Em São Paulo, a rotina de um motorista de aplicativo revela como o trabalho passou a ser guiado por notificações, cansaço digital e um cotidiano moldado pelo brilho constante do celular
por
Carolina Hernandez
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24/11/2025 - 12h

 

Por Carolina Hernandez 

O celular vibra antes que qualquer clarão toque os prédios da Mooca, e essa vibração curta, metálica e insistente desperta Jonas de um sono leve, como se fosse uma convocação, um chamado que não permite adiamentos. Ele estende a mão ainda no escuro, alcança o aparelho, observa a luz que se espalha pelo quarto e lê a notificação do aplicativo que já anuncia alta demanda, fluxo intenso, oportunidade. Nos últimos anos, aprendeu a acordar assim, preso ao brilho do celular antes mesmo de sentir o chão frio sob os pés. O trabalho começa na tela, e não na rua.

No carro, um sedan prata que carrega o desgaste dos dias longos, Jonas encaixa o celular no suporte. O gesto é tão automático que parece parte do ritual de ligar o motor, como se o carro só funcionasse plenamente depois que o aplicativo estivesse ativo. A tela mostra a cidade em azul e amarelo, um mapa vivo onde cada área fervilha com informações que determinam para onde ele deve ir, quanto irá ganhar, quanto tempo deve esperar. O aplicativo calcula rotas, horários, riscos e recompensas, e Jonas respira fundo antes de seguir, como quem aceita que o destino do dia será guiado por aquele retângulo luminoso.

A primeira corrida aparece em menos de quinze segundos. Ele aceita. O carro avança devagar pelas ruas que ainda não despertaram, e Jonas observa o céu sem forma, as luzes dos postes refletidas no capô, o reflexo da tela pressionando seus olhos desde a madrugada. Logo, o trânsito cresce, e a cidade parece surgir inteira de dentro dos celulares dos próprios motoristas, porque ninguém conduz apenas pelas ruas, todos conduzem pelos mapas, pelas notificações, pelas coordenadas enviadas de longe.

A dependência da tela dita o ritmo. Jonas percebe isso a cada minuto. Ignorar uma notificação pode significar perder corridas, perder pontos, perder visibilidade diante do algoritmo. Ele sabe que o sistema registra cada movimento, cada segundo parado, cada mudança de rota, cada hesitação. Uma espécie de patrão silencioso observa sua velocidade, suas notas, seus cancelamentos, suas escolhas. Não há voz, não há rosto, mas há controle. Ele comenta que antes achava que dirigia para pessoas, e hoje sente que dirige para um conjunto de cálculos invisíveis.

O cansaço começa sempre pelos olhos. A luz azulada se infiltra pelas pálpebras como um grão de areia persistente. Mesmo nos poucos minutos de pausa, ele sente o celular vibrar no bolso, chamando de volta, lembrando que há demandas próximas. A Pesquisa TIC Domicílios mostra que o celular tornou-se o principal dispositivo de acesso à internet para a maioria dos brasileiros, mas, para motoristas de aplicativo, é mais que isso, é ferramenta, ponte, segurança, salário e vigilância. Jonas passa mais tempo olhando para a tela do que para qualquer rosto durante o dia.

Os passageiros entram no carro sempre com pressa, sempre conectados a outra conversa que não está ali. Há estudantes que assistem aulas no banco traseiro, executivos que participam de reuniões por vídeo, mães que equilibram sacolas e chamadas, jovens que respondem mensagens durante trajetos de poucas quadras. O carro se transforma em cápsula de passagens breves, onde cada um leva sua própria tela, e Jonas conduz tantas luzes simultâneas que, às vezes, o interior do carro parece mais iluminado durante a noite do que durante o dia.

Ele já ouviu histórias que não estavam destinadas a ele, conversas que vazavam das telas para o espaço do carro, lágrimas silenciosas de quem lia mensagens difíceis, risadas altas de grupos que relembravam memórias por vídeos compartilhados. Jonas sempre percebe que as pessoas falam menos com ele e mais com seus celulares, que olham menos pela janela e mais para notificações. Nos raros momentos de silêncio, apenas as telas respiram, emitindo luzes diferentes em intervalos variados.

No fim da tarde, quando o corpo já pesa, o aplicativo avisa aumento de demanda. Jonas pensa em parar, mas o aviso insiste, promete ganhos extras, sinaliza movimento crescente. Ele encosta em um posto para comprar um café, tenta alongar as costas, tenta piscar devagar para aliviar a ardência nos olhos. O celular vibra antes da primeira golada. Ele volta para o volante. Recusar seria uma escolha, mas uma escolha com consequências. Descanso e trabalho, na lógica do aplicativo, nunca estão em equilíbrio.

A madrugada avança e a cidade se torna uma paisagem de luzes espaçadas, com corredores vazios e poucos ruídos. Jonas leva um jovem que saiu do trabalho no shopping, e o rapaz passa o trajeto inteiro olhando para o celular enquanto mensagens surgem em sequência. Jonas também observa o seu próprio aparelho, que marca a rota até o destino. O carro segue pelas avenidas escuras com apenas as duas telas iluminando o interior, criando um silêncio que parece suspenso no ar.

Quando chega em casa, Jonas desliga o carro, depois o aplicativo, e por fim o celular, que insiste em vibrar com atualizações e resumos do dia. A sala escura o acolhe em um silêncio que chega a parecer estranho, como se o mundo tivesse diminuído de volume. Ele se recosta no sofá e sente o peso acumulado do dia, não apenas o peso físico, mas o peso da luz constante, da atenção exigida, da vigilância permanente que o acompanha desde o amanhecer. O corpo quer descanso, mas a mente ainda repassa rotas, mensagens, barulhos de notificação que permanecem mesmo após a tela apagar.

Amanhã, muito antes de a luz do sol tocar a janela, o celular irá vibrar novamente, e Jonas atenderá, não por escolha, mas por necessidade. Ainda assim, enquanto respira profundamente, sente uma dúvida surgir devagar, como quem desperta de um sonho longo. Ele se pergunta se ainda guia o carro, se ainda conduz o trajeto, ou se apenas segue o ritmo imposto pela tela que nunca dorme. E essa pergunta, ele sabe, continuará voltando. Porque, na madrugada das grandes cidades, o trabalho e a vida estão cada vez mais presos ao mesmo brilho.

Com o avanço do sistema de pedágio eletrônico nas rodovias paulistas, motoristas vivem a combinação entre fluidez no trânsito e incertezas sobre tarifas, prazos e adaptação ao novo modelo.
por
Inaiá Misnerovicz
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25/11/2025 - 12h

Por Inaiá Misnerovicz

 

Dirigir pelas rodovias da Grande São Paulo já não é mais como antes. Com a chegada do sistema free-flow - o pedágio eletrônico sem cancelas -, muitos motoristas sentem que atravessam uma fronteira invisível: não há mais a cancela para frear o carro, mas também não há a certeza imediata de quanto vão pagar. Para Jerônimo, motorista de carro, morador da zona leste de São Paulo que faz quase todos os dias o trajeto até Guararema a trabalho, essa sensação de fluxo e incerteza convive em cada viagem.

Antes da implantação do free-flow, Jerônimo parava em praças de pedágio, esperava, conferia o valor, calculava se valia a pena seguir por um trecho ou desviar. Hoje, ao cruzar os pórticos da Via Dutra ou de outras rodovias, ele simplesmente segue adiante. Só depois, no no aplicativo, descobre quanto foi cobrado, isso quando ele lembra de conferir a fatura. Para quem tem TAG, o débito cai automaticamente, mas para quem não tem, o sistema registra a placa e envia a cobrança que deve ser paga em até 30 dias, sob pena de multa, como prevê a regulamentação da CCR RioSP.

Esse modelo evita paradas e acelera o tráfego, especialmente nas pistas expressas. Segundo a concessionária Motiva/RioSP, quem trafega pelas marginais da Via Dutra (sem acessar a via expressa) não é tarifado. Mas Jerônimo ressalta que essa economia de tempo nem sempre vem acompanhada de previsibilidade de custo: “só sabendo depois quanto foi cobrado, ainda dependo de consultar o site para ver se registrou todas as passagens”, ele diz. A tarifa depende do horário e do dia da semana, pode variar, e para quem usa TAG há desconto de 5%. 

Para tornar essa transição mais suave, a RioSP intensificou ações de orientação nas margens da rodovia e em pontos públicos de Guarulhos. Na capital, promotores usam realidade virtual para explicar como os pórticos funcionam, há vídeos e atendimentos nos postos de serviço. Mais de 500 pessoas já participaram de eventos para esclarecer dúvidas sobre o funcionamento, formas de pagamento e salto entre pistas expressas e marginais.

As novas tarifas também entraram em vigor recentemente: desde 1º de setembro de 2025, os valores para veículos leves nas praças da Via Dutra foram reajustados pela ANTT, e nos pórticos do free-flow os preços também foram atualizados. No caso das rodovias geridas pela Concessionária Novo Litoral - especificamente a SP-088 (Mogi-Dutra), SP-098 (Mogi-Bertioga) e SP-055 (Padre Manoel da Nóbrega) - os valores por pórtico variam de R$ 0,57 a R$ 6,95 para veículos de passeio, dependendo do trecho.

Essa lógica de cobrança por trecho, sem a presença física de praças, exige do motorista algo além de atenção na pista: exige educação para se entender onde entrou, onde passou e quanto isso custou. Para Jerônimo, isso é mais difícil do que simplesmente parar e pagar. Ele admite que, apesar da melhoria no fluxo, teme que algum pórtico não tenha sido registrado, ou que haja diferença entre o que ele acredita ter passado e o que vai aparecer na fatura.

Além disso, há risco real para quem não paga no prazo. A CCR RioSP adverte que a não quitação da tarifa em até 30 dias configura evasão de pedágio, o que pode gerar infração de trânsito, multa fixada e até pontos na carteira. Para muitos, essa penalidade ainda parece pesada diante da novidade e da complexidade do sistema.

Por outro lado, o free-flow traz ganhos concretos para a mobilidade: ao eliminar paradas bruscas nas praças, reduz o risco de acidentes por frenagem repentina e melhora o desempenho das rodovias. A tecnologia permite modernizar a gestão do tráfego, e os pórticos com sensores garantem identificação precisa por TAG ou leitura de placa. Ainda assim, a transformação não se resume à pista. Ela repercute no cotidiano de quem vive dessa estrada, como Jerônimo, e também na forma como a concessionária se relaciona com os motoristas. A campanha de orientação mostra que há consciência de que nem todos se adaptarão imediatamente. As ações de atendimento por WhatsApp, aplicativo, site, totens e até no posto de serviço reforçam a aposta na transparência. 

Há também a perspectiva de que esse modelo se torne cada vez mais comum. Segundo planejamento de concessões futuras, mais pórticos free-flow poderão ser instalados nas rodovias paulistas até 2030, o que tornaria esse tipo de cobrança mais frequente para usuários regulares da malha estadual. Mas para que ele seja efetivamente equitativo, será preciso manter a educação viária, oferecer canais de pagamento amplos e garantir que os motoristas não sejam penalizados por simples falhas de entendimento.

Para Jerônimo, a estrada continua sendo um espaço de tensão e de liberdade. Ele ganha tempo, mas precisa vigiar sua fatura. Ele cruza Guararema, volta para São Paulo, e vive uma experiência nova: a de rodar e pagar depois, sem parar, mas sempre com a incerteza de que quanto passou pode não ser exatamente quanto será cobrado. A cancela desapareceu, mas o pedágio segue presente, só que disfarçado em números, e não em uma barreira física. 

Colunista Marcelo Leite revela que a área perde cada vez mais influência no país
por
Giovanna Britto
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24/11/2025 - 12h

 

Durante a pandemia de Covid-19, o Brasil se reinventou em assuntos a respeito de hábitos higiênicos, debates sobre saúde mental e destacou a importância do jornalismo científico, área  responsável por comunicar à população a respeito das vacinas, o avanço ao combate do vírus e outros assuntos de saúde pública. Entretanto, três anos após o fim do estado emergencial causado pela pandemia, a falta de adesão do público à ciência tem ameaçado o trabalho dos jornalistas desse segmento.

Entre 2020 e 2022, os profissionais da mídia foram expostos ao desafio de comunicar a incerteza científica, traduzir termos e conscientizar a sociedade sobre a pandemia. Muitos jornalistas já eram especializados na área, outros aprenderam a falar sobre ciência devido a alta demanda de notícias para divulgar. A pandemia serviu como ponto de virada para o jornalismo científico - que já existia no Brasil, mas ganhou repercussão graças à necessidade de dar foco ao assunto que ditou o estilo de vida de um mundo inteiro.

Nomes como Atila Iamarino, Natália Pasternak e Álvaro Pereira Júnior se destacaram como grandes vozes da divulgação do jornalismo de ciência. Em entrevista à AGEMT, Marcelo Leite, jornalista e colunista da Folha de São Paulo especializado na área de ciência e ambiente, comenta sobre esse período: “Nunca se valorizou tanto do ponto de vista de espaço, de tempo, de audiência, a divulgação de informações científicas de base para entender o que estava acontecendo.” Hoje, o espaço de fala e a repercussão em temas científicos são menores, uma vez que as pessoas estão cada vez menos interessadas em saber de que forma isso implica em suas vidas pessoais.

Jornalista Marcelo Leite posando para câmera
Formado em jornalismo pela USP, Marcelo também atuou na Revista Piauí e é autor do livro “Psiconautas: Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira”. Foto: Divulgação/Unicamp.

 

Marcelo relembra que o jornalismo científico já sofria com ameaças à sua credibilidade, com falsos especialistas, médicos sem conduta ética e  com o presidente da época, Jair Bolsonaro, reproduzindo falas que levantavam mais dúvidas e ondas de ódio. “Foi um período terrível, e talvez a parte principal, que me deixa mais frustrado, é que o público se dividiu em dois. Uma parte passou  a desconsiderar as informações que a gente, do jornalismo científico, se esforçava por apresentar como informações objetivas, fundadas em dados, com a qualidade que se espera da ciência ", completa.

Na fase posterior à pandemia, após o declarado fim do período emergencial do coronavírus em 5 de maio de 2023, foi possível observar as consequências e heranças que a abundância de informações equivocadas, negacionistas e falsas deixaram na rede de informação, seja online ou offline. Os movimentos anti vacinas, impulsionados durante o Covid, emitiram um alerta para a Organização Mundial de Saúde. Dados divulgados pelo jornal Humanista da UFRGS evidenciam que a cobertura de vacinas contra poliomielite, HPV e sarampo estão em constante queda e sequer atingem a meta em lugares como Norte e Nordeste. 

No anuário de Vacinas de 2025 da Unicef, os dados indicam que até 14 de julho de 2025, a cobertura vacinal dos grupos prioritários permanecia abaixo da meta de 90%: crianças de seis meses a seis anos com 39,5%, idosos com 53,2% e gestantes com 29,8%, correspondendo a menos da metade do público-alvo.

A questão ambiental também é desconsiderada por muitas pessoas. Marcelo afirma que há muitos temas pelos quais o jornalismo científico lutou pelo progresso e que atualmente são banalizados. “se houve alguma dúvida no passado, há 20, 30 anos atrás, hoje não há mais nenhuma dúvida sobre os impactos que estão vindo e virão da mudança climática, cada vez mais sérios. Mas ainda tem gente que questiona.”

Recentemente, casos de metanol que alertaram a população em outubro deste ano, trouxeram uma onda de informações falsas que prejudicaram profissionais da área jornalística e médica, motivando o pronunciamento deles a respeito. Vídeos tentando realizar testes caseiros para identificar a presença da substância nas bebidas, sem comprovação científica, viralizaram nas redes sociais.

Essa situação se assemelha com as polêmicas envolvendo o uso da cloroquina na pandemia. Um levantamento realizado por pesquisadores do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário da USP (Cepedisa) em colaboração com a Conectas Direitos Humanos, mostra que, entre março de 2020 e janeiro de 2021 houve pelo menos quatro medidas federais promovendo diretamente ou facilitando a prescrição do medicamento. Jair Bolsonaro foi um dos maiores promotores da cloroquina na época e quem motivou o uso para a população. Apesar de ter sido associada no combate ao Covid, a cloroquina é um medicamento que atua contra doenças inflamatórias crônicas e no combate a parasitas e cuja eficácia de uso para o coronavírus não é comprovada.

O estudo que deu início a essa ideia foi inicialmente publicado na revista científica International Journal of Antimicrobial Agents e assinado por mais de 10 profissionais. Hoje, a editora da revista, Elsevier, anunciou a retratação deste artigo após uma pesquisa aprofundada, com o apoio de um “especialista imparcial que atua como consultor independente em ética editorial”.

Os profissionais continuam exercendo seu trabalho com excelência, alguns optando pela mídia tradicional, outros inovando nas redes através de vídeos curtos. Mas é inegável a forma com que o jornalismo científico perdeu a influência e como falta apoio em todas as áreas. “É muito triste, porque eu dediquei minha vida inteira ao jornalismo científico, para ver isso acontecer no fim da minha carreira” conclui o jornalista.

Após sete anos, evento volta ao calendário impulsionado pelo avanço dos carros eletrificados
por
Fábio Pinheiro
Vítor Nhoatto
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22/11/2025 - 12h

O Salão Internacional do Automóvel de São Paulo, um dos eventos mais tradicionais do setor automotivo brasileiro, está de volta após um hiato de sete anos. A edição de 2025 acontece entre os dias 22 e 30 de novembro, em um contexto de profundas transformações na indústria e impulsionada pela expansão de veículos eletrificados, entrada de novas marcas no país e a necessidade das montadoras de reconectar consumidores às experiências presenciais.

De acordo com a RX Eventos, organizadora da mostra bienal, a volta acontece em razão da reestruturação e aquecimento do mercado. A última edição havia sido realizada em 2018 e contou com cerca de 740 mil visitantes, mas devido a pandemia de COVID-19 o Salão de 2020 foi cancelado. Nos anos seguintes, a volta do evento ficou só na especulação. Segundo a Associação Nacional de Fabricantes Automotores (Anfavea), a pausa também pode ser atribuída à crise de matéria-prima, à retração econômica deste então e ao formato caro para as montadoras que estavam distantes do público.

Embora as duas últimas edições tenham sido no São Paulo Expo, esta acontece no Complexo do Anhembi, casa oficial do evento desde 1970. A mudança foi celebrada por expositores e pelo público, já que o Anhembi permite maior fluxo de visitantes, oferece áreas amplas para test-drive e atividades externas, recuperando a identidade histórica do salão. O retorno também faz parte da estratégia de reposicionar o evento como uma grande vitrine de experiências automotivas, com pistas, ativações e zonas imersivas distribuídas pelo pavilhão.

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Renault anuncia o seu novo carro “Niagara” - Foto: Fábio Pinheiro

Entre as montadoras que vão expor, estão nomes de peso que apostam na ocasião para apresentar novidades ao consumidor brasileiro. A BYD leva ao Salão uma linha reforçada de elétricos e híbridos, aproveitando o crescimento expressivo da marca no Brasil, além de lançar no evento a marca de luxo do grupo, Denza. A rival chinesa GWM também estará presente, com o facelift do SUV H6, o jipe Tank 700 e a minivam Wey 09.

Em relação às marcas tradicionais, a Stellantis vai em peso para o Anhembi. A Fiat, apesar de não ter apresentado nenhum modelo novo, trará o Abarth 600, um SUV elétrico esportivo. A Peugeot terá os 208 e 2008 eletrificados e, principalmente, o lançamento da nova geração do 3008 para o mercado nacional, equipado com o tradicional motor THP. 

Enquanto isso, a Toyota investe na divulgação de novidades híbridas flex, com a chegada do Yaris Cross para brigar com o recém-lançado HR-V, e os líderes Hyundai Creta e Chevrolet Tracker. Juntas, as marcas representam parte do movimento de transformação do mercado brasileiro, que tem apostado cada vez mais na eletrificação e em tecnologias avançadas para rivalizar com a expansão chinesa.

O Salão 2025 também será palco de novas marcas como a Leapmotor, parte do grupo Stellantis. O SUV C10 será o primeiro modelo a chegar às ruas, ainda neste ano, e conta com a versão elétrica (R$189.990) e com extensor de autonomia (R$199.990). O segundo modelo será e o C-SUV elétrico B10, por R$172.990, 60 mil a menos que o rival BYD Yuan Plus, e mais recheado de tecnologia, como teto panorâmico, nível 2 de condução semi autônoma, câmera de monitoramento do motorista e airbag central.

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Presidente da Stellantis para a América do Sul, Herlander Zola, anunciou os planos para o grupo - Foto: Stellantis / Divulgação

Já a britânica MG Motor, propriedade da chinesa SAIC, investirá em esportividade elétrica, além de custo-benefício. O modelo de maior volume de vendas deve ser o SUV S5, rival de Yaun Plus, e igualmente equipado ao B10. Em seguida, o MG 4 chega para rivalizar com Golf GTI e Corolla GR, com mais de 400 cavalos, tração integral, pacote de ADAS completo, e pela metade do preço dos rivais. Por fim, o Roadster será o chamariz de atenção no estande, com portas de lamborghini e em homenagem à tradição da marca. 

O grupo CAOA também fará a estreia da nova marca que trará ao Brasil a Changan, com a chegada prevista para 2026 com os modelos de super-luxo elétricos Avatr 11 e 12, além do SUV UNI-T, rival do Compass e Corolla Cross. 

O pavilhão do Anhembi contará com pistas de test-drive, áreas dedicadas a modelos clássicos como o McLaren de Senna, e até mesmo uma área do CARDE Museu. No Dream Lounge estarão presentes super carros como Ferrari e Lamborghini, além da Racing Game Zone para os amantes de videogame e simuladores de corrida. 

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Área externa do Anhembi terá pista de slalom, frenagem e test-drive de dezenas de modelos - Foto: Salão do Automóvel / Divulgação

Apesar da ausência de marcas como Chevrolet, Ford, Mercedes, Volvo e Volkswagen, 2520 montadoras estarão presentes, incluindo Chery, Hyundai, Mitsubishi e Renault. O Salão espera receber cerca de 700 mil visitantes e a edição 2027 já está confirmada. Os ingressos custam a partir de R$63 (meia-entrada) nos dias de semana.

Projeto aprovado pelo Congresso libera R$ 22 milhões do Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT)
por
Helena Barra
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17/11/2025 - 12h

Por Helena Barra

 

No dia 4 de agosto de 2025, o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou o Projeto de Lei 847/2025. O plano, aprovado pelo Congresso brasileiro, regulamenta o uso dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), liberando o valor de R$ 22 bilhões para investimentos nas áreas da ciência e tecnologia.  O FNDCT é o principal instrumento de financiamento público da ciência, tecnologia e inovação no Brasil. Ele apoia pesquisas científicas, a formação de recursos humanos qualificados, a inovação tecnológica nas empresas, a infraestrutura de pesquisa e o desenvolvimento de projetos estratégicos nacionais.

A professora de economia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Norma Cristina Brasil Casseb, explica que fundos como o FNDCT possuem legislação própria. No caso do FNDCT, segundo dados da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), os recursos são provenientes de diversas fontes. A composição deles evidencia o importante papel do Estado tanto no direcionamento de incentivos diretos do orçamento público e do tesouro, quanto na garantia de que parte dos lucros obtidos pelas empresas do setor detentor e gerador de tecnologia retorne para a sociedade e permita que ela se desenvolva de forma mais igualitária.

Nas redes sociais, o presidente Lula, afirmou que a medida visa fortalecer a base industrial brasileira. “Com essa medida, vamos fortalecer a inovação nas seis missões da Nova Indústria Brasil e nas Instituições Científicas e Tecnológicas, levando infraestrutura, redes de pesquisa e oportunidades para todos os territórios do país. Investir em pesquisa e inovação é investir no futuro do Brasil”, comentou na divulgação.  Além disso, o projeto também tem como objetivo estimular o emprego qualificado em pesquisa e desenvolvimento, de maneira a ampliar o número de doutores em empresas, startups, parques tecnológicos e instituições de ensino. 

Para Norma Casseb, em um país como o Brasil, com alta desigualdade social e elevada concentração de renda, a liberação deste recurso é importante, não só para a sociedade, mas como para a economia nacional. “Neste contexto, o investimento em tecnologia e inovação, combinado a uma estratégia voltada para a industrialização do país, tem uma alta capacidade de geração de empregos de qualidade especialmente no setor produtivo, permitindo elevação na renda da população e, por consequência, maior expansão econômica”, informa a doutoranda. 

Segundo a Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), representante das instituições financeiras de fomento habilitadas a operar os recursos do fundo, a nova lei marca uma mudança de postura em relação ao uso dos fundos públicos voltados à inovação. Ao garantir previsibilidade e autonomia na aplicação dos recursos, o Brasil se alinha a boas práticas internacionais de apoio à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico. 

Em entrevista à Agência Brasil, a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, destacou que, apesar de o FNDCT ter sido criado em 1969, o fundo ganhou maior relevância nos governos do presidente Lula, inclusive no atual mandato. De acordo com o governo, nos últimos dois anos, os investimentos em ciência, tecnologia e inovação por meio do FNDCT aumentaram seis vezes. Saíram de R$ 2 bilhões, em 2021, para R$ 12 bilhões, em 2024. A previsão para 2025 é de cerca de R$ 14 bilhões.

A professora também reforça que o investimento em ciência e tecnologia é um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento econômico e social de uma nação. Eles permitem adicionar valor agregado aos produtos brasileiros, além de elevar a produtividade e a competitividade da economia nacional, permitindo que sejam cada vez mais competitivos no comércio internacional.  Além disso, investimentos como o FNDCT podem tornar o País mais que um exportador de produtos de maior valor agregado, mas também um exportador de tecnologia para outros países, que muitas das vezes não possuem capacidade financeira ou de infraestrutura para desenvolverem suas próprias tecnologias.


 

 





 

Como a popularização e investimento em transportes elétricos se adapta ao cotidiano paulista
por
Helena Barra
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18/11/2025 - 12h

Por Helena Barra

 

A mobilidade elétrica já faz parte do cotidiano de milhões de pessoas na América Latina — e, embora os investimentos públicos impulsionem grandes frotas de ônibus elétricos, é nas ruas que essa transformação se revela de forma mais íntima. É no trajeto da faculdade, na volta de uma festa, na pressa para chegar ao trabalho ou na tentativa de driblar o trânsito impossível. Para o estudante de jornalismo da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Davi de Almeida, os patinetes e as bicicletas elétricas representam justamente essa mistura de liberdade, improviso e modernização da cidade. Ele começou a usar patinetes elétricos no início de 2024, quando percebeu que eles estavam cada vez mais presentes no caminho entre sua casa e a universidade. O que chamou sua atenção foi a praticidade. É possível encontrar esses transportes em praticamente qualquer lugar. Eles ocupam a cidade de um jeito muito prático. Para ele, o transporte elétrico virou uma espécie de atalho emocional e físico — uma forma de escapar tanto do trânsito quanto da rotina pesada de São Paulo.

Além da sensação de liberdade Davi reconhece a importância ambiental. Diz que é uma forma de evitar os transportes a combustão ajudando o meio ambiente usando patinete, bicicleta, essas opções elétricas. Essa motivação ecológica tem guiado não apenas jovens como ele, mas também governos que buscam reduzir emissões de carbono e melhorar a qualidade do ar. Em várias cidades latino-americanas, ônibus elétricos substituem gradualmente veículos antigos movidos a diesel, e bancos públicos, como o BNDES, financiam a modernização das frotas.

Desde 2017, a América Latina já investiu mais de R$ 23 bilhões em transporte público elétrico, com destaque para Santiago, Bogotá e São Paulo. Os grandes números mostram a direção de um futuro mais limpo. Mas, nas calçadas e ciclovias, o impacto aparece de forma muito mais pessoal — e às vezes contraditória.

Mas, se a mobilidade elétrica já representa um avanço coletivo, ela também apresenta obstáculos muito concretos no dia a dia. A primeira barreira é o preço. Embora os patinetes e bikes elétricas sejam acessíveis para trajetos ocasionais, tornar esse uso cotidiano ainda é impossível para grande parte da população. Usar entre um passeio ou outro é viável, mas colocar isso na rotina é irreal. Não combina com a realidade das pessoas. O custo por minuto e as tarifas por desbloqueio transformam o transporte elétrico individual em um meio prático, mas caro.

A segunda barreira é a dependência total dos aplicativos das operadoras privadas. É frustrante apostar em um meio de transporte que, como ele diz, pode simplesmente parar de funcionar sem aviso. Foi o que aconteceu numa noite voltando de uma festa na Vila Madalena. Ele desbloqueou o patinete, seguiu viagem pela Avenida Sumaré e, de repente, o veículo travou. O aplicativo alegava falta de saldo, embora ele tivesse acabado de recarregar. Teve que abandonar o patinete e seguir metade do caminho a pé. No meio da madrugada. Diz ter sido uma experiência frustrante. Apesar das falhas, ele também relembra de trajetos em que tudo funcionou perfeitamente. Conta que chegou a ir do Itaim até Perdizes rapidinho. Quando o serviço funciona bem, parece que a cidade se abre. A presença constante desses veículos nos bairros, a facilidade para encontrá-los e a possibilidade de escapar do trânsito tornam a experiência sedutora, especialmente para quem vive numa metrópole em que carro, ônibus e metrô nem sempre dão conta.

Essas experiências individuais se conectam a uma discussão maior sobre como financiar e democratizar a mobilidade elétrica. No transporte público, o avanço ocorre graças a grandes financiamentos e políticas específicas. Mas, no transporte individual — patinetes e bikes de aluguel —, o usuário ainda arca com quase todo o custo. Especialistas afirmam que, se esses modais fossem integrados ao sistema público, subsidiados ou regulados como parte essencial da mobilidade urbana, poderiam se tornar mais acessíveis e confiáveis.

No final, a trajetória de Davi mostra exatamente onde estamos na transição energética urbana: em um momento intermediário, em que a tecnologia já está nas ruas, mas a acessibilidade e a confiabilidade ainda não acompanharam o avanço. Davi segue usando os patinetes elétricos porque, apesar de tudo, eles oferecem algo que nenhum outro transporte oferece: movimento livre numa cidade que parece sempre travada e segue achando que é uma forma de acessar frestas da cidade que nenhum outro transporte consegue.

 

Para famílias periféricas, pressionadas por jornadas longas e responsabilidades que extrapolavam a adolescência, parar era associado à preguiça.
por
Laila Santos
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18/11/2025 - 12h

Por Laila Santos

 

O professor José Willams, hoje na casa dos 40 anos, lembra com nitidez de sua adolescência no início dos anos 2000. Um sofá gasto, um filme da Sessão da Tarde, um pacote de biscoitos e a tranquilidade de simplesmente terminar o filme. Sem culpa. Sem produtividade embutida. Sem a sensação de estar devendo algo ao mundo. Naquele período, ele experimentava um tipo de ócio que considerava fértil. Enquanto a televisão rodava, criava desenhos, letras e formas, treinando sem perceber habilidades que carregaria para a vida adulta. Era um descanso que não precisava se justificar.

O mundo, porém, não oferecia a mesma liberdade para todos. Para famílias periféricas, pressionadas por jornadas longas e responsabilidades que extrapolavam a adolescência, parar era associado à preguiça. O tempo livre era visto como privilégio, não como direito. Ainda assim, para quem conseguia algum espaço, o ócio tinha outro significado. A rua organizava o dia: conversas na calçada, observação do movimento, brincadeiras improvisadas, pequenas descobertas. O silêncio não era incômodo, era espaço de criação.

Com o ingresso no mundo do trabalho, Willams percebeu como a sociedade moldava a ideia de descanso. O avanço tecnológico, a aceleração dos processos e a cultura da produtividade reforçaram a noção de que parar é falha. Ele lembra que, historicamente, esse pensamento ganhou força desde a Revolução Industrial, quando o trabalho passou a ser entendido como sinal de valor moral.

Ao longo dos anos, os empregos deixaram de representar apenas uma função e passaram a definir identidades. O que a pessoa faz se tornou quem ela é. Nesse cenário, qualquer pausa parecia perda. O descanso deixou de ser parte da vida e virou obstáculo. Para o professor, isso ajuda a explicar a culpa que tantos jovens sentem ao tentar descansar. Eles cresceram em uma lógica em que desempenho e reconhecimento se confundem, e onde a produtividade é usada como régua para medir caráter.

Entre adolescentes e jovens adultos, o descanso quase nunca é completo. O tempo livre é consumido por telas que oferecem estímulos contínuos. O cérebro segue trabalhando enquanto o corpo tenta relaxar, criando o que especialistas chamam de descanso ativo: uma falsa pausa, que não restaura e não organiza o pensamento. Os números ajudam a dimensionar essa sobrecarga. Estima-se que bilhões de e-mails circulem diariamente no mundo, enquanto cada pessoa lida com centenas de mensagens por aplicativos e redes sociais. É informação demais para um ritmo humano de processamento. A sensação de estar atrasado, ultrapassado ou improdutivo se intensifica, e descansar passa a ser visto quase como risco, como se a vida, lá fora, estivesse sempre acontecendo em maior velocidade.

A geração atual cresceu inserida em uma cultura que valoriza performance acima de tudo. A comparação constante, os conteúdos virais, as promessas de sucesso rápido e a exigência por atualização permanente criam um ambiente onde a pausa parece proibida. Willams observa que, enquanto os jovens tentam acompanhar esse ritmo, as máquinas são programadas para se aproximar cada vez mais da eficiência humana. A fronteira entre corpo e tecnologia se embaralha, e a sensação de insuficiência cresce. Nesse fluxo acelerado, o descanso ganha um novo significado: vira forma de resistência. Resistir ao cansaço imposto, às cobranças invisíveis, à ideia de que parar equivale a fracassar.

Para o professor, descansar deveria ser um direito básico. Mas, na prática, se tornou um privilégio, principalmente entre jovens periféricos, que lidam com jornadas múltiplas, falta de oportunidades e um tempo sempre escasso. A sociedade transformou a pausa em recompensa, não em necessidade. Quando isso acontece, o descanso deixa de organizar a vida e passa a parecer algo que precisa ser merecido. E ninguém deveria precisar merecer o próprio fôlego.

Willams defende que o ócio precisa voltar a ocupar o lugar que perdeu: o de tempo de existir, e não o de justificativa para existência. Para ele, quem consegue parar para respirar está, de fato, presente. Entre jovens, recuperar esse espaço pode significar desligar o celular sem culpa, aceitar o tédio como parte da vida e se permitir viver momentos que não geram conteúdo. Entender que descansar não é ausência de ação, mas presença de si. No fim, para o professor, sucesso não é alcançar o topo ou chegar primeiro. É conseguir seguir inteiro, mesmo com cicatrizes. E talvez essa seja a resposta mais urgente para a geração que vive exausta: antes de produzir, é preciso existir.

Tecnologia, políticas públicas e inclusão redefinem direitos para pessoas com deficiência.
por
Julia Sena
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17/11/2025 - 12h

Por Julia Sena

 

No Brasil, onde a desigualdade atravessa desde as calçadas até o acesso digital mais básico, a tecnologia tem se mostrado uma aliada fundamental para pessoas com deficiências físicas. Por trás dos dispositivos e softwares, porém, existem histórias humanas que dão luz à urgência e à profundidade do tema. Entre as vozes mais importantes nessa discussão estão Cid Torquato, referência nacional em acessibilidade, e Lucas Moreira, representante do Instituto Dorina Nowill, organização que há décadas promove autonomia para pessoas com deficiência visual.

Cid Torquato desempenha um papel fundamental na promoção da acessibilidade por meio da tecnologia, enquanto secretário municipal da Pessoa com Deficiência em São Paulo em 2017, ele liderou a criação de um grupo de trabalho na ABNT que resultou na norma NBR 17060, que define requisitos de acessibilidade para sites e aplicativos. Ele também coordenou a tradução das Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo Web para o português, garantindo que as melhores práticas internacionais de usabilidade digital sejam mais acessíveis no Brasil. Além disso, é CEO do ICOM, plataforma de atendimento por videochamada em Libras, que promove a inclusão digital das pessoas surdas. Em 2025, ele participou do lançamento da ABNT NBR 17.225, norma que reforça ainda mais a regulação da acessibilidade digital em sites, e contribuiu para a criação do Núcleo de Inovação em Acessibilidade na InovaUSP. Por fim, ele coordena o “Guia Prático de Acessibilidade e Inclusão Digital”, destinado a orientar práticas de desenvolvimento digital mais inclusivas. 

Cid costuma afirmar que acessibilidade não deve ser tratada como concessão e sim como fundamento, sua trajetória pessoal sustenta essa visão. Paraplégico após um acidente, ele vivencia diariamente o impacto das barreiras arquitetônicas, digitais e comportamentais que ainda restringem milhões de brasileiros. Ao longo da carreira pública, seja como secretário municipal ou estadual da Pessoa com Deficiência, ajudou a construir políticas estruturais que buscavam tornar São Paulo uma cidade mais inclusiva, com transporte mais acessível, serviços digitais utilizáveis por todos e espaços públicos que dialogassem com a diversidade dos corpos. Em suas reflexões, ele retorna sempre ao ponto de que tecnologia é cidadania. Quando um site não funciona em leitores de tela, alguém perde acesso a um direito. Quando um aplicativo não permite navegação por teclado, alguém é excluído de uma experiência coletiva. Para ele, acessibilidade digital deve ser encarada com a mesma seriedade que outros serviços essenciais, porque sem ela não existe participação plena nas esferas pública e privada.

Enquanto Cid atua na linha das políticas públicas, Lucas Moreira e a Fundação Dorina Nowill trabalham na base concreta da inclusão. A instituição, criada há mais de 70 anos, tornou-se referência ao unir Educação, Tecnologia e Autonomia para pessoas cegas e com baixa visão. É na gráfica de braille da Dorina que os livros escolares ganham relevo e passam a garantir que crianças e jovens estudem com igualdade de condições. É também lá que materiais diversos são convertidos para formatos acessíveis, como braille, áudio e fonte ampliada, ampliando o alcance da informação de maneira estruturada e contínua.

Lucas destaca que a missão da Fundação nunca foi apenas entregar ferramentas, mas criar condições reais de independência. Um livro em braille não é apenas um suporte de leitura, mas uma porta aberta para que um aluno participe da aula, interaja com colegas, faça provas e projete um caminho profissional. A tecnologia assistiva, nesse sentido, não é acessório, mas um dispositivo de autonomia. Ele ressalta também a importância das formações que a Dorina oferece para empresas e educadores, pois a inclusão não se sustenta apenas do lado de quem precisa dela, mas também do lado das instituições que devem garanti-la. Os projetos da Dorina mostram como inovação e sensibilidade podem caminhar juntas. Entre eles estão a produção de audiolivros acessíveis, cursos de alfabetização com LEGO Braille Bricks e consultorias que orientam organizações a revisarem conteúdos e plataformas digitais com foco na experiência de pessoas com deficiência visual. Esse trabalho parte de um princípio fundamental, a inclusão exige técnica, continuidade e responsabilidade.

A relação entre o trabalho de Cid e o da Dorina evidencia que acessibilidade é um conceito vivo e multifacetado. Envolve políticas públicas, cultura digital, tecnologia assistiva e transformação social. Apesar dos avanços, o cenário ainda apresenta desafios significativos. Muitas soluções tecnológicas seguem inacessíveis devido ao custo ou à falta de difusão. A capacitação de profissionais também é urgente. Não basta que um site declare ser acessível. É preciso que designers, desenvolvedores e lideranças sejam formados para construí-lo com acessibilidade desde a primeira linha de código.

Além das barreiras técnicas, existem aquelas que não se enxergam, preconceitos, desinformação e resistência cultural. A tecnologia pode abrir portas, mas é a sociedade que precisa permitir que elas permaneçam abertas. Narrativas como a de Cid e práticas como as do Instituto Dorina ajudam a provocar essa mudança ao mostrar que inclusão é feita de pessoas, de trajetórias e de escolhas políticas e coletivas. O futuro da acessibilidade passa por inovações que já estão em desenvolvimento, como inteligência artificial capaz de descrever ambientes, dispositivos de mobilidade inteligentes e interfaces que independem de visão ou tato para uso completo. Mas como lembram os entrevistados, nenhuma inovação faz sentido se não estiver ancorada em dignidade humana.

Acessibilidade, no fim, é sobre autonomia e pertencimento. É sobre garantir que toda pessoa, com ou sem deficiência, encontre na cidade, na escola, no trabalho e na internet um espaço que reconheça sua existência sem pedir adaptação forçada. O trabalho de Cid Torquato e Lucas Moreira demonstra que a tecnologia tem papel essencial nessa construção. Mas o que sustenta essa transformação continua sendo profundamente humano.

O uso intenso de dispositivos digitais redefine a rotina de adolescentes, revelando impactos profundos no sono.
por
Carolina Hernandez
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25/11/2025 - 12h

 

Por Carolina Hernandez 

No quarto de muitos adolescentes brasileiros, o brilho da tela é a última coisa que se apaga à noite e a primeira que se acende pela manhã. As notificações estalam como pequenas centelhas de urgência, ocupando cada minuto livre com vídeos, mensagens, memes, jogos, conteúdos infinitos rolando para baixo. O gesto repetido do polegar virou quase um ritmo natural de uma geração que cresceu com o mundo dentro de um aparelho.

Os números ajudam a desenhar essa paisagem: segundo o IBGE, sete em cada dez adolescentes entre 13 e 18 anos passam mais de cinco horas por dia conectados, além das atividades escolares. A pesquisa TIC Kids Online 2024 revela ainda que 23% dos jovens brasileiros entraram na internet antes de completar seis anos. Uma infância já moldada pela tela, antes mesmo de entender o que havia por trás dela.

E não se trata de um fenômeno isolado. É global. A Organização Mundial da Saúde aponta que adolescentes no mundo inteiro passam de seis a nove horas por dia diante de dispositivos digitais, em média. O excesso não é neutro: problemas de sono, redução de atividades físicas, dificuldade de concentração e maior risco de transtornos emocionais compõem o cenário.

Nas entrelinhas dessa nova rotina, a psicóloga Juliana Hernandez observa o que não cabe nos gráficos. Para ela, o cérebro adolescente, ainda em formação, responde de maneira intensa a esses estímulos digitais que nunca cessam. O excesso, acredita, altera circuitos ligados à atenção, à regulação das emoções e ao sono, abrindo espaço para ansiedade, depressão e queda no rendimento escolar. Ela destaca que, em muitos casos, as redes sociais funcionam como um espelho distorcido, capaz de agravar quadros como TDAH, transtornos alimentares ou ansiedade ao exibir vidas filtradas e inalcançáveis.

O sono é um dos primeiros a ceder. A luz azul que emana das telas antes de dormir atrasa a produção de melatonina, o hormônio que organiza o relógio biológico. Estudos indicam que esse hábito aumenta em quase 60% o risco de insônia e reduz em média 24 minutos de descanso por noite. Juliana aponta que muitos adolescentes chegam exaustos às aulas, incapazes de fixar atenção, com falhas na memória e dificuldade de aprendizagem efeitos silenciosos, mas persistentes.

Para entender essas consequências no cotidiano, basta olhar para a rotina de Olívia Abitante, 16 anos. Ela lembra que passava horas a fio em redes sociais, até perceber que sua capacidade de se concentrar nas aulas se dissolvia entre vídeos curtos e notificações incessantes. Após uma avaliação médica, recebeu o diagnóstico de TDAH, potencialmente agravado pelo tempo excessivo de tela. A adolescente conta que também enfrentou noites mal dormidas, queda no rendimento escolar e um isolamento gradual, trocando encontros com amigos por interações digitais mais fáceis, porém mais vazias.

A virada veio quando decidiu reduzir o tempo de tela e iniciar acompanhamento psicológico. Com o tempo, o sono estabilizou, as notas melhoraram e as relações presenciais voltaram a fazer sentido. Um retorno lento, mas possível, que mostra como pequenos ajustes podem transformar a dinâmica emocional de um jovem.

Fora do mundo real, as telas também moldam imaginários. Na série Adolescência, da Netflix, Jamie, um garoto de 13 anos acusado de um crime brutal, tem sua trajetória atravessada pelo peso devastador das redes sociais. A produção explora como ambientes digitais podem radicalizar comportamentos, espalhar discursos de ódio e amplificar ansiedade e solidão em jovens vulneráveis, um retrato ficcional que dialoga com problemas reais enfrentados nas famílias e escolas.

Mas, como ressaltam especialistas, o vilão não é a tecnologia. O problema está no uso sem limites, sem orientação, sem freios. Juliana defende estratégias simples: horários específicos para redes sociais, estímulo a atividades offline, rotinas de sono regulares e espaços de escuta para que adolescentes entendam seus próprios limites. Ela acredita que pais e educadores devem orientar sem demonizar. A tecnologia, afinal, pode ser aliada quando usada com consciência.

Os efeitos positivos aparecem onde há ação coletiva. Em escolas que adotaram programas de conscientização digital, observou-se diminuição de conflitos e aumento da participação em atividades presenciais. Pausas digitais, implementadas em horários de estudo, mostraram melhorias na atenção e na memorização, como se o cérebro agradecesse por alguns minutos de silêncio.

O desafio é, ao mesmo tempo, individual e social. Faz parte do mundo contemporâneo estar conectado, mas aprender a se desconectar é uma competência urgente. A tecnologia não precisa ser abandonada, e sim compreendida. Não como ameaça, mas como ferramenta que exige cuidado, responsabilidade e equilíbrio.

Juliana, ao refletir sobre a educação digital, costuma dizer que aprender a usar a tecnologia de forma consciente deve ganhar o mesmo espaço que disciplinas tradicionais. Essa habilidade, acredita, precisa ser ensinada desde cedo, envolvendo famílias, escolas e os próprios adolescentes.

No fim, a mensagem é simples: a conexão é inevitável; o equilíbrio, indispensável. Entre telas que piscam, noites encurtadas e vínculos que se perdem no fluxo de notificações, cabe aos adultos ajudar os jovens a reaprender a viver no próprio tempo, dentro e fora das telas.

A história de Hugo e a análise de Norival mostram como a tecnologia, a rotina e a falta de incentivo moldam o declínio do leitor brasileiro
por
Lorena Basilia
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17/11/2025 - 12h

 

Por Lorena Basilia

 

A luz azul do celular ilumina o rosto de Hugo no fim da noite. O quarto está em silêncio, mas o som das notificações preenche o espaço. Ele rola a tela por instinto, sem pensar. Vídeos curtos, comentários, mensagens, publicidades . Quando o relógio marca quase meia-noite, ele percebe que não leu nenhuma página do livro que está na sua cabeceira e se sente muito cansado, mesmo que esteja deitado há horas. Na prateleira, seus outros livros empoeirados o observam de volta. Na infância dele, ler era um prazer, não uma obrigação. Hugo costumava deitar na cama e abrir o livro sem pressa. Lia sobre mundos distantes e personagens que pareciam vivos. Naquele tempo, a imaginação era o seu refúgio mais seguro, mas aos 20 anos, a rotina é outra. Trabalha em uma loja de eletrônicos em Curitiba, passa o dia cercado por telas e clientes apressados e em casa busca alívio nas redes sociais. O tempo passa rápido e a concentração se dissolve, ele lembra dos livros com saudade, mas diz que perdeu o ritmo. A leitura parece exigir um tipo de tempo que já não existe.

Segundo o Instituto Pró-Livro, o número de leitores no Brasil caiu de 104 milhões em 2015 para 89 milhões em 2023. São 15 milhões de pessoas a menos que declaram ler por prazer. A maior queda está entre os jovens, que passam mais de sete horas diárias diante de telas, de acordo com a pesquisa TIC Domicílios. Para o professor e escritor Norival Leme Júnior, mestre em Filosofia e docente de literatura e produção textual, o problema é antigo e vai além do desinteresse. Ele afirma que o Brasil nunca foi um País de leitores porque nunca resolveu suas bases educacionais. Norival recorda que o analfabetismo funcional ainda afeta a maioria da população adulta, mesmo entre os alfabetizados, muitos não conseguem compreender textos longos ou complexos. Ele lembra que, em meados de 2015, cerca de 75% dos brasileiros estavam em algum nível de analfabetismo funcional, isso significa que liam, mas não entendiam.

Em sua análise, o déficit histórico da leitura impede o desenvolvimento de um pensamento crítico consistente. Pare ele o ser humano é do tamanho da própria linguagem, quando o vocabulário se empobrece e o contato com a linguagem se torna superficial, o pensamento se estreita junto - pensar exige palavras, e palavras nascem da leitura. Norival vê a crise presente como consequência de um longo processo, em que o país nunca tratou a alfabetização e o acesso ao livro como prioridade nacional. Desde o rádio, televisão e a última revolução da Internet, a história do Brasil é marcada pela substituição da leitura por meios mais imediatos de comunicação. Em muitas regiões, o rádio ainda é a principal fonte de informação, com a chegada do celular, o livro se tornou quase um luxo.

Hugo sente vontade de voltar a ler, mas não encontra tempo nem disposição. O trabalho o consome, o transporte é desgastante e, ao fim do dia, sobra apenas o cansaço. Abre o celular porque é o que exige menos esforço, rola vídeos curtos, lê manchetes rápidas e, quando percebe, já é hora de dormir. A rotina dele se repete em milhões de pessoas. Norival acredita que o problema não é apenas a correria, mas o modo como o tempo livre foi tomado pela lógica da produtividade. Ele explica que a sociedade atual valoriza a pressa, o resultado imediato e o conteúdo rápido. A leitura, que exige pausa e reflexão, acaba parecendo uma perda de tempo. Esse padrão afeta não só o prazer de ler, mas também a capacidade de pensar. Para o professor, o excesso de estímulos visuais e de informações fragmentadas cria uma geração que se comunica muito, mas reflete pouco. O celular não é o inimigo, mas um sintoma de uma era em que a profundidade se tornou rara.

A crise da leitura não se explica apenas pela tecnologia, é também fruto da desigualdade social, entende o professor. Lembra que há cidades inteiras sem livrarias e escolas públicas com bibliotecas fechadas. Em algumas regiões não existe sequer um espaço de leitura em um raio de centenas de quilômetros. Ele afirma que o problema é político, sem políticas públicas de incentivo à leitura, o acesso ao livro continua restrito. Nos últimos anos, a falta de investimento em cultura e educação reduziu ainda mais as possibilidades de formação de leitores. O professor defende que a leitura deve ser tratada como questão de Estado. O mercado editorial não tem força para resolver o problema sozinho. Também critica a falta de interesse político em promover o pensamento crítico. Em sua avaliação, parte das lideranças brasileiras vê a leitura como uma ameaça, porque ler desperta consciência. Também acredita que a ausência de incentivo à leitura é, em parte, uma forma de manter o controle sobre uma população que pensa e questiona pouco.

Os dados do mercado editorial confirmam a visão do professor. Entre os livros mais vendidos do país estão títulos de autoajuda, religiosos e obras ligadas a influenciadores digitais. Livros clássicos e literatura contemporânea aparecem em posições muito inferiores, a leitura virou consumo, não reflexão. Norival observa que as pessoas leem buscando resultados imediatos. Querem enriquecer, melhorar a produtividade, encontrar soluções rápidas. A leitura literária, que estimula o pensamento e a imaginação, perde espaço para textos utilitários. Essa tendência, segundo ele, é reflexo direto de um modelo social que transforma até o conhecimento em produto.

Hugo e Norival se movem pela mesma convicção: a de que o contato com as palavras ainda é essencial para manter viva a capacidade de pensar. A leitura exige tempo, silêncio e disposição, três coisas cada vez mais escassas. No entanto, é ela que amplia a linguagem e, com ela, o entendimento da realidade. Sem leitura, o pensamento se reduz e a imaginação se apaga. Enquanto Hugo enfrenta o cansaço diário e tenta resgatar o prazer de ler, Norival continua insistindo em sala de aula, convencido de que ensinar literatura é desafiar o esquecimento. Entre o brilho das telas e o silêncio das páginas, os dois representam o retrato de um Brasil que lê cada vez menos e, por isso mesmo, se compreende cada vez menos.