eram mulheres, representando cerca de um terço dos novos casos no Brasil todos os anos. Além disso, 80% dos casos de infecção por HIV entre mulheres se deu em relações heterossexuais, evidenciando uma vulnerabilidade específica. 

A PrEP é uma ferramenta promissora para elas, que podem usar o remédio para prevenir a infecção pelo HIV. Tanto as solteiras quanto as que estão em um relacionamento mas não sabem do histórico de testagem para infecções sexualmente transmissíveis do parceiro ou parceira correm o risco de infecção quando fazem sexo sem camisinha. 

Porém, neste ano, somente 8,8% dos usuários de PrEP foram mulheres cisgênero e 3,2% mulheres trans. A infectologista Camila Bicalho explica: “As mulheres não têm informação ou conhecimento sobre a prevenção, que pode ser utilizada por elas”. 

“Por muito tempo, a utilização do preservativo como único método de evitar casos de HIV era a única saída. Hoje, a prevenção passa por várias medidas, uma delas é a PrEP. Se utilizada corretamente reduz o risco de contrair o HIV por meio de relação sexual em até 90%, e por meio de compartilhamento de drogas injetáveis em até 70%.Quando pensamos em saúde pública, o impacto da PrEP é a diminuição de novos casos de HIV”, segundo doutora Camila. 

O QUE É PrEP? 

A Profilaxia Pré-Exposição prevê o uso de um comprimido usado antes da relação sexual que impede que o HIV se multiplique no organismo. O comprimido combina dois medicamentos (tenofovir e entricitabina) que bloqueiam alguns “caminhos” que o vírus usa para infectar o organismo. Assim, mesmo que a pessoa entre em contato, a infecção não se instala. A utilização pode ser diária ou sob demanda (somente quando a pessoa tiver uma possível exposição de risco ao vírus). 

É recomendado o uso da prevenção para pessoas que estão em um relacionamento sexual com um parceiro ou parceira que vive com HIV, não use preservativos regularmente, tem um ou mais parceiros sexuais com status de HIV desconhecido, estão envolvidos em um trabalho sexual comercial, teve uma doença sexualmente transmissível bacteriana recente ou usou drogas injetáveis ​​nos últimos seis meses. 

Mulheres cisgênero, pessoas trans ou não binárias designadas como sexo feminino ao nascer,  e qualquer pessoa em uso de hormônio a base de estradiol, que queiram fazer o uso de PrEP oral diária, devem tomar o medicamento por pelo menos 7 (sete) dias para atingir níveis de proteção ideais. 

A PrEP sob demanda deve ser utilizada com a tomada de 2 comprimidos de 2 a 24 horas antes da relação sexual,  +1 comprimido 24 horas após a dose inicial de dois comprimidos +1 comprimido 24 horas após a segunda dose. 

É possível pegar o medicamento em serviços de saúde do SUS, como UBSs, bem como em farmácias da rede privada com receita médica. Em São Paulo, pode usar o aplicativo e-saúdeSP para encontrar a PrEP ou pegar em máquinas de distribuição nas estações de metrô. 

O ESTIGMA 

Apesar da relevância preventiva, muitas mulheres não aderem ao medicamento ou nem sabem o que é. A doutora Camila explica que, até a revisão de 2022, a PrEP foi direcionada sobretudo a “populações vulneráveis”, o que na prática priorizou homens que fazem sexo com homens e travestis/trans. “As mulheres, até 2022, não eram consideradas como população vulnerável para uso de PrEP”, diz a médica.

Ainda assim, segundo a doutora, a histórica sub-representação das mulheres em pesquisas sobre a PrEP pode ter sido um dos fatores que contribuíram para a baixa adesão: “Algumas hipóteses foram levantadas, como, por exemplo, o fato de as mulheres cisgênero não terem sido incluídas nos primeiros estudos de avaliação da PrEP, inclusive com retratação de alguns laboratórios que se comprometeram a incluir mulheres cisgênero nas próximas avaliações.”

Ensaios clínicos como o VOICE e o Fem-PrEP mostraram resultados positivos pouco expressivos em mulheres. Isso ocorreu principalmente pelo uso inconsistente da medicação e a falta de campanhas voltadas ao público feminino. Mais do que limitar conclusões científicas, essa realidade contribuiu para alimentar a ideia equivocada de que a PrEP “não era para mulheres”, quando o que faltava era suporte à adesão e estratégias de comunicação adequadas. 

Mas, ainda segundo a infectologista Camila, ainda há muitas outras possibilidades para a baixa adesão das mulheres “como o fato delas se sentirem seguras em uma relação heterossexual e abandonarem a utilização do preservativo, sem buscar outra forma de prevenir as infecções pelo HIV”. “Além disso, os serviços ginecológicos, onde as mulheres frequentam anualmente para fazer o papanicolau e também a mamografia, não discutem com essas mulheres a possibilidade da PrEP.”, acrescenta ela. Os profissionais de saúde, quando não são devidamente treinados, deixam de mencionar a opção ou o fazem de forma estigmatizante, afastando as pacientes.

Para Myrt Cruz, professora e doutora em Ciências Sociais da PUC SP, essa falta de conhecimento sobre a prevenção tem a ver com uma barreira social: “Não é uma decisão deliberada de uma mulher não acessar a sua própria saúde, aos recursos disponíveis para a sua própria saúde; mas há um julgamento moral, há um machismo estrutural que impede e dificulta que ela acesse esses recursos.”

A professora explica que “o machismo estrutural faz com que essa mulher, muitas vezes, confie cegamente nesse parceiro com quem se relaciona, sem ter uma visão crítica de que esse parceiro pode estar tendo relacionamentos sexuais com outras pessoas. Essa é uma ideia muito estigmatizada e complicada, que foi, durante décadas, dissuadida pela mídia. Então, há um desconhecimento, uma ignorância em torno do que se trata e a necessidade de desconstruir esse estigma”.

Em contextos de violência de gênero, dependência econômica ou restrição de autonomia, a capacidade de negociar o uso do preservativo é limitada, e o acesso a alternativas como a PrEP fica ainda mais comprometido. Desigualdades de renda, baixa educação em saúde sexual e reprodutiva também influenciam negativamente a busca e a permanência no uso da medicação.

Assim, barreiras sociais e culturais limitam o acesso das mulheres ao diagnóstico e tratamento precoce do HIV. A ausência de campanhas voltadas ao público feminino reforça a falta de informação, enquanto o estigma em torno do uso, frequentemente associado à promiscuidade ou a práticas sexuais consideradas de risco, acaba gerando receio e vergonha.

“Há necessidade de que as universidades, centros de pesquisa, centros comunitários se apropriem desse discurso, do conhecimento e trabalhem de um jeito que chegue até essa mulher, de forma clara, objetiva, que atinja elas”, declara Myrt. 

A PrEP é uma ferramenta poderosa, mas que só cumprirá seu papel se estiver acessível a todas as pessoas que dela necessitam, especialmente aquelas que historicamente foram invisibilizadas. Incluir as mulheres é uma questão de justiça social e de saúde pública. O combate ao HIV precisa ser coletivo e livre de preconceitos. E isso começa com o reconhecimento de que a prevenção também é e deve ser para elas. 

 

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Tema em alta atravessa diferentes núcleos sociais como trabalho, práticas esportivas e afazeres domésticos
por
Fernando Amaral
Guilbert Inácio
João Paulo Moura
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06/10/2025 - 12h

O alvorecer do dia começa a despontar no horizonte, e milhares de meninos e meninas acordam para assumir responsabilidades que deveriam ser exclusivas do mundo adulto. Nas cidades, oferecem balas nos semáforos; no campo, ajudam na colheita; em lares da periferia, cuidam dos irmãos menores. Esse dia a dia revela mais do que trabalho precoce, é a adultização forçada. 

De acordo com relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 138 milhões de crianças se encontravam em situação de trabalho infantil em 2024. Dentre elas, 61% dos casos estavam no setor agrícola, e 54 milhões ocupavam cargos de perigo à integridade do menor. 

No Brasil, os dados também são alarmantes. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) do IBGE, em 2023 havia 1,6 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos nessa situação. O número, embora menor do que há vinte anos, ainda apresenta uma dura realidade: 4,2% de toda uma geração que deveria estar apenas estudando, brincando e crescendo sem pressa. Entre eles, 586 mil enfrentam tarefas que colocam sua saúde em risco. 

As desigualdades regionais dão forma ao problema. No Nordeste, 506 mil meninos e meninas ajudam a sustentar suas famílias, seja na roça, seja em atividades informais nas cidades. No Sudeste, os semáforos e camelódromos mostram outra face do mesmo drama. Já no Norte, quase 7% das crianças dessa faixa etária trabalham. A cor da pele também pesa, crianças pretas e pardas, que já são maioria entre os mais jovens, representam 65% de quem trabalha antes da hora. 

A rotina é pesada. Mais de um quinto dos que estão no trabalho infantil enfrentam 40 horas ou mais de serviço por semana, jornada igual à de um adulto. Para os de 16 e 17 anos, quase um terço já vive essa realidade. A escola é um dos pontos mais afetados, enquanto quase todas as crianças brasileiras estão matriculadas, apenas 88% das que trabalham conseguem permanecer estudando. As outras veem a sala de aula ser substituída pelo balcão, pelo campo, pela rua. 

O prejuízo não é só educacional, a infância roubada também deixa marcas emocionais. Muitos aprendem cedo a conviver com a preocupação da falta de comida, com o medo do desemprego dos pais ou com a responsabilidade de cuidar dos irmãos. A pressa em amadurecer elimina o espaço do lúdico, das brincadeiras que ensinam a sonhar. 

Mesmo com a proibição legal para menores de 16 anos, com exceção aos aprendizes a partir de 14, a regra é constantemente rompida. Nas comunidades mais pobres, a urgência da sobrevivência transforma a contribuição das crianças em algo naturalizado, quase obrigatório. Assim, ser criança acaba parecendo um privilégio distante. Cada hora de trabalho antecipado é também uma hora a menos de estudo, de descanso, de prática esportiva, de futuro. 

Responsabilidades no esporte 

Esse cenário também afeta o desempenho esportivo de jovens atletas, que precisam tomar decisões e assumir responsabilidade muito cedo, sendo, em alguns casos, os principais provedores de fonte de renda das famílias. 

A fotografia mostra o atleta Cristian, sentado em um banco de reserva, olhando fixamente em direção à câmera. A foto está em preto e branco
Atualmente, Cristian atua no Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP) / Foto: R7fotografo

Em entrevista a AGEMT, conhecemos Cristian Alves Oliveira, um dos atletas que viveu essa realidade. Hoje em São Paulo, o jovem de 18 anos é originário de Belford Roxo na Baixada Fluminense (RJ) e veio sozinho para a capital paulista por causa de uma oportunidade que surgiu no começo do ano de 2025.  

Cristian chegou a São Paulo para ser o goleiro do Real Cubatense de São Bernardo dos Campos na Taça São Paulo, campeonato amador organizado pela Federação Alternativa de Desporto.  

"Eu só ia disputar esse campeonato e voltar para o Rio, mas, ao decorrer dessa competição, outras oportunidades surgiram: morar aqui e defender o clube que estou hoje. Essa chance surgiu em um momento que eu estava pensado em parar de jogar bola. Então quando recebi essa oportunidade de poder vir para São Paulo e jogar, eu agarrei como se fosse a esperança do meu futuro." Destaca o atleta. 

Presente desde sua infância, o futebol se tornou um objetivo na vida de Cristian quando tinha 15 anos. Em 2022, ele decidiu que queria viver disso, mas não conseguia focar totalmente no esporte, pois tinha que estudar e trabalhar. O goleiro lembra que arrumou seu primeiro emprego com 14 anos, em um Sacolão, para poder ajudar sua família.

"Comecei a trabalhar cedo para poder ajudar em casa e para ter minhas coisas. Eu tinha que dividir o tempo para treinar, trabalhar e estudar. Era uma rotina muito cansativa que eu tinha no Rio e, às vezes, tinha que sacrificar alguma dessas coisas porque atrapalhava um pouco no meu rendimento esportivo, mas eu não podia deixar de trabalhar e ajudar em casa."  

Três anos depois, o atleta está se dedicando só ao futebol. Ele conta que a vida na capital paulista é muito diferente de Belford Roxo, porém ele segue atrás de seu objetivo porque a família depende dele. “É uma rotina muito cansativa, mas é a oportunidade que eu pedia a Deus e ele está me proporcionando. Cheguei em São Paulo em 4 de janeiro e vim sozinho, um grande desafio para mim. Conviver longe da família não é fácil, tem que saber lidar com as emoções, saudades etc., mas sempre tento manter contato com eles porque assim ameniza um pouco as saudades.” 

A história de Cristian mostra um cenário recorrente em nosso país, pois, embora tenhamos diretrizes que regulam a prática esportiva de crianças e jovens como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei Geral do Esporte (Lei 14.597/2023), outros mecanismos sociais inviabilizam a prática esportiva plena. 

Isso leva muitos, ainda novos, a abandonarem seus sonhos. Como exemplo, uma reportagem feita pela Folha de São Paulo em 2024 analisou a trajetória dos atletas que jogaram a Copa São Paulo de Futebol Junior, a copinha, em 2010. Segundo os dados obtidos, 36,9% dos atletas desistiram de tentar a carreira no esporte. 

Esses dados em um dos campeonatos mais importantes de formação de futebolistas são preocupantes. Vale destacar que o futebol é o esporte mais popular no país, ou seja, os dados em outras modalidades, como as olímpicas, devem ser mais críticos. 

O país até tem o programa Bolsa Atleta, que entrou em vigor em 2025 com o objetivo de patrocinar individualmente atletas e para-atletas de alto rendimento em competições nacionais e internacionais de sua modalidade. Contudo a maioria dos esportivas enfrentam inúmeras barreiras socioeconômicas até conseguirem chegar de fato nessas competições de alto rendimento, em que poderão vislumbrar um futuro mais otimista. 

Trabalho doméstico 

Entre as várias faces da adultização forçada, uma das mais silenciosas é a realidade de crianças que assumem tarefas domésticas para que seus pais ou responsáveis possam trabalhar fora. Longe de ser apenas uma “ajuda”, essa dinâmica transfere a elas responsabilidades que ultrapassam os limites da infância, comprometendo seu desenvolvimento emocional, social e até escolar. 

Catia Silene, psicóloga infantil, explica que, ao assumir papéis que não condizem com sua idade, essas crianças podem carregar marcas profundas para a vida adulta. “As crianças sobrecarregadas, com muitas responsabilidades inadequadas para sua idade, podem desenvolver ansiedade, estresse e um sentimento constante de pressão”, afirma.

Segundo ela, isso ocorre porque muitas vezes o esforço não é reconhecido, o que gera “baixa autoestima e a sensação de que nunca são boas o suficiente... é uma independência colocada em um lugar que não é dela”. 

A imagem, em preto e branco, mostra uma menina de costas olhando para uma pia.
Criança realizando tarefa domésticas / Fonte: Gênero e Número 

Em 2023, segundo a PNAD, da população estimada de 38,3 milhões de crianças e adolescentes, 52,6% (cerca de 20,1 milhões) realizavam afazeres domésticos e/ou tarefas de cuidado, sendo 69% de classes baixas e 57% meninas. Em famílias numerosas ou sem condições financeiras de contratar alguém para cuidar dos mais novos, é comum que o filho ou a filha mais velha seja encarregado dessa função. 

A psicóloga alerta que esse modelo pode desorganizar a noção de autoridade dentro do lar. “Às vezes os pais dizem: ‘cuida do seu irmão porque você é mais velho’. Mas esse jovem não tem maturidade para ocupar esse lugar e acaba recorrendo a formas punitivas ou ameaçadoras. Isso confunde quem é cuidado... quando isso se perde dentro da família, a confusão se projeta para a vida em sociedade” explica. 

Esse cenário, além de prejudicar a relação entre irmãos, pode gerar dificuldades sociais futuras. Uma criança que cresce sem referências claras de autoridade tende a apresentar comportamentos desafiadores e resistência a regras, tanto na escola quanto em outros ambientes. Apesar de, em alguns casos, ‘despertar’ um senso precoce de responsabilidade, a adultização no espaço doméstico tira da criança oportunidades essenciais de brincar, conviver com os demais jovens e aprender pela sua própria experiência pessoal. 

O debate sobre adultização infantil revela que, por trás da ideia de “ajuda em casa” ou de “responsabilidade precoce”, existe uma prática que limita direitos e impõe às crianças papéis que não deveriam assumir. Longe de ser um sinal de maturidade, trata-se de um processo que compromete a infância e pode deixar marcas para a vida adulta. 

Mais do que enxergar “pequenos adultos”, é preciso compreender também que se trata de um fenômeno ocasionado por desigualdades de gênero, classe e raça, do qual sobrecarregam as crianças. Encarar essa realidade como uma violação de direitos é um passo essencial para que a infância deixe de ser vista como apenas uma passagem para a vida adulta, mas sim como uma iniciação no mundo, com práticas de aprendizado, inocência e, além de tudo, protegidas. 

Associação Paulista de Apoio ao Transplante (APAT) alia acolhimento e ajuda financeira para pacientes na fila de espera
por
Khadijah Calil
Lais Romagnoli
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04/09/2025 - 12h

Diagnosticada inicialmente com fibrose hepática, que evoluiu para uma cirrose sem causa definida, Andréa Teixeira Soares aguardou oito anos por um transplante de fígado. Nesse período, perdeu três gestações e viu a incerteza se tornar rotina. Hoje, ela é coordenadora da Associação Paulista de Apoio ao Transplante (APAT) e ajuda outros que passam pela mesma experiência da espera por um órgão.


O Brasil é referência mundial em transplantes públicos: mais de 30 mil procedimentos foram realizados em 2024, segundo dados do Ministério da Saúde. Porém, no mesmo ano,  78 mil pessoas ainda permaneciam na fila de espera sem tempo estimado, com a procura maior por rins, córneas e fígado.


A situação de Andréa, que hoje atua na tesouraria da APAT, faz parte dessa estatística que aponta que a espera por um órgão compatível e a falta de acolhimento nesse período geram um novo obstáculo para quem precisa da cirurgia.

Andréa Teixeira Soares, coordenadora da APAT.
Andréa hoje atua na tesouraria da APAT. Foto: Khadijah Calil


Após passar pela operação e por um processo delicado de recuperação, Andréa foi convidada para atuar como voluntária na APAT, na casa que hoje é localizada no Cambuci, em São Paulo. “Eu sabia o que significava estar naquela fila e eu queria ajudar. A vida é uma troca, ninguém vive sozinho”, diz a coordenadora, à AGEMT.

Criada há 20 anos por médicos clínicos e cirurgiões da clínica Hepato, a APAT atende pacientes de outros estados que não conseguem permanecer em São Paulo durante o tratamento pré e pós-transplante e auxilia financeiramente e socialmente na permanência na capital durante esse período. Todo o trabalho realizado pela associação é mantido através de doadores, voluntários, ex-pacientes, médicos e entidades sociais.

Desde sua fundação em 2004, a instituição já realizou mais de 10,5 mil atendimentos e mantém uma casa de apoio que oferece estadia, alimentação, orientação psicológica, nutricional e acompanhamento médico para pacientes e acompanhantes vindos de diversos lugares do País.

Os pacientes chegam encaminhados por equipes médicas de diferentes estados quando estão próximos de receber um órgão e chegam junto a um acompanhante, para a internação, administração de medicamentos e cuidados individuais. Sem comprometer a autonomia dos transplantados, a associação enfatiza que o processo não termina na cirurgia e que cada órgão exige um protocolo de recuperação individual.

 Todo o trabalho realizado pela associação é mantido através de doadores, voluntários, ex-pacientes, médicos e entidades sociais.
Além do acolhimento social, a APAT atua no campo científico. Foto: Lais Romagnoli

Entre os que encontraram acolhimento na instituição está André, transplantado há 19 anos e diabético. Ele perdeu a visão, mas afirma ter ganhado uma nova percepção sobre a vida ao morar temporariamente no lar de apoio: “Eu agradeço pela oportunidade de poder viver bem, de ter esse suporte. Hoje eu não enxergo mais, mas posso ver além do que meus olhos me mostram. Sinto o carinho e esforço de todos aqui.”

Casos como o dele, que passou por um transplante duplo (rim e fígado), não são incomuns, mas aumentam o tempo de espera, já que o órgão precisa vir de um “doador falecido” – que tenha morrido de AVC, morte encefálica ou com morte causada por parada cardiorrespiratória, também de acordo com o Ministério da Saúde.

Além do acolhimento social, a APAT atua no campo científico. Médicos da clínica Hepato participam de pesquisas nacionais e internacionais, estágios no exterior e projetos de formação de equipes transplantadoras. A instituição também lidera o “Transplantes sem Fronteiras”, que apoia a criação de novos centros e casas de apoio inspirados nesse modelo.

“Nosso objetivo é impedir que pacientes abandonem o tratamento por falta de recursos. Muitas vezes, o transplante é a única chance de um recomeço”, afirma Andréa.

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Psiquiatras estão preocupados com jovens que fazem uso excessivo de vídeos curtos.
por
Martim Tarifa
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20/05/2025 - 12h

Segundo a psiquiatra Luciana Bagatella, estímulos gerados pelos vídeos liberam uma carga esgotadora de dopamina no cérebro. Uma carga tão grande acaba causando colapso nesse sistema, que agora exigirá estímulos mais intensos para alcançar o bem-estar, que antes era alcançado com estímulos muitos menores. “Assim, tarefas como trabalhar, estudar e praticar atividades físicas, ficam mais difíceis de serem desempenhadas”, afirmou Luciana.  

A Dra. alerta que os jovens podem ser os principais afetados, pois seu cérebro ainda está em desenvolvimento e eles são os principais usuários de redes sociais. Segundo ela, os vídeos têm impacto direto na saúde mental desses jovens: “Podem desenvolver transtornos psiquiátricos, tais como transtornos ansiosos, transtornos de humor, dependências, dentre outros.”  

Jovens entretidas por seus smartphones. Foto: Reprodução
Jovens entretidas por seus smartphones. Foto: Reprodução

O jovem de 17 anos Téo Lima desinstalou as redes sociais por conta dos vídeos curtos. Ele se deu conta que estava viciado e que o tempo que passava vendo vídeos curtos poderia ser mais aproveitado fazendo atividades mais úteis na opinião dele. Apesar de não se sentir afetado mentalmente, ele ouviu profissionais falando disso e desinstalou para se prevenir, porque não achava que aquele conteúdo contribuía em algo para sua vida. “Eu não queria ser afetado por esses vídeos, então desinstalei de forma preventiva”, disse ele.  

Sem mais vídeos curtos, Téo percebe que sente mais vontade de realizar outras atividades e aproveita mais seu dia. “Comecei a ler jornais, assistir programas de TV e ler mais livros do que eu lia antes.” No caso desse jovem, a informação foi fundamental para que ele percebesse como sua saúde mental estava vulnerável e decidisse parar de consumir esse tipo de conteúdo. 

Mas infelizmente, Téo é um caso raro, já que 41% dos usuários do TikTok no Brasil têm entre 16 e 24 anos.  Segundo o DataReportal o Brasil tem mais de 98 milhões de usuários ativos no TikTok, o que significaria mais de 40 milhões de jovens ativos no aplicativo.  

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O estigma social dos medicamentos antidepressivos
por
Cristiane Santos Gabriel
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18/09/2023 - 12h

Por Cristiane Gabriel (texto)

 

Quando se examina a trajetória histórica, desde tempos antigos até o presente, torna-se evidente a existência de analogias entre o que era denominado "melancolia" e a atual definição de depressão. Antes, a melancolia era conceituada por Hipócrates como "melankholia," que se originava de "mêlas," significando negro, e "kholê," referindo-se à bile. Ela era vista como um dos humores presentes no corpo humano, ao lado da bile amarela, do sangue e da fleuma. Qualquer desequilíbrio entre esses elementos corporais poderia potencialmente resultar em "distúrbios."

Se antes era considerada apenas uma alteração de humor, hoje, a depressão é reconhecida como uma questão de saúde pública e denominada a “Doença do Século”, se manifesta por meio de sintomas como perda de interesse e falta de energia, afetando diretamente o bem-estar do paciente e podendo gerar obstáculos no ambiente de trabalho, nos estudos e nos relacionamentos interpessoais. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que um mínimo de 121 milhões de indivíduos sofrem com essa condição.

Os antidepressivos surgiram como uma abordagem terapêutica para a depressão, porém, não representam a única solução para essa situação. Esses medicamentos agem nos neurotransmissores, uma vez que há evidências de que desequilíbrios nesses compostos estejam associados à depressão.

São muitos os sintomas de quem tem depressão. Alguns podem ter vários, outros podem sentir apenas alguns. Mas, talvez o mais comum seja a indiferença repentina. “Eu me sentia constantemente triste e desmotivado, e até mesmo as atividades que costumavam me trazer alegria não pareciam mais ter significado”, diz um paciente que relutou a usar antidepressivos.

Além do estigma que as doenças mentais carregam, com o medicamento acontece o mesmo. Pacientes têm medo de usar pela disseminação de informações erradas, acreditando que um medicamento diário e que atinja seus neurotransmissores pode mudar sua personalidade: “No início, tomar antidepressivos foi um desafio. Lembro-me de sentir preocupação sobre os efeitos colaterais possíveis e sobre como isso poderia afetar minha identidade”. Não há comprovação científica de que os efeitos colaterais da medicação podem alterar a personalidade de um ser humano.

Outro ponto levantado por pacientes que necessitam dos antidepressivos, é o medo de parecer “fraco” perante a sociedade, como se eles tivessem perdido uma batalha para a própria mente: “É como se fosse um exagero o uso de medicamento, algo psicologicamente ruim, que fosse tirar a realidade do paciente, tirar a limpeza. Usar medicamentos parece fraqueza”, relata a psicóloga Cinthia Souza.

Além do preconceito social para com o uso de medicamentos contínuos, há também quem use os antidepressivos na esperança de que ele, sozinho, vá resolver todos os problemas do paciente: “A medicação destina-se a modular as sensações, mas se a causa do problema segue ativa, o efeito será sempre passageiro. Isso sem falar nos efeitos colaterais. É como você tomar um analgésico, e porque a febre fica controlada, achar que a infecção vai desaparecer. A psicoterapia apoia e provoca mudanças, estas sim, capazes de curar definitivamente os sintomas”, completa a Dra Ana Luiza Ferreira, psiquiatra residente em São Paulo.

Em conversa informal com outra paciente em estado depressivo, ela conta que por acreditar que o antidepressivo por si só resolveria seus problemas, quase desacreditou do tratamento psicológico: “Eu estava convencida de que os antidepressivos eram a solução mágica para todos os obstáculos que enfrentei, no entanto, à medida que os meses passaram, percebi que minha vida não estava se transformando da maneira que eu esperava”, disse ela.

Bloquear canais de recaptação dos neurotransmissores para que eles não voltem ao neurônio que os secretou para a fenda sináptica, que é como agem os antidepressivos, apenas proporcionam a remissão completa dos sintomas, isto é, mantêm a depressão controlada.“Foi nesse momento que minha terapeuta me fez perceber que os antidepressivos eram apenas uma parte do tratamento. Eles eram uma ferramenta valiosa para estabilizar meu humor, mas eu precisava abordar os aspectos fundamentais da minha vida que estavam contribuindo para minha depressão”, seguiu relatando a paciente.

“Com o apoio da terapia, comecei a trabalhar nas áreas problemáticas da minha vida, buscando soluções práticas para meus problemas financeiros e aprendendo habilidades de enfrentamento para lidar com o estresse no trabalho. Gradualmente, percebi que a combinação de tratamento medicamentoso e terapia era o caminho certo para minha recuperação”, finalizou ela.

Podemos dizer que a psiquiatria se iniciou no final do século 18, quando o médico francês Philippe Pinel começou a classificar os doentes separando o que seria um desvio social de uma enfermidade mental. Ele passou a criar uma linguagem que configuraria a nova especialidade da Medicina. Mesmo com centenas de anos de  desenvolvimento e pesquisas, ainda há muita desinformação e discriminação social com as doenças psicológicas, o que atrasa o diagnóstico e tratamento de muitos, perpetuando um sofrimento desnecessário.  A educação e a compreensão são fundamentais para romper esse ciclo prejudicial e proporcionar às pessoas que sofrem com a depressão o apoio necessário para uma recuperação completa e sustentável.

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Os jogos de azar se tornaram um vício recorrente entre os que utilizam esse meio
por
Cristian Buono
Matheus Pogiolli
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02/10/2023 - 12h

Por Matheus Pogiolli (texto) e Cristian Buono (audiovisual)

 

Frequentador do “bar do Pica-Pau”, em São Paulo, Moisés, um homem de 57 anos costuma apostar nas máquinas enquanto joga partidas de sinuca. Ele diz que não pensa em parar de jogar, já que costuma apostar pouco dinheiro e fica satisfeito com o lucro recebido, ainda que pequeno. “Sorte” essa que os amigos do mesmo não possuem, já que muitos apostam o salário nos jogos de azar presentes no bar. Para Moisés, o vício começa na curiosidade.

Segundo o dicionário Aurélio, a definição de vício é "tornar mau, pior, corrompido ou estragado; alterar para enganar; corromper-se, perverter-se, depravar-se". A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica o vício como uma doença de impactos físicos e psicoemocionais. Para muitas pessoas, não é algo que possa ser definido ou explicado, mas sim uma necessidade, algo sobre o qual não se tem controle. É sempre uma forma de compensação ou até mesmo a busca de um falso prazer imediato.


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Foto: Reprodução / Internet

 


Como funcionam os caça-níqueis,,,


As apostas acontecem todos os dias...


Como pensar em parar...


Para Patrícia Pilan, 29 anos, psicóloga, esse comportamento diz muito sobre a necessidade da busca de prazeres, pois, segundo explica, nosso cérebro sempre buscará ter algum tipo de compensação mediante a esforços realizados e, quando isso não acontece de forma equilibrada, natural e saudável, o indivíduo passa a buscar isso em atividades que estimularão esse prazer, seja de forma induzida, através do uso de drogas lícitas ou ilícitas, ou através de atividades que ativam no cérebro o circuito de recompensa e liberam dopamina, gerando sensação de bem estar e prazer.

Uma rotina desequilibrada, a ausência de gestão emocional e a falsa promessa de um ganho rápido financeiro, no geral, são os grandes estimulantes para que uma pessoa entre no vício e permaneça nele. Assim, o que era de vez em quando apenas, acaba se tornando uma necessidade e a atividade causadora do vício vira o tema central da vida do indivíduo. Sobretudo quando se trata de apostas em tempo real.

Com o avanço tecnológico e as incertezas financeiras que tomaram conta de muitas famílias durante e pós-pandemia, os jogos de azar chegaram com mais força nas plataformas online

 

Foto: Reprodução / Internet

Mesmo com a grande frequência de pessoas em bares ou locais de apostas, a Internet também fez com que muitas pessoas se viciassem nesse âmbito sem ter que sair de casa: Um dos tópicos mais presentes no momento, são as apostas esportivas. Para Santa Fé, Beatriz e Arthur, assim como Moisés, o problema foi a curiosidade. Ela fez com que todos eles ficassem viciados em apostar, não importa qual fosse o esporte/tópico.

Com Santa Fé, de apenas 22 anos, o ponto inicial do vício foi apostar em equipes desconhecidas no futebol, puramente com o intuito de lucrar, não importa se com uma análise ou não. Segundo o mesmo, o vício foi aflorado por observar outros amigos ganhando muito dinheiro com apostas. Ele fala, inclusive, que se “emocionou” com os pequenos ganhos, fazendo que o "sarrafo aumentasse" e, consequentemente, ele perdesse dinheiro com tentativas mais ousadas. 


Como tudo começou...


Quanto tudo se aflorou...

 
Foto: Reprodução / Internet

Indo em direção do que disse Santa Fé, Arthur, de 23 anos, confirmou que a emoção por ganhar no começo, fez com que a vontade de apostar mais, aumentasse. Facilidade. Essa foi a palavra definida por ele. Isso porque com a evolução tecnológica, a facilidade em apostar aumentou. Arthur diz que, além de futebol, apostas em basquete, tênis e até mesmo corrida de cavalos se tornou recorrente, aumentando seu vício compulsivo em jogar esses tipos de jogos. 


Facilidade em apostar...


Para Beatriz, de 23 anos, a facilidade também definiu o vício. Sem tanto tempo para análises, a mesma se viu em "grupos de sinais", feitos por diversas pessoas que vendem seu trabalho de mentoria nas apostas esportivas, a fim de trazer diversas pessoas para seus grupos. Por conta desse caminho, aumentou seu tempo de apostas, sem sequer saber no que estava injetando seu dinheiro. O ponto de certeza no vício foi a falta de atenção com outras situações do cotidiano, como trabalhar, estudar ou dormir, por exemplo. 


Quando percebeu que estava viciada...


Facilidade em apostar...


Patrícia explica que a vivência do período pandêmico, o agravamento das incertezas financeiras, juntamente com o aumento do uso da Internet e da divulgação de tais jogos de atividades, aliados com o fácil acesso às formas de jogos que prometem um ganho após a sua utilização, aumentou a busca das pessoas por tais atividades. Hoje vê-se o uso sendo estimulado até mesmo em propagandas de TV aberta, induzindo o indivíduo, mesmo que seja por mera curiosidade, a buscar por esses aplicativos e, o que era para ser apenas uma diversão momentânea, torna-se um problema. 

Um ponto comum a ser ressaltado entre todos é a busca de um ganho financeiro fácil em um curto espaço de tempo, ademais, o indivíduo com a falsa ideia de perpetuar seus primeiros ganhos, os que muitas vezes são permitidos e estimulados por esses sistemas de apostas, e a busca por mais, acaba por convencer-se com a ideia errada de que, se prolongar sua permanência em tais aplicativos ou locais que possuem instrumentos de apostas, conseguirão mais ou, pelo menos, recuperar o dinheiro perdido.

Foto: Reprodução / Internet

Isso também pode ser explicado de forma neurológica, visto que, em sua maioria, seja em ambientes físicos e virtuais, esses sistemas de apostas utilizam de estímulos cerebrais como músicas, atividades, imagens, entre outros, que manterão a pessoa cada vez mais fixada naquela atividade, fazendo com que a mesma perca não só o dinheiro, mas parte de seu tempo ali. Assim sendo, outras atividades da vida desses indivíduos começam a serem afetadas e é assim que o impacto do vício começa a ser sentido por quem o vive. É importante ressaltar que o vício, em sua maioria, é gerado por algum desequilíbrio vivido pela pessoa e não identificado, muito menos, tratado por ela, seja ele emocional ou financeiro, o que acarreta e contribui para que essa falsa compensação financeira e ideia de realização, prenda cada vez mais o indivíduo nisso.  No geral, esses aplicativos e ambientes de apostas, colocam essa atividade como uma “mera” tentativa, ou algo banal, mascarando o grande problema que eles têm gerado na vida de muitos indivíduos e famílias. 


Afim de buscar se desprender do vício, Moisés, Santa Fé, Arthur e Beatriz definem sua fase final no “mundo dos jogos”, como em uma palavra. 


Moisés, diz que continua, tendo em vista o baixo risco financeiro que impõe nos caça-níqueis. Perseverança.


Santa Fé diz que saiu dos jogos de azar por observar que mais perdia do que ganhava. Consciência.


Arthur relata que não conseguia, por muitas vezes, pagar contas. As apostas estavam complicando sua vida financeira. Complicações. 


Beatriz descreve que perdeu tempo com família e amigos, além de citar a perda de dinheiro.


Patrícia Pilan ressalta o fato de os indivíduos não conseguiram reconhecer que tais atividades são danosas até que elas comecem a gerar impactos nocivos que, em sua maioria, são no âmbito financeiro. É necessário alertar que o primeiro passo para o tratamento do vício é que o indivíduo reconheça que há um problema e que o discurso “eu paro quando quiser”, não é a realidade vivida pelo mesmo, visto que a intensidade do acesso aos aplicativos e ambientes de apostas aumenta de forma gradativa e rápida. Ademais, quando os assuntos são apostas online, os aplicativos seja através de aumento das promessas de ganhos e, alertas enviados aos usuários com falsos créditos para as apostas. 

Uma vez que esse problema passa a ser enfrentado pela pessoa, cabe ressaltar que ele jamais será vencido de forma solitária e não passará de um dia para o outro, discurso esse muito utilizado pelos que vivenciam tais problemas. Se não buscar a ajuda de um profissional competente, a chance dele voltar para o vício é significativa. 

O vício entra como uma forma de compensação e, na primeira dificuldade vivida pelo indivíduo, qualquer que seja ela, a tendência do mesmo a buscar aquela fonte de “prazer” novamente é altíssima, fazendo com que ele volte para os mesmos problemas vividos anteriormente. Com o auxílio de um profissional, a pessoa será devidamente instruída e capacitada lidar com todos os gatilhos que a fizeram e fazem buscar por esses programas de apostas e, assim, possa eliminar os mesmos e a pessoa volte a ter uma vida saudável e equilibrada. 

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Tema passou a ser mais abrangido nos últimos anos
por
Gabriel Dalto Borelli
|
18/09/2023 - 12h

A saúde mental é algo que passou a ter maior valorização e tratamento especial nos últimos anos, envolvendo maior procura de especialistas na área, juntamente com a busca por conhecimento e compreensão de transtornos. Com isso, causas relacionadas ao assunto foram escancaradas com a crescente do interesse popular.

Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), a definição de saúde mental se concentra em ser um estado de bem-estar no qual o indivíduo realiza suas próprias habilidades, é capaz de lidar com o estresse normal da vida, pode trabalhar de forma produtiva e frutífera e é capaz de fazer uma contribuição para a sua comunidade. A partir disso, se têm os transtornos mentais, algo que é entrelaçado com a saúde mental, porém se trata de um aspecto “distinto” do ser-humano; são condições clínicas diagnosticadas que afetam o funcionamento psicológico, emocional e comportamental de uma pessoa. Alguns exemplos incluem depressão, ansiedade, esquizofrenia, transtorno bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo, entre outros. Esses diagnósticos são caracterizados por sintomas específicos que podem causar sofrimento, disfunção e impactar negativamente a qualidade de vida de um indivíduo, geralmente requerendo intervenção médica.

Desde o surgimento da última pandemia de Covid-19, no Brasil, houve uma maior tendência de busca por saúde mental e o que a abrange. Segundo pesquisa realizada com dados provenientes da plataforma “Psicologia Viva”, entre junho de 2020 até o mesmo mês em 2021, foram feitos aproximadamente 925 mil agendamentos de consultas psicológicas, sendo que, dentre esses atendimentos o tema mais abordado foi o de ansiedade, com índice de procura acima de 20%. Além disso, também foram objeto de acompanhamento a depressão, com 6,5%; desenvolvimento pessoal (4,93%); psicologia clínica (3,27%) e finalmente, saúde mental de uma maneira geral fecha o ranking dos 5 tópicos mais buscados entre todas as idades.

Mesmo com a evidente valorização de temas relacionados ao bem-estar mental, ainda há um tabu quanto a esse assunto, e uma “omissão” por parte de chefes de estado e sociedade. Isso se dá devido ao tratamento para buscar compreender o funcionamento da mente humana, e o que a engloba além dos prós e contras que existem no processo. Um desses fatores que abrangem essa omissão, é o fator preconceito, que encara transtornos mentais, por exemplo, como algo “bobo”, ou até mesmo de “insano”, e que merece tratamento manicomial, um jeito de conduzir situações que se tornou ultrapassado. Uma alternativa no tratamento de situações como a de transtornos, é a realocação de indivíduos com diagnósticos do gênero que passaram a morar em ambientes onde a pessoa é tratada de forma mais humanizada, em que se busca compreender o lado emocional e as vontades do paciente. Esse ambiente é o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), órgão erguido pelo governo brasileiro que tem como objetivo substituir hospitais psiquiátricos - antes manicômios e hospícios - e vem sucedendo na missão, algo que era previsto desde a reforma psiquiátrica no Brasil, realizada no fim da década de 80.

Mayara Maria Bermonte Rocha, 24, acompanhante comunitária em residências assistidas em São Paulo, relata satisfação com todo trabalho imposto pelo governo e CAPS: “As questões de medicamento, auxílio, tratamento com moradores e PTS’s (Projeto Terapêutico Singular) são muito satisfatórias e positivas”. Ao ser questionada sobre eventuais melhorias que podem ser praticadas na área, Rocha, natural de São Paulo menciona: “Seria necessário um maior número de empregados nesse setor, muitas vezes ocorrem imprevistos que impossibilitam a pessoa de vir trabalhar, férias e outros fatores, e esse serviço muitas vezes exige um maior acompanhamento. Também é preciso uma maior seleção por parte do governo ao escolher pacientes para serem acompanhados em residências como a que eu trabalho, pois alguns deles não tem condições de residir nesse local, são casos diferentes que requerem outro tipo de local assistido para essas pessoas”.

No Brasil, os direitos humanos das pessoas com transtornos mentais são protegidos pela Lei da Reforma Psiquiátrica, divulgada em 2001 e expressa como Lei nº10.261. O estatuto prevê um avanço significativo na proteção dos direitos humanos das pessoas com tais diagnósticos, e regula uma nova norma de tratamento à época; “Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental”.

Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de Jornalismo da PUC-SP.

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Ivo Vilela nunca foi assaltado no bairro da zona sul de SP, exaltado nas músicas dos Racionais MC´s
por
Livia Machado Vilela
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22/06/2023 - 12h

“Eu nunca fui assaltado no Capão Redondo, em quase 20 anos. A lama e o tomar tiro que eles diziam, sempre foi por parte dos fascistas”. Ivo Vilela (60), hoje dono de um laboratório ótico, conta a perspectiva de alguém que sobreviveu na periferia por 18 anos como um trabalhador sem a arte como válvula de escape.

Em Novembro de 2022 estreou a produção da Netflix “Racionais: Das ruas de São Paulo para o mundo”,
que conta a historia dos 30 anos do grupo de rap Racionais MC’s. No documentário, os integrantes
relembram a vida difícil no Capão Redondo, na Zona Sul da capital. “O Capão não tinha nada para oferecer
nessa época. A não ser lama e tomar tiro”, disse Mano Brown.

Como exemplo, Ivo lembrou a história de ‘Macaquinho’, que era como um ‘Robbin Wood’, roubava do
rico e ajudava o pobre. Estava sempre nos bailes, tomando Whiskey e ouvindo Al Green. Depois, o
noticiário anunciou que o Macaquinho, ladrão de banco, foi executado pela polícia. “Ninguém tinha medo do macaquinho dançando blues no baile, todos temiam ir embora e encontrar a ROTA no caminho de casa. Eu
conheci um ex-policial da ROTA, ele mesmo dizia que eram treinados para matar. Paravam algum jovem
voltando de uma festa, entregavam uma arma na sua mão e falavam: ‘ Você tem uma chance, troca tiro com
a gente pra ver se escapa’. Mas não tinha chance nenhuma. E isso tudo saía no dia seguinte no jornal com outra narrativa.”


Em um momento do filme Mano Brown relata: “A gente pegava o ônibus e demorava uma hora e meia pra
chegar até o centro. Era uma viagem quase espiritual, mano. Você saía da condição de miséria pra ir pra
onde todas as luzes tão acesas.” Ivo, que sempre trabalhou no centro de São Paulo, acrescenta: “É natural, você sentia que estava em outro mundo. Ele era músico e eu era um trabalhador mas nós sentíamos a mesma pobreza. Mas a galeria do rock era ponto de música, quem curtia era músico.”


Seus momentos de lazer não eram no centro, mas de volta à periferia, jogando futebol. “Eu não tinha
ambição nenhuma naquela época, meu prazer era ir pra várzea de final de semana jogar bola.” Explica que o dono de uma granja recrutava os melhores jogadores da periferia e realizavam torneios entre os bairros. Era
tudo pelo conforto que ele oferecia, algumas laranjas, o transporte, a chuteira que era providenciada.
Em conversa filmada para o documentário, o grupo dizia que não sabia de onde veio a consciência política
para compor suas letras. “Eles simplesmente cantavam o que eles viam, e eles viam o que eu tô te narrando
aqui”, acrescentou Ivo. A sua própria ideologia veio apesar do Capão, a cultura da periferia na época não era
estruturada, não era ainda formadora de opinião entre os jovens. O primeiro contato com seus ideais sociais
foi o movimento das Diretas Já, mas a maior influência é a Democracia Corinthiana. “Eles tinham poder de
voto, coisa que eu com 20 e poucos anos não conhecia como cidadão ainda”.


“Ninguém convivia muito com musica, o rap ainda não era acessível para a minha geração, e quase ninguém
tinha esse senso de revolução dos Racionais”. Na verdade, Ivo, que presenciou a mesma realidade que os
Racionais MC’s não consumia sua arte. “Eles viveram na mesma época que eu vivi, a vida deles era a minha.
Eu escuto e logo penso: A história do Guina deles, é o Macaquinho que eu conheci, em cada canto do Capão
tinha um. Mas quando o sucesso deles veio, eu já era adulto, e eles estavam cantando para a nova geração. É
a partir desses jovens que as coisas foram mudando.”

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Cigarros eletrônicos e narguilés são apontados como principais causadores do aumento do tabagismo em jovens
por
José Pedro dos Santos
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19/06/2023 - 12h

Segundo o Ministério da Saúde, na última década houve um aumento na proporção total de fumantes na faixa etária de 13 a 17 anos (6,6% em 2015 para 6,8% em 2019).

Um dos causadores desse aumento no consumo de produtos a base de nicotina ocorre por conta dos cigarros eletrônicos e dos Narguilés, que por terem um gosto mais agradável, acabam levando os jovens a experimentar e gostarem, o que faz com que consumam outros produtos de nicotina, como o tabaco orgânico e o cigarro tradicional. 

Todos os produtos a base de nicotina que utilizam a fumaça como forma de entrada no corpo causam a morte e problemas de saúde, como o câncer de pulmão, boca, laringe, esôfago, estômago, pâncreas entre outros, além de doenças respiratórias obstrutivas como a bronquite crônica e o enfisema pulmonar.

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Jovem enrolando um cigarro de tabaco. autor: José Pedro dos Santos
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Jovem acendendo cigarro em evento autor: José Pedro dos Santos
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Cigarro de tabaco orgânico, seda e isqueiro. Autor: José Pedro dos Santos
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Verso de um pacote de tabaco, onde é mostrado que ele é maléfico para as pessoas. autor: José Pedro dos Santos
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Cigarro de tabaco orgânico sendo enrolado. autor: José Pedro dos Santos