Movimento nas lojas aumentam conforme as épocas temáticas do ano vão chegando
por
Nathalia de Moura
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24/10/2025 - 12h

Por Nathalia de Moura

 

Entre o vai e vem e o sobe e desce das pessoas, a 25 de Março é o centro das vendas, principalmente em épocas como Carnaval, Natal e Halloween. Cores, brilhos, formas, luzes, ocupam as fachadas das lojas fazendo cada cliente lembrar que as bruxas chegam em 31 de outubro, o Papai Noel dará o ar da graça em 25 de dezembro e o Carnaval em breve tomará conta das ruas do País. 

A correria para atender o cliente que precisa de uma abóbora laranja e gigante, a atenção para cortar o tecido para a roupa do velhinho do Polo Norte ou até mesmo separar as lantejoulas para a confecção da fantasia faz parte do dia a dia das vendedoras do centro de São Paulo. Marlene tem 53 anos e veio atrás dos sonhos na capital paulista aos 16. Hoje fala com muito carinho no orgulho em fazer parte desses momentos. Com um sorriso, mas a voz embargada e os olhos marejados, relembra a dificuldade de se iniciar nesse mundo dos produtos de aviamentos e sazonais. Sempre sonhou em ter o que possui hoje, e mesmo com tantos patrões desacreditando de seu potencial, conseguiu ir atrás daquilo que a motivava: a arte do artesanato.

Os produtos chegam na loja e dali, são transformados em grandes realizações. Ela conta que nada é mais gratificante do que poder ajudar alguém que nem sabia o que estava procurando e encontra ali no seu estabelecimento. Na correria dos dias, as horas passam, a agitação aumenta, o fluxo cresce. Cada cliente fica um tempo observando aquele ambiente repleto de oportunidades. Oportunidade de fazer algo diferente do ano anterior, a chance de colocar uma cor diferente na decoração, de enfeitar a casa com pisca-pisca ou até fazer a festa temática do dia das bruxas que não aconteceu antes.

Na salinha apertada, rodeada de papelada importante e também do quadro estampando a foto da sua família, Marlene contava que proporcionar produtos de qualidade aos clientes a transforma. Pode ser que o Papai Noel não seja vendido hoje, que a abóbora gigante ainda passe despercebida ou o letreiro de “Feliz Natal” não seja usado, mas ela segue acreditando que cada fio, botão ou glitter pode ser utilizado em outros momentos justamente para não ser desperdiçado.

Ao andar pelas lojas, percebemos os olhares atentos nas promoções, o barulho dos comentários ao ver uma peça exposta ou as perguntas em relação aos preços. Para lá ou para cá, a multidão toma conta dos ambientes. Mesmo antes dos dias de comemoração, as pessoas fazem questão de irem em busca do que procuram o quanto antes. Mas sempre tem os que preferem comprar aos 45 minutos do segundo tempo. Na pressa para conseguir atender todos os clientes, Elen, funcionária que enfrenta todas as épocas corridas de venda do ano, fala que em alguns momentos, não consegue dar a atenção que as pessoas merecem. Seu olhar acompanhava a chegada e a saída dos clientes na loja. A atenção é máxima em um lugar que a exige a todo tempo.

No meio das linhas, botões e tecidos, a cearense de sotaque presente e forte expressa que nem imagina as diversas possibilidades que podem sair dali na sacola de cada pessoa. Uma linha pode se tornar mais de uma peça no Carnaval do Sambódromo do Anhembi ou nos bloquinhos pela cidade. E quando ela pensa nisso, os olhos até brilham em saber que, de alguma forma, fez parte daquilo.

A oferta e a demanda não param, assim como a agitação que só o ambiente da mais conhecida rua de comércio paulistana é capaz de proporcionar. Pelas ruas da 25 de março andam jovens, idosos, mulheres e homens carregando pequenas sacolas ou grandes volumes de mercadorias. De um lado o consumidor, do outro o vendedor. Ambos sabem que precisam um do outro, principalmente nessas épocas agitadas do comércio. Para Marlene, inspirar pessoas com seu empreendimento é motivo de orgulho. Em meio aos elogios que sua loja recebe, ela sempre sai com o sentimento de missão cumprida ao ver seus clientes com as sacolas recheadas de produtos que farão a diferença em épocas que se tornam especiais nas particularidades de cada um.

Lugares que focavam em atividades de lazer e contemplação da natureza estão sendo transformados em shoppings a céu aberto
por
Victória da Silva
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31/10/2025 - 12h

Por Victória da Silva

 

Na Zona Sul da capital paulista, o Parque Ibirapuera é bastante frequentado por pessoas que não se restringem a residentes da cidade. Miriam Santos, sorridente e carismática, frequenta regularmente o local em períodos de descanso e, acompanhada por Andre Bressa, sente as mudanças causadas pela iniciativa privada que invade o espaço público e o torna um tanto quanto diferente do habitual. Miriam trabalhou durante 48 anos na mesma empresa e agora, aposentada, encontra no parque um refúgio no meio da selva de pedra, diz que o lugar já não é mais para todos os tipos de pessoas. Atualmente, com a grande quantidade de carrinhos de sorvetes sofisticados e o aumento do preço de lanches, ela mostra a mochila que Andre carrega com bolsas térmicas cheias de garrafas de água e alimentos para quando necessário. Bressa, que é pintor e trabalha em feiras livres, demonstra certa curiosidade sobre a quantidade de propagandas e publicidades que estão sendo distribuídas por todo o parque após a concessão. Ele atenta para um anúncio da tinta Suvinil, algo nunca visto antes em anos de visita ao local.

O Parque Ibirapuera não foi privatizado, já que sua propriedade continua sendo do município, mas foi concedido à iniciativa privada em 2020 para a concessionária Urbia, que vai comandá-lo durante os próximos 30 anos. Não só o Ibirapuera, mas os parques Villa-Lobos e Cândido Portinari também estão sob concessão, lidando com as mudanças. Há também projetos de concessão para outras regiões, principalmente na Zona Leste, no Parque Ecológico do Tietê, Parque Vila Jacuí e Parque Maria Cristina Hellmeister de Abreu.

No Parque da Água Branca, localizado em Perdizes, Andre relembra o episódio em que a concessionária, Reserva Novos Parques Urbanos S.A, instalou um showroom de carros da Peugeot que foi desmontado após ser considerado ilegal e gerar vários protestos. O pintor destaca como os espaços estão sendo utilizados para promover eventos de nichos mais elitizados e o quão evidente isso se tornou após o controle da e empresas. Além disso, ele observa que as lojas e restaurantes distribuídos, além dos eventos, shows e festivais realizados são majoritariamente frequentados por pessoas brancas, repercutindo uma desigualdade racial dentro dos parques que anteriormente não eram exclusivos de determinada raça ou classe.

Outros visitantes como Beatriz e sua mãe Alessandra, que costumam andar de bicicleta pela pista do local, se depararam com o alto preço de produtos simples, como a água. A garota relata que o preço da garrafa é o que mais a incomoda e sua mãe complementa contando que todos os produtos ficaram caros, incluindo os alugueis das bicicletas em que 1 hora com o veículo custa 18 reais.

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Concedido à iniciativa privada em outubro de 2020, Ibirapuera enfrenta alta no preço de produtos e instalação de unidades comerciais. Foto: Victória da Silva

Em maio deste ano, o Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para investigar a Prefeitura e a concessionária Urbia por uso e segregação de espaços públicos para fins particulares. Na época, o promotor Silvio Marques manifestou sua indignação contando que a empresa estava transformando o Ibirapuera em um “verdadeiro shopping center”. Também segundo o inquérito do MP, a Urbia promove um "loteamento" com a instalação de lojas, construção de grandes edifícios, comércio de bens e serviços e o uso remunerado de diversos espaços, com redução do espaço livre para uso gratuito da população. A investigação revela a crescente tensão entre o discurso de modernização via parcerias público-privadas.

Os radialistas, Viviane e Everton, que semanalmente vão ao parque para praticar exercícios e corrida, relembram a instalação da Casa Centauro que foi retirada após as muitas denúncias. Diferentemente, o casal não vê problemas nas mudanças que a concessionária promove e afirma que não sentiu tantas diferenças. No entanto, o mau planejamento dos serviços é um fator levantado pelos dois. Ele afirma que os espaços livres estão sempre lotados, dividindo-se entre pessoas que vão para passear e outras que praticam algum esporte. Apesar de admirada com a quantidade de novos serviços e possibilidades dentro do parque, a mulher faz uma dura crítica à falta de segurança, já que, para ela, a concessionária deveria investir em questões como essa.

Para além dos fatores levantados, taxas para corredores e para assessorias esportivas também são alvos de revolta. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) autorizou, em julho deste ano, a aplicação de tarifas pensando no uso do espaço do parque para atividades esportivas. Mais do que discutir contratos e taxas, está em jogo o compromisso de preservar os espaços públicos como lugares de encontro, lazer e diversidade, e não como territórios delimitados pelo poder de consumo. A garantia que espaços públicos não se convertam em mercados restritos permanece aos órgãos municipais e a população que frequenta os ambientes precisa lidar com a frequente disputa que acontece desde 2024.

Gratuidade do transporte público no Brasil é possível, e joga luz nos gastos das famílias com a locomoção e exclusão social
por
Vítor Nhoatto
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24/10/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

É de manhã, por volta das sete, e o começo do dia para milhões de brasileiros em um ponto lotado. As dezenas de pessoas tentando se colocar fora do sol escaldante da cidade, com rostos franzidos e olhos apertados toda vez que um ônibus passa, torcendo para que seja o seu. E decepcionadamente dispostos, pagam por algo que deveria ser universal, e poderia, mas é na verdade um peso desproporcional e impede o acesso a outros direitos.

Mas nos últimos meses uma luz no fim do túnel, ou melhor, um letreiro iluminado no ônibus com o destino desejado voltou a ser discutido. A chamada Tarifa Zero do transporte público no País está em análise pelo Governo Federal, e o presidente Lula solicitou estudos para a viabilidade do projeto, que envolve questões políticas e relativa falta de esperança pelo povo.

O público no meio da avenida é desse jeito, já apático diante do barulho do motor diesel e dos corpos todos em contato na condução do dia a dia. Para Josefa Sueli, só Sueli pede ela, e cerca de 10 milhões de pessoas só na capital paulista segundo a SPTrans, é exatamente nesse cenário que o ir e vir acontece. Trabalhadora doméstica há mais de 30 anos e pernambucana arretada, conta que pelo menos quatro vezes por semana desembolsa R$5,80 no ônibus da EMTU azul e vermelho até a estação em Osasco ou a Lapa aqui na capital, e mais R$5,20 no trem ou R$5,00 no ônibus agora da SPTrans. Fato é que como milhões de outros brasileiros, o gasto só na ida passa dos dez reais, e o tempo nessa brincadeira urbana não é menor que duas horas. 

Pessoas com mochila nas costas que atrapalham a passagem, condução que não chega no intervalo que era para chegar. Olhos nervosos mirando o relógio na tela do celular que seguram com uma mão, enquanto a outra suada se segura nas próprias pessoas ao redor… não há espaço para encontrar as barras de suporte. E lá se foram as duas horas. Sueli chega então na casa do dia perto das nove da manhã, e com R$11 a menos na conta. Entre vassouradas e esfregadas, continua comentando sobre episódios que só o transporte coletivo pode proporcionar. Mas depois de uma janela que não pôde abrir, uma encarada de lá e um empurrão de cá, a constatação que mesmo assim ainda gasta um absurdo só para chegar até os lugares, em vida e dinheiro.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o gasto com transporte das famílias só não é maior que habitação e alimentação, sugando até 20% do salário por mês. No caso da Sueli, que perde a mesma quantia na volta, lá se foram pelo menos R$350 no mês, só indo e vindo do trabalho quatro dias na semana.

Recentemente tendo passado por uma suspeita de câncer de intestino, ela conta feliz que não tem a doença, e todo final de semana sai para comemorar a vida. Às vezes com o filho, que mora na zona leste de São Paulo, há mais de duas horas de distância, outras com a irmã e com as amigas em algum bar, se ela não conseguiu um ingresso para um show de algum cantor sertanejo que tanto gosta.  E tudo isso ela faz de ônibus e metrô na maioria das vezes, salva as pouquíssimas vezes que sobra algo para o Uber, mas enfim, também meio de locomoção. Fazendo então seus “passeios” obrigatórios no transporte ultrapassarem o gasto de 400 reais. 

Não precisava nem ser totalmente de graça aos olhos dela, que já viveram muitas histórias, e suas mãos calejadas que agarram as barras no ônibus e metrô tanto quanto o esfregão. Ela suspira enquanto levanta o seu óculos e indaga que algumas patroas ajudam com a condução, mas é um dinheiro que podia gastar com tantas outras coisas. 

Comprar um saco de arroz e feijão a mais, uma guloseima para a companheira de quatro patas, Bela, uma ida na Villa Country ou no Centro de Tradições Nordestinas (CTN). Uma quantia que faria a economia girar. Segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), nas cidades com gratuidade universal, o número de empregos aumentou 3,2% e o de empresas 7,5%, sem falar da redução em 4,2% das emissões de poluentes pela diminuição de carros. 

Mas ela ainda se lembra da parte da sua família que vive em Pernambuco e dos conhecidos de lá. Cada real a mais faz a diferença para quem não tem o que ela tem. Um litro de leite, uma ida no posto que não pode fazer por causa da passagem, destaca.

Uma realidade para milhões de brasileiros que têm os seus direitos básicos negados também pelo transporte, um outro direito que consta na Constituição de 1988. O artigo 5º prevê direito à livre locomoção, e o artigo 6º o direito ao transporte, mas que são segregados e traduzidos como ferramenta de desigualdade social na prática.

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Transporte público é o meio de acessar os outros direitos além de simples meio de locomoção  - Foto: Vítor Nhoatto

De olhos na cidade

De volta ao ônibus, agora à tarde, mesmo que de pé ou sentado, é engraçado ver a vida passando pela janela. Os olhos dos CLTs, dos estudantes, dos trabalhadores informais como a Sueli olham para a cidade lotada de trânsito… quando não estão cochilando de cansaço com a cabeça encostada tremendo no vidro. Sobre essa questão, o mestre em economia pela universidade de São Paulo (USP), e mais que isso, militante da área, Antônio Carlos de Moraes destaca como isso é enorme e importante. Não se trata apenas de algo eleitoreiro e de apelo popular, destaca ele, mas algo que realmente muda a vida das pessoas. 

O modelo atual do transporte se baseia no ganho por passageiro, então quanto mais cheia for a linha, quanto mais empurrões e reclamações a Sueli tiver para contar na ida e vinda do trabalho, dentista, mercado, médico, bar, mais rentável ela se torna. Nisso tudo o número de carros aumenta para quem pode, tal qual o de acidentes, congestionamento e poluição, além das pessoas que deixam de acessar lugares pelo preço cada vez mais alto das tarifas. 

Com um sistema público nacional de transporte coletivo a história seria muito diferente, como enfatiza Antonio, lembrando de suas vivências e não de números que só interessam a economistas. Ele destaca que todos arcam com os prejuízos da troca do ônibus pelo carro, mas são os mais pobres que pagam o preço na pele, com cada vez menos para gastos básicos como alimentação, e abrindo mão de ir e vir compulsoriamente pelo orçamento que não fecha. 

Falando em sistema, tramita na Câmara o Marco Legal do Transporte Público, que visa estabelecer diretrizes nacionais sobre a contratação de empresas, regras, fiscalização e fontes de financiamento. Isso pode aumentar ainda mais a quantidade de cidades que adotam a Tarifa Zero de algum jeito, hoje o Brasil é o país com o maior número do mundo, com 170 municípios. E mais que isso, ele pressiona e possibilita a reparação histórica que seria um Sistema Único de Saúde (SUS) do transporte público. Poder ir e vir seria garantido, mais pessoas iriam à escola, ao médico, ao museu, ao mercado… e prefeririam o coletivo ao individual. 

Porém, quem iria então pagar a conta? Essa é a principal pergunta de Roseli Rodrigues, passageira de ônibus não por opção. Com um semblante preocupado, atrasada para o trabalho na Avenida Doutor Arnaldo enquanto espera no ponto da Rua Guaicurus, reclama do preço da gratuidade lembrando que de domingo, quando é de graça, o ônibus nunca chega.  Passando a mão pelo rosto em sinal de aflição e cinco reais no bolso ardendo para sair dali quando o número certo aparecer no letreiro no horizonte, destaca que é contra a gratuidade se a qualidade piorar. 

Mas em seguida, lembra que seria ótimo poder ir ao mercado com 200 reais a mais, valor que gasta em média por mês, já que prefere não ter 6% descontado do seu salário com Vale-Transporte (VT). Nos domingos, Roseli destaca ainda, que sempre que pode opta pelo carro de aplicativo devido a demora do ônibus e a lotação do metrô. 

Em exclusividade à CNN Brasil, segundo o presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Vander Costa, o custo anual da gratuidade universal de ônibus, trem e metrô custaria R$90 bilhões. Quantia, no entanto, que como destaca Antonio, pode se tornar realidade sem colocar as contas públicas em risco. Ele destaca que a solução não é tirar de outras áreas essenciais nem criar impostos novos para o povo, mas sim, por exemplo, tributar super ricos. Uma decisão política que precisa ser bancada além de calculada para dar certo. 

No caso das empresas, ele lembra como elas se beneficiam diretamente das obras de infraestrutura voltadas ao transporte, apontando para os prédios em construção ao redor com destaque para o outdoor que grita “more perto da futura linha-6 laranja do metrô”. É mais que justo que elas contribuam para o transporte, portanto, sem falar da diminuição do trânsito e melhora no rendimento dos funcionários, defende.  Além disso, o ônibus que não chega aos domingos para levar Roseli, ou a lotação de todo dia que pega na Guaicurus, e que faz jus a esse apelido, deixaria de ser o modelo de negócios praticado. Com a criação de regras e diretrizes tal qual o Marco Legal propõe, e a Frente Parlamentar - Tarifa Zero, as empresas em acordo iriam receber verba independente da quantidade de passageiros pagantes. Assim, não sendo benéficas economicamente a superlotação e qualidade ruim.

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Os públicos no ônibus são diversos, mas a necessidade de se locomover é universal - Foto: Vítor Nhoatto

E agora já está quase escuro lá no céu, e o fluxo de volta para casa começou. A fila no ponto de Roseli está dando a volta no quarteirão, tão longa quanto essa discussão. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a pasta quer apresentar os estudos de viabilidade ainda em 2025, mas os embates políticos e ideológicos são tão intensos quanto os pisões e esbarradas no corredor cansado do transporte coletivo. 

Avisos dizem, “cuidado degrau” no ônibus, e “atenção com o vão” nos trilhos, mas o verdadeiro foco deve ser nas ações políticas das próximas estações dessa história. Inegável programa de redistribuição de renda, esses 90 bilhões são um investimento e devolução de direitos a milhões de brasileiros, desde que passem a ser vistos assim. Mas enfim, até lá a vida não para, e agora tenho que ir que esse é o meu ônibus. 

Felipe trabalha como motorista de aplicativo e não paga INSS, mas diz que passará a contribuir no futuro
por
Mayara Pereira
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31/10/2025 - 12h

Por Mayara Pereira

 

Felipe Silva é um motorista de aplicativo há 4 anos. Ele conta que após perder o emprego de repositor em um pequeno mercado perto de onde morava, teve que buscar alternativas para sustentar ele e a família, já que é o provedor da casa. Tentou procurar emprego em outros setores, mas sem sucesso. Com suas tentativas frustradas, resolveu virar motorista de aplicativo. Quando começou não tinha um carro que era aceito para fazer as viagens, então com o dinheiro que conseguiu depois de ser demitido, deu de entrada, junto com o seu carro e comprou um melhor para conseguir rodar. Hoje a única fonte de renda de Felipe são as corridas. Ele passa cerca de 10 horas por dia trabalhando, durante 6 dias da semana e as vezes até 7. Mesmo sem os direitos trabalhistas básicos ele diz que gosta de ser “livre” e não ter patrão. Felipe não paga INSS, mas diz que passará a pagar futuramente e segundo ele, possuí uma poupança para custear gastos futuros dele e de sua família.

Os números da economia informal no Brasil são indicadores complicados no mercado de trabalho. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que no primeiro trimestre de 2025 perto de 32 milhões de brasileiros estão trabalhando informalmente. Quase um terço de trabalhadores operam sem carteira assinada, nem CNPJ, muito menos acesso a direitos básicos. No Norte e Nordeste essa taxa supera os 50%, levantando desigualdades históricas e estruturais no país. Motoristas de aplicativo e motoboys surgem como os maiores exemplos de uma informalidade, influenciada por discursos morais e “flexibilidade”, mas na prática percebemos a precarização desses trabalhadores.  

As plataformas digitais mudaram a maneira de trabalhar e gerar renda. O IBGE calculou que, em 2022, cerca de 2 milhões de brasileiros usavam apps para trabalhar e representam 77% autônomos. A maioria atua em serviços de entrega ou transporte, com jornadas extensas, muitas vezes ultrapassando 10 horas de trabalho por dia. Motoboys e entregadores, por exemplo, trabalham em média mais de 45 horas semanais, conforme o instituto, quase cinco horas a mais que trabalhadores de funções similares fora das plataformas. O Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) mostra que mais de 55% destes trabalhadores estão completamente na informalidade, sem nenhum tipo de contribuição para a previdência ou segurança social. 

A ausência de um vínculo formal mostra um dilema presente no mercado de trabalho atual, a autonomia e liberdade prometida se juntam com a instabilidade e falta de direitos. Muitos motoristas e entregadores, dizem gostar desse sistema, já que podem definir horários e ganhos. Apesar disso, essa independência, traz consigo muitos perigos que não são assumidos pelas empresas. Custos com gasolina, consertos do veículo, comida e equipamentos de segurança, são todos por conta do trabalhador. Caso fiquem doentes ou se acidentem, não têm direito a auxílio-doença, FGTS ou seguro-desemprego. A contribuição para o INSS, quando rola, acontece de forma voluntária e as vezes, o que dificulta o acesso a aposentadorias e benefícios. A maioria dessas pessoas simplesmente não contribuem, seja por não saber como, por ter dificuldade em pagar, ou por causa da renda irregular.  

Essa situação mostra que, por um lado, a economia informal é considerada como um motor que mantém o País indo para frente. Por exemplo, na pandemia, os entregadores e motoristas de aplicativo foram muito importantes para garantir os serviços básicos, como a entrega de comida e remédios, quando quase tudo parou, e, por outro, mesmo sendo vistos como essenciais, esses trabalhadores continuam marginalizados pelo Estado e pela sociedade. Existe uma mistura de admiração e estigma: eles são vistos como guerreiros que "não param", mas também como profissionais que fazem "bicos", sem estabilidade ou um futuro garantido. O efeito da informalidade na economia é incerto. Ela absorve milhões de pessoas que, de certa forma, estariam sem emprego, aliviando os números de desocupação e assegurando uma pequena circulação de dinheiro. 

Em áreas remotas e cidades pequenas, o trabalho sem registro é o pilar do comércio e dos serviços locais. No entanto, essa situação traz um preço elevado, diminuindo a receita fiscal e fragilizando a Previdência Social. Esses trabalhadores sofrem mais com as crises, imprevistos e enfermidades, sobrecarregando os sistemas públicos de saúde e ajudas sociais. Além disso, a produtividade é reduzida, visto que a instabilidade financeira dificulta planos. Em 2024, o IBGE apontou que mais de 25% dos trabalhadores do setor privado não possuíam carteira assinada. O Dieese revelou também que os salários de motoboys e entregadores de aplicativos são, em média, 40% abaixo dos de quem trabalha formalmente em funções parecidas. Esses números evidenciam que, mesmo com a tendência nova economia e da "liberdade de empreender", a verdade é que acontece um maior esgotamento desses trabalhadores.  

A ausência de uma regulamentação correta para os trabalhadores de aplicativo é um dos maiores problemas. Em 2024, o governo começou algumas propostas para fazer uma lei, para dar direitos mínimos, como a previdência social e seguro contra acidentes. O projeto pensava em colocar as plataformas para colaborar pagando uma parte do INSS, pelo tempo de trabalho que o sujeito presta serviços a essas empresas. Mas o projeto encontra dificuldades pois as empresas terão menos lucro e vendem a ideia da perda de liberdade. Fora a lei, alguns especialistas falam em criar políticas públicas para ajudar na previdência e dar cursos de capacitação de forma gratuita.  

Simplificar o processo de contribuição ao INSS, ajustar a renda variável e irregular dos trabalhadores autônomos, seria um passo importante para esse problema. Oferecer linhas de crédito acessíveis, juntamente com seguros específicos para motoboys e motoristas, poderia diminuir custos operacionais e reduzir o risco de dívidas. Também é importante investir em infraestrutura urbana, locais de apoio e políticas de saúde ocupacional. Tais medidas poderiam ajudar na redução de acidentes e no melhoramento das condições de trabalho, sobretudo nas grandes metrópoles. 

O entregador de aplicativo, o motorista do Uber, e o vendedor ambulante, são parte significativa da economia brasileira. Eles impulsionam e estimulam o consumo, e sustentam inúmeras famílias. Reconhecer estes profissionais significa admitir que o Brasil de verdade é construído, em grande parte, por gente que vive na informalidade. 

Dessa forma, a economia vai muito além de simples dados estatísticos, é o pilar da subsistência de milhões de brasileiros. Ela expõe as diferenças de uma país em ascensão, que não garante condições decentes para todos. Sem políticas estruturais que envolvam esses trabalhadores sobre os direitos sociais, o País continuará preso em um ciclo de desigualdade e precarização. Formalizar, é bem mais que só um contrato, é garantir que o trabalho, em qualquer área, seja sinônimo de dignidade. 

Especialistas comentam eficácia e limites da nova atualização
por
Marcelo Barbosa
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06/10/2025 - 12h

No início de outubro, o Banco Central do Brasil divulgou uma nova ferramenta para promover confiança nas transações bancárias. Chamado de “Botão de contestação”, o instrumento faz parte da série de medidas “autoatendimento do Mecanismo Especial de Devolução (MED)”  e poderá ser acionado em casos de fraude, golpe e coerção.

O MED foi criado em 2021 pelo Banco Central. Ele estabelece que a vítima solicite, em até 80 dias da data em que o PIX foi realizado, a devolução do dinheiro ao Banco. Funciona assim: Após receber a reclamação, a instituição avalia o caso. Se o banco entender que o MED se aplica, o golpista pode ter a conta bloqueada. As instituições deverão analisar a denúncia em até sete dias e, se for constatada fraude, a pessoa pode receber o dinheiro de volta em até 96h, caso haja dinheiro na conta do suspeito.

Com a nova funcionalidade, quem precisar fazer o pedido de devolução do dinheiro poderá realizar o processo de forma digital e assim, agilizar o bloqueio de recursos do golpista. Antes, o procedimento era intermediado por uma pessoa que fazia o atendimento.

De acordo com Heluan Santos, especialista em tecnologia da Valios Capital e autor dos livros “Além das Criptomoedas” e “Sempre Alerta” – ambos sobre segurança com dinheiro no ambiente on-line – o botão, apesar de aumentar a segurança e trazer mais confiança, ainda pode ser usado de maneira indevida, assim como ocorre em outras inovações.

Porém, segundo Santos, a expectativa é de que, com filtros e monitoramento, o novo recurso traga muito mais benefícios do que riscos, ainda que a centralização do sistema possa desembocar em decisões unilaterais. “A maior preocupação deve estar voltada para a engenharia social, que hoje é responsável pela maioria dos golpes. Esse tipo de fraude torna o processo de validação mais difícil e continua sendo o grande desafio”, destacou.

O termo "engenharia social" refere-se a uma técnica de manipulação usada por criminosos virtuais para convencer pessoas a revelarem informações pessoais.

Reprodução: Banco Central do Brasil | Imagem oficial do PIX
reprodução: Banco Central do Brasil | Logo oficial do PIX


Renato Cunha, especialista em meios de pagamento e segurança digital e proprietário da 3RMS, empresa de tecnologia para o varejo, lembrou que, mesmo no sistema anterior em que era preciso ligar para o correntista, essas tentativas de contestação fraudulentas já eram praticadas, assim como as tentativas de cancelar compras no cartão diariamente.

Segundo ele, os bancos e operadoras conseguem identificar comportamentos suspeitos e a maior parte dessas contestações sequer chega ao cliente final, pois são barradas antes pelos sistemas antifraude, com exceção de casos em que os criminosos estão dentro dos próprios bancos. "A facilidade na aplicação de golpes [ainda] será explorada. Porém, o número de sucesso nesses golpes é extremamente baixo. Geralmente, ele passa quando tem pessoas mal intencionadas de dentro dos bancos ou operadoras fazendo parte da quadrilha”, afirma Cunha.

Importante destacar que a contestação não poderá ser feita nos casos de desacordos comerciais, erros no envio do PIX ou quando houver arrependimento na transação. De acordo com o Banco Central, o novo botão será exclusivamente para evitar fraudes.
 

A festa que enche o Brasil de cores e os comerciantes de oportunidades
por
Nicole Domingos
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12/09/2025 - 12h

Por Nicole Domingos

 

O Carnaval, que se vende como festa e se compra como tradição, não é apenas desfile de rua, batuque de samba ou fantasia improvisada. É também uma virada de chave para o comércio, que transforma a purpurina em faturamento. Em janeiro de 2024, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), publicou que o ano de 2025 movimentaria mais de R$9 bilhões, reforçando seu posto como uma das datas mais rentáveis do calendário econômico. Na contabilidade da festa, cada rua cheia de foliões é também um corredor de consumo. As farmácias que dobram as prateleiras de protetor solar, os supermercados que multiplicam o estoque de bebidas, as lojas de fantasia que expõem brilhos e lantejoulas como se fossem joias de temporada. Roberto Devidis, representante de vendas para armarinhos e lojas de customização na rua 25 de março,  considera que o carnaval é uma espécie de Natal fora de época.

Nos bastidores da festa, empresários calculam margens, fornecedores disputam espaço nas prateleiras e pequenos comerciantes fazem de cada esquina uma oportunidade. Para Marlene Batista, dona de loja de armarinhos, não existe nenhum período em que cresce as vendas como nesse tempo. Ela diz que antes mesmo da virada do ano já recebe pedidos de escolas de samba, tanto de produtos para a confecção dos carros, quanto para as roupas que serão usadas na avenida. Além disso,  o carnaval cria um ambiente de consumo que vai além da festa. Aumenta o fluxo em bares e restaurantes, multiplica reservas em hotéis e aplicativos de hospedagem, movimenta aplicativos de transporte, gera impacto até nos varejos de eletrodomésticos, com vendas de caixas de som, ventiladores e aparelhos de ar-condicionado. A folia, nesse sentido, extrapola o sambódromo e se infiltra em cada detalhe da vida cotidiana.

O ambulante que vende água, cerveja e todo tipo de bebida no bloco, a costureira que aceita ideias improvisadas de fantasias, o maquiador que tem que sempre ter uma ideia nova e cores vibrantes, todos compõem a cadeia econômica do carnaval. Em uma reportagem postada pelo Ministério da Cultura fica claro como não só os empresários com suas lojas têm a oportunidade de garantir uma boa renda, mas também aqueles que precisam de momentos como esse para sobreviver, como ambulantes que trabalham com eventos sazonais.

Outro ponto relevante é a geração de empregos temporários. Segundo a revista Forbes, a folia deve impulsionar, ainda, o mercado de trabalho, com a criação de 300 mil postos temporários, no interior e no litoral do Estado de São Paulo. O coordenador do Núcleo de Pesquisa da Fhoresp, Luís Carlos Burbano, destaca que esses empregos geram renda imediata para as famílias, contribuindo para a dinamização da economia local. Para muitos trabalhadores, o Carnaval representa a chance de garantir uma renda extra no início do ano. Essa circulação de dinheiro não apenas aquece os centros urbanos, mas sustenta muitas famílias que, durante os quatro dias de festa, encontram mais renda do que em meses inteiros de trabalho formal.

O contraste, no entanto, se mantém: se o brilho é abundante nas grandes cidades turísticas, os municípios sem tradição carnavalesca mal percebem a onda econômica. O comércio local, nesses lugares, vê pouco ou nenhum aumento expressivo nas vendas. Em pesquisas são sempre mostradas locais como o Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza e Minas Gerais. É como se o Carnaval, enquanto festa, fosse universal, mas enquanto motor econômico fosse seletivo. Ainda assim, mesmo de forma desigual, a festa gera reflexos nacionais, movimentando cadeias de produção que alcançam diferentes regiões.

No fim, a conta é simples: o País veste fantasia, mas o comércio veste números. O carnaval continua sendo um dos maiores espetáculos do mundo, já que a matéria da Forbes explica que lugares com a fama do Rio de Janeiro atraí não só turistas brasileiros como também internacionais para a festa. E de acordo com Enio Miranda, diretor de Planejamento Estratégico do Núcleo de Pesquisa da Federação dos Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp),  o Carnaval está cada vez mais consolidado no calendário de eventos dos turistas estrangeiros.

Na soma final, não se trata apenas de quatro dias de festa, mas de um ciclo econômico que começa semanas, ou até mesmo meses antes, se prolonga depois da Quarta-feira de Cinzas e reafirma a festa como um patrimônio não só cultural, mas também econômico do Brasil.

Venda de produtos feitos em casa se tornou uma forma de aumentar o orçamento das famílias.
por
Victória da Silva
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30/10/2025 - 12h

Por Victória da Silva

 

Núbia Santos, de 50 anos, trabalha e encanta a vizinhança com a venda de variados pratos feitos em sua casa, como cuscuz, tapioca, panqueca, caldos e açaí. Moradora de Guarulhos, ela é uma entre milhares de pessoas que ganham a vida na informalidade econômica. Depois de trabalhar em uma tapiocaria e o patrão vender o local, teve a ideia de abrir seu negócio. A mulher que não acreditava muito em si, viu na insistência de colegas de trabalho e do próprio chefe, a possibilidade de conseguir o sustento em casa. O talento que as mãos carregam foi distribuído em diversos alimentos, quando viu que a clientela gostava dos pratos. Começou com a culinária nordestina, que é da onde nasceu, e através da tapioca e do cuscuz, ela deu origem ao “Cantinho da Tapioca”.

Foi o bom tempero da mulher negra e baiana que encantou o paladar das pessoas ao seu redor. Os últimos dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), revelam que em sete anos (2016-2022) o perfil que predomina a categoria de trabalho informal são homens negros e mulheres negras, como Núbia. Esse tipo de trabalho informal ganhou força e tem crescido cada vez mais no Brasil, sustentando muitos brasileiros atualmente. De bolos de pote até marmitas para o almoço, o modelo de negócio se tornou uma solução para aqueles que enfrentam dificuldades no mercado. 

A venda de Núbia acontece pelo tradicional “boca a boca”, em que aqueles que gostam dos alimentos recomendam para parentes e amigos, e assim os produtos chegam em outros ambientes além da rua em que a mulher mora. A cozinheira também realiza a entrega de panfletos e divulga pelo aplicativo WhatsApp, maneiras que muitas dessas pessoas utilizam para disseminar o seu negócio. Ela conta que não faz propaganda dos alimentos em outras plataformas digitais, porque a venda acontece independente desse meio.

Parte significativa dessa população encontra no comércio de pratos feitos em casa uma fonte rentável ou até mesmo complementar. Além de atender o público em busca de praticidade, muitos consumidores valorizam o sabor “feito em casa”, associado à qualidade e ao afeto. Redes sociais e aplicativos de entrega também desempenham papel fundamental, permitindo que microempreendedores alcancem clientes fora do círculo de conhecidos.

A guarulhense defende a ideia de que não compensa colocar o seu trabalho na plataforma Ifood, devido às taxas de venda em cima dos produtos. Além delas, a plataforma também aumenta os preços dos alimentos. Uma tapioca simples que Núbia vende por R$6,00, no Ifood custa R$15,00.

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Cartazes de divulgação no portão da casa de Núbia chamam a atenção da vizinhança. Foto: Victória da Silva

 

A facilidade de começar o negócio com baixo investimento, a possibilidade de conciliar a produção com outras atividades da casa e a demanda crescente por refeições rápidas e acessíveis têm impulsionado essa prática. Na casa de Núbia, moram ela, seu marido e seus dois filhos. A filha da cozinheira também ajuda na produção dos alimentos e, assim, a família consegue conciliar as tarefas. Embora a quantidade de pedidos seja agradável, principalmente em horários de pico, como o almoço, a trabalhadora diz que não consegue se sustentar com o lucro procedente das vendas. Para isso, o marido José Dias também sustenta as contas da casa e ela faz outros dois trabalhos por fora, sendo cuidadora de crianças e montadora de peças.

O mesmo acontece com dona Vera, de 73 anos, que - ao contrário de Núbia - vende alimentos caseiros na porta da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A senhora chama a atenção dos estudantes com seus brownies e docinhos, como brigadeiros e beijinhos, além da doçura como aborda cada aluno. Vera também não consegue se sustentar apenas com a venda, mas faz os doces pela paixão em cozinhar. Seu jeito encanta os estudantes, quando em suas caminhadas são interrompidos pelo “Bom dia queridos!”. A doce senhora não vai apenas pela manhã para a universidade, mas também no entardecer, sendo uma das figuras mais conhecidas da Rua Monte Alegre. Apesar disso, ela ainda exerce essa atividade como um complemento de renda.

Para além das narrativas que revelam a criatividade e resiliência de muitos brasileiros, a falta de regulamentação ainda é um desafio enfrentado por trabalhadores que não possuem registro como microempreendedor individual (MEI), o que dificulta o acesso a crédito, capacitação e segurança previdenciária.  Alguns não criam por escolha própria, outros por medo de não conseguir alavancar as vendas e vingar no modelo de trabalho. O faturamento anual exigido para se sustentar como um microempreendedor ainda é muito alto e foge da realidade dos cidadãos brasileiros.

No entanto, políticas públicas voltadas para a formalização desse setor poderiam fortalecê-lo, gerando mais estabilidade para quem hoje depende exclusivamente dessa renda. Enquanto isso, histórias como a de Núbia que permanece vendendo tapiocas em seu bairro, ou de Vera, que viu na produção de brownies uma boa forma de passar o tempo, continuarão a se multiplicar Brasil afora e se consolidam como alternativas financeiras para o orçamento familiar.

Indicador registrou crescimento da economia brasileira de 0,3% no segundo trimestre de 2025
por
Marcelo Barbosa
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20/08/2025 - 12h


O Banco Central (BC) divulgou nesta segunda-feira (18) os dados do IBC-BR (Índice de Atividade Econômica do Banco Central do Brasil) referentes ao mês de junho. Os números mostraram uma queda de 0,1% em relação a maio, mas o resultado do segundo trimestre de 2025 se manteve positivo, com um crescimento de 0,3%. O IBC-BR é um dos indicadores oficiais da economia brasileira. Ele faz uma estimativa de crescimento levando em conta três setores: agropecuária, indústria e serviços. O índice foi criado para trazer números frequentes sobre a atividade econômica do Brasil e tem influência sobre as decisões financeiras do país, servindo de auxílio para políticas monetárias, como a taxa de juros (Selic).

Por exemplo, quando a taxa de juros está em patamares elevados, isso reduz a atividade econômica, o que se reflete nos números do indicador. Por isso, atualmente, ele é lido pelo mercado como a "prévia do PIB".

 
 

Fachada do Banco Central do Brasil em Brasília — Foto: Marcello Casal/Agência Brasil
IBC-BR: agropecuária, indústria e serviços tem leve alta no segundo trimestre de 2025 (Marcello Casal Jr./ Agência Brasil)

 

 

Retração da economia

Após quatro meses seguidos de bons resultados, maio registrou a primeira retração do ano, de 0,7% em relação a abril. Em junho, a queda foi de 0,1%. De acordo com o professor de economia Renan Silva, do IBMEC Brasília, "a alta deu-se devido à Selic, que chegou ao patamar de 15%”. Ele explicou que "o que corrobora para essa questão da taxa de juros restritiva é o fato de que os indicadores de inflação vêm arrefecendo. No último relatório Focus, do Banco Central, o IPCA já registra uma inflação, em 2025, de 4,95%, ante os 5,30%, que as projeções vinham indicando”.

 

Os dados oficiais do Banco Central confirmam que a agropecuária foi o principal fator para a retração no trimestre, com uma diminuição de 3,1% no período. Por outro lado, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta que o destaque de junho foi o aumento de 0,3% no volume do setor de serviços. A produção industrial teve um recuo de 0,1% no mês, e as vendas no varejo também frustraram as expectativas, recuando 0,1% em comparação a maio. Sob a óptica do professor, o tarifaço de Donald Trump pode trazer efeitos adversos e "provocar uma redução intensa no segundo semestre”.

 

Nos últimos 12 meses, os números ficaram em 3,9%, o que representa uma desaceleração em face ao mesmo período, que marcou uma alta de 4,04%.

 

Para o futuro, Silva acredita que a retração na atividade econômica pode influenciar o COPOM (Comitê de Política Monetária) - órgão responsável por estabelecer as diretrizes da política monetária - a iniciar um novo ciclo na queda dos juros. "Esse ciclo restritivo já teve efeito, o que gerou como resultado a redução na atividade econômica”, conclui. A retração de 0,6% no terceiro trimestre de 2023 havia sido a última queda do indicador antes dos recuos registrados neste ano.

Alimentação e bebidas têm deflação em relação ao mês anterior, enquanto habitação sofreu alta devido ao aumento da conta de luz
por
Marcelo Barbosa P.
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13/08/2025 - 12h

O IBGE divulgou nesta terça-feira (12) o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial da inflação do país. Os dados apontam que houve um aumento de 0,26% no mês de julho, uma leve alta em comparação com a taxa de 0,24% registrada em junho. No ano, o IPCA já acumula desaceleração de 3,26% e, nos últimos 12 meses, de 5,23%.

De acordo com o gestor de investimentos e especialista financeiro da WFlow, Guilherme Viveiros, a inflação surpreendeu positivamente. "O índice deste mês veio com o valor de 0,26%, enquanto o mercado via uma elevação de 0,36%". O mês de agosto também deve apresentar queda, com índices negativos o que, segundo Viveiros, "fez com que o mercado começasse a sondar uma possível queda dos juros ainda em 2025".

Entre os setores da economia que apresentaram deflação, ou seja, queda de preços, estão o grupo Alimentação e bebidas (-0,27%), Vestuário (-0,54%) e Comunicação (-0,09%). Em contrapartida, entre os maiores destaques da alta estão os grupos Habitação (0,91%) e Despesas Pessoais (0,76%). A alta do grupo Habitação foi impulsionada pela energia elétrica residencial, com variação de 3,04% - o maior impacto individual no índice do mês. Esse número se deve ao fato de que a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) confirmou a bandeira tarifária de agosto, que será a Vermelha patamar 2, a mais cara do sistema. Como consequência disso, haverá um acréscimo de R$ 7,87 para cada 100 kWh consumidos na conta de luz.

O grupo Transportes também teve aceleração, passando de 0,27% em junho para 0,35% em julho, impulsionado pela alta de 19,92% nas passagens aéreas. Por outro lado, os combustíveis tiveram uma queda de 0,64% no mês, com recuos no preço do etanol (-1,68%), do óleo diesel (-0,59%), da gasolina (-0,51%) e do gás veicular (-0,14%).

 Já o grupo Alimentação e bebidas, que tem o maior peso no IPCA, registrou baixa pelo segundo mês consecutivo. A queda em julho foi impulsionada pela alimentação no domicílio, que caiu 0,69% com destaque para redução nos preços da batata-inglesa (-20,27%), da cebola (-13,26%) e do arroz (-2,89%).

 

Reprodução: Tânia Rego/Agência Brasil | Pessoas andando em um mercado
Reprodução: Tânia Rêgo| Pessoas escolhem frutas em um mercado


Rafael Prado, economista e analista de macroeconomia da Go Associados, chama a atenção para o fato de que o valor da inflação deste mês ainda é elevado em relação à meta de 4,5% ao ano. Segundo ele, o resultado deste mês é prova de que a política monetária pode atuar de maneira enfática nos dados. "Quando nós olhamos para os números desagregados do IPCA, vemos que existem grupos, como Habitação que foi impactado pela energia elétrica, que influenciaram para o aumento de julho". Para ele, isso ressalta a importância de "continuar com uma política monetária restritiva, para que a inflação continue caindo e volte ao intervalo de tolerância."

Já o professor de economia João Gabriel Araújo, do Ibmec Brasília, destaca o efeito Trump na economia brasileira. Segundo ele, a guerra tarifária vai ser um dos fatores determinantes para a queda dos preços no Brasil. "Com o anúncio das medidas para o Brasil, especialmente a tarifa de 50% sobre as importações, os produtores nacionais aumentaram os estoques para o mercado interno, reflexo da diminuição das exportações para os Estados Unidos antes da implementação da tarifa e do consequente aumento da oferta de bens no mercado doméstico".

O cálculo do IPCA foi realizado a partir da comparação dos preços coletados entre 1 e 30 de julho de 2025 com os preços vigentes entre 30 de maio e 30 de junho de 2025. O IPCA abrange famílias com rendimento monetário de 1 a 40 salários-mínimos. Já o INPC, que considera famílias com rendimento de 1 a 5 salários-mínimos, teve alta de 0,21% em julho, com acumulado de 3,30% no ano.

A falta de renda fixa, escolaridade e educação financeira empurra jovens para ciclos longos de endividamento.
por
Maria Luiza Pinheiro Reining
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24/06/2025 - 12h

Entre boletos parcelados, cartões de crédito e ofertas de empréstimos rápidos, jovens brasileiros têm se tornado protagonistas de um fenômeno crescente: o superendividamento. Sem renda fixa, sem vínculo formal com instituições financeiras e com pouca ou nenhuma educação financeira, parte expressiva dessa população vê no crédito imediato uma resposta à sobrevivência, ainda que, a longo prazo, isso signifique um acúmulo impagável de dívidas.

A especialista em consumo e pesquisa de mercado, Eduarda Barreto, 27, chama atenção para a complexidade do problema. Para ela, não se trata apenas de comportamento individual, mas de um contexto social e estrutural. “Em 2022, uma pesquisa do Banco Central mostrou que 22% dos jovens entre 15 e 29 anos estavam fora da escola e do mercado de trabalho. Isso representa cerca de 11 milhões de jovens sem renda fixa ou escolaridade mínima para acessar melhores oportunidades”, afirma.

Eduarda Barreto em palestra na FEA-USP
Eduarda Barreto em palestra na FEA-USP 

Esse grupo, segundo Eduarda, é o mais vulnerável a modalidades de crédito como empréstimos emergenciais ou cartões pré-aprovados. Com pouco conhecimento sobre juros e condições, esses jovens recorrem ao que está disponível mesmo que isso signifique aceitar taxas elevadas e prazos inflexíveis. Ela explica que não se trata de crédito para investir, mas para sobreviver. Muitas vezes, o empréstimo serve para pagar contas básicas como luz, gás e alimentação.

Eduarda destaca que esse ciclo é agravado pela ausência de políticas públicas consistentes de educação financeira desde os primeiros anos escolares. Jovens que não estão inseridos no mercado de trabalho ou na escola muitas vezes não têm qualquer orientação sobre orçamento, crédito ou endividamento. O resultado é um cenário em que decisões são tomadas no impulso da necessidade, sem planejamento ou capacidade de negociação com bancos.

A falta de vínculo estável com instituições financeiras também pesa. Quem não tem um histórico com o banco dificilmente acessa linhas de crédito com melhores condições. Barreto observa que, mesmo com juros altos, muitos jovens aceitam a única oferta disponível, pois não têm tempo nem suporte para tomar uma decisão mais estratégica. Eles precisam do dinheiro de forma imediata.

Embora programas de renegociação de dívidas e feirões "limpa nome" tenham ganhado força nos últimos anos, Eduarda pondera que eles não atacam o problema na raiz. O superendividamento juvenil é reflexo direto de um sistema que oferece crédito sem oferecer estabilidade, informação ou perspectivas.