Primeiro de São Paulo e da América Latina, o Centro para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) foi aberto ao público no dia 02 de abril
por
Cecília Schwengber Leite
Laura Petroucic
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04/04/2025 - 12h

Na última quarta-feira, 02 de abril, foi inaugurado o primeiro Centro Municipal para Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (Centro TEA) da América Latina, nomeado em homenagem à ativista da causa, Dra. Marina Magro Beringhs Martinez. Localizado na zona norte da cidade de São Paulo, o Centro conta com uma equipe multidisciplinar composta por profissionais das áreas de psicologia, assistência social, fonoaudiologia, terapia ocupacional, nutrição, educação física, psicopedagogia e administração.

Fachada do Centro TEA.
Fachada do Centro TEA. Foto: site/canalautismo.com.br

O Centro é público e atenderá gratuitamente pessoas com TEA de todas as idades. De acordo com o Ministério da Saúde, há mais de 300 mil diagnosticados só no Estado de São Paulo. Estes cidadãos enfrentam não apenas o estigma e preconceito social, mas também o alto custo dos tratamentos e a falta de informação. Em entrevista à AGEMT, Renata Delluzzo, coordenadora de projetos e políticas de inclusão, defende que o Centro TEA “é inovador por não se tratar de uma clínica-escola, mas sim de um espaço de socialização que busca promover o acolhimento de pessoas com autismo e seus familiares, além de atender ao público profissional”. E acrescenta: "é a primeira vez que munícipes da cidade de São Paulo são contemplados dessa forma".

Muitas famílias não sabem quais terapias e atividades são necessárias para estimular o desenvolvimento da pessoa com TEA, e mesmo as que sabem muitas vezes sofrem com a falta de acessibilidade a tais serviços. Um dos objetivos do Centro é justamente criar uma comunidade para as famílias que não têm uma rede de apoio e/ou condição financeira. Com acesso a tratamento, exercícios e acompanhamento adequados, os indivíduos no espectro autista atendidos terão melhores condições para se desenvolver e incluírem-se na sociedade.

De acordo com informações do site da Prefeitura de São Paulo, “o Centro TEA será um espaço pioneiro dedicado ao desenvolvimento integral de autistas e seus familiares. Fundamentado em cinco eixos estratégicos – Cultura; Esportes; Formação; Trabalho e Empreendedorismo; Bem-Estar e Autonomia –, também promoverá a capacitação de profissionais da rede de atenção”. Para isso, sua estrutura conta com quadra poliesportiva, teatro, piscina, biblioteca, brinquedoteca, jardim sensorial, sala de informática, cozinha comunitária, entre outros ambientes.

Além do atendimento cotidiano, o Centro buscará realizar anualmente a Semana Municipal de Conscientização do Autismo; adquirir equipamentos de saúde e educação para fortalecimento do atendimento da pessoa com TEA na rede municipal; realizar 10.000 atendimentos em mutirões de serviços para pessoas com deficiência, famílias e cuidadores; criar novos indicadores relativos à pessoa com deficiência no Observatório Municipal da Pessoa com Deficiência; entre outras iniciativas.

Para Renata, “a criação do Centro TEA é um grande passo na atenção e no cuidado ao público com autismo”. Ela conta que, para somar ao espaço recém inaugurado, está prevista no Programa de Metas 2025/2028 da Prefeitura de São Paulo a construção de mais três Centros TEA, nas zonas Leste, Oeste e Sul.

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“A mídia poderia fazer vídeos de pessoas com esquizofrenia que venceram na vida”, sugere Elvis, à imprensa
por
Vitória Nunes de Jesus
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27/11/2024 - 12h

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a esquizofrenia é a terceira causa de perda da qualidade de vida entre os 15 e 44 anos. São cerca de 1,6 milhão de brasileiros que, além da doença, sofrem com o estigma, que causa mais sofrimento do que o próprio transtorno.

Ainda conforme a OMS, o estigma é “uma marca de vergonha, desgraça ou reprovação que leva um indivíduo a ser rejeitado, discriminado e excluído de participar em diferentes esferas da sociedade”.

Um estudo publicado pela World Psychiatry revelou que nove em cada dez pessoas com esquizofrenia enfrentam estigma e discriminação, incluindo em ambientes de trabalho, serviços de saúde e relações sociais.

Para esclarecer melhor sobre esse transtorno que ainda é um tabu na sociedade, o médico psiquiatra Cristiano Noto explica melhor sobre a psicose, os sintomas da esquizofrenia e o estigma. “A psicose é um sintoma. A psicose é uma ruptura com a realidade. Normalmente se fala em delírio e alucinação, sendo que delírio são crenças dos pacientes que muitas vezes estão destorcidas da realidade. Na esquizofrenia, o mais comum é a alucinação auditiva, então normalmente a pessoa escuta vozes que xingam, que mandam ela fazer coisas, que têm um conteúdo mais depreciativo”.  

Cristiano explica que os sintomas acima são os chamados “sintomas positivos”. Ele conta que, além destes, existem outros. “Também é muito comum a desorganização do pensamento e no comportamento. Existem os sintomas negativos que são bastante frequentes, que são retração, então a pessoa se isola, tem menos prazer nas atividades, vai ficando mais apática, traz bastante sofrimento para o paciente e para a família”.  

O doutor diz que a esquizofrenia tem uma causa genética de 70 a 80% e que existem fatores ambientais que estimulam estes genes. “Entre esses fatores, vários podem ser citados, mas geralmente são relacionados com estresse, por exemplo: problemas no parto, maus tratos na infância, violência, abuso, uso de droga, principalmente maconha”. 

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que o estigma é uma das principais barreiras para o tratamento de pessoas com esquizofrenia.

Para os jornalistas, o tema não é abordado por não conhecerem o transtorno mental, preconceito, focar em outros transtornos como ansiedade e depressão e receio de a reportagem não ser bem vista por conta do tabu existente.

A jornalista Thaís Itaqui conta a sua experiência com pautas de saúde mental. “Falar de esquizofrenia para mim virou algo mais rotineiro porque eu tenho uma pessoa na minha família que convive com essa doença, que é meu irmão, o Thiago. Eu fiquei trabalhando na TV Globo por quase vinte anos, quando comecei a vender pautas de saúde mental, percebia que estas pautas eram mais facilmente veiculadas quando tinha uma data especial. Ou falava-se de depressão, ansiedade, dificilmente outros transtornos eram abordados. Quando eu me tornei jornalista e comecei a fazer um trabalho dentro da TV e quis começar a vender essa pauta justamente por conhecer e trazendo a importância de se falar disso, eu comecei a perceber a dificuldade que era de perceberem que essa pauta era importante, então normalmente eles falavam que eu trazia a pauta devido ao meu irmão, mas que não era algo comum de se abordar. Então começa a perceber que o tema é um tabu em vários lugares. A pessoa acaba sendo excluída e a família também, pois a pessoa tem dificuldades e a família pega essas dores”. 

Thaís diz acreditar ter recebido retornos positivos em sua profissão. “No começo quando se levanta uma pauta tão difícil como essa e consegue colocá-la na mídia, a gente está conseguindo abrir uma porta, então no momento que milhares de pessoas assistiram minhas matérias, eu acredito ter alcançado pessoas que vivem com o problema, familiares e profissionais que cuidam desses pacientes. Eu também percebi uma coisa muito legal com os meus colegas de trabalho, porque como eles sabiam da minha experiência com meu irmão, eles começaram a conhecer mais a doença por minha causa”.

Dados do Schizophrenia Research Journal indicam que as representações na imprensa representam frequentemente a esquizofrenia ao comportamento violento.

Para completar os depoimentos, não poderia faltar o de uma pessoa com esquizofrenia. Elvis Presley Guarany de Melo conta como foi o momento em que foi diagnosticado. “Fui diagnosticado quando eu era criança. Aprendi a falar com 9 anos, mas minha mãe nunca entendia o meu problema, aí ela começou a perceber as minhas dificuldades na escola, porque eu não me enturmava com os alunos, mas ela não queria aceitar e ela viu que repeti a 1ª série três vezes aí ela percebeu que eu tinha um problema e a professora percebia que eu ficava afastado das pessoas, foi aí que surgiu o início da esquizofrenia. Com o tempo, eu fui crescendo, foi piorando o diagnóstico e eu comecei a passar no psiquiatra a partir dos dezoito anos”.  

O ambiente em que a pessoa é criada interfere no desenvolvimento da esquizofrenia. Elvis conta como foi sua infância na casa onde foi criado. “Eu tenho um irmão gêmeo que também tem esquizofrenia, mas eu tenho um grau mais elevado. Meus pais se separaram porque meu pai traiu minha mãe, que teve que cuidar de 4 filhos, então minha mãe não pode dar luxo para os filhos. O governo se negava a dar assistência social e tratamento de fonoaudiólogo. Os sintomas foram piorando porque quem não tem recursos não se trata, e o governo ignora. Eu passo no CAPS 3, que é onde se trata pessoas com esquizofrenia e não tem psiquiatra, você pega o remédio há cada 3 meses e não tem médico e quando você vai questionar, eles aumentam a dosagem do seu remédio porque não gostam que as pessoas falem a verdade. Mas o CAPS está sendo insuficiente porque nós não temos todos os tratamentos e psiquiatras quando precisamos”.  

De acordo com a OMS, menos de 15% das pessoas diagnosticadas com esquizofrenia têm empregos formais, comparado a 65% da população geral. Elvis relata sua grande dificuldade de permanecer em um trabalho. “Eu já trabalhei em 42 empresas e em todas fui mandado embora porque as empresas não são adequadas para pessoas com esquizofrenia. Eu nunca agredi alguém, eu vejo coisas, ouço vozes e isso faz parte de mim. Eu estou cansado de me esconder e é por isso que eu quero que as pessoas saibam da minha história que é real. Eu quero estudar, eu quero trabalhar, eu quero ser útil”.  

Por fim, Elvis conta sobre seu doloroso tratamento e sua luta para ter uma condição de vida melhor.  

Eu já fiz uma terapia chamada terapia do choque, que eles colocam tipo um metal na boca e dão estímulos de carga elétrica na cabeça. A pessoa com esquizofrenia tem a mente acelerada, ela vê coisas e pensa em muitas coisas ao mesmo tempo. Eu já fui amarrado numa maca e não foi fácil porque, se eu tivesse o tratamento e apoio de todos os profissionais de saúde necessários, eu não precisaria ter passado por tratamentos tão severos como os tratamentos de choque que levei muitas vezes.  

— E você teve quantos surtos mais ou menos? Eu vejo pessoas que às vezes me chamam, eu ouço muitas vozes, em lugar muito cheio eu uso abafador auditivo. Eu lutei para ter um cachorro para identificar quem é real e quem não é, mas o governo não me disponibiliza um cachorro treinado, e eu estou nessa luta. No Brasil, nós estamos muito atrasados na luta contra a esquizofrenia.  

Diante destes apontamentos, é claro perceber que a mídia deve abordar mais sobre a esquizofrenia visando mostrar a realidade destas pessoas. Existem pacientes que podem ter apenas um surto durante toda a vida, pode ter uma pessoa com esquizofrenia do seu lado no metrô. Falta informação e acolhimento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Produzir orgânicos é um desafio que envolve altos custos, manejo artesanal e um compromisso com a sustentabilidade.
por
NINA JANUZZI DA GLORIA
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12/11/2024 - 12h

Por Nina J. da Glória

 

No coração de uma pequena fazenda nos arredores de São Paulo, a paisagem exibe fileiras simétricas de verduras, um campo verde que mais parece um quadro pintado com paciência e precisão. Cada folha simboliza uma promessa livre de químicos, cultivada à mão, mas também testemunha de um trabalho árduo, invisível ao consumidor final. Esse é o cotidiano de Mariana Silva, uma agricultora que decidiu, há quase uma década, abandonar a produção convencional para dedicar-se ao orgânico. No início, acreditava que seria um retorno ao básico, uma reconexão com a natureza. Mas a realidade mostrou-se mais densa e complexa do que o imaginado. O solo, como um organismo vivo, exigia constantes cuidados e uma compreensão que ia além dos métodos tradicionais. Cada semente carregava uma incerteza, e cada colheita trazia consigo os riscos de uma produtividade menor, vulnerável a pragas e intempéries. "O solo não aceita pressa", sua frase parece pairar na atmosfera ao redor das hortas, impregnada de paciência e resignação.

Nas redondezas, em outra propriedade de São Roque, Paulo Mendes compartilha a mesma visão, mas com uma trajetória que o levou ao orgânico por caminhos distintos. Ao contrário de Mariana, ele vem de uma família que cultivava com agroquímicos, mas sempre sentiu a necessidade de transformar as práticas de cultivo. Para ele, o orgânico é como um resgate da essência da terra, uma escolha que exige mais do que habilidades tradicionais. É um compromisso com o solo, com o ciclo de nutrientes e com o futuro. Paulo vê o campo como um delicado organismo, onde a compostagem e a rotação de culturas são essenciais, mas também um desafio financeiro. Cada safra se transforma em uma experiência quase artesanal, onde a eficácia do manejo natural precisa competir com a tentação das facilidades químicas. Esse processo, para ele, é como uma dança cuidadosa com a natureza, em que observar e respeitar o ritmo das estações torna-se tão vital quanto qualquer técnica de plantio.

                                                            Comunidade de pessoas que trabalham juntas na agricultura para cultivar alimentos

Para Mariana e Paulo, a colheita orgânica traz consigo um custo invisível ao olhar do consumidor. A vulnerabilidade às pragas, por exemplo, é uma preocupação constante. Sem pesticidas convencionais cada infestação é uma batalha natural que, muitas vezes, se perde. A introdução de insetos benéficos para conter pragas ou o uso de biofertilizantes representa um custo adicional, tornando a logística do manejo um quebra-cabeça financeiro. Além disso, há as certificações rigorosas exigidas para que o produto receba o selo de orgânico, que Mariana descreve como "um segundo trabalho", com visitas e inspeções que, embora necessárias, absorvem ainda mais recursos.

No centro dessa cadeia está Cláudia Ramos, proprietária de uma loja de produtos orgânicos em São Paulo. De seu ponto de vista privilegiado, ela percebe o esforço e as dificuldades de seus fornecedores, mas também o descompasso entre o preço desses produtos e a percepção dos consumidores. Em cada item das prateleiras, Cláudia vê um microcosmo de esforço e idealismo, mas, ao explicar as diferenças entre orgânico e convencional, enfrenta um público que ainda considera o orgânico um luxo. Ela afirma que cada produto é uma história de sacrifício, e explica que o custo mais alto representa a vulnerabilidade da produção orgânica, que exige cuidados permanentes e colheitas menos previsíveis.

                                                                                           Close-up de plantas verdes na estufa

A produção orgânica, então, emerge como uma complexa equação de valores, sacrifícios e riscos. Cada um dos envolvidos—do campo à prateleira—carrega uma parte dessa carga, como se fosse um ciclo contínuo de compromissos, onde o ideal e o real se encontram e se confrontam. A busca pela pureza e pelo cuidado no cultivo se mescla a um cotidiano cheio de dificuldades, e o produto final se transforma numa espécie de narrativa silenciosa sobre perseverança e dedicação ao que se acredita ser o melhor para o futuro do planeta e do ser humano.

Doença que afeta cerca de 8 milhões de brasileiras ainda tem diagnóstico complicado e demorado
por
Giovanna Takamatsu
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12/11/2024 - 12h

Por Giovanna Takamatsu 

Eram 4h00min, talvez 5h00min, de algum dia da semana de 2017. Estava chovendo forte, uma daquelas tempestades com trovoadas, que deixa o céu totalmente escuro e tudo parece noite. Lara foi acordada por uma dor descomunal. Nunca tinha sentido algo assim antes em toda sua vida. Parecia que tinha sido atingida por uma faca ou um machado em sua perna direita. Ou então como se uma mão gigante estivesse apertando cada vez mais forte seus músculos da coxa. Ela não sabia o que fazer, pois não tinha nada aparentemente errado com seu membro; começou então a chorar e soluçar de tanta dor. Isso fez com que seus pais acordassem e checassem o que estava acontecendo. 

Sua mãe, que é farmacêutica, ao entender a situação, logo pensou em remédios disponíveis pela casa para tentar acabar com a dor, mas nenhum chegou nem perto de melhorar o sintoma de Lara – mesmo tomando remédios fortes, como codeína + paracetamol. O último recurso menos ‘drástico’ que sua mãe pensou foi uma massagem. A família tinha um massageador automático que esquentava enquanto agia. E por algum milagre, era exatamente isso que a adolescente precisava. Depois de uma longa hora - que pareceu uma sessão de tortura -, a dor de Lara finalmente diminuiu e ela conseguiu pegar no sono novamente. 

Um mês se passou sem que essa agonia voltasse, e Lara chegou a pensar que foi somente um episódio de dor de crescimento mais intensa– aqueles desconfortos que parecem uma mistura de câimbra e um apertão que acontecem com os pré-adolescentes – já que era muito comum disso acontecer com ela. Mas novamente, Lara acordou com aquele sofrimento, na mesma perna, no mesmo local. Não era possível. Dessa vez ela já sabia o que fazer, como proceder, mas precisa entender a causa dessa dor. 

Claro que a menina foi avisar sua mãe. E como se fosse uma epifania, a mãe percebeu sobre o que se tratava essas dores misteriosas. Ela já havia passado por algo parecido. Notou que ambas as vezes que essa dor na perna aconteceu, Lara estava menstruada. Esse era o ponto em comum entre as aflições. Só podia ser algo relacionado a isso. Fazia total sentido; ela sempre sofreu com sua menstruação: tinha dores e cólicas intensas nas costas, seu fluxo era intenso, já tinha o diagnóstico de Síndrome do Ovário Policístico (SOP) e seu ciclo era extremamente desregulado. 

Talvez seja endometriose, disse a mãe que lembrou ter tido isso quando era mais nova. Endometriose. Lara perguntou o que sua mãe fezpara resolver. Sua mãe foi enfática ao dizer que a gravidez, em sua época, era o tratamento mais comum. Mas Lara ainda era uma adolescente, e nem sabia se queria ter filhos. E o tratamento para a pior dor da vida não poderia ser engravidar.  Ela se sentiu em uma distopia, em ‘O Conto de Aia’. Lara foi procurar sobre essa tal de endometriose e na Internet viu que demora entre 4 a 10 anos para conseguir fechar o diagnóstico. 10 anos!!! E que não há cura, somente manejo dos sintomas. 

            O próximo passo lógico era ir à uma ginecologista. Lara não estava muito animada com isso já que entendeu que talvez demoraria anos e anos para resolver aquela situação. Mas enfim, ela foi. A ginecologista não deu muita atenção à queixa de Lara. Na consulta foram feitos os exames de rotina, e no final foi receitado uma pílula de gestrinona, que deveria bloquear totalmente sua menstruação, assim não teria nenhum sintoma relacionado a ela. Mas ainda sim não recebeu a confirmação de endometriose. 

Após alguns anos de dúvidas em seu diagnóstico, Lara decidiu a passar em outra ginecologista especialista em endometriose. Essa nova médica pediu que ela fizesse um exame de ressonância magnética da pelve, para identificar se havia focos de tecido endometrial fora do útero. Somente após que o exame voltou positivo, foi fechado o diagnóstico, ou seja, após 4 ou 5 anos do primeiro episódio de dor. Hoje, ela maneja seus sintomas com a pílula. Por se tratar de uma doença crônica, sua médica se preocupa com a questão de sua fertilidade, mesmo que Lara seja nova ainda. Demorou alguns anos, mas hoje Lara sabe que possuí uma rede de apoio médico que a auxilia em qualquer momento e respeita suas escolhas.   

Mas se sabe que essa realidade não é de todas as mulheres brasileiras com endometriose. Segundo o Ministério de Saúde, 1 em cada 10 mulheres sofrem com a endometriose. Isso são 8 milhões de brasileiras no total com essa doença. O diagnóstico dessa moléstia não é fácil, devido a inespecificidade dos sintomas, que podem significar muitas doenças ginecológicas. Mas o preconceito por parte de profissionais de saúde, que constroem estigmas cerca às aflições da mulher, afeta muito no tempo do diagnóstico e ressalta como as mulheres ainda não são levadas a sério nos diversos âmbitos sociais

Eliane tem 26 anos e é moradora do Campo Limpo, periferia de São Paulo. Desde adolescente, ela sofre com os sintomas da endometriose, tendo um quadro parecido com o de Lara: dores e cólicas fortes em diversas regiões próximas ao útero, fluxo intenso, ciclo desregulado. A principal diferença entre as mulheres é que, enquanto Lara conseguiu atenção médica e diagnóstico preciso já no início de sua dor, Eliane precisou de quase 10 anos para finalmente fechar seu diagnóstico. 

Isso se deve muito a desvalorização médica em casos de dores e cólicas uterinas. Eliane já escutou de profissionais da saúde em UBSs e UPAs que isso era normal da menstruação – o que não fazia o menor sentido em sua cabeça; não é normal uma dor que parece que suas pernas, seu abdome, suas costas estão sendo esmagadas. Ela se sentia ignorada toda vez que tentava falar sobre o assunto, e, de certa forma, ela desistiu de procurar ajuda para aquelas dores terríveis que tinha todos os meses. 

Aos 22 anos, Eliane conheceu seu atual marido. O casal começou a tentar engravidar, mas isso nunca se concretizou. Após 1 ano de tentativa, Eliane decidiu que iria passar por uma ginecologista para entender o que estava acontecendo. Essa médica não deu muita importância para as queixas de dor intensa, e alegou que era normal. Mas, para desencargo de consciência, a ginecologista pediu que ela realizasse o ultrassom transvaginal com preparo intestinal – prática comum para o diagnóstico de endometriose, uma vez que, com as alças do intestino vazias, a visualização dos focos de tecido é mais fácil – tanto para a endometriose quanto para o problema de fertilidade. 

Finalmente, no retorno da consulta, Eliane recebeu seu diagnóstico: endometriose. Entretanto, pelos anos que ela passou sem tratar essa doença, ela desenvolveu problemas de fertilidade. Hoje, ela realiza tratamentos que auxiliam resgatar sua fertilidade, mas ainda não conseguiu carregar uma gestação a termo. 

     

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Para além de desafios científicos, programas de planejamento familiar frequentemente ignoram a necessidade de inclusão dos homens nas decisões reprodutivas
por
Laura Mariano
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23/10/2024 - 12h

Desde da década de 1960, esforços têm sido feitos para desenvolver um método contraceptivo masculino que seja reversível e possua uma eficácia comparável, ou até superior, à da pílula anticoncepcional. Contudo, até o presente momento, esse produto não chegou ao mercado. Ainda que a pesquisa sobre contraceptivos masculinos seja conduzida desde a introdução dos métodos contraceptivos femininos à população, os métodos convencionais de contracepção continuam predominantemente focados no controle da fertilidade das mulheres.

As razões abrangem desde os desafios fisiológicos do sistema reprodutivo masculino, uma vez que isso implica na redução das taxas de testosterona, podendo levar a problemas de função erétil e incapacidade de conceber, até a insuficiente dedicação por parte da indústria farmacêutica e aos estigmas associados aos diversos métodos potenciais, sejam eles baseados em hormônios ou de natureza de bloqueio, como exemplificado pelo Risug — Inibição Reversível do Esperma sob Orientação: um conceito que atraiu interesse desde o início de suas pesquisas nos anos 1970.

Dessa ideia, surgiu o Risug que injeta um polímero — popularmente conhecido como gel, chamado SMA (anidrido maleico de estireno) — no canal do deferente que, próximo à bolsa escrotal, inibe a passagem do fluido espermático local. Como alternativa, o procedimento promete, de acordo com estudos em modelos animais, esterilidade em até 10 anos.

O Instituto Indiano de Tecnologia (IIT), que estuda o procedimento com SMA, divulgou que os testes estão em estágio avançado e o Risug estaria disponível para a população. Isto é, caso haja a liberação dos órgãos reguladores de cada país, como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), no Brasil. A injeção contraceptiva chegaria ao mercado valendo, em média, R$400,00, segundo o IIT.

O médico urologista do Centro de Medicina Sexual do Hospital Sírio Libanês, Celso Gromatsky, explicou que existe a possibilidade de reversibilidade do procedimento através de uma nova injeção no deferente, com uma mistura de bicarbonato de sódio e ácido dinitrosalicílico (DNS), um composto de moléculas redutoras.

“O gel atua na motilidade do esperma. Então, o indivíduo vai ejacular normalmente, só não vai conter espermatozoide. Há uma semelhança com a vasectomia, ou seja, o mecanismo é mais ou menos o mesmo, a diferença é que a reversibilidade do Risug é mais simples”, afirma Gromatsky.

Métodos contraceptivos espalhados com um fundo rosa
Nova método contraceptivo masculino foi eficaz em reduzir a fertilidade em testes do Instituto Indiano - Fonte: Freepik
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Mesmo assim, não parece a solução perfeita. Os espermatozoides ainda conseguem ultrapassar a barreira, e quando entram em contato com SMA, após uma transformação química, acabam sofrendo defeitos morfológicos, fragmentação do DNA e habilidade e fertilização prejudicada. Para além disso, os métodos propostos à população masculina ainda apresentam taxas de insucesso, além dos riscos de reversão, infertilidade e obstruções locais. 

A partir do momento em que os primeiros estudos sobre esse assunto foram divulgados, os pesquisadores enfrentam desafios para introduzir os medicamentos na indústria farmacêutica, dado que a taxa de eficácia se destaca como um fator de risco significativo. Ao analisar os resultados, a pílula anticoncepcional feminina, por exemplo, emerge como um dos métodos mais seguros quando utilizado de forma adequada, demonstrando uma eficácia de 99,9% dos casos.

“É muito caro produzir medicamentos, ainda mais quando falamos de uma situação na qual existem métodos muito mais efetivos. A pílula feminina, por exemplo, tem um perfil de segurança e um custo benefício maior, né? Tem que ser um produto que seja tão eficaz e tão seguro quanto, para ser lançado ao mercado”, afirma Erick José Ramo da Silva, doutor em Farmacologia e professor do Departamento de Biofísica e Farmacologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).

A sociedade contemporânea está mais inclinada a deixar a responsabilidade de controle da reprodução para mulheres. Uma possível razão para essa situação é que, em sua grande maioria, a determinação da fertilidade é conduzida pelas mulheres, uma vez que são elas que enfrentam os riscos associados à gravidez e desempenham predominantemente o papel principal na criação dos filhos. Como resultado, a maioria dos métodos contraceptivos é voltada para o público feminino, deixando apenas três opções disponíveis para o público masculino: preservativo, vasectomia e o método de retirada.

“Estamos no século XXI, a vasectomia existe há mais de um século e existem homens que acreditam que o procedimento impactaria no desempenho sexual. Por isso, o advento do anticoncepcional masculino no mercado possibilita compartilhar a responsabilidade da gravidez de forma igualitária entre parceiro e parceira”, pondera Celso Gromatsky. 

No presente, em que se enfatiza tanto a necessidade de os homens assumirem suas responsabilidades reprodutivas, fica mais evidente essa lacuna de conhecimento e cada vez mais evidente a reivindicação da participação masculina no mérito da reprodução, bem como sua percepção acerca dos diferentes papéis de gênero em relação às decisões sobre quando ter relação sexual e uma gravidez.

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Diego Prado e Sarah Santos
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07/11/2019 - 12h
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Girassol: um dos símbolos do setembro amarelo

Setembro é considerado o mês da prevenção ao suicídio. A campanha brasileira iniciada em 2015 é uma ação do Centro de Valorização da Vida (CVV), do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Uma pesquisa da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo) informa que a taxa entre os adolescentes que vivem nas grandes capitais aumentou quase 25% entre 2006 e 2015 e, ainda, o estudo comprova que os jovens do sexo masculino cometem o suicídio até três vezes mais. 

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Logo campanha “falar é a melhor solução” - foto: divulgação

O dia 10/09 é considerado, desde 2003, o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio. Os especialistas acreditam que a precaução é a melhor forma de ajudar. Por isso, no mês nove são organizados eventos com debates sobre o suicídio, alertando a população sobre a conscientização. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) a medida preventiva auxilia 90% dos casos. 

O psicólogo e professor da PUC-SP Marcelo Borelli explica “com certeza boa parte das tentativas de suicídio ou mesmo o suicídio poderiam ser evitados se de fato houvesse um acompanhamento mais próximo dessa pessoa, se ela tivesse seu espaço para poder falar o que está sentindo, se ela puder pensar sobre questão da vida dela”. Borelli ainda conta que é muito importante chamar atenção para a questão do suicídio e da saúde mental no mês de setembro, mas, que esse assunto precisa ser discutido, inclusive com campanhas, ao longo do ano. 

Considerado um problema de saúde pública com 32 mortes diárias, o estado do Rio Grande do Sul registra a maior taxa, 10,2 suicídios por 10 mil habitantes, dados do Ministério da Saúde de 2010.  A campanha “falar é a melhor solução” busca maior visibilidade à causa e, para isso, ilumina e pinta lugares ou pontos estratégicos para chamar atenção da população. 

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            Congresso Nacional em campanha pelo Setembro Amarelo - foto: divulgação

 

Lucas Ganemian, jornalista, foi diagnosticado com depressão há menos de dois meses e falou como o apoio da família foi primordial “acredito que ao falar com meus pais, apesar da preocupação que eles tiveram, consegui procurar ajuda rapidamente. Eles, com meu irmão e meu cunhado me deram total apoio”. 

O diálogo constante é importante principalmente devido a alguns mitos que as pessoas, sem informação, falam como por exemplo “quem ameaça se matar, está querendo chamar atenção”. O especialista explicou “isso (esses mitos) é muito triste. Na verdade, a pessoa que tem depressão está sofrendo muito, um sofrimento que ela não tem controle, ela não tem vontade de fazer as coisas mais simples”. Ele ainda esclareceu que apenas a comunicação consegue mudar essas  narrativas. 

“Minha família nunca foi uma opção de conversa, porque eles são muito fechados, eu sinto que eles não entendem, eles acham que é uma besteira, que é só pensar positivo que vai passar” relatou uma estudante que prefere não ser identificada e sofre de depressão há 11 anos, ao menos quatro vezes tentou se matar. Ela ainda nos contou como seu ex namorado tratava a depressão dela “ele não entendia nem um pouco o que eu sentia, o que eu tinha. Ele não deixava eu chorar, porque, segundo ele, chorar é um sinal de fraqueza”.

Mayllon Soares, professor de educação física, namorou por dois anos uma mulher que tem depressão. Ele acredita que ela desenvolveu no relacionamento anterior que aparentava ser abusivo. Ele ainda comenta “tomei alguns cuidados depois que fiquei sabendo da depressão. Um deles, foi marcar uma sessão com a psicóloga dela para entender melhor como eu poderia ajuda-la superar a depressão de maneira mais rápida”.

O desemprego também tem sido um fator de risco das tentativas de suicídio.  Borelli concorda com isso quando afirma “acho que parte disso tem a ver com o modo que a nossa sociedade está estruturada. As pessoas mais velhas, além de se sentirem mais sozinhas, não tem lugar no mundo. Os jovens por outro lado, vão sentindo cada vez mais uma pressão sobre o seu futuro, então, muitas vezes a vida pode ficar mais rasa, mais superficial. Aí a gente pode pensar que essas duas populações estão mais vulneráveis”.

“Meu primeiro gatilho foi o bullying e também a falta de atenção dos meus pais. O segundo, foi recentemente, faz um ano, meu ex-namorado era muito abusivo, ele me maltratava muito, meio que me abusava sexual e psicológicamente. Com isso, eu piorei e tenho recaídas até hoje, mas eu estou melhorando, sendo acompanhada, tendo bom amparo” contou a estuante.

Quem pensa que só pessoas do anonimato sofrem com depressão, estão enganadas. Diversos casos já foram relatados por celebridades, como a atriz internacional Catherine Zeta-Jones, o ator Jim Carrey a cantora Adele, o ator brasileiro Selton Mello e a atriz Adriana Esteves. Alguns casos são mais graves, Sophie Turner, famosa pelo seu papel de Sansa Stark em Game of Thrones, disse que pensou várias vezes em suicídio. Ela ainda disse que acredita que sofreu muito pela profissão que escolheu, diferente dos seus amigos de escola. Outros famosos que já assumiram que sofrem depressão e que também pensaram em cometer suicídio foram a cantora Demi Lovato e Paula Fernandes.

  A OMS estabeleceu a meta de reduzir em 10% os casos de mortes por suicídio até 2020. 

 No mês de setembro algumas ações no Brasil foram realizadas:

  • Vozes do silêncio: música de Carlinhos Brown em parceria com a CVV para a campanha #falarpodemudartudo. 
  • Sessão de terapia: série do GloboPlay está aberta a todos durante o mês de Setembro, sendo um convite à cuidar da saúde mental. 
  • Grande labirinto de girassóis (15/09): mais de dois mil girassóis foram espalhados no Largo da Batata em São Paulo, com o desejo de acabar com o preconceito e o silêncio sobre a depressão. 
  • Corinthians espalha girassóis pela arena (21/09): antes do jogo contra o Bahia, uma campanha alerta sobre depressão e suicídio, com o lema: “Na direção da vida - Depressão sem Tabu”, 70 crianças acompanharam os jogadores segurando girassóis.
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Crianças segurando girassóis antes de entrar com os jogadores do Corinthians no campo - foto: divulgação

 

  • 4ª Caminhada pela Vida – Encerramento do Setembro Amarelo:

Data: 29/09 | a partir das 9h30

Local de saída: Av. Paulista, 37 – em frente à Casa das Rosas

Organização: CVV

Apoio: Uninove | Coren | Ecofit | Rede Social do Centro

Participação: Gratuita

Informações: cvvsp@cvv.org.br

  A ONG mais antiga do país ajuda no apoio emocional e prevenção ao suicídio, a “CVV: Como vai você?” está disponível 24h pelo telefone 188 gratuitamente, chats no site https://www.cvv.org.br/ e pessoalmente.  

A cor amarela:

Por detrás da cor, de acordo com a Associação Catarinense de Psiquiatria, há uma história: Em 1994, um americano de 17 anos, chamado Mike Emme, tirou a vida dirigindo seu carro amarelo. Seus amigos e familiares distribuíram no funeral cartões com fitas amarelas e mensagens de apoio para pessoas que estivessem enfrentando o mesmo desespero de Mike, e a mensagem foi se espalhando mundo afora.

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