O prazer efêmero da compra logo dá lugar a um vazio crescente
por
Giovanna Montanhan
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12/11/2024 - 12h

Por Giovanna Montanhan

 

Abrir o TikTok é como piscar e ver o mundo mudar em uma fração de segundos. Em uma rolagem veloz, surgem truques para uma maquiagem glow, táticas para uma “pele de porcelana”, segredos para esconder as olheiras com batom vermelho e até dicas para um contorno "ideal" feito com utensílios de cozinha. Uma técnica “nunca antes vista” de delineado usando apenas um grampo de cabelo, uma máscara capilar líquida que permanece nos fios por míseros segundos e que “repara até a alma” — tudo parece essencial, urgente. De um lado, surge uma técnica viral que promete lábios mais volumosos usando apenas corretivo e gloss, aplicados estrategicamente para criar a ilusão de lábios carnudos e esculpidos; do outro, alguém massageia o rosto com um Gua Sha, uma técnica tradicional de origem chinesa que utiliza uma pedra para esculpir a face, de quartzo rosa recém-adquirida, prometendo desinchar o rosto em poucos minutos. A tela se enche de novas promessas a cada hora em que o aplicativo é aberto, como o colágeno em pó que, misturado na água, garante uma dose de juventude pelas próximas décadas, ou a aplicação de blush no nariz para dar aquela falsa sensação de que se esteve na praia e se queimado, e até mesmo o sérum coreano feito de mucina de caracol para uma pele supostamente mais firme e hidratada. Cada dica desponta como um raio no feed, iluminando tudo ao seu redor por um instante, apenas para ser engolida pela próxima febre que chega avassaladora, tornando a moda anterior esquecida antes mesmo de ser assimilada.

No território implacável das redes sociais, onde promessas de uma pele impecável e uma beleza reluzente se espalham como um feitiço, mulheres de todas as idades deslizam os dedos na tela em busca de um brilho que pareça emanar de dentro para fora. Cada toque, cada deslizar, aproxima as compradoras de um ideal escorregadio, um reflexo de perfeição, sintetizado na imagem da pele viçosa perfeita — tão brilhante e lisa quanto um donut vitrificado, idealizada pela marca Rhode, da modelo Hailey Bieber.

Mas essa busca pela beleza aparentemente simples não é tão doce como parece. As consumidoras, atraídas pelos vídeos de influenciadoras, são envolvidas por um mercado que promove o “Glazing Milk” e os “Peptides Lip Tints” como a chave para a pele e os lábios dos sonhos. Não se trata apenas de hidratar, de cuidar ou de valorizar o que já existe, mas de transformar, de reconstruir, de alcançar um brilho irreal que reflete expectativas impossíveis. Para muitas, o desejo por essa pele vitrificada é como um chamado, uma chance de fazer parte de um ideal estético que atravessa culturas, idades e contextos, porém inacessível para a maioria.

No Brasil esse sonho assume ares de luxo proibido. Sem distribuição oficial, os produtos da Rhode se transformam em verdadeiros tesouros a serem caçados em mercados paralelos, frequentemente repletos de riscos. Para experimentá-los, os brasileiros precisam superar o desafio da importação, enfrentando preços inflacionados e longas esperas. Quanto mais distante o sonho, mais intensamente ele é desejado. Em um contexto onde a estética perfeita é exaltada acima de tudo, esses itens de design minimalista tornam-se uma espécie de Santo Graal — símbolos de um ideal que poucos conseguem vivenciar diretamente, mas que muitos cobiçam com olhares ávidos.

Não são apenas os hidratantes e lip tints da Rhode que repousam nesse altar de desejo inatingível. O Lip Glow Oil da Dior, envolto em promessas de lábios irresistíveis, reflete um brilho de glamour que atiça os corações, enquanto a Rare Beauty de Selena Gomez, com seus blushes e iluminadores, embriaga o imaginário dos mais jovens. Há algo mágico, quase sedutor, nesses frascos delicados, como se cada camada de produto pudesse transformar a pele em uma tela de sonhos, oferecendo uma beleza que parece brotar sem esforço algum. Cada uma dessas embalagens repousa no nécessaire com uma falsa simplicidade, promovido com tamanha precisão que passa a impressão de que esses pequenos luxos são mais que desejos — são quase como amuletos, indispensáveis no ritual silencioso de buscar, no reflexo, um toque de perfeição que talvez nunca se alcance.

A obsessão pelo "glazed look" transcende o próprio produto. Não se trata de um efeito milagroso na pele ou da suavidade nos lábios; é uma busca por alinhamento com um ideal, uma concepção vendida como pura, mas que, na verdade, carrega o peso do consumo incessante. Influenciadores, com seus vídeos cuidadosamente editados, se tornam os arautos dessa estética quase mítica, revelando apenas fragmentos do que os produtos prometem, sem expor o verdadeiro custo envolvido. Enquanto isso, do outro lado da tela, um exército de seguidores desliza, em busca do próximo vídeo, da nova promessa — na esperança de transformar um sonho distante em uma realidade tangível, ainda que efêmera.

O TikTok, com seu algoritmo hipnotizante, tornou-se uma vitrine onde milhares de consumidoras mergulham em tutoriais e resenhas, investindo tempo e dinheiro na promessa de uma pele reluzente. Entre elas, há quem se pergunte até que ponto esse ritual em frente ao espelho reflete uma busca legítima pela autoestima ou se é apenas mais uma ferramenta do capitalismo que usa o desejo por aceitação e inclusão para alimentar o consumo excessivo.

É como uma trilha de pequenas confissões, uma corrente de desejos transformados em mercadoria. Em cada vídeo, em cada review impulsionado por essas marcas silenciosas, há mulheres que, ao deslizar a tela e ceder ao apelo das tendências, começam a ver suas rotinas, seus sonhos e até seu próprio reflexo se curvarem a um padrão escorregadio e volátil.

Júlia, Helena e Rayssa são alguns exemplos de meninas que compram de acordo com a tendência do momento no TikTok. Cada uma mora em um estado diferente, mas, enquanto falavam, era como se compartilhassem uma mesma inquietação, algo que transcende a distância e parece habitar um espaço comum entre elas. Com apenas 13 anos, Júlia, mais tímida, confessou que, para ela, comprar os produtos da moda trazia uma sensação de pertencimento que era difícil de encontrar em outros lugares. Ao adquirir aquele item desejado, sentia-se mais próxima das meninas que possuíam o mesmo, como se o produto fosse um passaporte invisível para um mundo onde todas compartilham os mesmos desejos e sonhos de consumo. Com um brilho tímido no olhar, contou sobre seu exemplo mais recente: um kit de pinceis da marca Real Techniques — algo que, segundo ela, todas no TikTok pareciam ter e que, de alguma forma, a fazia sentir-se parte de algo maior.

Com 15 anos, Helena, um pouco mais falante, descreveu a experiência de outra forma, embora a sensação de efemeridade fosse a mesma. Para ela, o ato de consumir a aproximava de suas amigas e da comunidade online, mas logo após a compra surgia um vazio incômodo, como se a satisfação fosse rapidamente substituída por uma nova tendência, já à espreita. "É um ciclo sem fim," disse ela, quase resignada, enquanto mencionava sua última aquisição: o pó facial rosa da influenciadora Karen Bachini, um item que ela não parava de ver nos vídeos e que parecia indispensável — até o próximo lançamento roubar a cena.

Com 17 anos, Rayssa, em silêncio até então, finalmente desabafou. Revelou que, todas as vezes que se olhava no espelho, sentia-se como se tentasse capturar o brilho das influenciadoras do TikTok. Mesmo quando conseguia comprar o que tanto desejava, o resultado nunca parecia corresponder ao ideal que via na tela. Em momentos assim, questionava-se se a falha estava nela — como se algo em sua pele, no olhar, ou até em sua própria essência não fosse suficiente para refletir a promessa vendida pelos produtos. Esse sentimento de cobrança, explicou, era quase constante, uma frustração que a fazia sentir-se cada vez mais distante de um ideal inatingível. Sua última compra foi o sérum bronzeador da marca Drunk Elephant, o D-Bronzi Anti-Pollution Sunshine Drops, um item que, como tantos outros, prometia uma transformação que parecia sempre escapar ao seu alcance.

Para elas, o ato de comprar não é apenas um impulso passageiro; traz um alívio momentâneo em uma busca que nunca se completa. Mas logo vem o vazio, uma percepção incômoda de que estão presas a um ritual estranho, onde o consumo é apenas uma dança repetitiva, uma tentativa de tocar algo que escapa. Muitas se encontram no eco numa pergunta inevitável sobre o motivo de não conseguir o mesmo resultado. Como se o erro fosse delas, como se algo na pele, no olhar, ou na própria essência falhasse em alcançar o brilho prometido — um ideal cuidadosamente desenhado para permanecer fora de alcance.

É nesse cenário tentador que se ergue o submundo da Internet, uma espécie de mercado paralelo onde a pressa e o desejo encontram uma nova morada. Para aqueles que não podem ou não querem esperar, marketplaces como a Shopee e a Shein surgem como atalhos — labirintos digitais onde os produtos cobiçados aparecem como ofertas tentadoras, à mercê de vendedores anônimos que se escondem atrás de telas e avatares. Ali, a ansiedade dos consumidores é alimentada com preços reduzidos, porém envoltos em uma névoa de incerteza se o brilho do produto é real, ou apenas uma sombra de autenticidade. Entre o clique e a compra, uma escolha silenciosa é feita — e talvez, para muitos, a necessidade de pertencer ao momento sobrepuje o valor da própria verdade.

Capitalismo

Em uma conversa descontraída o colunista do site Steal the Look, Fábio Monnerat, falou sobre o frenesi que envolve a busca pela beleza idealizada, uma obsessão que, segundo ele, vai além do simples desejo por bons produtos. Ele acha que há uma necessidade de pertencimento, um desejo de aceitação que se esconde por trás de cada nova compra, como se cada aquisição trouxesse consigo um pouco mais de identidade, um passo a mais em direção a um grupo invisível e desejado. Fábio disse enxergar essa ilusão de exclusividade como uma corrente invisível, prendendo o público em um ciclo sem fim, onde o limite entre querer e precisar se desfaz. Nas redes sociais, o ideal de beleza está sempre ali, próximo e sedutor, mas estranhamente fora de alcance, criando um desejo que se mantém sempre vivo. E vai além.

Ele aponta que conter essa maré de consumo desenfreado soa quase como um desafio impossível. A falta de consciência coletiva torna difícil que as pessoas reflitam sobre o impacto de cada compra. Assim, o consumo se transforma em um reflexo do próprio desejo não resolvido, uma repetição constante que nunca traz a satisfação esperada. Para ele, cada nova compra parece inofensiva, mas se transforma em uma onda crescente, que passa despercebida e segue reverberando.

No coração do capitalismo contemporâneo, o TikTok se agiganta, não mais como uma simples distração, mas como um palco onde o desejo se torna espetáculo e o consumo, um ato quase hipnótico. Em cada deslizar de dedo, as consumidoras são lançadas em um torvelinho de tendências, onde as promessas de beleza cintilam como fogos de artifício — intensas, passageiras, inescapáveis. A cada nova febre, o rosto de uma influenciadora parece sussurrar segredos que as espectadoras querem acreditar: uma pele mais luminosa, lábios mais aveludados, o toque de algo quase mágico. Mas é tudo tão fugaz. Produtos que ontem eram o desejo do momento, hoje já perderam o brilho, substituídos por algo "ainda mais revolucionário".

Para essas mulheres, não há descanso. A lógica do hiperconsumo, essa engrenagem que o filósofo Gilles Lipovetsky descreveu, as engole em um ciclo em que o desejo pesa mais que a necessidade, onde o impulso de possuir é atiçado mais pelo medo de perder a novidade do que por uma vontade verdadeira. A cada nova compra, um ritual se repete — uma sensação de satisfação que evapora rápido, cedendo espaço à expectativa do próximo lançamento. E enquanto os frascos se acumulam, um vazio começa a se insinuar, como se, no fundo, soubessem que a próxima tendência também virá, seduzindo-as mais uma vez.

No universo hiperacelerado do TikTok, onde as tendências surgem e desaparecem como reflexos fugidios, as consumidoras são arrastadas para um ciclo quase frenético. Cada novo "must-have" carrega uma data de validade invisível, um convite ao consumo antes que o encanto se esgote. No olho desse furacão está o Carmed, um bálsamo labial produzido pela farmacêutica Cimed, que, embora conhecido por sua hidratação modesta, encanta com suas edições limitadas e colaborações astutas, como a recente parceria com a marca de doces Fini. Versões do bálsamo com sabores de balas de gelatina — banana, dentadura, "Beijos" — evaporaram das prateleiras antes mesmo de alcançarem todas as farmácias, deixando na esteira um rastro de desejo insatisfeito.

Para Helena, que também é uma consumidora voraz de Carmed, a eficácia do produto é apenas um detalhe insignificante. O que realmente importa para Júlia e para quem o consome, é o prazer de possuir um fragmento de algo efêmero, um pedaço da tendência que logo será substituída por outra. Cada lançamento deste produto traz consigo uma promessa de exclusividade, uma sensação de escassez calculada que intensifica o impulso de compra. Nesse jogo de aparências, o Carmed não é apenas um bálsamo; é um lembrete de que, no turbilhão da moda passageira, às vezes o que vale é a experiência fugaz de ser parte de algo que logo deixará de existir.

No emaranhado dos desejos modernos, o consumo de beleza se torna um ritual de encantamento, uma busca ansiosa que reflete mais do que o desejo de uma pele perfeita ou de lábios macios. Fábio Monnerat vê esse cenário com inquietação, especialmente quando o alvo do consumo se desloca para o público infantil. Ele observa, com ceticismo, como produtos de beleza direcionados a crianças e adolescentes, como é o caso do fenômeno do Carmed, onde eles são estrategicamente moldados para enraizar o consumo desde cedo. Com sabores açucarados e colaborações com personagens conhecidos, o Carmed, em suas múltiplas versões, deixa de ser apenas um hidratante labial; ele se torna um emblema de um consumo precoce, uma porta de entrada para um ciclo interminável de desejos e substituições.

Fábio acredita que essa introdução ao consumo desenfreado desde a infância reflete um problema profundo. A indústria da beleza, segundo ele, soube capturar o conceito de autocuidado e transformá-lo em uma sequência constante de compras — não mais um momento pessoal, mas uma dança coreografada pelo mercado. O Carmed e outros produtos semelhantes simbolizam uma sociedade onde o consumo é enaltecido como valor intrínseco, e cada nova edição limitada, cada parceria com um ícone infantil, se torna um capítulo dessa fábula consumista. A ilusão de exclusividade atiça o desejo, e o autocuidado se converte em um ato repetitivo, sem substância.

Enquanto isso, o TikTok acelera essa espiral. Para Júlia, Helena e Rayssa, a plataforma de vídeos é uma vitrine que converte produtos de beleza em pequenos troféus de pertença, um portal onde cada novo sérum, cada nova máscara promete um vislumbre de perfeição. Como no filme  A Substância (2024), onde Elizabeth Sparkle, interpretada por Demi Moore, injeta um líquido espesso e denso na pele na esperança de capturar a juventude que lhe escapa, os jovens de hoje se entregam a promessas tão tentadoras quanto fugazes. A cada nova fórmula, a cada sérum, máscara ou creme milagroso, há uma promessa de transformação que parece deslizar entre os dedos. Eles se lançam nessas poções modernas, cada frasco prometendo que, desta vez, o reflexo no espelho será o que sempre desejaram.

Mas, assim como Elizabeth, que corre atrás de uma ilusão que nunca a satisfaz, esses jovens podem estar caminhando para um abismo de expectativas vazias. A cada compra, um breve relâmpago de satisfação — um brilho que logo se desfaz, um encanto que desaparece com a mesma rapidez com que veio. E então, a necessidade renasce, mais urgente, mais insistente. Em um ciclo que se auto alimenta, o ideal de beleza se mantém distante, quase ao alcance das mãos, mas sempre escorregadio. E nessa busca, a frustração não desaparece; apenas se recalca, pronta para surgir com força renovada a cada nova promessa que o mercado lança na tela.

Fábio acredita veementemente que o verdadeiro papel do TikTok não é conectar, mas vender — impulsionando um consumo desenfreado que atinge até os mais jovens, seduzidos pela promessa de uma juventude prolongada e de uma beleza idealizada.

No fim, a trilha do consumo se revela como uma corrida sem destino, onde o autocuidado se dissolve em promessas e expectativas. Para Fábio, a verdadeira prática de bem-estar foi sequestrada pela lógica de mercado, que transforma cada novo produto em mais um ponto de partida, mais um item na lista de desejos insaciáveis. O autocuidado, nesse cenário, se torna uma pista de corrida onde o consumidor, sempre em busca da última novidade, esquece de parar, de respirar e de redescobrir o que realmente importa. Talvez, sugere ele, o verdadeiro bem-estar exija uma saída dessa trajetória imposta, uma pausa para recobrar o equilíbrio, para lembrar que cuidar de si não precisa ser uma sequência de compras, mas uma escolha pessoal, guiada por um ritmo próprio, alheio às urgências e apelos do mercado. Afinal, os verdadeiros delírios de consumo da Geração Z não estão em cada frasco ou nova tendência, mas na ilusão de que a satisfação virá com o próximo produto.

 

As conexões digitais facilitaram a vida de muitos, mas também abriram brechas inesperadas.
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25/09/2024 - 12h

Por Carolina Rouchou

 

O dia era domingo, o mês era Novembro e o ano, 2022. Em um apartamento antigo no Itaim Bibi, agulhas de tricô descansavam sobre uma cadeira de balanço e o cheiro doce de bolinhos de chuva recém feitos preenchiam o ambiente decorado com toalhinhas de crochê e uma raquete de tênis. Na TV, futebol. No sofá, dona Sylvia. O jogo estava próximo de terminar e, para a alegria da telespectadora, o São Paulo já havia feito três gols contra o Goiás. Aos 45 do segundo tempo, o jogador Juan tomou posse da bola na grande área e se preparava para dar o chute final da partida. O telefone toca. Sylvia o desliga imediatamente, nada poderia distraí-la de um possível quarto gol de seu time. Dito e feito, a bola bate na rede e a torcedora comemora.

O telefone toca mais uma vez. Qualquer pessoa que conheça dona Sylvia sabe que a hora do futebol é sagrada, duas ligações seguidas nesse momento era, portanto, um sinal de emergência. Ela atendeu. Tratava-se de uma ligação de seu banco. Poucos dias antes, sua agência havia sido fechada sem muitas explicações e a conta de Sylvia seria transferida para outra unidade. A atendente informou isso por telefone, mas antes de terminar a ligação deu mais uma informação: o gerente da conta de dona Sylvia estava sendo investigado por lavagem de dinheiro e, por isso, a agência teria sido encerrada.

Pouco tempo depois o telefone volta a tocar, mas dessa vez quem estava do outro lado era a Receita Federal em busca de informações sobre o tal gerente. Pediram algumas informações da senhora de 86 anos: com qual frequência ia ao banco, como era sua relação com o gerente, quanto dinheiro ela tinha na conta, se já havia visto algum movimento suspeito na agência etc. Como cidadã exemplar, Sylvia não poupou detalhes, afinal lugar de bandido é na cadeia. Cooperou com as autoridades como pôde e, mesmo assim, pediu desculpas por não saber de muita coisa.

A ligação terminou com uma ordem: Sylvia deveria transferir parte de seu dinheiro para que a Receita pudesse analisar a origem da quantia. Explicaram que seu gerente usava as contas dos clientes para esconder dinheiro sujo e, por isso, precisavam investigar suas economias. A operação que estavam fazendo era secreta e ainda estava em andamento, portanto ninguém, nem mesmo sua família, poderia saber sobre o ocorrido. Com as autoridades ainda no telefone, Sylvia prontamente fez a transferência e agradeceu.

Segunda-feira quem ligou para a residência são-paulina foi a própria Polícia Federal. Ao atender, Sylvia foi avisada que o dinheiro analisado possuía origem ilegal e, enquanto sua inocência não fosse comprovada, ela corria perigo. O policial pediu o WhatsApp dela para facilitar a comunicação. Não era obrigada a informar seu número pessoal, mas a autoridade avisara-lhe que recusar-se a passar tal informação levantaria suspeita e que “ficaria ruim para o seu lado”.

Os dias passavam e Sylvia mantinha contato com a PF por mensagens de texto. Faziam a ela muitas perguntas, passavam atualizações sobre a investigação e pediam que ela fizesse mais transferências. A octagenária fez tudo para provar sua inocência e ajudar a justiça. O policial quis saber se havia jóias. Dona Sylvia era de uma família tradicional paulistana e se orgulhava das peças que herdara de seus avós. Imediatamente, respondeu que sim. O policial pediu fotos e perguntou se ela tinha nota fiscal dos itens. Com peças que antecediam a mudança do século passado, Sylvia informou que não retinha os comprovantes fiscais (afinal estes sequer existiam na época que as joias foram confeccionadas), mas enviou fotos de todas preciosidades que guardava em seu cofre. A conversa terminou com uma mensagem do policial: “Teremos que ir até sua casa para fiscalizar a legalidade destas peças, por favor me envie seu endereço”.

Entre novembro e dezembro Sylvia transferiu mais de vinte mil reais e recebeu as autoridades em sua residência mais de 5 vezes. Nestas visitas a Receita ou Polícia Federal ia para recolher as jóias e outros itens de valor, tudo para provar a inocência da senhora no mirabolante caso do gerente que lavava dinheiro. A operação se encerrou poucos dias antes do natal, quando Sylvia finalmente ligou para seu filho Rodolpho pedindo ajuda, pois não tinha comida em sua casa e estava sem um tostão no bolso.

A realidade é que nunca houve operação alguma. Quem esteve em contato com dona Sylvia nos últimos dias era uma quadrilha criminosa, especializada em golpes via telefone e internet. A agência da vítima fora de fato fechada, mas por questões internas do banco. O tal gerente era inocente e nunca havia sido investigado pela polícia, foi tudo inventado. As verdadeiras autoridades foram imediatamente acionadas, mas não havia muito que pudessem fazer. A família de Sylvia tomou para si a responsabilidade de auxiliar a matriarca. Sua filha Renata entrou em contato com o banco para pedir o dinheiro de volta, mas não obteve sucesso: como as transferências haviam sido feitas pela dona da conta, o dinheiro só poderia ser devolvido se comprovassem a falcatrua.

Graças a um conhecido que trabalhava no banco, o dinheiro foi recuperado quase seis meses depois, mas o dano já havia sido feito. Desde que sofreu o golpe, dona Sylvia entrou em um estado depressivo e abandonou o estilo de vida ativo que vivia. A vítima conta que se culpa por tudo e que passou a se enxergar como uma idosa incapaz. Seu corpo acompanhou sua mente: de quadras de tênis e academias para visitas constantes a hospitais e uma equipe de cuidadores. A família também atribui a drástica mudança de saúde ao golpe que a mãe e avó sofreu. Até hoje o caso segue sem solução. Não se sabe sequer como os estelionatários conseguiram os dados dela ou do gerente do banco. A única prova do ocorrido são as conversas por WhatsApp, em que o grupo utilizava uma foto do logotipo do banco Bradesco. O número utilizado para se comunicar com a senhora foi denunciado e a família tentou entrar em contato com o WhatsApp, mas a empresa nunca respondeu.

A falta de regulamentação no mundo digital abre espaço para que dados pessoais sejam vendidos e compartilhados entre grupos mal-intencionados. Sem se responsabilizar de maneira alguma, as plataformas on-line aceleraram o crime e não aparentam estar dispostas a lutar contra isso. Mesmo quando notificadas pelas autoridades, as redes sociais se recusam a cumprir com a legislação brasileira. Se dona Sylvia e sua família quiserem descobrir quem estava por trás do golpe, talvez devam esperar até que um deles concorra à Prefeitura paulistana.

Uso ostensivo de telas está transformando a infância
por
Maria Luiza Abreu
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05/11/2024 - 12h

Por Maria Luiza Abreu

Em casa, Arthur se coloca em frente às telas assim que chega da escola.  Apesar da pouca idade, já apresenta sinais físicos do uso excessivo, como a famosa corcunda decorrente da má postura. Filho de millennials, Arthur tem um celular desde os 8 anos, e seu primeiro tablet chegou ainda mais cedo, aos 4 anos de idade. Em casa, a TV da sala é uma smart TV, possibilitando acesso on demand aos principais serviços de streaming, e nela o PlayStation 4, presente de aniversário de 6 anos, fica conectado quase que em tempo integral. A situação é motivo de reclamação da avó materna, de 74 anos, que cuida do garoto enquanto a mãe trabalha, e precisa recorrer à televisão de outro cômodo caso queira assistir novela ou noticiário.

Ele tem 11 anos e é aluno do quinto ano do ensino fundamental. Filho de pais separados e mora com a mãe e a avó em um apartamento de aproximadamente 40 m². Ele é um retrato da atualidade, em que as crianças praticamente já nascem familiarizadas com as telas. No colégio particular em que estuda, segue estritamente as rígidas regras da instituição quanto ao uso do celular. Ele relembra que, na escola pública anterior, o uso do aparelho era comum, a ponto de muitos colegas passarem horas no banheiro com o celular, que era praticamente uma extensão dos alunos. 

Como uma típica criança da geração Alfa, a tecnologia sempre fez parte da vida de Arthur, a ponto de ele não lembrar de seu primeiro contato com ela. No entanto, ele admite que sua vida poderia ser mais saudável sem o celular: Ele mesmo acha que fica muito preso pelas redes, e diz isso após alguns segundos de distração com um vídeo de dois irmãos estrangeiros competindo para ver quem completava primeiro o álbum de figurinhas da Copa, exibido no YouTube, conectado à TV pelo videogame.

O Manual de Orientações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) sugere um limite diário de 2 horas de exposição a telas para crianças de 6 a 10 anos e de 3 a 4 horas para adolescentes de 11 a 18 anos, enfatizando a importância de regras claras para o uso de dispositivos eletrônicos. O documento também alerta para problemas físicos, como má postura e prejuízos à visão. O uso excessivo pode ainda levar a questões psicológicas, como a chamada “distração passiva” — quando os dispositivos digitais são usados para manter as crianças quietas, principalmente em locais públicos — prejudicando o brincar ativo, fundamental para o desenvolvimento infantil.

Para Arthur, o celular transforma a vontade de brincar com amigos em uma busca por distrações eletrônicas, deixando de lado atividades que gostava, como jogar bola, bater figurinhas ou andar de bicicleta. Na sua escola atual, o uso do celular é restrito a atividades educativas, como pesquisas rápidas por imagens no Google e a busca pelo significado de palavras desconhecidas. Durante os intervalos, o celular é proibido. Recentemente, ao ficar sem o aparelho devido a um problema técnico, Arthur notou uma melhora em sua concentração e desempenho nas tarefas de casa. No entanto, ele admitiu ter se sentido “agoniado” por não poder se comunicar com amigos no WhatsApp, especialmente porque, naquele período, estava responsável por organizar o interclasse. Em menos de uma semana, um novo aparelho já havia sido comprado.

Os computadores da sua escola são utilizados somente nas aulas de robótica, para a criação de programas e protótipos. Embora o celular auxilie em pesquisas, Arthur gostaria de poder usá-lo também enquanto aguarda os pais na saída. Em casa, sua mãe estabeleceu um limite de 3 horas diárias de tela, aumentando para 5 horas nos finais de semana. Entretanto, esse limite é raramente seguido, como revela a aba de “bem-estar digital” do aparelho: em uma segunda-feira, o garoto passou 12 horas usando o celular, sendo 6 horas assistindo séries na Netflix e 2 horas no aplicativo de mensagens WhatsApp — que, assim como a maioria das redes sociais, informa como idade mínima permitida 13 anos, mas cuja restrição é facilmente burlada com a alteração da idade.

A mãe do garoto utiliza um aplicativo de monitoramento para controlar os conteúdos acessados. Ela conta que é mais difícil verificar se o limite de uso  está sendo seguido, pois, com a guarda compartilhada, nos fins de semana Arthur fica com o pai e, durante a semana, com a avó, que não tem  um perfil rígido e adota  o estereótipo de “vó que mima”, muitas vezes  contradizendo as orientações passadas pela mãe. Quando as notas caem, o celular é retirado como forma de punição. Arthur entende essa decisão, afirmando que sabe que é para o seu bem, mas não lida bem com a restrição, já que os eletrônicos estão tão inseridos em sua rotina.  Ao acordar, o celular vem antes mesmo do café da manhã, que muitas vezes é substituído por uma partida de Fortnite — jogo de battle royale em que os jogadores são colocados em um mapa e competem entre si — em ligação com os colegas de sala, e frequentemente causa atrasos para descer para o transporte escolar. Na escola, com a companhia dos colegas e a falta da opção digital para se entreter, ele não sente tanta falta do aparelho. No entanto, ao chegar em casa, até o horário de dormir é preenchido com diversas alternativas de entretenimento digital: jogos, aplicativos de streaming, redes sociais de vídeo e outras opções disponíveis no universo das telas.

Um dos principais questionamentos é sobre os efeitos psicológicos e sociais com a crescente presença dos dispositivos digitais. No episódio em que ficou sem acesso devido ao problema técnico, Arthur demonstrou uma certa irritabilidade, semelhante à abstinência, incomum para um menino conhecido por ser tranquilo e carinhoso. É possível que esse fator tenha pressionado os pais a adquirirem um novo celular tão rapidamente. Esses efeitos não são exclusivos de Arthur; na verdade, eles representam um novo problema geracional pelo qual muitas crianças passam, provocando debates e decisões acerca dessa questão.

Recentemente, o Ministério da Educação do Brasil (MEC) divulgou a intenção de propor uma legislação para limitar o uso de celulares em escolas públicas e privadas, medida alinhada com a recomendação da Unesco no Relatório de Monitoramento Global da Educação. A intenção é criar um ambiente de aprendizado menos suscetível às distrações digitais e reforçar a “visão centrada no ser humano”. Para a agência da ONU, a tecnologia digital deve ser usada como um recurso complementar, e não para substituir as interações humanas.

Em fevereiro deste ano, a prefeitura do Rio de Janeiro foi pioneira no banimento do uso de celulares e eletrônicos em escolas públicas municipais, dentro e fora da sala de aula, por meio de um decreto publicado no Diário Oficial. Enquanto medidas de nível nacional ainda não foram implementadas, a discussão sobre o papel das telas na educação está longe de ser resolvida para uma melhor formação de crianças e adolescentes.

Esta análise busca explorar os fatores psicológicos e sociais que impulsionam a decisão de buscar e valorizar bolsas de marca luxuosas, examinando o custo emocional, financeiro e cultural associado a essa escolha
por
Giovanna Montanhan
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17/09/2024 - 12h

Ao entrar em uma pequena loja escondida em uma das muitas galerias do bairro da Liberdade, numa tentativa de escapar do calor escaldante que dominava a cidade de São Paulo e procurar mulheres para entrevistar, fui imediatamente tomada por um cheiro quase sufocante de mofo misturado a um aromatizador de ambientes. Pilhas de bolsas se acumulavam em prateleiras apertadas, criando uma atmosfera opressiva. A vendedora, Márcia, com o rosto perfeitamente maquiado, oferecia sorrisos milimetricamente calculados, afirmando com confiança que todas as peças eram verdadeiras.

Márcia vestia uma camiseta de gola V com o logo da Gucci estampado, daquelas que você reconhece à primeira vista e já sabe que não é original. Combinava a camiseta com uma calça jeans sem marca aparente e um batom vermelho forte, que estava meio borrado para além do contorno labial. Ela me garantiu que a Louis Vuitton que eu examinava era autêntica. “Essa aqui acabou de chegar. Dá pra ver pela costura, e é exatamente como a original", disse ela, apontando para as alças de couro da bolsa, que aparentava estar desgastada, com manchas de dedos bem visíveis.

A loja era apertada, e segundo a vendedora, não ficava vazia por muito tempo. Durante o período em que estive ali, algumas curiosas entraram e passaram alguns minutos manipulando as bolsas. Foi nesse cenário que Vera, uma mulher de 52 anos, examinava cuidadosamente uma bolsa Chanel em meio à desordem. Seus cabelos loiros estavam impecavelmente pintados e penteados, ela vestia um kaftan longo em tons de azul, formando uma espiral que lembrava a estampa característica do designer italiano Emilio Pucci, embora claramente não fosse. Afinal, quem tem condições de comprar uma bolsa autêntica provavelmente poderia adquirir roupas de grife, e não frequentaria lugares como aquela galeria.

Apesar da precisão na imitação da bolsa que estava analisando, Vera parecia indiferente. Para ela, o que realmente importava era a imagem que a peça transmitia. Sem hesitar, enquanto acariciava os detalhes dourados, ela me confidenciou que seu sonho sempre foi possuir uma Chanel, e que o simples fato de ter um exemplar – mesmo que falso – a fazia sentir-se elegante e poderosa. Embora soubesse que a bolsa não era original, o prazer de tê-la em mãos parecia compensar a falta de autenticidade. O preço da original, disse, era exorbitante, e ela não via necessidade de gastar tanto para obter "o mesmo efeito".

Naquela tarde, algumas horas depois, Lúcia, de 42 anos, vestia uma blusa preta larga, calça pantalona da mesma tonalidade e sandálias anabela baixas em tom creme. Ela teclava no celular enquanto observava as prateleiras abarrotadas de bolsas Louis Vuitton, Chanel, Prada, Miu Miu e Hermès. Percebi que ela parecia um pouco receosa de se abrir com uma total desconhecida, então resolvi fingir que também estava interessada em comprar uma bolsa.

Lúcia contou que frequenta aquele lugar há bastante tempo e, para ela, o valor das imitações compensa muito, já que o preço das originais beira o absurdo. Ela ressaltou que as peças nas prateleiras possuem uma aparência tão similar às originais que ninguém percebe a diferença, a menos que a pessoa tenha muito conhecimento ou se aproxime demais. Para Lúcia, as imitações ofereciam uma maneira acessível de expressar seu estilo sem carregar o peso financeiro das grifes. Apesar de não ter uma marca favorita, gostava da sensação de caminhar pelas ruas com uma bolsa que, aos olhos dos outros, era vista como um símbolo de status social.

Naquele espaço abafado, entre as bolsas amontoadas, o burburinho das vozes de outros consumidores ecoava pelas lojas vizinhas que dividiam o mesmo espaço. O que se destacava não era apenas o comércio em si, mas o valor simbólico que aquelas peças carregavam para as mulheres que frequentavam o local com regularidade. Para elas, as bolsas iam muito além de simples acessórios; eram símbolos de status, de pertencimento a um mundo de luxo e exclusividade, mesmo que apenas pela aparência.

A busca por um produto de luxo, ainda que ilusório, era quase tangível. A cada gesto, a cada conversa, ficava claro que as consumidoras estavam menos preocupadas com a autenticidade do item e mais focadas no que ele poderia lhes proporcionar: uma sensação de pertencimento, poder e sucesso. Não se tratava apenas de possuir uma bolsa, mas de construir uma imagem de sofisticação e status. Vera deixou isso claro ao afirmar que ninguém iria parar na rua para questionar se o produto era original ou não. Carregá-lo já era o suficiente para atrair olhares diferentes, conferindo-lhe a distinção que tanto buscava.

Essa busca por símbolos de status se torna ainda mais complexa quando analisada à luz das explicações da psiquiatra Mariana Pampanelli. Para ela, esses itens de luxo – mesmo que falsificados – cumprem diversas funções psicológicas, dependendo do contexto. O anseio por prestígio social, seja para se sobressair aos demais ou para fortalecer a própria autoestima, figura entre os principais impulsionadores. E esse valor, que ela enfatizou, é determinado pelo ambiente cultural em que o indivíduo está inserido. Em alguns círculos, possuir uma bolsa de grife é apenas um reflexo natural da riqueza. Em outros, representa uma tentativa de ascensão, de se destacar do meio social em que vivem.

As redes sociais, claro, ampliam ainda mais essa dinâmica. Mariana afirmou que a comparação constante com os outros, impulsionada pelas redes sociais, intensifica o desejo por determinados itens. Ela acrescentou dizendo que as pessoas buscam estar à altura das imagens que veem na tela, e os itens de luxo são uma forma de alcançar isso. No entanto, ela também alertou para o perigo dessas compras impulsivas, pois quando o desejo por status ultrapassa o planejamento financeiro, o resultado geralmente é o arrependimento, acompanhado de uma sensação de perda de controle sobre a própria vida.

Essa constante exposição à desigualdade social intensifica o desejo de pertencer a uma classe social privilegiada. Para muitas pessoas, adquirir uma falsificação é a única forma de sentir que estão participando dessa narrativa de luxo e exclusividade, ainda que de maneira temporária. A psiquiatra explica que o item falsificado oferece uma ilusão de pertencimento, e mesmo sabendo que não é real, a pessoa se sente parte daquele mundo, ainda que por um momento. Esse sentimento é amplificado pela percepção de injustiça social, levando muitos a crer que, se não podem adquirir o item original, ao menos podem simular essa posse.

O que essas mulheres buscavam nas bolsas falsificadas não era o objeto em si, mas tudo o que ele representava. A sensação de carregar um item de luxo, mesmo que não fosse real, dava a elas a sensação de poder e pertencimento. E, nesse mundo de aparências, isso era o suficiente. A autenticidade do produto tornava-se secundária diante da necessidade de se sentir parte de algo maior, de projetar uma imagem que, na prática, não condizia com suas realidades.

 

O ‘’Grande Irmão’’ do Luxo: Vigilância na Era das Falsificações

No vórtice das redes sociais,  onde cada curtida se transforma em moeda e cada seguidor em um troféu, um perfil no Instagram emergiu como uma caçadora implacável. "The Fake Birkin Slayer" (@thefakebirkinslayer) tornou-se um oráculo em um mundo onde a busca pelo luxo não é apenas desejo, mas flerta com a obsessão. Sua missão principal é desmascarar as falsificações que se infiltram nos feeds dos usuários da rede, compartilhando nos stories o emoji que representa um par de olhos atentos. Não é apenas uma página de denúncias, mas um espelho implacável da ambição humana de conquistar o que está para além do alcance.

No epicentro desse turbilhão de desejos está a Birkin, a intocável criação da grife francesa Hermès. Muito além de ser uma simples bolsa, ela personifica um símbolo de status e poder, desejada tanto por fashionistas quanto por aqueles que almejam ingressar em um mundo que não os acolhe naturalmente, com a mesma intensidade de quem busca água em um deserto árido. Poucos têm o privilégio de atravessar as portas da exclusividade, e menos ainda conseguem segurar uma Birkin autêntica em suas mãos. Ela é a promessa de pertencimento a um círculo fechado, onde o luxo não é apenas um adorno, mas a própria identidade.

Mas como todo objeto de desejo, a Birkin tem seu lado sombrio. Na penumbra das transações secretas e nas esquinas mais discretas da internet, as imitações florescem como ervas daninhas. E "The Fake Birkin Slayer" está presente, assumindo o papel de uma justiceira digital, desmascarando com precisão quase cirúrgica os defeitos nas réplicas exibidas por aqueles que ousam postá-las. Cada nova publicação é uma sentença para quem ousou tentar enganar o olhar observador, uma exposição pública da farsa do luxo.

A Hermès, com sua produção controlada, faz de cada Birkin uma raridade. Não basta ter uma conta bancária cheia. É preciso ter acesso, influência e, sobretudo, paciência. A escassez faz o coração desejar mais, e essa falta é cuidadosamente mantida. A bolsa, que nunca está à espera nas prateleiras das boutiques, carrega consigo o peso de uma conquista — ou, para muitos, de uma frustração constante.

E é nesse limiar entre o desejo e a frustração que a falsificação encontra o terreno fértil. Para alguns, segurar uma imitação é o mais próximo que chegarão de sentir o toque do inalcançável. O brilho falso de uma Birkin não é apenas uma mentira para os outros, mas também uma ilusão auto infligida, uma tentativa desesperada de pertencer a um mundo de aparências que, no fundo, todos sabem ser efêmero. O conforto de segurar uma réplica, mesmo que por breves momentos, oferece um respiro na longa corrida pelo prestígio.

A caçada de "The Fake Birkin Slayer" revela algo maior do que apenas o desejo por autenticidade: escancara a era em que vivemos, onde o valor de um objeto não reside mais no que ele é, mas na história que ele conta. E, no palco das redes sociais, onde cada foto é uma performance encenada e cada postagem um ato de exibição, a autenticidade é a última fronteira. Quem possui o real, exerce o poder, mas, para muitos, sobra apenas a sombra do que poderia ter sido.

A Ética do Consumo e o Futuro do Luxo

Nos bastidores reluzentes do mercado de luxo, onde o brilho das vitrines oculta um submundo nebuloso, as falsificações surgem como sombras inquietantes, desafiando não apenas as marcas, mas também a moralidade de quem as consome. De um lado, há quem veja na compra de uma imitação a chance de tocar, ainda que de forma enganosa, o poder e a exclusividade que as grifes prometem. De outro, há uma realidade mais sombria: o impacto desse comércio clandestino na economia global e a exploração humana que muitas vezes alimenta esse ciclo.

Essas falsificações, frequentemente produzidas em fábricas clandestinas na China, onde a mão de obra escrava opera longe dos holofotes, trazem à tona uma questão ética ainda mais profunda. Ao comprar um produto falsificado, não se adquire apenas uma réplica de luxo; compactua-se, ainda que indiretamente, com a exploração de trabalhadores submetidos a condições desumanas, mal remunerados e forçados a produzir incessantemente para alimentar um mercado que prospera sobre suas costas. Nesse cenário, o glamour associado ao objeto de desejo torna-se, de certa forma, cúmplice de uma cadeia de injustiças.

Nesse contexto, o futuro do luxo parece caminhar sobre um terreno não muito fértil. As grandes etiquetas enfrentam não apenas o desafio de manter sua exclusividade, mas também a ameaça crescente das falsificações, que não só diluem sua imagem, mas também perpetuam a exploração da mão de obra barata. A questão agora não é mais apenas sobre como manter o controle sobre o mercado de luxo, mas sobre o que esse mercado significa num mundo onde o valor de um produto vai além de seu preço — está vinculado à ética de como é feito e por quem.

Enquanto isso, as consumidoras continuam a navegar entre o desejo de possuir o impossível e o dilema moral que surge ao considerar o verdadeiro preço de suas escolhas. A cada compra, consciente ou não, elas caminham por um território onde luxo e exploração se entrelaçam, onde o brilho de uma bolsa Hermès, Chanel ou Louis Vuitton pode estar manchado pelo suor de trabalhadores esquecidos, relegados ao anonimato. E assim, enquanto o mercado de falsificações prospera, o preço a ser pago — tanto financeiramente quanto eticamente — se torna mais difícil de ignorar.

O debate sobre as falsificações não é apenas sobre as réplicas em si, mas sobre o que estamos dispostos a sacrificar em nome do luxo. Não se trata apenas de quem pode ou não comprar o autêntico, mas de quem somos como consumidores, e de como nossas escolhas ressoam em uma cadeia global de produção onde o verdadeiro custo do desejo muitas vezes permanece invisível.

As bolsas de luxo, com todo o seu brilho e exclusividade, são muito mais do que simples acessórios. Elas carregam o peso simbólico de um mundo que valoriza a imagem sobre a substância, o ter sobre o ser. Cada peça é uma promessa de que se pode adentrar em um círculo restrito, onde o prestígio e o poder parecem estar ao alcance de quem as porta. Porém, seja autêntica ou falsificada, a verdade que essas bolsas revelam é a mesma: elas são objetos que tentam preencher um vazio que vai muito além do material.

Para alguns, possuir uma dessas bolsas é uma forma de validar sua personalidade em um mundo onde o sucesso é medido pelo que se exibe. Para outros, a imitação é a única maneira de participar dessa narrativa, ainda que apenas temporariamente. No entanto, seja no couro genuíno ou na réplica meticulosamente elaborada, a busca pelo pertencimento raramente encontra sua satisfação. A bolsa, por mais rara ou desejada que seja, não tem o poder de transformar quem a carrega. O luxo que ela promete é falacioso, efêmero, e deixa para trás apenas o eco de um desejo que nunca se apaga.

E assim, o ciclo continua. O fascínio pelo luxo persiste, alimentado pela fantasia de que, ao segurá-la, se pode finalmente tocar o inatingível. Mas, no fundo, o que as bolsas de luxo realmente oferecem é a mesma ilusão que o próprio mercado capitalista vende: uma busca interminável por algo que nenhum artefato, por mais exclusivo que seja, será capaz de entregar. Afinal, o verdadeiro valor nunca esteve no objeto, mas no fetiche que a mercadoria representa.

 

por
Victória da Silva
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06/06/2024 - 12h

 

Depois de tantas noites calorosas no mês de maio, o presente momento surpreendentemente registrava 17°C e obrigava as pessoas a tirarem seus casacos dos guarda-roupas. “A gente cuida mais dos outros do que da gente” frase dita por Larissa Helly Pinto Ramalho, que se declara manicure, pedicure, designer de unhas e que naquela noite fria atendia mais uma cliente. A fala emitida ecoou, esbravejou e virou escrita.

Nesses momentos, muitos se preocupam com a composição de looks e a paleta de cores que irão utilizar nessa nova temperatura em São Paulo. A vaidade é acompanhada da inquietação de se sentir bem e bonito, além da extrema valorização atribuída à própria aparência. 

Fator não muito importante para a mulher de 36 anos, que recebendo suas clientes na garagem da casa - naquele espaço construía uma esmalteria - não conseguiu tempo para compor o que iria vestir. Estava com um casaco colorido, chinelos, cabelos em um rabo de cavalo e sorria sem parar. O sorriso nesse momento era o acessório que disfarçava o cansaço do dia corrido.

Barulho de motos na rua, conversas sobre a vida e reclamações do tempo que mudou repentinamente ressoavam no espaço ainda em processo de montagem. A simplicidade e autenticidade da manicure se destaca ao ser apreciada minuciosamente. O seu perfil do Instagram havia sido hackeado alguns dias antes e a história é contada de maneira hilária, já que conseguiu retomar com a ajuda de uma vizinha.

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Foto: Victória da Silva

Presente na rotina de tantos paulistas e paulistanos em seus cortes de cabelo, diferentes maquiagens, cores de roupas e estilos variados, a estética e a beleza são áreas que recebem zelo constante, principalmente das mulheres que correspondem a 65% do número de consumidores desse mercado, de acordo com a revista Exame.

Para isso, existem os salões de beleza como o de Larissa que se tivesse as mesmas oportunidades também cuidaria de si. Nesse ponto, o cuidado consigo é privilégio. Faz somente as unhas de outros, às vezes sobra tempo para “passar um brilhinho” nas dela também, mas não vale a pena, o esmalte sai junto do que é tirado das mãos das clientes.

Tantas mulheres gostariam de um momento de cuidado consigo mesmas, mas não detém desse prazer. Contudo, o contraponto feito nesse cenário é justamente o desequilíbrio da pessoa que sempre embeleza não conseguir se embelezar. A injustiça de fazer tanto pelos outros e não olhar para quem está mais perto, ela mesma. A insatisfação de não ter os recursos e oportunidades que outras mulheres têm.

Apesar desse sentimento, Larissa Helly encontrou na profissão a realização da sua independência. A moça casou-se duas vezes. Na primeira dependia de seu marido para todos os gastos e compras, e não possuía uma renda própria, já na segunda (o atual casamento) decidiu nunca mais precisar do dinheiro do companheiro e esforçou-se em construir sua autonomia.

Sua trajetória foi muito mais dolorida do que os ‘bifes’ que, por vezes, arranca. Os primeiros serviços começaram com faxinas em casas de família, depois em empresas e por último em um hospital, no qual só conseguiu trabalhar durante duas semanas, pois sofre de bronquite asmática.

Almejando em seu coração a vontade de embelezar outras pessoas, Larissa decidiu se dedicar a alguns cursos de manicure e se especializar nessa área. Com dois certificados, trabalhou em shoppings já exercendo o sonhado ofício. Passando alguns anos decidiu empreender e criar o seu próprio estúdio.

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Uma pesquisa do SEBRAE-SP (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) comunica que o mercado de beleza tem sido um dos mais lucrativos e atrativos para as empreendedoras. “Tô indo aos poucos, né? Porque muita coisa precisa de dinheiro… pra ter um ambiente melhor, por exemplo, mas eu ‘tô’ conseguindo”, afirma Larissa, pretendendo decorar o salão com o seu jeitinho.

Suas afilhadas foram suas cobaias no começo da carreira. Quando a designer de unhas se depara com elas, brinca: “agora eu tô ‘craque’ no alongamento em… vem fazer vocês aí”. Interrompida por sua vizinha, aquela que ajudou a recuperar seu perfil no Instagram, Larissa ensina a como efetuar a montagem da unha. Talvez com ajuda, ela tenha a chance de desenvolver um autocuidado.

Larissa empenha-se na função para sustentar sua casa e ajudar nas economias. Trabalha para possibilitar uma vida melhor para sua filha Ana Clara de nove anos e seu filho Rafael de dezenove. Possibilidades. Não gosta de sua aparência. Sente vergonha de tirar fotos. Ainda assim, Larissa tem ou precisa ter o direito de se sentir bem consigo. Sonha como qualquer outra.

Seu desejo é cursar podologia, se graduar nesse curso e cuidar cada vez mais dos pés. Seus pés podem andar por lugares mais altos, podem correr velozmente, mas a vida é dura e incapacita diversas vezes. A desigualdade desgasta. Encravada na alma, somente um milagre pode mudar a realidade. 

“Minha ex-chefe ‘tá’ em Nova York, tenho vontade de conhecer lá” informa Larissa sem muita confiança, mas com a aspiração de realizar esse feito. São muitas as possibilidades e a força de vontade é grande. Em um mundo onde não enxergamos as pessoas, só o serviço delas e atribuímos valores utilitários aos indivíduos, a possibilidade de prosseguir com os sonhos segue nesse vão triste e vazio. 

Se fosse possível nomear um esmalte já não seria “Algodão Doce” , “Renda” ou muito menos “Rubi". Seria chamado “Possibilidades”. A manicure segue pintando as unhas, tirando as cutículas, lixando os pés e a possibilidade de mudança é manchada de uma desigualdade que nem a acetona é capaz de limpar.

por
Nathalia de Moura
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06/06/2024 - 12h

Estamos preparados para perder alguém próximo? Como pensar na vida sem aquela pessoa importante? O choque, a negação, a angústia, a saudade, a tristeza, o sofrimento… Tantos sentimentos pairam sobre o ser humano e muitos não sabem lidar com a falta de alguém que era muito importante. A dor, que nem sempre é só emocional, mas também física, assola pessoas de diversas idades. E isso também não importa, a faixa etária, o parentesco com a pessoa ou o último contato com ela. Todos têm sua fase do luto e cada um reage de uma forma.  

A pessoa enlutada pode ter cinco estágios durante esse processo: a negação, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação. Não necessariamente nessa ordem, cada indivíduo se vê nesse mar de sentimentos e alguns não sabem qual é o protagonista do momento. Mas eles sempre aparecem.  

Assim aconteceu com Diogo Amaral, de 20 anos, ao perder sua tia Natalia Nogueira Gusmão, há oito anos, para uma das doenças mais cruéis que existem: o câncer. Ele sabia que o estado dela era grave, mas sempre acreditou que ela ia se recuperar. “Minha ficha demorou pra cair. Quando recebi a notícia do meu pai, até falei ‘Para de brincar, pai’.” Ele não sabia, mas já estava no estágio da negação.  

Quando toca no assunto, Diogo fica mais reflexivo. Olhando para um ponto fixo, ele relembra os momentos em que eles passavam juntos, de como ela o apoiava na carreira futebolística e do quanto seria importante para ele que ela visse suas conquistas. “Era uma pessoa que me ajudava demais. Me ajudava para que eu desse passos maiores na minha vida. Era uma pessoa que eu queria muito que tivesse próxima para ver que eu joguei duas Copinhas [Copa São Paulo de Futebol] e participar desses momentos.”, afirma.  

Seus olhos brilham contando como sua família é unida e ao relembrar dos momentos alegres com sua tia, das conversas entre eles, ao dizer que ela foi a pessoa que o ensinou a mostrar o dedo do meio pela primeira vez e ao falar das brincadeiras entre os dois, ele sorriu, inclusive com os olhos. Mesmo sendo um assunto que ele pouco fala, pois entende que foi sua maior perda, ele está mais conformado hoje em dia. Após um suspiro fundo, ele relata que o período mais difícil desse processo foi a aceitação. Cair a ficha de que alguém que ele amava não estaria mais no seu dia a dia dando carinho, não participaria mais da sua vida e que ainda tinha muito para viver e se foi muito cedo, o machucou por muito tempo. “Foi um choque de realidade. Pra mim foi complicado lidar com esse momento, porque é um momento muito dolorido, de muita dor, tanto na saúde mental quanto na física”, completa Diogo.  

Assim como ele não estava preparado para perder sua tia, mesmo sabendo que o caso dela era delicado, cerca de 48,6% dos brasileiros não estão prontos para lidar com a morte de outra pessoa, segundo pesquisa realizada pelo Studio Ideias e encomendada pelo Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil (Sincep), em 2018. Os dados mostram também que 30,4% não sabem como ou com quem falar sobre morte. E isso mostra como o tema é um tabu em nossa sociedade. Apenas 21% dos jovens discutem o tema e o assunto não fica muito mais recorrente ao longo da vida. Dos brasileiros com mais de 55 anos, apenas 32,5% conversam sobre a morte. Entre as mulheres, o tema é ligeiramente mais recorrente: 29,3%.  

Já que as mulheres falam um pouco mais que os homens sobre o tema, Orciça Gomes Barbalho e Bruna Oliveira - mãe e filha - relataram seu período de luto e como foi o processo ao perderem, em 2019, Argemiro Dias de Oliveira, seu esposo e seu pai, que faleceu de infarto.  

Foi um período muito difícil para toda a família. Bruna sempre foi muito próxima de seus irmãos por parte de mãe, da sua mãe e principalmente do seu pai. Ela se alegrava muito e seus olhos brilhavam ao lembrar da época em que eles se falavam todos os dias e mesmo ela já sendo adulta, seu Argemiro fazia questão de saber se ela tinha almoçado no trabalho, se ela estava bem, se tinha chegado bem em casa etc. Ela conta que foi um choque enorme e que o sentimento de perda de um ente querido é inexplicável, mas confessa que não demorou tanto para que a ficha caísse. O estágio da aceitação não demorou a chegar. “Mesmo sendo algo muito difícil, já estava de alguma forma me preparando por conta da idade do meu pai e a ordem natural das coisas”.   

Para ela, os primeiros três meses foram mais difíceis, pois sentia falta, lembrava dele a todo momento e até sua rotina mudou. Mas consegue analisar e perceber que seu psicológico se tornou mais estruturado com toda a situação, pois esteve tratando de todas as questões burocráticas do pós e isso a deixou mais firme emocionalmente do que abalada pelo processo. Ela fala com entusiasmo sobre sua família e completa: “passei a ter uma visão de aproveitar o máximo dos momentos com as pessoas, de cuidar, de não me deixar abalar pelas coisas da vida e dar prioridade para a família”. 

Na pesquisa do Sincep, 17% dos entrevistados declararam não gostar de deixar transparecer seus sentimentos. Bruna conta, de certa forma aliviada, que não se enquadra nesse número, pois não tem problemas em falar sobre, mas sempre se mantinha forte por sua mãe e se permitia chorar nos momentos mais reservados para que não abalasse mais dona Orciça.  

Hoje, com 36 anos, ela conta entusiasmada que o espiritismo a ajudou a entender e acolher o próximo após essa perda. “Acredito que estamos nessa vida só de passagem e que um dia iremos encontrar nossos entes queridos em outro plano. Por conta da religião, sinto que sou mentorada e guiada pelo espírito do meu pai e sempre que preciso, ou recebo uma mensagem de acalento ou tenho sonhos onde vejo que ele está muito feliz e sereno e isso acalma o meu coração!”, ela afirma. Bruna reconhece que o processo foi bem mais difícil para sua mãe, que ainda tem “sequelas” da perda de seu marido.  

Dona Orciça é mãe de quatro filhos: um homem e duas mulheres do seu primeiro casamento e Bruna do seu segundo matrimônio, com Argemiro. Sempre batalhou por eles e corria atrás de suas coisas. Foi um baque muito forte perder aquele que compartilhava a vida com ela por cerca de 40 anos. Ela relata, com a voz embargada, que foi em seus braços que seu marido deu seu último suspiro. Ela ficou desesperada, pediu ajuda dos vizinhos, que prontamente chamaram os bombeiros, mas nada mais poderia ser feito. No velório e no enterro, ela fala que estava extremamente triste, mas não demonstrava isso. Dias depois, ela chorava muito, pois o sentimento de saudade da sua companhia diária apareceu. Seus sentimentos já estavam aflorados e os estágios do luto estavam se manifestando. O sentimento de solidão estava presente, mesmo que seus filhos, netos e amigos prestassem apoio a ela. “Eu sentia muita falta dele, pois era quem eu convivia todos os dias”.  

Dona Orciça começou a apresentar ansiedade, que piorou quando seu irmão faleceu um mês depois de seu marido. Tudo isso auxiliou para que o luto não cessasse e sim tivesse mais um motivo para se mostrar presente. “Senti muito quando meu irmão faleceu. Ele estava debilitado, mas não estamos prontos para perder alguém”, ela afirma.  

Após esse acontecimento, um efeito dominó surgiu na vida dela. A ansiedade afetava o refluxo, que causava acidez no estômago, não permitindo ela de ter boas noites de sono, vários episódios de insônia, dores pelo corpo e as preocupações diárias. Idas aos médicos são constantes, pois com a idade, ela precisa ter esse acompanhamento. Mas ela fala com bom humor: “tenho vontade de parar de ir ao médico, porque parece que sempre tem algo diferente e não resolve”, diz ela rindo. Prestes a completar 77 anos, ela transparece estar um pouco mais conformada com a perda, mas também reconhece que isso afetou seu psicológico e consequentemente, seu físico. Se lamenta por “dar trabalho” aos filhos e netos que a acompanham nas consultas, mas agradece por isso. Em maio de 2024, teve outro baque: mais um irmão veio a falecer. Dessa vez, ela parecia estar aceitando mais a perda se compararmos com as anteriores. Mas dias depois, seu corpo deu sinais de que havia mexido com ela. Tontura, mal-estar, enjoo, um compilado de sintomas que podem sim estar atrelados com o ocorrido. “Acho que com a perda do meu outro irmão e eu ter comido algo que não fez bem, ajudou a causar esse mal-estar”.  

Dona Orciça sempre foi uma mulher de fé. Assiste às missas, vai à igreja e também acompanha sua filha Bruna em centros de Umbanda, reconhecendo que isso a faz bem também e a ajudou em alguns momentos. “Gosto de tomar um passe e conversar com os guias, sinto que preciso”, ela afirma. 

É possível ver que o luto se manifesta nas pessoas e cada uma lida com ele de uma forma. Cada indivíduo tem seu tempo e sua forma de passar pelo processo. Tudo depende da situação. Segundo a pesquisa de 2018, cerca de 82,4% dos brasileiros acham que não tem nada mais sofrido que a dor da perda de alguém. Isso nos faz refletir a frase que muitos falam na hora de prestar condolências ao outro: “não consigo imaginar a dor que você está sentindo”. E a realidade é essa, não sabemos o quão dolorido está sendo para aquela pessoa, pois cada um tem sua experiência. Além disso, fazer com que o assunto seja mais frequente em nossa sociedade pode ajudar para que mais pessoas estejam preparadas para esse momento que é certo em nossas vidas ou até saber como agir nessa ocasião, já que 73% dos brasileiros acham tabu falar sobre a morte. Tornando esse tipo de conversa mais comum, as pessoas irão ver que está tudo bem não estar bem, está tudo bem ter saudade, chorar, pois não é fácil esquecer alguém que marcou nossa trajetória.  

 

Esta matéria foi produzida como parte integrante das Atividades Extensionistas do curso de Jornalismo da PUC-SP. 

Por que vemos nas redes socias que a geração atual anda tentando recriar a estética presente no início de 2010 no Tumblr?
por
Liz Ortiz Fratucci
|
04/06/2024 - 12h

 

lr, plataforma de blogging que permite aos usuários publicarem textos, imagens, vídeo, links, citações, e áudio, alcança sua maior popularidade. Lá era o lugar onde adolescentes que se sentiam diferentes dos demais, costumavam ir para se conectar com outros jovens passando por problemas parecidos. , links, citações, e áudio, alcança sua maior popularidade. Lá era o lugar onde adolescentes que se sentiam diferentes dos demais, costumavam ir para se conectar com outros jovens passando por problemas parecidos.  

 Jaquetas jeans, calças pretas “skinny” rasgadas e camisetas de bandas, eram o uniforme dos jovens presentes no Tumblr. O modelo e influenciador digital, Lucas Pegoraro, também conhecido pelo seu nome de usuário nas redes @sugarrluck, revela que o Tumblr aflorou sua criatividade na hora de se vestir e impactou demais sua relação com a moda. As meninas, também usavam coroas de flores, minissaias xadrez e podiam ser encontradas em suas mãos letras de músicas tristes de artistas influentes na rede, como: Artic Monkeys, Lana Del Rey, Marina and the Diamonds, The XX, Lorde, The 1975 e Sky Ferreira. O gênero musical indie pop, teve grande influência no estilo dos adolescentes presentes no Tumblr e na estética soft grunge – mais do que uma estética visual e sonora – influenciava jovens a falarem abertamente de maneira melancólica sobre sua depressão e seus pensamentos suicidas. 

 Os usuários costumavam a publicar letras de músicas, imagens e até relatos sobre suas vidas que faziam uma certa romantização do transtorno depressivo. O Tumblr era obcecado pela estética da “garota triste”, consiste em jovens mulheres deprimidas ou à beira da loucura, que possuem comportamentos autodestrutivos – faziam uso de drogas, álcool e cigarros. Ela também está presente no mundo musical. Em 2014, a cantora Lana Del Rey, lançou seu terceiro álbum de estúdio chamado “Ultraviolence”, presente nesse álbum estava a canção “Sad Girl”, que como a cantora colocou em entrevista para a Genius “a faixa é sobre ainda ser uma garota triste, que há coisas que estão fora de seu controle e também é sobre ela fazer coisas que quer, ao invés do que deveria fazer”. Lana, que ganhou popularidade graças ao Tumblr em 2012, é uma artista que transforma suas tristezas em músicas, que acabam ressoando com muitas pessoas, especialmente com essas jovens. Ela canta como se a depressão fosse algo que ela aproveitasse de alguma forma. O que influencia meninas, para o bem ou mal, a reformular como elas veem a depressão, vendo como algo que não é debilitante e sim algo artístico ou necessário.  

 Até hoje, podemos ver essa estética presente no estilo e comportamento de jovens mulheres e recém adultas. Em 2023, usuários da rede social TikTok, criaram o termo “bed rotting”, algo que muitos costumavam chamar de procrastinação, foi batizada pela geração Z como “apodrecimento na cama”, que consiste em ficar horas após acordar, deitado na cama mexendo no celular, ouvindo música, vendo filmes ou até lendo. Esse comportamento pode piorar sintomas de ansiedade e depressão e a “garota triste” - ainda presente nos dias atuais- tem também esse tempo para ficar deitada na cama não fazendo nada de produtivo. O conceito da “garota triste”, não é novo. Ao longo da história e da literatura, já foi muito explorado por autores como Shakespeare, Sylvia Plath e Virginia Wolf.Del_rey_popular                                                           Lana Del Rey posa em frente a bandeira dos Estados Unidos (Foto: Getty Images) 

 A escritora Pip Finkemeyer, escreveu um artigo para a Harper´s Baazar, com o título que faz analogia a música “Sad Girl” da Lana Del Rey, “Garotas tristes, garotas loucas, garotas más: A evolução da tropa literária”, no qual ela discorre sobre o ganho de popularidade de livros com protagonistas femininas depressivas e problemáticas. Ela diz que essa personagem é geralmente branca, privilegiada – para que ela tenha tempo de “apodrecer na cama” - e pertence a geração millenium – que foi a geração mais presente durante o pico do Tumblr. Nesse artigo, ela diz a frase “A internet está cheia de pessoas expressando ou performando uma tristeza, não literal, mas sim uma estética dela, para ser trocada por simpatia e identificação”. No Tumblr, foi popularizado por essas comunidades, o compartilhamento de sintomas psicológicos, diagnósticos e a exposição de familiares e amigos que queriam ajudar essas pessoas a melhorar mentalmente, eles que ninguém mais os entendia, então, muitas pessoas que não possuem depressão mas são extremamente impressionáveis, ao serem expostas a esse tipo postagens de pessoas romantizando transtornos mentais, elas podem sentir que para ser interessantes elas precisam ter algum tipo de transtorno mental, já que todos estavam se conectando pelos seus problemas. Além de pessoas que sofriam de problemas psicológicos, poderiam sentir que a depressão era o que tornava elas interessantes.  

 O influencer Lucas Pegoraro, diz que já caiu em perfis de jovens meninas que praticavam automutilação e compartilhando mensagens negativas. “Era uma coisa muito glamourizada, uma coisa maluca!” diz. Ele sentia que pela quantidade que ele consumia daquelas postagens, aquilo começaram a afetá-lo. “Ser triste era um glamour”. Hoje, Lucas nos diz que olha para isso e vê a problemática. 

 

 

A volta do Tumblr 

 Hoje, uma das redes sociais mais usadas pelos jovens é o TikTok, onde são compartilhados vídeos curtos. O aplicativo tem tanta influência na geração atual, que chega a popularizam as tendências de moda e comportamento. Nessa rede, a hashtag “2014 Tumblr”, tem mais de 126 milhões de visualizações, provando que a fascinação por essa era está crescendo novamente, mas por quê?  

 A nostalgia é um sentimento melancólico que aparece quando relembramos experiencias passadas que nos são significativas. Quando passamos por grandes mudanças na vida, sentimentos de tristeza tendem a ser gerados ao lembrar-se de quando tudo era mais simples e com menos desafios. Então, esse sentimento de nostalgia se apresenta quando queremos de volta o período das nossas vidas em que tínhamos menos preocupações, suporte emocional e que a diversão ainda era inocente. Existe um fenômeno psicológico chamado de viés de efeito de desvanecimento, em inglês chamado de “Fading Affect Bias” (FAB), que consiste em nosso cérebro enxergar as memórias adquiridas ao longo da nossa trajetória com um filtro e escolhermos o que guardar de determinadas experiências, isso acontece por conta do fardo de termos de carregar nosso passado conosco, mesmo ele possuindo eventos tristes e doloridos, e isso seria insuportável se essas memórias doessem tanto quanto a experiência em si.  

Existia uma teoria de que tendências de moda costumam voltar após de 10 anos de seu pico, o que costumava acontecer a cada 20 anos e de acordo com a WGSN, autoridade em previsões de tendências, de que devido ao consumo da sociedade andar tão acelerado, isso está inclinado a diminuir cada vez mais. Essa teoria é comprovada ao abrir o Instagram e se deparar com uma postagem da cantora e uma das maiores influenciadoras do TikTok, Addison Rae, segurando um IPhone 5 – celular de desejo no início da década passada -  em frente ao espelho e aplicado um efeito muito popular durante os primeiros anos da criação da rede.Imagem                                                       Influenciadora Addison Rae em frente ao espelho com seu novo Iphone 5 (Foto: Addison Rae/Instagram) 

  “Eu super estou voltando a consumir esse conteúdo, inclusive até entro no Tumblr para pegar umas referências, também para fugir um pouco dessa bolha da internet que está tudo a mesma e nada muda” diz o influenciador Lucas Pegoraro a respeito da reascensão da estética presente na rede social. 

 Toda essa comoção da Geração Z mais velha e dos Millenials mais novos, se torna uma espécie de paradoxo curioso: apesar da volta da estética associada ao Tumblr, a rede em si não teve o crescimento correspondente, talvez por conta da sua interface não ser tão dinâmica e sua funcionalidade não ter avançado ao longo dos anos. A plataforma teve uma decaída significativa de usuários em 2018, 84 milhões de usuários foram perdidos após a implementação de uma política rigorosa de conteúdo adulto, fazendo com que esses que estavam lá por conta do conteúdo livre e variado, migrassem para novas redes. 

 De qualquer forma, as tendências dissipadas no TikTok duram pouco e aparecem novas delas todos os dias. Então, tudo leva a acreditar que essa é só mais uma, passageira como as outras. 

 

Coletivo Da Ponte Pra Cá e centros acadêmicos divulgam repúdio a mensagens de ódio disseminadas no perfil "Spotted PUC-SP", no Instagram
por
João Curi
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11/04/2024 - 12h

Quem paga a conta? Essa parece ser a pergunta-chave que abriu portas demais no principal campus da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em Perdizes. Desde as reivindicações por direitos a uma refeição gratuita no refeitório até o desconforto de apresentar, periodicamente, um grande volume de documentação para comprovar a baixa renda, estudantes bolsistas são alvo de posicionamentos agressivos de alguns estudantes.


Nos últimos anos, centros acadêmicos têm se preocupado mais com a condição social de estudantes contemplados por bolsas, sejam de natureza filantrópica (fomentada pela FUNDASP) ou por programas governamentais. Isso se dá pelo aumento de denúncias e reclamações desse mesmo público quanto ao tratamento recebido por outros estudantes (qualificados como “pagantes”), tanto presencialmente quanto online.


Segundo relatos, houve episódios de discriminação socioeconômica, conhecida como aporofobia, que tem confrontado a permanência de estudantes bolsistas na universidade. Embora não exista um coletivo com esta finalidade, nos últimos anos, o perfil de Instagram “Spotted PUC-SP” (@spottedpucsp) veiculou publicações que trouxeram à tona uma série de movimentos considerados elitistas, como a contestação do direito ao posicionamento de estudantes "não-pagantes" sobre decisões estruturais do campus.


A página, inclusive, já foi investigada, em setembro do ano passado, pelo jornal laboratorial da PUC-SP, o Contraponto, que trouxe à tona os ideais políticos do perfil desde seu surgimento até as recentes manifestações em favor de campanhas eleitorais de centros acadêmicos. Este ano, porém, a principal campanha defendida pela conta originalmente dedicada à paquera é a implementação de catracas no campus Perdizes.


Ainda que a discussão tenha se aquecido nas redes sociais, a pauta foi reclamada para debate entre as entidades competentes à decisão: a mantenedora FUNDASP, a Reitoria, coletivos estudantis e centros acadêmicos da PUC-SP. Mesmo assim, os esforços da página em reacender essa suposta reivindicação deram abertura, na verdade, a uma enxurrada de comentários ofensivos e caluniosos direcionados aos estudantes bolsistas.


Em consequência, entidades acadêmicas, lideradas pelo coletivo Da Ponte Pra Cá - Frente Organizada de Bolsistas, organizaram-se para apresentar materiais de denúncia e repúdio aos atos discriminatórios observados dentro e fora do campus. Na última terça-feira (9), 28 entidades acadêmicas e administrativas ligadas à universidade assinaram uma publicação conjunta de um vídeo-denúncia, acompanhado de um documento completo reunindo imagens comprobatórias e exigências à mantenedora, FUNDASP, por medidas efetivas em prol dos bolsistas.


Diante disso, o Centro Acadêmico Benevides Paixão, o Benê, trouxe a pauta à tona como uma de suas prioridades de gestão. "A situação é grave e requer cuidado e vigilância. Estamos em constante contato com o nosso corpo docente, coordenação e direção para tomarmos todas as ações possíveis", declara a entidade acadêmica, em nota exclusiva à AGEMT.


O dossiê acusa, principalmente, o Spotted PUC-SP por disseminar casos de roubo e demais ocorrências ligadas à criminalidade de forma irresponsável e suposta motivação política por detrás. De acordo com o texto, “o que fica sempre evidenciado é que aqueles que são relatados como suspeitos dessas atividades são sempre pessoas negras, reforçando novamente o estereótipo racista que permeia nossa sociedade, que associa criminalidade e violência a uma raça/cor”, aponta o documento.


Não obstante, a garantia do sigilo também deu vazão a um fluxo de informações desprovidas de checagem dos fatos ou comprovação da verdade em torno dos casos relatados, “muitas vezes de caráter aporofóbico e racista, causando, sem fundamento, um pânico generalizado na comunidade estudantil”, descreve o texto. Nessa direção, a página se tornou um dos principais hospedeiros de manifestações consideradas elitistas, segundo as denúncias coletadas.

 
Quando o alarme soa, dada a notoriedade de algumas discussões acaloradas pela dualidade de posicionamentos nos comentários, é comum que as publicações sejam removidas do perfil. Ainda assim, de acordo com os apontamentos da denúncia endossada pelo coletivo Da Ponte Pra Cá nas redes sociais, o movimento de cunho discriminatório se fez presente também em outros meios, como em grupos do aplicativo de mensagens Whatsapp.

 

''Não podemos ignorar a realidade de negligência e discriminação das demandas e das necessidades das pessoas pobres em uma universidade elitizada", declara o coletivo Da Ponte Pra Cá, em nota exclusiva à AGEMT. "A denúncia produzida e a mobilização dos estudantes bolsistas torna-se urgente e extremamente necessária diante de um cenário de descaso, como o da PUC-SP".

 

Afinal, quem paga a conta? Desde a segunda-feira, 15, até o momento de publicação desta reportagem, o perfil do Spotted PUC-SP está desativado. A AGEMT tentou contato com o administrador da conta, mas não teve retorno.

 

Nota da PUC-SP

A PUC-SP, na sua prática cotidiana, não compactua com discriminação de qualquer tipo. Essa questão figura no Estatuto e no Código de Ética da Universidade, que toda comunidade deve seguir.

A Instituição entende que qualquer pessoa que for testemunha ou alvo de um ato de discriminação deve procurar as autoridades competentes.

Afirmamos que a PUC-SP não tem nenhuma responsabilidade sobre o perfil privado e anônimo do Instagram @spottedpucsp.     

Assessoria de Comunicação Institucional (ACI)

Os frequentadores tem compromisso com o evento todas as semanas, onde paqueram e dançam
por
Bianca Athaide
Helena Cardoso
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21/11/2023 - 12h

Nos últimos cinco meses, a rotina de Tomaz Nobre às terças, quintas e sábados é a mesma: organizar e supervisionar o Baile da Terceira Idade, no Parque da Água Branca, localizado no bairro da Barra Funda, em São Paulo. Como coordenador do Instituto da Melhor Idade, – entidade que organiza os bailes semanalmente, mas também desenvolve outras atividades e cursos com os idosos – ele é o principal responsável por estruturar práticas que visam o bem-estar e procuram melhorar a qualidade de vida de pessoas acima dos 50 anos.

Os bailes da melhor idade no parque são bem conhecidos pela população, que sabe que o evento acontece de forma regrada à 20 anos. Cerca de 400 a 500 pessoas frequentam durante a semana, e mais de 800 nos finais de semana — que tem música ao vivo. Os homens, só podem entrar de calça social. As mulheres, estão bem arrumadas, com um vestido ou saia.

 

 

Os dois salões do galpão ficam lotados de casais dançando, alguns já formados antes e outros que se conheceram lá, além dos dançarinos solitários. Ao redor da pista, vários idosos ficam sentados. Talvez tímidos demais ou aguardando o convite de alguém. Do lado de fora cria-se uma atmosfera que chama a atenção dos que passam: pessoas abarrotadas observam o movimento lá de dentro com os rostos grudados nas grades das janelas. A banda toca um pouco de tudo: sertanejo, forró, samba, valsa e bolero são os ritmos favoritos do público animado, com dança da bandeirinha e um trenzinho das mulheres solteiras.

Atarefado, o coordenador anda de um lado para o outro durante todo o baile, com a missão de no final da tarde, ter entregado um bom resultado, com o desejo de manter o elevado patamar que o evento pede, visando o maior aproveitamento dos idosos: "A gente tem um público bem amplo para agradar. E exigente viu?" Tomaz brinca. 

O som dos alto falantes além de ecoar por grande parte das extremidades do parque, sendo possível ouvir de longe, evidencia que animação e vontade de viver não é algo característico apenas dos jovens.  Maria Ivone, de 65 anos, fica surpresa ao olhar pelo lado de fora: "É cheio! Eu não gosto de entrar não. Fico aqui do lado de fora balançando. Mas acho tão legal! Senhorinhas bem de mais idade, dançando! Bem melhor do que ficar numa cama de hospital, não é? Eu acho.", ela valoriza a organização do evento. 

baile ag branca
Idosos se divertem e tem mais qualidade de vida quando vão aos bailes - Foto: UOL [Creative Commons]

O baile também é o responsável pela formação de alguns casais. Um deles, Borges e Ana Mary, estão juntos há um ano e seis meses, graças ao evento semanal. "De uma forma descabida né? Porque a gente nunca espera, quando entra no ambiente, você não está esperando nada. De repente você senta no local e a pessoa dançando fica de olho em você. E assim estamos juntos até hoje, dançando.", conta o aposentado de 77 anos, embaixo da sombra das árvores que recobrem todo o parque e trazem um sentimento bucólico de cidade do interior para o meio da Avenida Matarazzo. 

O local de realização dos bailes são os antigos casarões de paredes amarelas e grandes portas de madeira característicos da São Paulo dos anos 1930. Hoje em dia, balançam com toda animação e juventude de uma geração que reinventa o conceito sobre novas chances de amar na terceira idade: "Aconteceu na minha idade, agora, aconteceu que a gente se conheceu e estamos nos amando muito.", exalta Ana Mary, no auge dos seus 85 anos esboçando um olhar com brilho jovial e carismático por trás de seus óculos de grau de lentes amareladas. 

Desvendando o preconceito contra gatos pretos, abordando questões sobre adoção responsável e a necessidade de enfrentar crenças infundadas.
por
Nicole Keller Lekitsch
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16/11/2023 - 12h

Os gatos pretos, muitas vezes, são vítimas de superstições e preconceitos que remontam a tempos antigos. Associados a crenças populares e mitos, esses felinos muitas vezes enfrentam discriminação baseada em superstição e ignorância.

No Egito, esses felinos eram tratados como divindades, mas com a ascensão do cristianismo na Europa, houve uma mudança de perspectiva. Símbolos pagãos, não associados ao Deus cristão, começaram a ser vistos de forma pejorativa e desfavorável por muitas pessoas.

Ao longo dos séculos, difundiu-se a crença de que gatos pretos eram manifestações de espíritos malignos, considerados amaldiçoados. Essa associação com a bruxaria resultou na estigmatização desses animais, sendo vistos como sinônimo de má sorte.

Infelizmente, o preconceito contra esses bichinhos reflete nas taxas de adoção. Lares e abrigos de adoção de animais relatam que os gatos pretos têm mais dificuldade em encontrar lares, em comparação aos seus colegas de pelagem mais clara.

Segundo dados da ONG brasileira Catland, dedicada ao resgate e adoção de gatos, aproximadamente 60% dos 300 animais a espera de um lar possuem pelos de tonalidade mais escura.

gato preto deitado

Diversas organizações e defensores dos direitos dos animais têm incentivado o lançamento de campanhas ao combate do estigma associado a esses felinos pretos, visando educar o público sobre a origem infundada dessas superstições, a fim de promover a aceitação de todos os gatos, independentemente de sua cor.

campanha dia mundial da conscientização pelo gato preto

Dia da Conscientização pelo gato preto. —Foto: Portal de educação Ambiental.

De acordo com uma entrevista dada ao G1, o Jornalista André Luis Rosa adotou recentemente o Simba, um gatinho preto, cheio de energia.

“Quando fui escolher o Simba, tinham inclusive outros gatinhos, brancos e rajados por exemplo. Só que o primeiro que saiu da caixinha foi ele e olhou com essa carinha e me apaixonei. A cor é o de menos, o que importa é o amor que ele dá”, conta.

Para ele, gato preto não dá azar, muito pelo contrário. “A única preocupação que dá, é essa unha dele, de arranhar uma roupa minha, um terno, uma blusa, enfim. Mas azar ele não dá não”, reforça o jornalista.

Jornalista André Luis com o seu gato preto

Amigo Pet: entenda a origem do preconceito contra gatos pretos e importância da adoção desses felinos. — Foto: Reprodução/TV Vanguarda

O estigma em relação aos gatos pretos persiste, fundamentado em tradições e mitos que atravessam o tempo. No entanto, podemos desafiar essas percepções arraigadas ao cultivar a compreensão e incentivar a adoção responsável. Reconhecer a singularidade de cada gato, independentemente da cor de sua pelagem, possibilita a construção de uma sociedade mais empática e justa para esses seres incríveis. A responsabilidade recai sobre cada um de nós para questionar e confrontar esses preconceitos, abrindo nossos corações e lares aos gatos pretos, contribuindo assim para quebrar o ciclo de discriminação.

ONG Alerta para rituais envolvendo gatos pretos em sextas feiras 13. — Vídeo: Youtube Diário do Litoral.