Cientistas brasileiros deixam o País em busca de melhores oportunidades no mercado científico
por
Brenda Martins
|
19/11/2024 - 12h

Por Brenda Costa Martins

 

Enquanto nossos melhores pesquisadores são acolhidos por laboratórios estrangeiros e embarcam em direção aos países que valorizam a academia e a ciência, ficamos à margem das grandes inovações e descobertas científicas, como espectadores de um progresso que poderíamos estar liderando. A formação de cientistas no Brasil enfrenta uma crise profunda, marcada não por apenas dificuldades estruturais como a escassez de equipamentos em Universidades e laboratórios, mas também pela falta de incentivo à estudantes para que sigam na área acadêmica de pesquisas, além das oportunidades limitadas desse marcado no país. Nos últimos anos, temos assistido a uma crescente “fuga de cérebros” — fenômeno em que profissionais qualificados, principalmente cientistas e pesquisadores, optam por desenvolver suas carreiras no exterior, sendo atraídos por melhores condições de trabalho e valorização profissional. Fuga que tem sido alimentada pela escassez de investimentos no campo da ciência e da tecnologia no país.

Desde 2015, cortes orçamentários intensos afetaram diretamente a manutenção de bolsas de estudo, o financiamento de projetos de pesquisa, bem como a continuidade de programas de pós-graduação em diversas áreas. Com menos verbas, muitos laboratórios foram fechados e projetos interrompidos, situação que acabou por criar um ambiente de insegurança e instabilidade para jovens pesquisadores que desejam contribuir com o avanço científico no país.

Nos centros de excelência, como a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a Universidade Federal do ABC (UFABC) doutores e mestres formados com alto nível de competência se deparam com um mercado de trabalho retraído. Apesar de contar com instituições de ensino que formam profissionais altamente capacitados, os cortes e as limitações severas no mercado de trabalho continua a fazer com que esses cérebros embarquem para o exterior buscando oportunidades de maior rentabilidade e visibilidade pois para muitos desses cientistas, o ambiente brasileiro se mostra inviável para o desenvolvimento de suas carreiras.  Mesmo entre os profissionais que conseguem uma colocação, as condições de trabalho são frequentemente limitadas, com infraestrutura insuficiente e salários que não condizem com o nível de formação e as exigências da carreira científica.

Esse êxodo de cientistas gera impactos econômicos e sociais observados em longo prazo. Ao investir na formação desses profissionais e, em seguida, vê-los partir para outros países, o Brasil perde o retorno desse investimento, bem como a possibilidade de desenvolver inovações e avanços tecnológicos que poderiam impulsionar setores como saúde, agronegócio e tecnologia. Fato que evidencia outro problema: Não é preciso investir apenas na educação básica e incentivo aos jovens cientista se, no futuro, eles não terão um lugar nas grandes corporações, já que as poucas que existem no país continuam não oferecendo benefícios tão competitivos quantos os de vagas alocadas no exterior, sedes dessas empresas.

Para cientistas como Paula Rezende, doutora em Biomedicina, a decisão de deixar o Brasil é dolorosa, mas necessária. Após anos lidando com infraestrutura insuficiente e atrasos em recursos para pesquisa, ela aceitou uma proposta de trabalho na Alemanha, onde encontrou o ambiente ideal para continuar seu trabalho. Casos como o de Paula são cada vez mais comuns, o que ilustra como o cenário nacional tem se tornado um impeditivo para o progresso da ciência e da carreira dos profissionais brasileiros. A falta de oportunidades no Brasil também gera uma lacuna na academia e nas universidades, onde a quantidade de concursos e oportunidades para docentes e pesquisadores é insuficiente para absorver os doutores formados a cada ano. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que cerca de 25% dos doutores no Brasil ficam fora do mercado de trabalho adequado à sua formação, o que leva muitos a buscar alternativas no exterior, onde há mais estabilidade e reconhecimento.

Elisabeth Balbachevsky, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e coordenadora científica do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da USP, tem outra visão. A professora tenta analisar um lado positivo desse fenômeno da "fuga de cérebros", as mentes que vão embora do Brasil buscando melhores oportunidades podem "se inserir em redes de pesquisa internacionais, o que poderá ter um impacto extremamente positivo, porque irão se tornar lideranças brasileiras e, uma vez de volta ao Brasil, trarão novas expertises e abordagens para o País", diz a pesquisadora. Uma vez que esses cientistas brasileiros conseguem cada vez mais se estabelecer nas gigantes da tecnologia, por exemplo, o país indiretamente está ganhando reconhecimento, o que pode fazer com que os olhos dessas grandes corporações se voltem ao Brasil. Ainda que a "fuga" desses pesquisadores seja prejudicial no início, com mais profissionais produzindo ciência de qualidade em um ambiente no exterior que comporta suas necessidades, podemos colher frutos no futuro. Afinal, para que grandes corporações se desenvolvam no país, é preciso ver que a população tem capacidade de produzir recursos que possibilite sua expansão.

Outro fator que importante ser destacado é a busca pelo incentivo ao empreendedorismo desses jovens cientistas. Grandes empresas como o Facebook e a Amazon surgiram de um pequeno projeto de seus fundadores enquanto ainda eram estudantes, desenvolvendo uma start-up na garagem de suas casas. É claro que, a qualidade de ensino de ciências nas Universidades americanas possibilitam que seus alunos desenvolvam o pensamento empreendedor, enquanto no Brasil, os alunos são incentivados a bucar emprego fora, em empresas já estabelecidas, fator resultado do cenário de instabilidade não apenas do mercado científico, mas também do empreendedorismo. Algumas escolas de redes particulares no país contam com matérias de empreendedorismo e educação financeira, por outro lado, escolas da rede pública e estaduais se encontram em um cenário totalmente diferente. Ainda há um grande caminho a trilhar para que o acesso à uma educação de qualidade seja uma realidade igualitária entre todos os estudantes do país.

Propostas como a criação de um fundo nacional para Ciência e Tecnologia, que garanta recursos contínuos para a pesquisa, são defendidas por entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Outra alternativa é fortalecer as parcerias entre universidades e empresas, criando oportunidades de inovação e desenvolvimento em conjunto com o setor privado, o que poderia abrir novas frentes de trabalho para cientistas dentro do Brasil.

Enquanto não houver um comprometimento estrutural e financeiro com a ciência, o Brasil permanece vulnerável à saída de seus talentos. A fuga de cérebros se torna um símbolo das dificuldades enfrentadas pela ciência brasileira, limitando o potencial de avanço científico e tecnológico do país. A valorização da ciência e o investimento em condições de trabalho são essenciais para que o Brasil não apenas forme cientistas, mas também consiga retê-los e fortalecer sua base científica para o desenvolvimento nacional e reconhecimento internacional.

Produzir orgânicos é um desafio que envolve altos custos, manejo artesanal e um compromisso com a sustentabilidade.
por
NINA JANUZZI DA GLORIA
|
12/11/2024 - 12h

Por Nina J. da Glória

 

No coração de uma pequena fazenda nos arredores de São Paulo, a paisagem exibe fileiras simétricas de verduras, um campo verde que mais parece um quadro pintado com paciência e precisão. Cada folha simboliza uma promessa livre de químicos, cultivada à mão, mas também testemunha de um trabalho árduo, invisível ao consumidor final. Esse é o cotidiano de Mariana Silva, uma agricultora que decidiu, há quase uma década, abandonar a produção convencional para dedicar-se ao orgânico. No início, acreditava que seria um retorno ao básico, uma reconexão com a natureza. Mas a realidade mostrou-se mais densa e complexa do que o imaginado. O solo, como um organismo vivo, exigia constantes cuidados e uma compreensão que ia além dos métodos tradicionais. Cada semente carregava uma incerteza, e cada colheita trazia consigo os riscos de uma produtividade menor, vulnerável a pragas e intempéries. "O solo não aceita pressa", sua frase parece pairar na atmosfera ao redor das hortas, impregnada de paciência e resignação.

Nas redondezas, em outra propriedade de São Roque, Paulo Mendes compartilha a mesma visão, mas com uma trajetória que o levou ao orgânico por caminhos distintos. Ao contrário de Mariana, ele vem de uma família que cultivava com agroquímicos, mas sempre sentiu a necessidade de transformar as práticas de cultivo. Para ele, o orgânico é como um resgate da essência da terra, uma escolha que exige mais do que habilidades tradicionais. É um compromisso com o solo, com o ciclo de nutrientes e com o futuro. Paulo vê o campo como um delicado organismo, onde a compostagem e a rotação de culturas são essenciais, mas também um desafio financeiro. Cada safra se transforma em uma experiência quase artesanal, onde a eficácia do manejo natural precisa competir com a tentação das facilidades químicas. Esse processo, para ele, é como uma dança cuidadosa com a natureza, em que observar e respeitar o ritmo das estações torna-se tão vital quanto qualquer técnica de plantio.

                                                            Comunidade de pessoas que trabalham juntas na agricultura para cultivar alimentos

Para Mariana e Paulo, a colheita orgânica traz consigo um custo invisível ao olhar do consumidor. A vulnerabilidade às pragas, por exemplo, é uma preocupação constante. Sem pesticidas convencionais cada infestação é uma batalha natural que, muitas vezes, se perde. A introdução de insetos benéficos para conter pragas ou o uso de biofertilizantes representa um custo adicional, tornando a logística do manejo um quebra-cabeça financeiro. Além disso, há as certificações rigorosas exigidas para que o produto receba o selo de orgânico, que Mariana descreve como "um segundo trabalho", com visitas e inspeções que, embora necessárias, absorvem ainda mais recursos.

No centro dessa cadeia está Cláudia Ramos, proprietária de uma loja de produtos orgânicos em São Paulo. De seu ponto de vista privilegiado, ela percebe o esforço e as dificuldades de seus fornecedores, mas também o descompasso entre o preço desses produtos e a percepção dos consumidores. Em cada item das prateleiras, Cláudia vê um microcosmo de esforço e idealismo, mas, ao explicar as diferenças entre orgânico e convencional, enfrenta um público que ainda considera o orgânico um luxo. Ela afirma que cada produto é uma história de sacrifício, e explica que o custo mais alto representa a vulnerabilidade da produção orgânica, que exige cuidados permanentes e colheitas menos previsíveis.

                                                                                           Close-up de plantas verdes na estufa

A produção orgânica, então, emerge como uma complexa equação de valores, sacrifícios e riscos. Cada um dos envolvidos—do campo à prateleira—carrega uma parte dessa carga, como se fosse um ciclo contínuo de compromissos, onde o ideal e o real se encontram e se confrontam. A busca pela pureza e pelo cuidado no cultivo se mescla a um cotidiano cheio de dificuldades, e o produto final se transforma numa espécie de narrativa silenciosa sobre perseverança e dedicação ao que se acredita ser o melhor para o futuro do planeta e do ser humano.

A jornada dos entregadores não se limita ao trajeto, mas envolve obstáculos que vão da segurança no trânsito às incertezas de um dia de trabalho autônomo.
por |
12/11/2024 - 12h

Por Thais Oliveira 

 

Se antigamente era comum esperar dias ou semanas para que um pedido chegasse, hoje a demanda por rapidez e eficiência exige uma operação logística reforçada. O dia começa antes do sol nascer, com o medo e a ansiedade tomando conta de Joice Alves, mãe solteira de 50 anos que precisou se reinventar após um divórcio e o enfraquecimento das vendas em seu comércio de plantas. Seus cabelos longos e quase grisalhos carregam histórias de uma mulher forte que devido a gravidez, parou os estudos na quinta série. Tudo que aprendeu é resultado de suas vivências.

A tecnologia dominou o mundo e os seres humanos. Para Joice isso não passava de uma grande perda de tempo, até que tudo mudou em sua vida e a tecnologia virou sinônimo de estabilidade financeira e independência. Conseguir realizar uma entrega parece fácil aos olhos dos que recebem em casa. O suor do trabalho de prestadores de serviço das grandes empresas está presente em cada pacote entregue.

Os desafios começam à frente da seleção. Um aplicativo viabiliza para os entregadores os percursos disponíveis, juntamente ao valor a receber, e cada um seleciona o de sua preferência. Mas o número de prestadores é maior do que os de entregas e, às vezes é necessário passar horas olhando as atualizações no celular. Há dois meses o aparelho eletrônico, que não passava de uma ferramenta de comunicação com a família, amigos e clientes, se tornou o principal equipamento do trabalho de Joice. Foram semanas aprendendo a usar o mapa, abrir e fechar aplicativos, escrever mensagens mais rápidas e, principalmente, a contabilizar os resultados do seu novo emprego. No início de sua trajetória, Lucas, o filho mais velho, acompanhou a mãe em todos os percursos e assim, ela ganhou confiança para trabalhar sozinha. 

Desde a adolescência, Joice foi diagnosticada com TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada) e comenta que essa logística piora os sintomas diariamente. O seu conforto é o chá de camomila colhido diretamente dos vasos sobrepostos na janela do sexto andar e do calmante recomendado pela cardiologista. Ao conseguir uma corrida, agradece a Deus pela oportunidade e pula o café da manhã, colocando tudo que precisa dentro de uma bolsa térmica. De acordo com o aplicativo fornecido pela empresa, cada percurso tem a duração de 4h e 6h e os valores são correspondentes a estes horários. Explica que foi acordado entre a empresa e os prestadores de serviço que todas as entregas contariam com, no máximo, 45 pacotes e 40 paradas. 

Ao chegar no Centro de Distribuição, Joice recebe a rota com 52 paradas, 65 pacotes amarelos e o medo de não conseguir finalizar dentro do prazo estipulado. É necessário entregar todas as mercadorias para receber os valores completos, independente da chuva, dos ventos de 100km/h, dos postes desligados e das ruas escuras. Joice sai de Mauá com o seu destino traçado em um papel com nomes de pessoas desconhecidas diretamente para a cidade de São Paulo. Na travessa da Avenida Vila Ema e nas mãos Joice, o primeiro pacote foi entregue para a Renata, uma mulher simpática que desejou um bom dia para a entregadora.

Dentro do carro, o estômago de Joice espera por um alimento desde às 9h00min, porém os donos dos 50 pacotes pendentes têm prioridade na fila e as refeições ficam em segundo plano, sendo necessário seguir o caminho ingerindo apenas uma banana. A falta de hidratação e de nutrientes causa cansaço excessivo, perda de cabelo e, consequentemente, ausência de vitaminas importantes para o funcionamento do corpo. Relata, que praticava uma rotina saudável, alimentando-se bem e correndo na rua todos os dias de manhã com os seus filhos, porém precisou abrir mão do estilo de vida para arcar com os novos custos, como por exemplo o aluguel. A infraestrutura básica é uma questão: nas cidades grandes, com quilômetros percorridos entre um ponto e outro, muitas vezes não há onde parar para descansar ou usar o banheiro. A cidade se torna um palco de correria constante, onde não há tempo ou lugar para uma pausa, justifica Joice, ao informar que não consegue ingerir ao menos 200ml de água durante a jornada de trabalho. 

O futuro do setor aponta para uma integração cada vez maior entre tecnologia e logística, com inovações que prometem transformar ainda mais a experiência de compra e aproximar o e-commerce dos consumidores. Embora a constante evolução esteja dominando o cenário, não há direitos trabalhistas ou benefícios assegurados, como convênio médico ou seguro de saúde. Se houver algum acidente ou emergência, o entregador precisa arcar com os custos e lidar com as consequências sozinho. 

Dentro do aplicativo de entregas é possível saber que, dependendo do nível, o entregador terá acesso a mais pedidos, melhores comissões e suporte especializado. A grande corporação criou um sistema de níveis que funciona como uma espécie de escada, onde cada degrau alcançado representa mais oportunidades, e consequentemente, mais pressão. Estar em um nível mais alto pode significar, por exemplo, maior acesso a entregas em horários de pico ou de longa distância, que pagam melhor. Joice é prata, mas conta que demorou meses para alcançar a nomenclatura, afinal qualquer queda no desempenho pode significar uma descida de nível. Cancelamentos, avaliações ruins ou atrasos podem rebaixar o entregador, retirando seus, quase que invisíveis, benefícios. 

Joice conseguiu dois percursos no mesmo dia, isso significa que a corrida contra o tempo é primordial para finalizar o primeiro, voltar ao Centro de Distribuição e recolher as próximas encomendas. Ao sair, os clientes recebem notificações de que o produto está a caminho, causando ansiedade e desconfiança dos que aguardam em suas casas. Durante a noite as entregas são realizadas das 18h00 às 22h00 e Matheus, o filho mais novo, auxilia a mãe ligando para os clientes e entregando os pacotes enquanto ela separa os próximos. Em meio à movimentação, Matheus recebe uma mensagem de uma mulher que estava aguardando o produto há 30 minutos e precisava dormir. Era sexta-feira, 19h39min, quando os insultos começaram e mudaram a rota da família. Cada pacote recebe uma numeração de envio, o itinerário e os dados relevantes do consumidor, em consequência das mudanças Matheus e Joice aumentam a duração do percurso e os quilômetros rodados no carro. A quantidade de remessas no período da noite é majoritariamente maior, entretanto os consumidores não sentem confiança em recebê-las e, frequentemente, rejeitam a tão esperada aquisição. 

As embalagens amarelas recusadas devem atravessar a cidade e voltar à corporação até às 23h00min, horário de finalização dos serviços diários. Joice retorna com o peso da consciência de classe descendo em seus cabelos, refletindo sobre o comportamento interpessoal dos consumidores, do egoísmo e da falta de empatia. O mundo não é mais o mesmo e as pessoas estão preocupadas com as futilidades expostas nas prateleiras invisíveis dos comércios online. Não se importam se a voz que clama do lado de fora da residência está enfrentando a maior chuva do ano na cidade ou se está com um prazo apertado, o importante é aconchego e a novela das 21h00min. 

Após 15 horas, Joice finalmente chega em casa, sentindo-se cansada, fraca e estressada. O dia foi longo, repleto de entregas que exigiam rapidez, atenção e resistência. Cada pedido, cada quilômetro percorrido, parecia se arrastar em meio à chuva, ao trânsito caótico e à pressão por cumprir os prazos apertados. Como muitos entregadores, Joice não tem garantia de descanso ou segurança no trabalho, e mesmo ao chegar em casa, a sensação de que poderia ter feito mais, ou o medo de não atingir o número de entregas esperado, a acompanha. Mas para Joice, o trabalho nunca termina realmente. Ela reflete sobre o que poderia ter feito para ser mais rápida, ou se valeu a pena o esforço de correr contra o relógio. Em sua mente, os desafios que ela enfrentou ao longo do dia continuam vivos, a insegurança nas ruas, o risco de acidentes, a exaustão física e emocional. Mas amanhã, o caminho se repete, enfrentando as mesmas dificuldades em nome de um dia melhor, ou, quem sabe, uma coroa de ouro na guerra contra a logística desumana.

Os chamados cibercrimes são considerados um tipo de violência contra o idoso, e a campanha Junho Violeta busca conscientizar à população sobre a violência patrimonial
por
Alice Di Biase
|
11/11/2024 - 12h

Por Alice di Biase

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a população acima de 60 anos no Brasil deve crescer em ritmo acelerado, quase triplicando até 2050. Dados como esse expõem o crescente aumento da população idosa, além de um novo perfil de envelhecimento que requer atenção especial em políticas públicas. Adriana Horvath, diretora voluntária de captação de recursos da Casa Ondina Lobo, relata que a principal queixa dos residentes da Casa é a invisibilidade, a visão estereotipada do “vovozinho” de cabelo branco e ingênuo, e adiciona que os idosos querem ser vistos como seres humanos que ainda tem muito a oferecer.

A Casa de Repouso Ondina Lobo é uma instituição de longa permanência para idosos em situação de vulnerabilidade social, o projeto é sustentado por doações filantrópicas. A missão da organização é promover o bem-estar e a integração do idoso na sociedade, por meio de atividades plurais. Ela relata que muitos dos idosos residentes da Casa já passaram por alguma violência ou situação de preconceito e atribui isso a forma como a sociedade olha os idosos, relacionando-o com a finitude da vida. E adiciona que é preciso entender que a velhice é apenas mais uma fase. Além disso, ela também cita a importância de campanhas de conscientização contra a violência ao idoso, como o Junho Violeta.

Existem vários tipos de violências direcionadas aos idosos, uma delas é a violência patrimonial. Com o avanço tecnológico, os mais velhos se tornaram mais vulneráveis para a violência patrimonial, por meio dos chamados golpes. O Disque 100, do governo federal, registrou, nos cinco primeiros meses de 2023 mais de 15 mil denúncias de violações financeiras ou materiais contra idosos; 73% a mais do que no mesmo período de 2022. Cada vez mais conectada, a terceira idade tem sido um dos principais alvos de quadrilhas especializadas em crimes cibernéticos que comprometem o patrimônio da vítima.

Ondina Lobo e Image Magica

“Mãe, mudei de número, salva esse contato aqui”, assim começa uma das formas mais comuns de fraudes financeiras contra os idosos, a foto de perfil é a mesma que o filho utiliza no seu número próprio e logo em seguida são solicitadas as transferências. Cláudia, aposentada de 66 anos relata como caiu no phishing - tipo de golpe realizado por e-mails, redes sociais e sites que utilizam uma “isca” para fazer a vítima fornecer informações pessoais. Uma loja conhecida com descontos extravagantes, a propaganda era feita por celebridades como Gisele Bündchen e a apresentadora Angélica que recomendavam a promoção. Tudo feito com inteligência artificial. O valor perdido não foi alto, como conta Claúdia, com alívio, no entanto, a sensação de ter sido enganado com facilidade pelos golpistas causa constrangimento.

O constrangimento também é um dos motivos que leva os idosos a se tornarem um alvo fácil dos golpistas. Envergonhados de demonstrar a fragilidade e, de certo modo, alimentar os estereótipos de ingenuidade que a sociedade cria em relação a faixa etária, muitos idosos não contam aos familiares a situação e deixam o ciclo de golpes se estender. Em 2024, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos já recebeu mais de 21 mil denúncias de violações deste tipo contra idosos, destes 80% dos casos são denunciados por terceiros, e não pela própria vítima.

A psicóloga e psicanalista Moema Sarmento compartilha suas perspectivas sobre a saúde mental na terceira idade, ela argumenta que a falta de respeito e os maus tratos podem levar ao isolamento e depressão, o que faz que muitos idosos que sofrem esses abusos patrimoniais não procurem ajuda, assim os casos só chegam aos familiares e autoridades quando já estão em estágios alarmantes.

Com o intuito de alterar esse cenário, a Casa Ondina Lobo em pareceria com a ONG Image Mágica, levou o Circuito Cultura e Inclusão para as mulheres da Casa. As aulas de inclusão digital e fotografia buscam conscientizar os moradores a respeito dos golpes digitais, resgate da autoestima e criar intimidade com o meio tecnológico.
 

Ondina Lobo e Image MagicaOndina Lobo e Image Magica

Como comenta Horvath, a velhice é só mais uma fase da vida que envolve atenção e deve ser aproveitada com qualidade de vida e isso envolve a liberdade de consumir a Internet com segurança.

Entre ícones do passado, referências do presente e caminhos para o futuro, veja como foi a edição deste ano
por
Vítor Nhoatto
|
22/10/2024 - 12h

Ocorrido entre os dias 14 e 20 de outubro na capital francesa, o Mondial de l'Auto contou com mais de 500 mil visitantes, além de recados importantes para a indústria automobilística. As donas da casa — Alpine, Peugeot, Renault e Citroen — estiveram presentes, mas, mesmo assim, a presença chinesa continuou e chamou a atenção do público, das autoridades e das rivais. A DS, da Stellantis, foi a única francesa que não compareceu ao evento. 

Temas como sustentabilidade, acessibilidade e segurança no trânsito foram amplamente abordados nas coletivas de imprensa, e traduzidos em parte nos lançamentos. Ao todo, 41 fabricantes de automóveis participaram do evento, o qual trouxe o brilho de volta à Bienal, tal qual como no Salão de Munique, em 2023.

Eletrificação em diferentes níveis

Antenado às ânsias do público e da indústria, houveram lançamentos de vários modelos eletrificados, em diferentes níveis e formatos. Nos últimos meses, as vendas de elétricos oscilaram negativamente na Europa, por conta de uma série de fatores, como altos custos de aquisição e o fim de incentivos governamentais. 

Com isso, marcas como Volkswagen, Ford e mesmo Volvo, reviram seus planos de eletrificação total — apesar da meta da União Europeia de banir os modelos movidos a combustão, já em 2035. O conglomerado Stellantis, por exemplo, investe em plataformas multi-energéticas, capazes de produzirem tanto híbridos, quanto elétricos, e apresentou seus últimos modelos em Paris. 

Construído sobre a e-CMP, — mesma base dos recém lançados no Brasil, Peugeot 2008 e 208 — o Alfa Romeo Junior Ibrida fez sua estreia ao público. Com a mesma motorização dos irmãos, motor 1.2 PureTech em conjunto a uma bateria de 48V, gerando 136 cavalos, o modelo complementa a linha do SUV urbano, disponível como 100% elétrico desde o começo do ano. 

Na Peugeot, as novidades foram maiores, apesar de nenhum modelo totalmente novo, diferente das compatriotas Alpine, Citroen e Renault. Em Paris, foi lançado o novo E-408, versão 100% elétrica do crossover baseado no 308. Sob a plataforma EMP2, compartilha o conjunto mecânico com o hatch, tanto nas versões a combustão quanto na novidade elétrica, e não muda visualmente. Além disso, foram apresentadas as versões Long Range dos E-3008 e E-5008. As autonomias passam de cerca de 500 km para 700 km, segundo o ciclo WLTP.

Em uma abordagem diferente, focada em modelos elétricos separados dos seus semelhantes a combustão, a Volkswagen apresentou o novo Tayron. Com expectativa de ser vendido no Brasil, é a versão Allspace do novo Tiguan, mas agora com nome próprio. O SUV de sete lugares estará disponível em duas versões diesel, gasolina, e híbridas plug-in, além de uma híbrida leve.

Volkswagen Tyron de frente branco ao lado de um Tayron de trás roxo
O Tayron é o sexto SUV a combustão da Volkswagen na Europa, entre Tiguan e Touareg. Foto: Divulgação/Volkswagen

As motorizações são as mesmas do Tiguan de nova geração, construído sobre a MQB evo. Isso se reflete em uma autonomia combinada de até 850 km nas versões plug-in, além de uma autonomia em modo 100% elétrico de cerca de 100 km, graças a uma bateria de 19.7 kWh.

Em uma abordagem semelhante em alguns aspectos a Volks, a britânica de coração, mas de propriedade alemã, a Mini, apresentou os seus novos JCW elétricos. Os primeiros modelos da divisão de desempenho da marca serão o Cooper, um hatch de três portas, e o crossover Aceman. Ambos são construídos sobre a plataforma desenvolvida em conjunto com a chinesa GWM, e prometem a emoção de um esportivo com seus mais de 250 cavalos, mas sem emissão de CO2.  

Mais uma ofensiva chinesa 

Sobre as construtoras chinesas, o Paris Expo Porte de Versailles foi novamente o palco para a estreia de modelos do país asiático, e até marcas inteiras. A GWM não compareceu desta vez, como era de se esperar após o anúncio de reestruturação europeia e fechamento do escritório na Alemanha em agosto deste ano. 

No entanto, a sua principal rival, a Build Your Dreams, brilhou, repetindo a estratégia de 2022. Seu estande contava, desta vez, com modelos já conhecidos do público, como Dolphin e Seal, mas também com o totalmente novo, Sealion 7, apresentado ao mercado europeu, e com um vislumbre da versão que será vendida no Brasil em breve.

Segundo a vice-presidente da marca, Stella Li, o novo SUV cupê do segmento D, reflete em como a BYD reage e escuta às demandas dos seus consumidores europeus, prometendo design, performance e autonomia de ponta.

E com uma estratégia ousada, que busca rapidamente conquistar o mundo, a Leapmotor debutou em Versailles. Com o amparo da Stellantis, — com quem fechou uma parceria bilionária pela administração global da marca — apresentou quatro elétricos. Carlos Tavares, CEO do conglomerado até 2026, esteve no evento e comentou que as montadoras têm mais a ganhar com a estratégia de se aliar às chinesas, ao invés de brigar com elas. Antes disso, ele visitou o estande da BYD, chamando a atenção da imprensa.  

O primeiro deles é um hatch subcompacto vendido por menos de 20 mil euros, o T03, o segundo é o C10, um SUV médio, por cerca de 36 mil euros. Ambos modelos com condução semi autônoma de nível 2 e confirmados para o Brasil. A versão de sete lugares, C16 também esteve no evento, ao lado do inédito B10, revelado no evento. O SUV do segmento C tem como rivais BYD Atto 3 (Yuan Plus no Brasil) e Volvo EX40, e estará disponível já no próximo ano na Europa.

Estande da Leapmotor rodeado de pessoas
Os modelos C16 (roxo), B10 (azul), C10 (verde) e T03 (turquesa) prometem agitar o mercado. Foto: Divulgação/LeapMotor

Para além das duas marcas, a Seres (com operações paralisadas no Brasil até então), a Xpeng, o grupo GAC e a Hongqi ocuparam o complexo de exposições francês. A última chamou a atenção com a estreia do sedã de luxo Guoya, rival dos alemães Classe S, Série 7 e A8. Enquanto isso, a GAC optou por uma abordagem mais demonstrativa de suas tecnologias, sem pretensões diretas de venda no continente. 

A história não se compra

Frente à concorrência cada vez maior das chinesas, eis o contra-ataque europeu, baseado amplamente no legado das marcas, algo com o qual as novatas não podem competir. No último Salão de Munique, o CEO do Grupo Volkswagen, Oliver Blume, destacou que o histórico estilístico das marcas é algo que não pode ser adquirido nem comprado, e será a principal chave para o público comprar os modelos europeus. 

Dito isso, nomes como BMW e Renault também vêm investindo em uma abordagem retrô futurista. Em relação à alemã premium, os conceitos Neue Klasse sedã e SUV foram apresentados pela primeira vez juntos. Com designs que remetem aos modelos dos anos 80, preveem a nova geração de elétricos da marca, esperados para 2025 e 2026.

Porém, foi no estande da Renault que a vibe passado e futuro, misturado com o charme e a funcionalidade, atraiu mais os olhares. Após o lançamento do aguardado R5, um hatch elétrico inspirado no icônico R5 dos anos 90, foi a vez do novo R4 voltar à vida.

Novo Renault 4 E-Tech azul em um fundo colorido
O novo Renault 4 E-Tech continua investido no passado da marca como diferencial. Foto: Divulgação/Renault

Construído sob a plataforma AmpR Small, é a versão SUV do R5, com quem compartilha a motorização e equipamentos. Com 4.14 metros de comprimento, funcionará como a versão 100% elétrica do Captur, contando com uma autonomia de mais de 400km no ciclo WLTP, carregamento rápido, todos os assistentes à condução modernos e muitas referências ao R4 dos anos 70. 

Construído na França, atraiu até mesmo os olhares do presidente francês, Emmanuel Macron. O político esteve no evento no dia de abertura ao público (15), e causou um leve tumulto ao fechar o estande em que visitava. Ele cumprimentou os executivos da marca e entrou no novo modelo, esse com expectativas de custar na casa dos 30 mil euros. 

Na ideia da ofensiva irreverente e estilosa, bem ao estilo francês, o protótipo do novo Renault Twingo esteve no evento. Agendado para ser lançado em 2026 (possivelmente no próximo Salão de Paris), promete tornar a mobilidade elétrica realmente acessível, com um preço na casa dos 20 mil euros no formato de um subcompacto, uma espécie em extinção.

Uma mobilidade de fato acessível?

Mas, ao se tratar de acessibilidade e democratização da eletricidade, outras marcas têm mais a dizer e entregar. Dentro do Grupo Renault, é a romena Dacia a representante de baixo custo. Se o nome da empresa não é conhecido aos brasileiros, com certeza seus modelos são. A fabricante de Sandero, Logan e Duster, vendidos sob o nome da Renault na América Latina e Turquia, apresentou em Paris o mais novo Bigster.  

O SUV é a aposta da marca para conquistar o segmento C, com 4.57 metros de comprimento e preços menores de 30 mil euros, cifra que hatches do segmento B atualmente custam. Baseado na mesma plataforma de Clio e Duster, a CMF-B, contará com opções a micro-híbridas de 48V, híbridas convencionais com baterias de 1.4 kWh, e versões movidas a GPL, populares em países como Espanha e Itália. 

Do outro lado do muro, a resposta da Stellantis ao sucesso da Dacia, — dona do modelo mais vendido da Europa em Julho deste ano na Europa, o Sandero — é a Citroën. A marca que já passou por muitas fases, desde o luxo e conforto do DS original, até a originalidade do Xsara e C4 Cactus, por exemplo, agora investirá no mercado de acesso. 

Estiveram no evento os novos C3 e C3 Aircross, bem diferentes das versões vendidas no Brasil, mas ainda na casa dos 20 mil euros. A reestilização do quadriciclo Ami foi apresentada, uma opção de locomoção elétrica por menos de 8 mil euros. E fechando os facelifts, os remodelados C4 e C4X (versão sedã do hatch compacto) foram lançados em Paris, agora com a nova identidade visual da marca.

Estande da Citroën rodeado de pessoas
A Citroën se reinventou com novos C3, C3 Aircross, C4, C4X e o protótipo verde do C5 Aircross 2026. Foto: Divulgação/Citroën

Além disso, o protótipo da nova geração do Citroën C5 Aircross foi revelado. Segundo a empresa, o modelo de produção será 95% igual ao conceito. No quesito motorização, será construído sobre a nova plataforma STLA Medium, que estreou com o novo 3008, e servirá de base para o novo Compass também. Suas principais vantagens incluem a possibilidade de versões híbridas e elétricas, com maior eficiência e autonomia de até 700 km, além de menores custos de produção pela sua modularidade.

Atendendo às demandas do mercado

Uma das principais ânsias da indústria é a diminuição dos custos na fabricação de elétricos, principalmente após a chegada das chinesas. No entanto, nem só de  grandes grupos é formado o setor, e parcerias são mais bem vindas que nunca. A Ford, por exemplo, se uniu à Volkswagen para produzir seus elétricos para a Europa, se prevenindo da taxação que Tesla, Volvo e Mini tentam evitar  com a fabricação dos seus modelos na China.

A americana/britânica apresentou ao público pela primeira vez o novo Capri, um SUV coupe construído sobre a plataforma MEB dos Volkswagen ID.3 e ID.4. O modelo continua o resgate de nomenclaturas clássicas da marca, como Puma e Mustang Mach-E, além da transmutação desses em SUVs, o que agrada ao mercado em geral, mas não tem a mesma reação aos mais saudosistas.

Do outro lado do globo, a sul-coreana Kia também busca conquistar o mercado europeu dos elétricos, sem dividir os custos com várias marcas. O mais novo lançamento do grupo Hyundai-Kia é o SUV urbano EV3, rival do Jeep Avenger, Peugeot e-2008 e Renault 4. 

Novo Kia EV3 verde de frente em um fundo branco
O EV3 é a aposta elétrica da Kia para o segmento B, o maior em vendas na Europa. Foto: Reprodução/InsideEVs

Os preços devem começar na casa dos 30 mil euros, o que não é barato para um carro do segmento B, mas é compatível aos rivais citados. O chamariz da marca, para além dos sete anos de garantia, é a tecnologia, refinamento e comodidade do modelo, quase como uma versão menor do SUV grande EV9, indicado ao prêmio Carro do Ano Europeu em 2024.

E em um segmento acima, mas em uma faixa de preço parecida, a checa Skoda, — essa sim de um grande conglomerado, a Volkswagen — apresentou o novo Elroq. Rival de modelos como BMW iX1 e Ford Explorer, começara na casa dos 33 mil euros, com uma autonomia de 560 km no ciclo WLTP.

Tentativas e erros

Paris ainda foi o palco para marcas menores, ou com menor relevância na Europa. No primeiro caso, a francesa Alpine que tomou os holofotes com o concept car A390 Beta, que antecipa o segundo modelo independente da Renault. 

Com um design agressivo, inspirado nos alpes, e com referências aos modelos de competição da empresa, será um crossover 100% elétrico construído sobre a plataforma do Nissan Aryia. Mesmo assim, a dinamicidade e performance única da marca, que hoje vende apenas o cupê A110, será mantida no carro de produção, anunciado para o ano que vem. 

Em meio aos europeus e chineses, ainda houve espaço para as estadunidenses Tesla e Cadillac. A empresa de Elon Musk deixou a desejar, sem um estande propriamente dito, ou sequer um tapete e divisórias entre seus modelos. Já no quesito novidade, nada de concreto. A picape Cybertruck foi apresentada oficialmente em solo europeu, mas nenhuma conformação de sua comercialização, ou lançamento do esperado Model Y remodelado e do táxi autônomo Cybercab, revelado três dias antes.

Já em relação a Cadillac, que tentou engatar nas vendas na União Europeia algumas vezes, as coisas foram diferentes. Desta vez focada na eletrificação, a empresa do Grupo General Motors trouxe o SUV de luxo Lyriq, além de lançar o Optiq, um pouco menor e com design menos extravagante na traseira. 

Novo Cadillac Optiq vermelho de frente no estamde da marca
Cadillac mira o Tesla Model Y com o novo Optiq, um SUV do segmento D com 4.82 metros. Foto: Reprodução/GM Authority

O Paris Motor Show 2024 certamente ficará para a história centenária do evento como um recálculo necessário e exitoso de rota. Marcas voltaram à mostra, lançamentos importantes ocorreram e o público compareceu. Além disso, mais uma vez o rumo que a indústria se encaminha foi destacado, um cenário crítico de reinvenção e reajustes.

Butch Wilmore e Suni Williams decolaram em junho com previsão de retorno para 8 dias depois, mas tiveram problemas na nave
por
Juliana Bertini de Paula
|
12/09/2024 - 12h

 

A Nasa adiou o retorno de Butch Wilmore (61 anos) e Suni Williams (58 anos) em oito meses. A Starliner, aeronave da Boeing que levava os dois astronautas para a Estação Espacial Internacional (ISS), decolou no dia 5 de junho com previsão de retorno para o dia 13 do mesmo mês. Porém, problemas de vazamento de hélio e falha crítica nos propulsores - essenciais para manobras de acoplamento e reentrada na atmosfera terrestre - adiaram a volta para fevereiro de 2025.

Starliner (ou CST-100) é uma nave espacial em forma de cápsula proposto pela Boeing - empresa conhecida pelos aviões comerciais - em colaboração com a Bigelow Aerospace. A sua principal missão é a de transportar pessoas à Estação Espacial Internacional, e estações espaciais privadas, como a Estação Espacial Comercial. A CST-100 Starliner é projetada para ser capaz de permanecer em órbita por no máximo sete meses para ser reutilizada em até dez missões.

Esse foi o primeiro voo tripulado na espaçonave. O voo já havia passado por problemas com paraquedas antes mesmo da decolagem, que teve duas contagens regressivas descartadas. Além disso, o sistema de propulsão também já havia apresentado falhas.

 

Astronautas Suni Williams e Butch Wilmore à bordo da espaçonave Starliner. Foto: Nasa via Associated Press
Astronautas Suni Williams e Butch Wilmore à bordo da espaçonave Starliner. Foto: Nasa via Associated Press

O que acontecerá com Butch e Suni?

Wilmore e Williams são pilotos experientes e já acumularam 178 e 322 dias no espaço, respectivamente. Como acontece com todos os astronautas, isso os expõe à microgravidade e à radiação espacial, que afetarão a saúde de ambos.

O primeiro pode causar desmineralização óssea - com risco de osteoporose. Os astronautas perdem cerca de 1% a 1,5% de densidade óssea para cada mês passado no espaço. 

Além disso, esse ambiente também pode causar alterações na visão. Estudos espaciais mostraram que o sangue venoso muda a direção em que circula e se desloca para a cabeça, exercendo pressão intracraniana, o que afeta principalmente os olhos. A pressão prolongada também pode levar à Síndrome Neuro-ocular Associada ao Voo Espacial (Sans), que altera a capacidade de foco, às vezes de forma permanente.

 

Suni Williams e Butch Wilmore na ISS, sem gravidade. Foto: Reprodução/NASA
Suni Williams e Butch Wilmore na ISS, sem gravidade. Foto: Reprodução/NASA 

 

 

Já a radiação cósmica aumenta o risco de câncer para os astronautas, por meio do estresse oxidativo no corpo - quando compostos que não são úteis para a vida (radicais livres, água oxigenada, etc.) são produzidos em excesso. As consequências são   alterações na funcionalidade das membranas das células, o que leva ao aparecimento de tumores cancerígenos.

Não haverá falta de suprimentos, já que missões de reabastecimento de alimentos, água, oxigênio e filtragem de carbono são enviadas regularmente à estação. A ISS também conta com seis dormitórios, dois banheiros e um ginásio para os astronautas a bordo.

O resgate de Butch e Suni será feito pela missão da Crew Dragon, da SpaceX em 2025. Dois tripulantes foram removidos da missão para liberar assentos para os astronautas presos em órbita. A incerteza e a falta de concordância de especialistas não atendem aos requisitos de segurança e desempenho da agência para voos espaciais humanos, levando assim a liderança da NASA a mover os astronautas para a missão Crew-9.


 

O que acontecerá com a nave?

A aeronave retornará vazia à Terra com o piloto automático ativado, de acordo com Bill Nelson, chefe da Nasa. 

Aeronave Starliner, que retornará à Terra vazia. Foto: Reprodução/NASA
Aeronave Starliner, que retornará à Terra vazia. Foto: Reprodução/NASA

No sábado (1), o astronauta Butch relatou sons não identificados saindo do alto-falante da Starliner. Ele pediu aos controladores de voo em Houston para verificarem se podiam ouvir o som pulsante que saia de dentro da espaçonave. 

Em nota, a Nasa explicou que o ruído ouvido pelo astronauta a bordo da Estação Espacial Internacional parou. Segundo a agência, o ruído do alto-falante foi resultado de uma configuração de áudio entre a estação espacial e a Starliner.

Em sua terceira edição, a mostra se consolida na indústria automotiva, mas ainda pode melhorar
por
Vitor Nhoatto
|
19/08/2024 - 12h

Criado em 2022 como um substituto aos órfãos do Salão do Automóvel de São Paulo, suspenso desde 2018, o Festival Interlagos aconteceu mais uma vez. Tomando as instalações do The Town, mobilizou cerca de 120 mil pessoas entre os dias 09 e 11 de agosto e as principais marcas do mercado. Tudo isso mexendo com as emoções dos apaixonados pelas quatro rodas na mítica pista de Interlagos, zona sul da capital paulista.

Vista de cima da pista de Interlagos durante o Festival Interlagos Carros 2024
Obras acontecem no complexo, palco da música em São Paulo e agora definitivamente das motos e carros também - Foto: Vitor Nhoatto

Um pouco de história

Idealizado inicialmente como Festival Duas Rodas em 2021 pela revista de mesmo nome e pela Fullpower, que como o nome sugere era dedicado ao universo das duas rodas, foi com o tempo se expandindo. No ano seguinte, mudou para Festival Interlagos Motos, já com um público considerável, e anunciou também um irmão mais novo e maior, a edição Carros. 

As expectativas eram altas, já completavam quatro anos de ausência de qualquer evento dedicado ao mundo dos automóveis no Brasil. Em um país com uma relação forte com os veículos, terra de Ayrton Senna e com relevância internacional no setor, algo estava faltando. Não era por baixa adesão popular tal buraco, mas como no mundo todo, pós-pandemia e gradativamente mais volátil, reclamações e reivindicações assombravam os tradicionais salões. 

Por parte das empresas, o principal descontentamento era com o formato em si. Estático, grandioso e caro, cada vez mais um negócio impraticável. E por parte dos espectadores, batia um cansaço do título de “agente unicamente passivo”. 

Com o Festival Interlagos as coisas seriam diferentes. Saía o termo antiquado e entrava em cena um evento de experiência automotor. Nele, os visitantes passariam a poder experimentar na pista os modelos antes restritos a exposição, enquanto as empresas poderiam comercializar seus produtos. E assim foi.

Jeep Gladiator Rubicon azul no canto com foco na sala de financiamentos do outro lado do Boulevard
De forma oposta aos estandes, salas de negócios e de financiamentos para o visitante se tornar cliente em Interlagos - Foto: Vitor Nhoatto

A primeira edição teve recepção morna, participação de dez marcas e um pouco mais de 20 mil pessoas. Em 2023, o público dobrou e apesar de ter mantido a quantidade de marcas, foi o palco de lançamentos no mercado brasileiro como o Ora 03 da GWM e o GR Corolla da Toyota. Já em 2024, o crescimento foi de fato expressivo: 19 fabricantes de veículos e 118,7 mil visitantes, segundo a organização do evento.

Como era o evento?

Sua estrutura manteve-se, com estandes localizados na área dos boxes da pista e também no piso superior, chamado de paddock mall. No entanto, para comportar o número bem maior de expositores, a pista se transformou em uma mostra a céu aberto. Com direito a terra nos calçados e caminhada na grama, mas sem o lamaçal visto no Lollapalooza, era visível a expansão do evento.

Em alguns momentos, era possível ter a sensação de algo de grande porte e com relevância minimamente nacional. Se ouviam alguns sotaques diferentes, principalmente sulistas, e havia fila nas principais ativações do festival, seguramente a sala de briefing - etapa anterior ao test-drive - e nas brincadeiras interativas nos estandes, com destaque para o divertido e aconchegante espaço da Renault.

Estande da Renault com Kardian laranja ao fundo e cafeteria no canto direito
Estande da marca francesa lembrava mais uma sala de estar do que uma exposição de carros - Foto: Vitor Nhoatto

O contato com as aparentes intermináveis obras do local prejudicava a imersão completa em alguns momentos na área externa, e os tapumes não tornavam a experiência visual tão agradável. Longe do charme e glamour dos salões com certeza. Mesmo assim, o entretenimento era diverso e cativante. Para as crianças, área kids com atividades de pintura e brinquedos infláveis, aos gamers, uma arena com simuladores, e aos passeadores de shopping, lojas de acessórios com atividades interativas e brindes, além de um quiosque da perfumaria Natura.

A praça de alimentação era modesta, com mais opções comparado às outras edições, mas ainda sem tantas variedades vegetarianas e veganas, além de preços não tão chamativos. Falando em valores, os ingressos custavam entre R$98 e R$2.960. A sinalização foi outro ponto a ser melhorado. Não havia muitas indicações de onde ficavam a área de credenciamento, de test drive, a tirolesa (herdada do The Town) ou mesmo a localização das escadas.

Outro destaque foram as atrações. Houveram apresentações de pilotos na pista de drift e shows de Fernando e Sorocaba e Filipe Ret. Aqui a organização foi vitoriosa, pois nenhum incidente ocorreu e as apresentações cativaram a plateia. Para curtir a dupla sertaneja, era necessário comparecer no sábado e ter o ingresso Show Pass, que custava R$250 e permitia o acesso a um churrasco, à vontade, por cinco horas. Para ver o rapper, na sexta-feira, o ingresso básico já era suficiente.

Dos boxes aos holofotes

Partimos para o foco do evento, os carros, área em que as coisas prometiam ser melhores e realmente emocionantes. Chegando ao autódromo, o barulho dos motores na pista chamava a atenção no longo percurso até o local de fato do evento. Transfers gratuitos estavam disponíveis no estacionamento para quem não fosse fã da caminhada, tanto ida como volta.

Caso houvesse vontade de sentir com as próprias mãos, e pneus, o circuito, era necessário desembolsar R$495 para correr com três veículos. Havia também o Range Rover Pass por R$1.295 com direito a experimentar modelos como Evoque e Velar. Por último no topo, salgados R$2.960 permitiam andar de Lamborghini, Ferrari ou Porsche. 

Vários carros na parte dos boxes na pista de Interlagos, como Honda Civic Type R, Omoda E5 e Ford Mustang
No caso da maioria dos carros, como Type R e Mustang era necessário ter CNH por pelo menos três anos, enquanto com Lamborghini e Ferrari, 5 - Foto: Vitor Nhoatto

Dentro do prédio estava a maioria dos estandes. Na parte de cima, estavam empresas diversas do setor, com carros “vestindo” seus uniformes, inclusive alguns modelos exclusivos, como um Rolls Royce Cullinan e alguns Porsche 911. Embaixo, na área dos boxes propriamente, finalmente as marcas de automóveis. 

Estiveram presentes Mitsubishi, Honda, Renault, Toyota, Lexus e Abarth, sem grandes novidades. Além destas, a Volvo marcou presença com todos os carros de sua linha atual, incluindo o recém-lançado no Brasil, EX30, SUV compacto elétrico mais barato da marca. Aliás, o modelo teve uma das maiores demandas de test drive da mostra. 

No entanto, as estrelas do evento foram, mais uma vez, as marcas chinesas. Por todos os lugares do evento, víamos estandes de empresas de acessórios, estacionamento, pista e arena com alguns Ora 03. Falando de GWM, um dirigível com a logo da marca pairava pelo céu durante os dias do festival. Além disso, mais uma vez ela apresentou modelos inéditos, ainda em homologação. Dessa vez foram dois SUVs, um de luxo com seis lugares, Wey 07, e outro off road, Tank 300, ambos híbridos.

Do lado, encontrava-se outra protagonista oriental, a BYD. Na frente de suas compatriotas em números de vendas, a nona maior do Brasil também usou a festa para atiçar os consumidores. A minivan híbrida D9, da submarca premium Denza, chamava a atenção de imediato pela sua presença, apesar de ser um produto de nicho. O modelo que realmente irá mexer com o mercado e que estava no estande, trancado e com uma espécie de máscara, era o Yuan Pro.

Byd Yuan Pro com camuflagem colorida no canto esquerdo ao lado da minivan Denza D9 branca e Seal Stock Car mais ao fundo
Além de Yuan Pro e da estreia da Denza, Seal Stock Car prevê categoria elétrica inédita na competição - Foto: Vitor Nhoatto

Com dimensões próximas a de um Hyundai Creta, o SUV elétrico será lançado ainda esse ano no Brasil. A empresa promete preços competitivos tal qual o hatch subcompacto Dolphin Mini, presente lá também em sua nova versão de cinco lugares. 

Interlagos como palco

Em constantes reformas desde 2014, a complexa propriedade da Prefeitura de São Paulo possibilitou uma nova área na edição 2024 do Festival Interlagos Carros. No meio do circuito, mesmo local onde os palcos do The Town são montados, mais marcas estavam presentes como dito no início desta reportagem.

O acesso se dava pelas escadas externas, que possibilitavam uma boa visão da pista e atraiam os mais afetuosos por fotos. Mas, de novo, a distância poderia incomodar alguns. Era uma descida considerável, mas se optasse pelo elevador, que era um pouco demorado, o incômodo poderia ser menor. Já na grama, a emoção voltava e aumentava quando comparado à área interna.

De cara, o pomposo estande branco de uma marca totalmente desconhecida chamava os olhares. Seja pelo nome não "aportuguesado" e, portanto, curioso aos brasileiros, ou pela estreia da empresa em território nacional. Essa em questão é a Neta, chinesa com pretensões de fabricação no Brasil de seus carros, totalmente elétricos.

Estande de dois andares da Neta Auto na área externa do Festival Interlagos Carros 2024
A Neta Auto promete fechar 2024 com três modelos e 35 concessionárias no Brasil, dobrando a quantidade de lojas em 2025 - Foto: Vitor Nhoatto

Seus primeiros lançamentos serão um hatch, um SUV e curiosamente um esportivo. O primeiro, o AYA, era o único não disponível para test drive e concorrerá com Dolphin e Ora 03, apesar de menor, tamanho semelhante a um Chevrolet Onix. Custando a partir de R$124.900 na versão de entrada sem assistentes de condução, tem potencial. O design é questionável, mix de monovolume e crossover, e a autonomia é menor que seus concorrentes, 263 km segundo o Inmetro. Mesmo assim o preço é atrativo.

Na casa dos R$200 mil eis o X, SUV médio com pegada esportiva e moderna. Diferente do hatch, a presença do modelo de 4,68 metros é boa e atrai. Custará entre R$194.900 e R$214,900, com variações nos assistentes, mais uma vez, e no tamanho da bateria. A versão de entrada, 400, tem autonomia de 258 km, enquanto as outras duas, 500, segundo Inmetro, podem rodar até 317 km.

Por último e em um movimento até então inédito, um esportivo de duas portas, o Neta GT. Imponente e harmonioso, o veículo também era figura constante na pista de Interlagos. A disponibilidade para test drive do modelo havia se esgotado rapidamente no site antes do evento. Ainda sem preço definido, é o único do trio em homologação. AYA e X têm previsão de comercialização em setembro e o GT até o fim do ano. 

Diversidade e exclusividade

Seguindo pelo espaço, era possível se deparar com alguns robôs, carregadores (de celular e de veículos), food trucks, mais estandes e arenas. Destaque na área de apresentações foi a pista de drift, atrás dos estandes mais ao final da área externa do evento. 

Três carros de drift, dois Nissan 350Z e um Nissan Silvia na p[ista de drift
Apenas os pilotos podiam derrapar na pista, por questões de segurança claro, mas o público curtia como se estivesse em meio a fumaça - Foto: Vitor Nhoatto

Após as fortes emoções a caminhada continuava. Perto da nova pista de habilidades, uma espécie de circuito formado por cones, estavam mais duas estreantes, e chinesas. Pertencentes a Chery, mas lançadas como marcas independentes, tal qual em mercados europeus, Omoda e Jaecoo.

A primeira, de apelo mais jovem e dinâmico, trouxe o híbrido leve 5 e sua versão elétrica E5. O porte é parecido ao rival Jeep Compass, mas com uma caída de teto acentuada e estilo que puxa para um SUV coupe. Já a segunda, com uma pegada mais cúbica e um toque maior de refinamento, apresentou o 7, híbrido plug-in. A qualidade percebida da tríade é boa, nível de equipamento completo e promessa de preços competitivos quando comercializados no início de 2025. A expectativa antes do evento era de início ainda este ano.

Os três modelos estavam disponíveis para teste, porém, foram ofuscados pela outra novata e demais chinesas. Até o último dia haviam horários disponíveis. Mesmo assim, as empresas têm altas expectativas. Investimento de R$200 milhões, rede com 50 concessionárias até o ano que vem, 30 mil vendas anuais, quatro modelos inéditos e intenção de produção nacional. 

De frente a pequena plataforma das chinesas, algo cercado de expectativas e história, o estande Museu Automóvel. De longe, a silhueta de dois clássicos já atraia os olhares, e lá dentro, até os menos entendidos sabiam que estavam diante de lendas do mundo dos automóveis. 

A iniciativa foi outra novidade da edição 2024, e trouxe raridades do século passado, como o Plymouth Superbird, além do trio de superesportivos Porsche 918, McLaren P1 e Ferrari LaFerrari. No espaço que também contava com um estúdio de tatuagem, fotos e comentários com onomatopeias de espanto eram constantes, seja de crianças ou adultos.

Mais ao fundo, estrategicamente próximos da pista off-road, que era inclusa em todos os ingressos, mas sujeito a disponibilidade no local, estavam estandes de Jeep, Ram, Ford e BYD novamente. A estadunidense Ford levou suas picapes Ranger Raptor e F-150 para o ar livre, com a segunda apresentada inclusive em sua variante elétrica Lightning, futuro lançamento. Enquanto isso, a BYD dedicou seu segundo estande a seu mais novo modelo, a picape híbrida plug-in Shark, primeira com tal motorização no segmento. 

Por fim, mas não menos relevante, a Chevrolet esteve no evento. Além de alguns modelos Stock Car espalhados pelo Festival e da nova edição do carro de competição no estande em si, havia outra novidade. Tendo sido anunciada apenas algumas semanas antes, se tratava da Blazer EV, verdadeira estrela do espaço.

Três modelos Blazer EV no estande da Chevrolet, dois dos carros vermelhos e um prata.
Preço do modelo que estrelou o filme Barbie em 2023 ainda não foi divulgado, mas pelo posicionamento proposto deve ficar em torno de R$500 mil - Foto: Vitor Nhoatto

Após alguns atrasos por questões no desenvolvimento do software do modelo que marca a chegada de uma nova geração de elétricos na GM, enfim é hora. Haviam três no estande e alguns rodando na pista. De apelo esportivo - conhecido como o SUV do Camaro nos Estados Unidos - cativa pelo design, tanto exterior como interior. O acabamento é ótimo, mas ainda aquém dos rivais na mira da marca no Brasil, BMW iX3 e a nova Porsche Macan. Além disso, fica devendo piloto automático adaptativo e centralização na faixa de rodagem. 

De olho no futuro

Em sua terceira edição, o Festival Interlagos Carros mostrou-se mais maduro, e a participação do público e das empresas comprovou a sua consolidação no calendário das quatro rodas. Obviamente, o glamour e as emoções proporcionadas pelo sucessivamente adiado Salão do Automóvel de São Paulo não são as mesmas. Mas isso não é de todo mal.

O local mexe com o imaginário popular e as demandas do público por participação efetiva se cumpriram, apesar de ainda limitada e cara para a maioria. Além disso, as marcas podem, finalmente, vender seus produtos e os custos operacionais são consideravelmente menores, segundo as participantes em suas coletivas de imprensa. Enfim, de alguma forma, ambos os lados são agradados.

O caminho traçado até aqui foi exitoso, apesar de problemas organizacionais e estruturais. Além disso, o futuro parece promissor e a prefeitura de São Paulo, inclusive, confirmou as datas para 2025. Edição Motos acontecerá entre 28 de maio a 1 de junho e Carros de 11 a 15 de junho. Já o Salão, estipulado até então para novembro de 2025, segue em negociações.

Ápice de atividade solar ocorre neste ano e atividades celestes já podem ser observadas
por
Juliana Bertini de Paula
|
05/06/2024 - 12h

 

Desde o início de maio, explosões solares foram observadas por laboratórios astronômicos de todo o planeta, causando auroras boreais pela Europa. Cientistas afirmam que o ano de 2024 será de atividades solares extremas.

“É o momento que os astrônomos piram”, diz Marcelo Rubinho, um dos astrônomos residentes do planetário de São Paulo. Ele explicou o fenômeno em entrevista à AGEMT.
 

O que são?

As explosões solares são uma súbita liberação de energia com segundos de duração que acontecem nas manchas solares, regiões ativas um pouco mais frias.

“Por ser fluido, os campos magnéticos do Sol ficam embaraçados e quanto mais embaraçados, mais atividade solares ocorrem. Isso ocorre normalmente a cada 11 anos, mas neste está anormal”, explica o astrônomo.

Ilustração explicando o campo magnético solar. Foto: Addison Wesley
Ilustração explicando o campo magnético solar. Foto: Addison Wesley.

 

 

As linhas destes campos funcionam como tubos para o plasma, composto por partículas, principalmente elétrons. As linhas formam caminho para o material passar de uma região para outra. Assim, o local onde a energia é expelida se torna mais frio e se formam as manchas solares. O Sol se mantém nesse estado até trocar a polaridade a cada 11 anos.

 

Nestas regiões existe uma concentração de plasma armazenado. Quando há alguma instabilidade nessa região, ocorre a explosão, originando radiação eletromagnética que pode ejetar partículas para o sistema solar. 

 

Como podem afetar a vida na terra?

 

Nessas explosões, pode ou não acontecer uma ejeção solar. Caso essa liberação de partículas esteja exatamente alinhada à Terra, pode atingir satélites artificiais, causando dano nos painéis solares, interrupção de transmissão de dados, e, na litosfera, alterações  no fornecimento de energia, provocando apagões e afetando sistemas de navegação.

 

“A chance da terra ser atingida é muito pequena pois a ejeção tem que sair na direção da Terra e a Terra tem que esta na linha direta da ejeção”, conta Rubinho. 

 

 Porém, as explosões não causam riscos diretos para os seres na Terra devido ao campo magnético, que impede que as partículas extremamente energéticas atinjam os seres vivos. Mas um astronauta que está fora desse campo, por exemplo, e que por algum motivo estaria fora da proteção de sua nave, poderia ter câncer de pele, catarata ou morrer.

 

Explosão solar, é perceptível o plasma seguindo as linhas do campo magnético. Foto: NASA.
Explosão solar, é perceptível o plasma seguindo as linhas do campo magnético. Foto: NASA. 

 

 

Na Terra, essas explosões se tornam perceptíveis com a ocorrência de auroras boreais incomuns no Hemisfério Norte e raras auroras austrais no Hemisfério Sul, como a que aconteceu na Argentina, observada em Ushuaia, no sul do país. No Chile, o fenômeno foi visto na região de Los Lagos e na Patagônia.

 

Aurora austral vista do Ushuaia, no sul da Argentina. Foto: Reprodução/Servicio Meteorológico Nacional/X.
Aurora austral vista do Ushuaia, no sul da Argentina. Foto: Reprodução/Servicio Meteorológico Nacional/X.

 

 

Na Europa, há relatos nas redes sociais de aurora boreal na Hungria, na Suíça, no Reino Unido e no norte de Portugal. Já nos Estados Unidos, a aurora boreal foi vista nos estados de Massachusetts, Wisconsin e Flórida.

 

Atividades extremas

Na primeira quinzena de maio deste ano foram registradas as explosões mais intensas desde 2003. 

Uma grande mancha escura na superfície do sol, nomeada AR3664, cresceu e se tornou uma das maiores e mais ativas manchas solares vistas neste ciclo solar.

 

Mancha AR3664, que cresceu nos últimos meses. Foto NOAA.
Mancha AR3664, que cresceu nos últimos meses. Foto NOAA

 

 

O fenômeno atraiu atenção dos astrônomos após o Centro de Previsão do Tempo Espacial da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) emitir um aviso de aumento do risco de erupções solares.

 

 Essas atividades são categorizadas por tamanho com letras, sendo a classe X a mais poderosa. Em seguida, existem as erupções da classe M, que são 10 vezes menos poderosas do que as da classe X, seguidas pelas erupções da classe C, que são 10 vezes mais fracas do que as da classe M, e assim por diante.

Acompanhado da letra, há uma escala numérica que vai até 9, para registrar a força da erupção.

 

Em 15 de maio, a Nasa, agência espacial estadunidense, registrou a explosão mais potente nos últimos 20 anos. Ela foi classificada como X8.7. Apesar de intensa, a atividade aconteceu no lado oeste do Sol, que se encontra em rotação na direção contrária da Terra. Por isso, não é esperado que o fenômeno provoque efeitos no planeta.

 

Outros fenômenos

 

Além das tempestades solares, dois meteoros chamaram a atenção dos cientistas recentemente: um que atravessou Portugal e Espanha e outro no Brasil.

 

Em 19 de maio, uma enorme bola de fogo gerada pela súbita destruição de uma rocha procedente de um cometa sobrevoou a região espanhola de Extremadura e vários distritos do noroeste de Portugal, até se desintegrar sobre o Oceano Atlântico. 

Essa rocha atravessou a atmosfera terrestre a uma velocidade de 161 mil km/h. A sua cor esverdeada e azulada indica que a bola de fogo é composta por magnésio.

 

Bola de fogo azulada vista em partes da Europa. Foto: Reprodução/Facebook.
Bola de fogo azulada vista em partes da Europa. Foto: Reprodução/Facebook.

 

 

Outro evento parecido ocorreu na madrugada da última sexta-feira (31). O observatório espacial Heller & Jung, localizado em Taquara, Porto Alegre, registrou a queda vertical de um meteoro sobre o Rio Grande do Sul.

"Este meteoro ingressou na atmosfera a uma altitude de 101,4 quilômetros e se extinguiu sobre o centro do estado na área de Santa Maria a uma altitude de 32 quilômetros", explica o professor Carlos Fernando Jung, responsável pelo observatório, em entrevista ao G1.

 

 

Meteoro caindo de maneira vertical no Rio Grande do Sul. Foto: Observatório Heller & Jung
Meteoro caindo de maneira vertical no Rio Grande do Sul. Foto: Observatório Heller & Jung

 

 

Outras atividades espaciais são esperadas ainda para esse ano, como eclipses lunares, chuva de meteoros e lançamentos de missões espaciais.

Acompanhe como foi a primeira mesa do evento , realizado no Tucarena, teatro da PUC-SP
por
Beatriz Alencar Gregório
João Pedro Lopes Oliveira
Geovana Bosak Santos
|
15/03/2024 - 12h

Na quarta-feira (13), a Agência Pública celebrou seus 13 anos de jornalismo investigativo no Tucarena, em Perdizes, em  parceria com o   curso de Jornalismo e a Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes da PUC São Paulo. O evento "Pública 13 anos: O jornalismo na linha de frente da democracia", contou com três mesas de debate ao longo do dia, reunindo nomes ilustres do jornalismo, da antropologia e do clima. A comemoração discutiu temas como a desinformação, a crise climática e a defesa da democracia.

A primeira mesa, com o tema “Desinformação e Populismo Digital”, foi mediada por Natalia Viana, co-fundadora e diretora executiva da Pública, ela também se graduou em Jornalismo na PUC e mencionou a escolha da universidade para sediar o evento. Segundo ela, “a democracia é a cara da PUC”. Como convidadas, juntaram-se à mesa a antropóloga Leticia Cesarino e a pesquisadora Nina Santos para discutir as ondas de desinformação, a regulamentação da inteligência artificial e o poder das big techs e algoritmos nos sistemas de informação.

Ao final da discussão, também foram abertas perguntas ao público. Geovana Bosak, estudante de jornalismo perguntou: "Como você vê o futuro do jornalismo em um ambiente que está cada vez mais dominado pela manipulação dos algoritmos e pela desinformação?"

Nina Santos:

"O jornalismo está passando por um momento de transformação, porque de fato a economia da atenção, que é o rege o funcionamento das plataformas digitais, acaba mudando muito até a forma de acesso das pessoas ao jornalismo. O que a gente vê nas últimas pesquisas é que as pessoas acessam cada vez mais o conteúdo jornalístico através das plataformas. Ao invés de entrar diretamente nos veículos, elas entram nas plataformas digitais, que são espaços de informação e também de entretenimento, e através dessas plataformas que elas acabam se informando sobre o que tá acontecendo, o que é importante, e sobre o quê que elas precisam agir".

A Agência Maurício Tragtenberg esteve presente na primeira mesa de discussão "Desinformação e Populismo Digital", e gravou um vídeo de cobertura. Para conferir, acesse: 

https://www.instagram.com/reel/C4icdfIOyQo/utm_source=ig_web_copy_link&igsh=MzRlODBiNWFlZA==

 

Como a adesão do sistema de videomonitoramento no Brasil representa a falência da segurança pública
por
Gabriela Figueiredo
Victoria Leal
|
27/11/2023 - 12h

Por Gabriela Figueiredo e Victoria Leal 

"Estão criando uma polêmica em algo que a gente já construiu, um sistema que muitas cidades já desenvolvem, que no metrô tem, em vários locais tem, é como se fosse algo muito inovador e na verdade estamos atrasados. São Paulo está correndo atrás de um prejuízo". Ricardo Nunes, prefeito da cidade de São Paulo, sobre o sistema de videomonitoramento Smart Sampa.

O Smart Sampa é o novo sistema de videomonitoramento da cidade de São Paulo, que iniciou, na segunda-feira (7) de agosto de 2023, a instalação de 20 mil câmeras inteligentes de segurança, que integram a tecnologia de biometria facial, com serviços públicos da cidade, para monitoração em tempo real da população. 

O sistema funciona unindo informações captadas dos rostos dos cidadãos pelas câmeras de segurança distribuídas pela cidade, com o banco de dados do sistema de segurança pública da região, para identificar, principalmente, pessoas que cometem infrações, mas segundo prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes, a monitoração será utilizada em união com outros órgãos, para identificar possíveis acidentes e chamados voltados para políticas públicas.

O prefeito explicou ainda que “tem que ter mais de 90% de similaridade na biometria facial [para iniciar uma operação de busca] e não teremos a transmissão automática às forças policiais quando for detectado alguém que seja, por exemplo, um procurado da Justiça. Ele vai passar ainda por um comitê integrado à Controladoria Geral do Município para a análise antes do envio”.

A decisão do consórcio que cuidará do sistema passou por um pregão eletrônico, que contou com a participação de 12 empresas, em que o contratado foi o Consórcio Smart City SP, formado pelas empresas CLD – Construtora, Laços Detentores e Eletrônica LTDA, Flama Serviços LTDA, Camerite Sistemas S.A. e PK9 Tecnologia e Serviços LTDA, com previsão de instalação das câmeras em 18 meses, por um custo mensal de R$ 9,8 milhões.

 

HISTÓRICO

O sistema de videomonitoramento já tem seu histórico no Brasil, com instalações no Rio de Janeiro e Bahia. Em uma pesquisa publicada em novembro deste ano, pela Rede de Observatórios da Segurança - grupo criado em maio para coletar indicadores que não são divulgados oficialmente - de março a outubro, foram detidas 151 pessoas com o uso de tecnologias de reconhecimento facial, sendo 52% dos casos na Bahia, 37% no Rio de Janeiro e 7% em Santa Catarina.

A organização não oficial levantou os dados usando reportagens de veículos de imprensa, páginas das polícias e de outras organizações e órgãos nas redes sociais. Ainda, segundo a pesquisa, o perfil das pessoas presas segue a tendência da população carcerária, sendo 90% das pessoas negras, 88% homens, com idade média de 35 anos e com abordagens por tráfico de drogas e roubo.

E é aqui que o histórico passa a ter seu contrapeso na implementação da tecnologia. Em um primeiro teste executado durante os quatro dias de Micareta, em Feira de Santana, Carnaval fora de época que acontece no município próximo a Salvador, mais de 1,3 milhão de pessoas tiveram seus rostos captados e 903 chamados foram gerados, mas apenas 33 mandados de prisão foram cumpridos.

No Rio de Janeiro, uma mulher e um homem foram detidos por engano em Copacabana, em julho, com acusação de homicídio, em que, no processo de investigação do caso, foi descoberto que a procurada já estava na prisão havia 4 anos.

A professora do Programa de Tecnologias Inteligentes e Design Digital (TIDD) PUC SP, Dora Kaufman, explica que "o reconhecimento facial é uma das aplicações da técnica de aprendizado de máquina, subcampo da inteligência artificial", a aplicação serve para diversas atividades, desde reconhecimento de imagens em pesquisas no Google até biometria facial, em que o algoritmo aprende com base exemplos extraído de dados.

No caso da biometria facial, um dos obstáculos é processo de reconhecimento do rosto, que não chega à precisão completa. O cálculo acontece a partir da distância entre alguns pontos do rosto e comparação com o banco de dados. Quando um certo grau de semelhança é emitido, o alerta é direcionado.

A professora ainda aponta que “existem estudos de ONGs indicando que mais de 20 secretarias de segurança de cidades brasileiras estão usando esses sistemas, com falhas significativas. O problema é alguém ser reconhecido equivocadamente, ou seja, ser preso sem ter incorrido em nenhum crime simplesmente porque o sistema falhou”.

 

O CICLO SE REPETE

Com 90% de identificação da população preta em alvo do sistema e uma das maiores porcentagens da instalação de câmeras na zona mais rica da cidade - 3.300 câmeras na região central, 6 mil na Zona Leste, 3.500 na Oeste, 2.700 na Norte e 4.500 na Sul -

Amailton Azevedo, professor do Programa de Estudos Pós-graduados em História e do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais da PUC-SP, aponta que "trata-se de outros mecanismos para renovar e sofisticar o racismo made in Brazil. Se há a tese de que considera o racismo brasileiro se manifesta de modo silencioso e velado, de outro, pode-se defender que políticas de segurança como essas tornam explícitas as soluções brancas para problemas negros e mestiços".

O prefeito Ricardo Nunes afirmou ainda que “quem tem que estar preocupado é quem fez alguma coisa contra a lei, mas quem não tem nada contra a lei, fique despreocupado. Alguém que fez algo contra a lei, alguém que traz transtorno para a sociedade, acho que essas pessoas têm que estar preocupadas”.

Em uma alusão com o mundo real, o anime japonês “Psycho-Pass” mostra, ainda no primeiro episódio, como o sistema de monitoramento por inteligência artificial pode ser falho a ponto de pôr em risco a vida da população que “não tem nada contra a lei”. O episódio apresenta um medidor de “potencial de criminalidade”, monitorado pelo Estado, que após atingir certos estágios, pode levar a prisão ou execução.

Após sofrer um trauma por tentativa de abuso, a personagem vítima tem seu psycho-pass elevado a nível de execução, mesmo sem nunca ter apresentado qualquer sinal natural do “potencial de criminalidade”.

Sendo 90% de potencial de identificação do sistema de monitoramento ou 90% dos alvos sendo pessoas pretas, a falta de precisão do Smart Sampa e de qualquer outro sistema vira mais um agravante para um problema estrutural da sociedade.

 

IMAGEM DE CAPA: Reprodução Portal Outras Palavras