Maior evento europeu do setor continua na rota por novidades eletricas e mais concorrência a cada ano
por
Vítor Nhoatto
|
22/09/2025 - 12h

Ocorrido entre os dias 9 e 14 de setembro, o IAA Mobility recebeu mais de 500 mil visitantes, superando a sua última edição em 2023. Estiveram presentes as germânicas Audi, BMW, Mercedes, Opel, Porsche e Volkswagen, mas Fiat, Peugeot e nenhuma japonesa compareceu. Com isso, mais uma vez uma grande parte de Munique foi palco para as chinesas se consolidarem e expandirem.

Com o lema “It’s all About Mobility”, em tradução livre, “É Tudo Sobre Mobilidade”, o foco da mostra se manteve em soluções inteligentes e inovadoras. Startups como a Linktour com  seus micro carros elétricos, e marcas de bicicletas e motocicletas elétricas estavam por todos os lados do München Expo Center. E repetindo o formato aplicado desde 2021, com o chamado “Open Space”, uma área de experiências interativas gratuitas ao ar livre, os visitantes podiam experimentar tudo isso.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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 Além disso, a inovação tecnológica foi tema de muitos debates e coletivas de imprensa com representantes da indústria. Fornecedoras como a Bosch, Aisin e Revolt, além de empresas de carregadores como a Charge X e E-Mobilio e a gigante de baterias CATL foram só alguns dos mais de 750 expositores presentes. 

Setor premium atento

Falando em eletricidade, ela estava no centro das atenções de todas as marcas, apesar das vendas de carros elétricos (BEV) terem sido prejudicada na Europa no ano passado. O fim ou diminuição de subsídios governamentais e metas de descarbonização estagnadas na União Europeia foram os principais motivos segundo o Global EV Outlook 2025 da International Energy Agency (IEA). No entanto, as projeções para esse ano e os próximos são de crescimento.

De olho nisso a BMW lançou o novo iX3, modelo mais importante em anos ao inaugurar uma nova era para a alemã. A segunda geração do modelo estreia uma plataforma sob medida e exclusiva para elétricos de nova geração, chamada de Neue Klasse. O destaque fica com a nova bateria de 108.7kWh de capacidade integrada ao chassi, compatível com carregamento ultrarrápido de até 800V - ganha 372km em apenas dez minutos - e autonomia de 805km em uma carga segundo o ciclo WLTP. 

No quesito design a ruptura com o passado é ainda mais evidente, com uma nova linguagem visual, inspirado nos modelos da BMW dos anos 80. No interior foi inaugurado o Panoramic iDrive, com o painel de instrumentos correndo ao longo de todo o para-brisa, um novo volante de quatro raios e um multimídia com inteligência artificial de 17,5 polegadas. “A Neue Klasse é o nosso maior projeto futuro e marca um grande salto em termos de tecnologias, experiência de condução e design”, frisou o presidente do conselho de administração da marca, Oliver Zipse.

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Alemã aproveitou o evento para apresentar o futuro Sedan i3, que seguirá o capítulo iniciado pelo SUV iX3,  irmão de plataforma. Foto: BMW Group / Divulgação 

Do outro lado do pavilhão, a Mercedes-Benz fez um movimento parecido, lançando a segunda geração do GLC elétrico. O modelo foi o primeiro elétrico da marca, ainda em 2018 como EQC. Mas pelas vendas baixas havia sido descontinuado no ano passado, e agora retorna com o nome “GLC With EQ Technology”, para evidenciar as mudanças. Rival direto do iX3, segue a linguagem de design inaugurada no novo CLA no ano passado, aqui com uma grade iluminada e enormemente proeminente.

Construído sob a inédita plataforma elétrica MB.EA Medium, independente do GLC, a combustão portanto, possui carregamento de até 800V e uma bateria de 94kWh, traduzidos em 713 km de autonomia. No interior, o SUV inaugura o “Hyperscreen”, transformando o painel inteiro em uma tela de 39.1 polegadas. O interior pode ser todo vegano e certificado, e a comunicação Car-to-X - que coleta e envia dados para comunicar outros veículos - se destaca no quesito segurança. O preço inicial deve girar em €60 mil quando chegar às lojas ainda esse ano, tal qual o rival.

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Faróis possuem tecnologia Matrix, e sob o capô há um espaço de 128 litros para bagagens. Foto: Mercedes-Benz / Reprodução

Mas nem só de SUVs o mercado premium é formado, e a Polestar compareceu a Munique para o lançamento mundial do seu novo modelo de topo, o sedã 5. A marca do grupo Geely, divisão de performance da Volvo até 2017, aposta em sustentabilidade e alta performance, estreando a nova plataforma PPA do grupo. São 872 cavalos, tração integral, aceleração de 0 a 100 em 3,2 segundos e ausência de janela traseira, tal qual no crossover 4.

Um presente e futuro elétrico

Nas duas últimas edições do Salão de Munique, ambientalistas protestaram em frente ao evento em defesa de uma mudança sistêmica da indústria, o que se repetiu. As ONGs Extinction Rebellion e Attac levaram placas pedindo por mais investimento em transporte público e justiça social, jogando atenção para uma mentalidade individualista e o preço dos elétricos. 

Em relação a essa questão, um estudo da empresa de consultoria, Gartner, mostra que até 2027 os BEVs serão mais baratos de produzir que os carros a combustão (ICEVs), e o Grupo Volkswagen promete preços competitivos para sua nova geração de elétricos. 

Foram revelados no evento quatro modelos para o segmento B baseados na plataforma MEB Entry do conglomerado. O principal deles foi o ID.Polo da Volkswagen, com previsão de início de vendas em maio na casa dos € 25 mil. Como o seu nome sugere, é a versão elétrica do hatch Polo, e contará com baterias de 38 e 56 kWh, com uma autonomia de 350 e 450 km respectivamente. Uma versão GTI do modelo será também comercializada, com 223 cavalos.

Continuando o apelo esportivo que a versão encurtada da plataforma em que os modelos do segmento C, ID.3 e ID.4, são construídos, a espanhola Cupra mostrou a versão de produção do Raval. Com dimensões e motorizações basicamente iguais às do ID.Polo, promete continuar a expansão da nova marca do grupo, antigamente uma divisão de performance da Seat.

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Cupra Raval, ID.Polo e ID.Polo GTI  (direita) serão lançados em março do ano que vem, enquanto os SUVs Epiq e ID.Cross (esquerda) chegarão no segundo semestre. Foto: Volkswagen AG / Divulgação

Como era de se esperar pela relação do Polo com o T-Cross, sua versão SUV, o conceito ID.Cross foi mostrado. Com o mesmo tamanho do modelo que substituirá em 2026, integra o segmento disputado dos B-SUV elétricos, formado por nomes como Peugeot e-2008, Renault 4 e Volvo EX30. Focando em espaço e ergonomia, marca a volta de botões físicos no volante e do ar condicionado, além de um maior uso de materiais reciclados. 

Por fim, a Skoda apresentou a sua versão do SUV, denominada Epiq. Tal qual os irmãos de plataforma, será construído em Pamplona, na Espanha, e contará com a capacidade de carregar dispositivos externos como eletrodomésticos (V2L). A velocidade de carregamento é de até 125 kW, indo de 10% a 80% em 20 minutos, e o modelo estreará uma nova identidade visual para a tcheca no ano que vem.

Ascensão chinesa continua 

Aprofundando essa questão dos preços, são as marcas chinesas que se destacam globalmente, como destaca a IEA. Com grandes reservas dos minérios utilizados nas baterias, as fábricas para construí-las e anos de investimento estatal na tecnologia, seguiram com sua expansão em solo alemão. 

A BYD, maior marca chinesa em números, marcou presença com o recém lançado Dolphin Surf - a versão europeia do Dolphin Mini. Avaliado com cinco estrelas pelo Euro NCAP, é um dos BEVs mais baratos hoje à venda na Europa, custando cerca de € 20 mil. No campo dos híbridos plug-in (PHEV) a Station Wagon do segmento D, Sealion 06, foi lançada, focada em conforto e tecnologia com até 1.092 km de autonomia combinada.

Outra marca com novidades foi a Leapmotor, que já vende o hatch subcompacto T03 e o D-SUV C10 no continente, de lançamento marcado para o Brasil ainda em 2025. Pertencendo 20% à Stellantis, que controla a sua operação internacional, apresentou o inédito hatch B05, rival de Volkswagen ID.3 e BYD Dolphin. Sob a mesma plataforma do C-SUV B10, terá cerca de 400 km de autonomia e início de vendas para o ano que vem por cerca de € 30 mil.

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"O B05 (direita) reflete nosso compromisso com a inovação, acessibilidade e a capacitação da próxima geração de motoristas em toda a Europa e além", declarou o CEO global da marca, Zhu Jiangming. Foto: Leapmotor / Divulgação

Munique foi para além de um lugar de novos modelos, mais uma vez o palco de marcas inteiras debutando em solo europeu. A marca AITO, do grupo Seres, que usa a tecnologia da Huawei, se lançou no mercado internacional com os SUVs 9, 7 e 5. Mirando as marcas premium alemãs nos segmentos E e D, podem ser tanto BEVs ou elétricos com extensor de autonomia (REEV), repetindo a abordagem da Leapmotor com o C10.

O grupo Changan Auto iniciou as operações da sua marca Deepal com os SUVs de apelo jovem e esportivo S05 e S07, ambos com opções de serem elétricos ou PHEVs. No campo de luxo, a marca Avatr da gigante chinesa mostrou seu primeiro concept car, o Xpectra, além dos modelos 06, 07 e 12, já comercializados em alguns países europeus e com planos de chegarem a 50 mercados em breve.

A premium Hongqi esteve presente e revelou o C-SUV elétrico EHS5, além de anunciar planos de expansão com 15 modelos e 200 pontos de venda pela Europa nos próximos anos. E aumentando a sua aposta no evento, a Xpeng teve um stand dentro do pavilhão e apresentou a nova geração do P7, sedã que começou a ser comercializado na Europa no IAA Mobility 2023.

Além disso, a recém chegada ao Brasil, GAC, estreou no velho continente levando cinco modelos para a mostra. Seguindo com o “European Plan Market” anunciado no ano passado, lançou como modelos de topo o novo GS7, um SUV grande híbrido plug-in, e a MPV híbrida (HEV) E9. Mas os destaques da marca foram o hatch AION UT, rival de BYD Dolphin, e o D-SUV rival de Tesla Model Y, o AION V.

O primeiro possui bateria de 60 kW/h com 430 km de autonomia e previsão de início da comercialização em 2026 na casa dos € 30 mil. Já para o segundo, comercializado no Brasil por R$214.990, o preço de € 35.990 foi anunciado, muito competitivo para o segmento. Com 510km de autonomia e cinco estrelas no teste do Euro NCAP - com mais ADAS que o brasileiro - será o primeiro a chegar às lojas, já em setembro em mercados como Portugal, Finlândia e Polônia. O plano é que a marca venda em todos os países europeus até 2028.

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Estava ainda em Munique o carro elétrico voador GOVI AirCab (ao fundo) buscando mostrar os avanços da indústria chinesa, segundo a empresa. Foto: GAC Group / Divulgação

Eletrificação em todos os níveis 

Para além das novatas, ícones do mercado aproveitaram os holofotes da feira para se renovarem completamente. Esse foi o caso da única francesa presente, a Renault, que lançou a sexta geração do hatch Clio, o segundo carro mais vendido no continente em 2024.

Construído sob a mesma plataforma que o seu predecessor, mantém o motor 1.2 TCe e uma opção movida a GPL, mas as semelhanças acabam por aqui. No powertrain, estreia um novo sistema full-hybrid (HEV) formado por um motor 1.8 e dois elétricos, resultando em 160 cavalos e modo de condução elétrico na cidade. Conforme a estratégia da marca, o Clio não terá versão elétrica, papel delegado ao hatch de estilo retrô, o 5.

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Hatch cresceu 6 centímetros em comprimento, evocando uma silhueta mais esportiva e afilada. Foto: Renault Group / Divulgação

No quesito design, o carro rompe por inteiro com a geração anterior, o oposto do que havia acontecido com a quinta geração em relação à quarta. A frente ostenta uma nova assinatura em DRL, que forma o símbolo da Renault, e a traseira possui lanternas duplas, nunca vistas em um Clio. O interior é todo novo também em relação ao antecessor, mas com o mesmo layout e sistema operacional do Google do irmão elétrico 5.

A Volkswagen foi outra que debutou no IAA uma nova geração de um best-seller, o T-Roc. Em sua segunda encarnação, também não terá versões elétricas, sendo o último novo carro a combustão desenvolvido pela marca. Haverão pela primeira vez no SUV opções micro-híbridas (MHEV), já conhecidas dos irmãos de plataforma como o Golf e A3, além de um novo sistema HEV, com 134 e 168 cavalos. Não haverá, pelo menos por ora, versões PHEV, sendo o único modelo sob a MEB Evo sem essa possibilidade, no entanto.

Seu exterior é uma evolução da primeira geração, mantendo linhas semelhantes e o seu apelo descolado, descrito pela marca. As dimensões aumentaram, 12 centímetros em comprimento, chegando a 4.37 metros, o colocando alinhado a rivais como o Toyota CH-R e Mazda CX-30. Por dentro a abordagem continua, com telas maiores e mais itens de conectividade e segurança assistida, mas com uma disposição de elementos clássica, vista nos últimos Golf e Tiguan.

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Modelo construído em Portugal foi o quinto carro mais vendido na Europa no ano passado. Foto: Volkswagen Group / Divulgação

Concorrência de todos os lados

Além das chinesas em franca expansão nos últimos anos no continente, outras concorrentes vêm se destacando na corrida pelos elétricos principalmente. A coreana Kia compareceu ao evento e mostrou ao público os novos integrantes da família EV, o EV4 e o EV5. 

O primeiro é um hatch do segmento C, acompanhado de uma variante sedã. Já o último se trata de um modelo lançado em 2023 - inclusive a venda no Brasil desde o ano passado - mas que chega só agora à União Europeia como a versão elétrica do Sportage. Sua conterrânea e marca irmã também esteve em Munique com o Concept 3, prevendo o futuro Hyundai Ioniq 3, equivalente do EV4.

Mas nem só da Ásia as novidades chegam, com a primeira marca turca de automóveis elétricos, a Togg, debutando em solo alemão a sua ofensiva no continente europeu. Fundada em 2018 e com a primeira fábrica inaugurada em 2022, apresentou o C-SUV T10X e o sedã T10F ao público. A pré-venda dos modelos começará em 29 de setembro na Alemanha, e no ano que vem a empresa pretende iniciar seus trabalhos na França e Itália, com meta de ter até 2030 um milhão de veículos em toda a Europa.

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Preços ainda não foram divulgados, mas devem ficar em torno de € 40 mil tomando como base as cifras no mercado turco. Foto: Togg / Divulgação

Construídos sob uma plataforma elétrica, ambos receberam nota máxima no Euro NCAP recentemente, com mais de 9% de proteção para adultos e 80% nos ADAS. A respeito do desempenho, a bateria possui 88.5 kWh de capacidade, e autonomias de até 500 e 600 km para o SUV e o sedã respectivamente. 

“Nossos modelos proporcionam uma experiência de mobilidade voltada para o usuário e voltada para o futuro”, comentou Gürcan Karakaş, CEO da marca durante o evento. A marca anunciou ainda que trabalha no terceiro de cinco modelos que irá lançar até o fim da década, o B-SUV T8X. Karakaş finalizou destacando que prepara para introduzir baterias de pirofosfato de lítio (LFP), e que a indústria deve estar preparada para as mudanças e maior concorrência.

Evento continua sua evolução com mais atrações e marcas patrocinadoras, mesmo com menos montadoras
por
Vítor Nhoatto
|
18/06/2025 - 12h

 

Em sua quarta edição, ocorrida entre os dias 12 e 15 de junho, o Festival Interlagos Edição Carros se consolidou no setor. Realizada no autódromo de mesmo nome, na zona sul de São Paulo, contou com lançamentos de Ford, Honda e GWM. Além disso, nomes como IZA e Ferrugem animaram os amantes das quatro rodas.

Ao todo, estiveram presentes 18 marcas de automóveis, contando Omoda e Jaecoo como marcas separadas. A quantia diminuiu em relação à edição de 2024, que teve 19. Este ano, marcas como Chevrolet e Renault não compareceram. Mas ao andar pelos boxes da pista e no gramado que recebe os festivais Lollapalooza e The Town, a diferença é imperceptível. 

Se por um lado havia uma fabricante a menos, o número de stands de marcas patrocinadoras aumentou e chamava bastante a atenção. Desde casas de apostas até plataformas de venda de produtos online, com direito a uma estátua de leão que atraia as câmeras dos celulares. Completava o cenário a roda gigante popular nos eventos musicais que ali ocorrem, mas que não estava disponível para passeio.

No quesito alimentação, havia um número grande de opções, com uma dezena de food trucks e quiosques para petiscos e um restaurante com buffet também. Ponto importante é a falta de bebedouros pelo complexo, obrigando a todos a comprarem água, mesmo com os shows musicais que pedem por estações de hidratação.

Já em relação à organização do evento, mesmo com as obras aparentemente incessantes em Interlagos, com tapumes e entulhos em alguns locais, estavam menos intrusivas no campo de visão do espectador que as edições passadas. A sinalização continuou precária, com muitas pessoas perguntando para seguranças como descer para a área dos boxes e para o meio da pista, onde as grandes marcas ficavam.

Baseado no conceito de experiência automotor, o formato das edições anteriores foi mantido. Diferente de um Salão do Automóvel tradicional, os interessados poderiam andar na pista por R$593 com o ingresso Drive Pass, e também negociar com representantes de concessionárias a compra dos carros expostos e testados.

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Era possível ainda se sujar na lama, e nem precisava pagar mais pelo Drive Pass, com o Street Pass de R$107 já era suficiente. Foto: Vítor Nhoatto

Tudo isso faz do festival um exemplo atraente financeiramente para as marcas e emocionalmente para o público. Em Portugal, isso acontece de forma parecida com o ECAR Show e, na Espanha, com o Automobile Barcelona, por exemplo. Mas é só no Brasil que uma pista de corridas todo pode ser explorada. Além disso, para diminuir os custos, a edição Carros aconteceu apenas duas semanas depois da edição Motos, reaproveitando a estrutura e agilizando o processo para as montadoras, segundo a organização do evento. 

Palco de lançamentos 

Mesmo sem Volkswagen e o novo Tera, e a Chevrolet tendo optado por lançar os facelift de Onix e Tracker em julho em evento fechado, grandes revelações tomaram Interlagos. No quesito modelo inédito não houve nenhum caso por parte das montadoras tradicionais, limitadas a reestilizações e apresentações ao público de carros já mostrados em solo brasileiro.

Dessa vez presente somente com a Abarth, o conglomerado Stellantis aproveitou o ambiente de corrida que a marca do escorpião evoca e mostrou o renovado Pulse. Seguindo as atualizações da versão não envenenada da Fiat, ganhou nova grade frontal e teto panorâmico, além de banco do motorista com ajuste elétrico para o esportivo. Ficaram de fora, no entanto, novos assistentes de condução como leitor de placas de trânsito e piloto automático adaptativo, disponíveis em veículos mais baratos que os R$157.990 anunciados.

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Por trás do Pulse de hoje, o Abarth 600 dos anos 1960, exposto também pela marca em Interlagos. Foto: Vítor Nhoatto

Ainda em relação às europeias, a Volvo esteve presente novamente, inclusive reaproveitando muitos dos EX30 amarelos da edição passada. Falando nele, que não oferece mais a cor citada, ganhou uma nova versão em território brasileiro, a Cross Country. Apresentada em fevereiro na Europa, chega aqui como topo da gama por R$314.950. Se diferencia das demais pelas caixas de roda e proteções na frente e atrás em plástico preto, além de estrear um novo sistema de propulsão, com  tração integral e 428 cavalos, e indo de 0 a 100km/h em apenas 3,7 segundos.

Também foram mostrados ao público o XC90 atualizado, lançado em 2015, que ganhou sobrevida após a decisão da sueca de prolongar o ciclo dos seus modelos a combustão até uma maior maturação do mercado de elétricos. E ao lado dele estava também o recém lançado no Brasil, o novo EX90, antes tido como sucessor do irmão e agora como complemento e modelo topo de gama da marca. 

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De alguma forma a eletrificação chega para o cliente Volvo, seja com o elétrico EX30 ao fundo ou com o híbrido plug-in XC90 dourado à direita. Foto: Vítor Nhoatto

Mudando de continente, a Honda aproveitou a ocasião para apresentar o facelift do Civic e do HR-V. Ambos receberam mudanças sutis na grade dianteira e parachoques, além de novas lanternas traseiras e desenho de rodas para o segundo. No interior, o sistema multimídia do sedã ganhou novas funcionalidades e o console central do SUV foi alterado levemente para facilitar o acesso ao carregador por indução. Os preços não foram divulgados, no entanto. 

A conterrânea Mitsubishi estava presente novamente, mas diferente da edição 2024 trouxe modelos realmente novos em sua linha, apesar de nenhuma revelação no evento. Lançado no país há poucos meses, a nova geração da picape Triton estava presente e o destaque do stand foi o novo Outlander, anunciado no mês passado. Agora híbrido plug-in, se coloca como modelo mais tecnológico da marca no Brasil, mas custa quase R$400 mil. 

Novidade este ano no festival, a Hyundai também não trouxe novidades, mas aproveitou para mostrar para os consumidores o recém-lançado Kona, o SUV de oito lugares Palisade e o eletrônico Ioniq 5. Os modelos marcam uma nova fase da divisão de importados da coreana no país, administrada pela CAOA e separada da HMB que fabrica os modelos HB20 e Creta. 

Por fim, a estadunidense Ford levou a Interlagos a linha Tremor de suas picapes Maverick, Ranger e F-150, reforçando o apelo off-road da marca com direito a um segundo stand só para elas próxima à pista off-road. Já dentro dos boxes, a reestilização do seu segundo modelo mais importante no país hoje, o Territory, foi revelada.

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Além da mudança estética que tenta alinhar o Territory a linguagem visual da marca, também conta com novo design para as rodas.Foto: Vítor Nhoatto

Atrás apenas da Ranger em vendas e popularidade, é rival de modelos best-sellers como os Jeep Compass e Toyota Corolla Cross, SUVs médios. Com uma frente toda remodelada, mais arredondada e passível de julgamentos, mudou a cor dos estofados internos mas manteve o seu preço de R$215 mil. Importado da China, pretende crescer na categoria com a estratégia, custando menos que os dois concorrentes citados em versões equivalentes.

Ascensão chinesa continua 

Falando mais sobre a potência asiática, se nenhuma surpresa veio por parte das montadoras já estabelecidas, mais uma vez as chinesas ocuparam em todos os sentidos Interlagos, e tiveram destaque. Com revelações importantes e presentes na pista e no barro, elas focaram em mostrar qualidade e potencial tecnológico irreverente.  

Veteranas do Festival, BYD e GWM foram desta vez por caminhos distintos, com a primeira sem lançamentos no mercado de fato, mas trabalhando fortemente o imaginário da marca no Brasil. No stand o ato principal foi o supercarro elétrico YangWang U9, chamando todas as atenções com o seu vermelho vivo e asa traseira enorme. Além disso, era impossível não reparar o carro “dançando”, demonstrando a suspensão independente sofisticada do modelo que consegue saltar e andar somente com três rodas.

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Ao lado de Dolphin Mini e King, U9 roubava os olhares com seus 1.300 cavalos elétricos. Foto: Vítor Nhoatto

Do lado de fora quem brilhava era o também elétrico YangWang U8, agora sob o formato SUV. Capaz de girar no próprio eixo e flutuar, corria pela pista e chamava atenção pelo porte de cerca de cinco metros de comprimento e design singular. Nada foi falado sobre a possível comercialização de ambos no Brasil, o que não era esperado, mas sim as onomatopeias e expressões de surpresa que eles provocam.

Já em relação ao rival GWM, a estratégia foi repetir o que fez em 2024: apresentar novos modelos. A picape híbrida Poer e o SUV Tank 9 foram as estrelas da vez, com a primeira já tendo aparecido em evento com o vice-presidente Geraldo Alckmin na futura fábrica da empresa no Brasil. No caso do segundo, promete complementar a linha Tank após a chegada do Tank 300, na edição passada revelado, e agora ocupando a pista off-road e as ruas também. 

Cenário similar ocorreu no stand da Omoda & Jaecoo, marcas do grupo Chery que em 2024 debutaram em Interlagos e agora já contam com cerca de 50 lojas pelo país. Foram apresentados a versão híbrida do Omoda 5, vendido aqui até então somente como elétrico sob o nome E5, e o inédito Omoda 7, um híbrido plug-in para rivalizar com BYD Song Plus e o GWM Haval H6. Ambos tem previsão de lançamento até final do ano.

Porém, o destaque da mostra foi a novata GAC, que chegou ao mercado brasileiro oficialmente no mês passado já com 33 lojas e cinco modelos. Estilizada sob o slogan Go and Change, vá e mude em português, é o acrônimo para Guangzhou Automobile Group, e se pronuncia “gê á cê”. 

Com um dos maiores estandes da edição, o mesmo que a também estreante chinesa Neta usou no ano passado, era um dos mais movimentados também. O centro das atenções era o elétrico Hyptec  HT com suas portas traseiras “asa de gaivota”, ao estilo do rival Tesla Model X. Custando a partir de R$299.990, é o modelo topo de gama da marca à venda aqui, e promete agitar o mercado dos SUVs elétricos grandes, com uma cabine extremamente luxuosa.

Mais ao fundo estava o também elétrico e SUV, Aion V, com uma pegada mais quadrada e prática. Com porte de GWM Haval H6, tela para o ajuste do ar condicionado no banco de trás, massagem nos dianteiros e até 602 km de autonomia segundo o ciclo chinês NDEC, custa a partir de R$214.990, mesmo preço que o rival híbrido. A MPV (Multi Purpose Vehicle) Aion Y e o sedã Aion ES completavam a linha elétrica.

E apostando também nos híbridos, o SUV GS4 marcou presença, rival direto do supracitado H6 e do recém atualizado BYD Song Plus. A partir de R$189.990 é tido pela marca como o modelo com maior potencial de vendas, e aposta em um design ousado cheio de vincos e quinas, além de qualidade, conforto e tecnologia por um preço mais acessível que modelos menores como o Toyota Corolla Cross inclusive.

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Espaço da GAC remetia a conforto, natureza e um estilo de vida novo, como proposto pela marca. Foto: Vítor Nhoatto

Vale notar, no entanto, que apesar de todo o apelo high tech, nenhum dos modelos conta com leitor de placas de trânsito e detector de fadiga, presentes nos rivais da GWM e BYD. Além disso, o sedã Aion ES, com a mira para o BYD King, não possui nenhum assistente de condução e acabamento digno de Fiat Mobi por R$170 mil. Só o tempo dirá se a estratégia será efetiva ou desaparecerá em um ano como a Neta.

Museu a céu aberto

Ao lado da imersão chinesa a nostalgia tomava conta no segundo espaço da Honda no evento. Entrando era possível admirar o Civic Type-R, o mais potente já feito e vendido por quase meio milhão no Brasil. De frente a ele estava o primeiro Civic fabricado no Brasil, parecendo que havia saído da loja em 1997.  

E como um espaço de memória da japonesa pedia, um tributo a parceria de Ayrton Senna e a marca levou ao festival itens exclusivos do ídolo brasileiro. Acompanhado do capacete usado por ele estava exposto um exemplar 1992 do Honda NSX, esportivo que contou com a participação do piloto no desenvolvimento e que é lembrado pelos fãs por isso. Os entusiastas das pistas ainda puderam ver de perto o primeiro Honda que ganhou na Fórmula Indy.

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História não se compra e contra isso as chinesas não podem lutar. Foto: Vítor Nhoatto

Não necessariamente só de antiguidades que se faz um museu, mas também obras de arte, como abrigava um pavilhão mais adiante. Nele os interessados podiam fazer tatuagens no estúdio presente enquanto admiravam os dois carros mais caros do Brasil. 

No seu tom azul vibrante de lançamento, o superesportivo Bugatti Chiron estava sempre rodeado de câmeras, queixos caídos e pessoas de todas as idades. Com 1.500 cavalos, estima-se que custe cerca de R$40 milhões e é o único exemplar em solo brasileiro. E acompanhando o francês estava o Pagani Utopia, feito artesanalmente e em apenas 99 unidades. O único exemplar no país é branco e possui faixas azuis e vermelhas, importado por cerca de R$60 milhões.  

Estavam mais ao fundo ainda uma Porsche Taycan e uma Mercedes G-Class, que torcem pelos pescoços pelas ruas, mas se contentavam em ser apenas os figurantes do espaço desta vez. Falando na alemã, pela primeira vez esteve no evento, com um stand discreto no gramado e apenas quatro modelos, mas que estavam quase sempre rodeados de interessados. Ao lado também estavam as novatas no evento, BMW e Mini, com seus últimos modelos, mas sem novidades.

De volta ao prédio, Lexus e Toyota repetiam a estratégia das alemãs, sem alardes, e para completar o mundo das exclusividades, um cercado contava com um Rolls Royce Ghost, um McLaren GT, alguns Mitsubishi Lancer Evolution e até mesmo uma Tesla Cybertruck. Se não fosse o suficiente, no andar de cima empresas de acessórios e produtos automotivos em geral trouxeram Nissan GT-R, Ford Mustang e mesmo Ferrari. Lembrando que se fosse de desejo, por  R$1.970 à R$3.950 era possível pilotar máquinas como essas com o ingresso Sport Pass.

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Seja criança ou não, entusiasta ou leigo, muitos modelos chamavam atenção de todo mundo que passava por Interlagos. Foto: Vítor Nhoatto

Para completar a experiência no fim da noite, ainda aconteceram shows de cantores a lá Lollapalooza em pleno mês de junho. No dia 13 se apresentaram Seu Jorge e IZA, seguidos da dupla Maiara e Maraisa no dia seguinte, e Diogo Nogueira e Ferrugem no domingo (15). 

A Prefeitura de São Paulo anunciou em abril deste ano que renovou o contrato com a organização do evento para edições anuais até 2028, comprovando o sucesso do formato. Mesmo que o Salão do Automóvel de São Paulo volte depois de sete anos em novembro, como foi anunciado, o espaço do Festival Interlagos é só dele, e parece mais que nunca robusto e consolidado pelas marcas, governo e também pelo público. 

Para Mércia Cristina, a ausência do celular trará um aproveitamento melhor dos conteúdos educacionais
por
Laila Santos
Tamara Ferreira
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09/06/2025 - 12h

Em 13 de janeiro deste ano, foi sancionada a lei nº 15.100/2025 pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que limita o uso de celulares em escolas das redes pública e privada. O objetivo é diminuir os impactos negativos deste aparelho, como o vício em tecnologia, a falta de concentração e os prejuízos à saúde mental dos jovens. Não está proibido portar os dispositivos eletrônicos nas classes, mas sua utilização é apenas para emergências, necessidades de saúde e atividades pedagógicas que necessitam deles. Tudo fica sempre sob supervisão do professor. Essa 'brecha' tem levado muitos alunos a tentar burlar as regras, afirma Mércia Cristina de Freitas Andrade, inspetora de alunos em uma escola da rede pública, em entrevista à AGEMT. 

Com foco em diminuir o cyberbullying, que causa dificuldades nas relações interpessoais e no desempenho escolar, além dos problemas de sono e das questões psicológicas, as instituições de ensino tiveram que definir as estratégias de implementação da lei, inclusive em recreios e intervalos entre as aulas.   

Estudante com um celular em sala de aula
Estudante com um celular em sala de aula. Foto/Agência de Notícias Yonhap

Com a dependência em inteligências artificiais (IAs) atualmente, a funcionária do Educandário comentou se notou alguma diferença na aprendizagem dos alunos com a utilização desenfreada da internet e o acesso à inteligência artificial: "O uso de celulares e a utilização da IA, de certa forma, fez com que os alunos fizessem o uso demasiado de respostas e pesquisas prontas. Dessa forma, a aprendizagem e o aprimoramento da bagagem cultural foram seriamente comprometidos", ressalta. 

São Paulo foi o primeiro estado a adotar a medida, antes mesmo da criação da lei federal. Os regulamentos mais detalhados da implementação da legislação ficaram ao cargo do CNE (Conselho Nacional de Educação), órgão consultivo do Ministério da Educação (MEC), que decidiu dar autonomia aos colégios na maneira de armazenar e lidar com os aparelhos. Para Mércia, a proibição foi uma medida tardia, mas necessária e, com isso, os estudantes poderão fazer melhor uso do tempo e se concentrar melhor nos estudos. Ela cita: “Notei uma ligeira melhora nas relações humanas. Uma atenção mais direcionada às disciplinas, mas ainda uma resistência à proibição…" 

A entrevistada: Mércia Cristina
A entrevistada: Mércia Cristina de Freitas Andrade. Foto/Arquivo Pessoal

Essa atitude reflete um relacionamento não saudável com um dispositivo que era, praticamente, parte do material escolar e que está cada vez mais presente na vida social. Quando foi proibido, causou uma onda de irritação nos jovens, relata a inspetora.   

A partir de 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) começou a reconhecer a dependência do celular e em outros meios digitais como um transtorno chamado nomofobia. Um estudo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) diz que cerca de 25% dos adolescentes brasileiros são viciados na internet. Além disso, a Opinion Box traz os dados de que 95% das crianças do país, entre 10 e 12 anos, têm acesso a pelo menos um smartphone.  Com essa medida, espera-se que a escola volte a ser um ambiente de interação, que os estudantes voltem a ter uma aprendizagem mais fluida e que desenvolvam uma relação mais equilibrada com a tecnologia. 

Apontada como uma ferramenta no combate às mudanças climáticas, a nuclearização envolve questões colaterais complexas
por
Vítor Nhoatto
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30/05/2025 - 12h

O setor de energia respondeu em 2024 por 68% de toda a emissão de CO2 no mundo, segundo relatório da United Nations Environment Programme (UNEP). O gás é o principal causador do aquecimento global e precisa diminuir drasticamente nos próximos anos, apontando para a necessidade da chamada transição energética e descarbonização. Mudar a forma como se produz energia é um desafio, e a nuclearização ressurge como uma possível resposta.

A produção de energia a partir de material nuclear é antiga, e de forma simplificada funciona em algumas etapas. O combustível radioativo (urânio) tem seus átomos divididos no processo de fissão, liberando uma grande quantidade de energia que aquece a água em torno do reator e o vapor gerado acaba movimentando turbinas na usina que geram a energia. 

O que chama a atenção para a modalidade é a produção de grandes quantidades de energia com pouco material e baixa pegada de carbono em comparação aos combustíveis fósseis. De acordo com dados de 2020 da German Environment Agency levantados pela organização holandesa fundada em 1978, World Information Service on Energy (WISE), para cada Kwh gerado por usinas nucleares, cerca de 117 gramas de CO2 são emitidos. No caso do carvão e do gás natural as médias giram em torno de 950 e 440 gramas respectivamente. 

Cláudio Geraldo Schön, doutor em Ciências Naturais pela Universität de Dortmund, mestre em Engenharia Metalúrgica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor titular na instituição destaca o potencial e a evolução nuclear com o passar dos anos. "Expandi-la poderia substituir as usinas termelétricas, diminuindo a geração de gases de efeito estufa [...] “o processo é continuamente atualizado, e resulta em avanços mesmo sendo uma tecnologia consolidada”.

Foi na extinta União Soviética que a primeira usina nuclear para uso doméstico começou a funcionar para contextualização, a Obninsk em 1954. Em seguida vieram outras, como a de Calder Hall no Reino Unido em 1956 e Shippingport nos Estados Unidos da América (EUA) em 1957. No Brasil, a usina Angra I foi a pioneira, com operações iniciadas em 1985.

Cinza e não verde

No entanto, o cinzento urânio traz um efeito não tão expressivo. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), se a capacidade de produção nuclear triplicasse, a redução na emissão de CO2 do setor de energia seria cerca de apenas 6% devido principalmente à grande quantidade de carbono liberada na construção de reatores e usinas, que exigem grandes quantidades de recursos e décadas até começarem a funcionar, e para a mineração do urânio também. 

Além disso, a pegada de carbono das principais fontes renováveis de produção de energia são bem mais baixas que a nuclear. Ainda de acordo com o levantamento de 2020 da German Environment Agency, no caso da solar, cada Kwh emite algo em torno de 30 gramas de CO2, para a eólica a cifra é inferior a 10 e para a hidrelétrica de apenas 4 aproximadamente. 

Para o especialista sênior em energia nuclear e integrante da WISE International, Jan Haverkamp, a energia nuclear não é efetiva e nem tem a emergência climática como foco. “O uso do argumento climático é uma cobertura para outros interesses [...] os países com uso tradicional de energia nuclear não a desenvolveram devido às alterações climáticas, o fator inicial foi militar como EUA, China, Rússia e Brasil. Já para outros países era um sinal de importância, como no caso da Romênia, Bulgária e Coreia do Sul. Ou ainda visando a redução da dependência do petróleo como na Alemanha e Reino Unido, ou ainda uma tentativa fracassada de desenvolver uma fonte barata de energia como na Suécia e Canadá”.

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Última usina nuclear na Alemanha começou a ser demolida em 2023, mas novo governo de extrema-direita avalia reativar a base; “resumindo, para alguns é geopolítica” comenta Jan Haverkamp - Foto: Thomas Frey / DPA / Picture Alliance

Atualmente existem 437 reatores nucleares em funcionamento no mundo, que representam 14% de toda a energia gerada no mundo, de acordo com a World Nuclear Association (WNA). Os EUA ocupam a primeira posição do ranking com 96 unidades, com França, China e Rússia em seguida com 56, 55 e 37 cada, respectivamente. O país asiático tem planos inclusive de se tornar uma potência nuclear, e até 2035 ter o dobro da capacidade atual dos EUA. 

No caso do Brasil, a geração nuclear responde por apenas 2% da matriz energética, produzidos nas usinas Angra I e Angra II. Ambas fazem parte da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, ao lado da Angra III, ainda em obras, e o complexo começou a ser construído durante a ditadura militar no país.  

Aquilino Senra Martinez, doutor em Ciências da Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia da Presidência da República explica as nuances da modalidade: “O seu uso para geração de eletricidade depende do contexto de cada país. Em lugares com alta demanda e poucos recursos renováveis, a sua expansão pode ser estratégica. No cenário das mudanças climáticas, ela não pode ser descartada, mas também não deve ser tratada como solução única".

Com dimensões continentais e clima tropical, o Brasil se destaca no cenário mundial justamente pelo seu potencial de produção energética renovável, e hoje é referência no quesito. O Balanço Energético Nacional (BEN) de 2024, feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em parceria com Ministério de Minas e Energia (MME), constatou que foi de 49% o índice de energia proveniente de fontes renováveis. 

Mesmo assim, no fim do ano passado a usina Angra I teve seu licenciamento para operação renovado por mais 20 anos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão do Governo Federal, e demandará investimento de R$3,2 bilhões nos próximos 3 anos. A continuação das obras de Angra III seguem em análise, mesmo com a administradora das usinas, a empresa de capital misto Eletronuclear, tendo uma dívida de R$6,3 bilhões com a Caixa e o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). 

As operações no terceiro reator foram paralisadas em 2015 e voltaram somente em 2022 após reajuste do orçamento, com 65% das obras concluídas. Isso demandou um investimento até então de R$7,8 bilhões, e apesar da conclusão não ter sido incluída no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) anunciado em 2023, estima-se cerca de R$20 bilhões necessários para tal.

Para Rárisson Sampaio, porta-voz da Frente de Transição Energética do Greenpeace Brasil, essas cifras revelam como a nuclearização desvia dinheiro necessário das fontes renováveis e ameaça um desenvolvimento sustentável e acessível. “O investimento em usinas nucleares não se conecta com a realidade do país, que poderia direcionar tais recursos para outras áreas, fortalecendo políticas como o Luz para Todos, que garante acesso a fontes de energia limpa, segura e barata, combatendo a pobreza energética e alinhando-se aos ODS da Agenda 2030”, diz Sampaio. 

Criado em 2003, o programa do Governo federal tem como intuito universalizar o acesso à energia no país, especialmente em áreas afastadas e periféricas e já impactou 17,5 milhões de pessoas. Para essa nova fase, uma das frentes é justamente possibilitar a instalação de placas solares em domicílios de baixa renda. 

Jan Haverkamp, da WISE, defende como em muitos países o investimento na energia nuclear desvia efetivamente o foco e dinheiro para medidas concretas no combate às mudanças climáticas, o que não é verídico: “As fontes de energia renováveis ​​produzem atualmente mais energia do que a nuclear em todo o mundo, e essa quantidade continua aumentando. A geração nuclear está mais ou menos estável há 3 décadas. A Finlândia, por exemplo, está atrasada na implementação de energia eólica desde que decidiu construir a usina Olkiluoto 3, que sofreu um atraso significativo”.

Segurança x planejamento

De acordo com estimativas de 2024 da Agência Internacional de Energia, a demanda energética global aumentará 4% ao ano entre 2024 e 2025, cifra bem maior que os 2,5% registrados em 2023. Os principais impulsionadores serão o maior uso de ar-condicionado devido justamente às mudanças climáticas, a progressiva eletrificação da frota de veículos, imprescindível na descarbonização do setor, e pelo avanço das Inteligências Artificiais (IA). 

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Demanda por energia pelas big techs só cresce, tal qual o uso de água potável para resfriamento dos computadores, o que aponta para uma necessidade de consciência ao usar IAs e a internet -  Foto: Microsoft / Divulgação

Os data centers deverão mais que duplicar as suas necessidades de energia até 2030 segundo a AIE, ultrapassando em alguns anos a energia consumida pelo Japão. Corroborando com esses indicativos, o Ministério de Minas e Energias realizou um estudo que aponta para um aumento de 25% na necessidade de produção energética brasileira até 2034. Nesse cenário, uma questão levantada na transição energética é a segurança e expansão necessárias para a manutenção sadia da sociedade.

Carlos Schön argumenta sobre o papel da energia nuclear, portanto, e as questões em relação ao clima: “Nós produzimos muita energia, mas ainda é pouco considerando o tamanho do país [...] a energia nuclear é a principal aliada das fontes renováveis, justamente porque essas dependem de fatores extrínsecos (sol na geração fotovoltaica, vento na geração eólica) que por sua própria natureza são flutuantes”.

Uma vez extraído do solo, o urânio pode abastecer por décadas uma usina nuclear, as quais em média podem funcionar por 40 anos, com a possibilidade de extensão, como no caso de Angra I, em funcionamento desde 1985 e renovada até 2044. Tudo isso acontece também sem depender de fatores externos como o vento, que pode danificar as hélices das turbinas eólicas, as nuvens que afetam a produção solar e a variação dos reservatórios que impactam as hidrelétricas. 

Contudo, Ana Fabiola Leite Almeida, professora do Departamento de Engenharia Mecânica e Produção da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Mestre em Química pela instituição, destaca que o problema reside no planejamento energético. Mesmo que a produção diminua, é algo manejável com vontade. “O risco não está nas renováveis em si, mas na falta de planejamento. Em cenários críticos, pode haver queda média de 20 a 40% na produção energética dependendo da região, mas com previsibilidade climática, diversificação geográfica e sistemas híbridos conseguimos mitigar esses efeitos”, explica Almeida.

Em períodos como de ondas de calor em que a demanda energética aumenta, fontes como as termelétricas passam a ter maior participação na produção de energia, e como são mais caras que as hidrelétricas, a conta de luz pressiona o bolso da população. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no acumulado de 2023 o aumento na tarifa foi de 9,52%, bem acima da inflação, de 4,62% no mesmo período. 

Relatório de 2024 do Tribunal de Contas da União (TCU) em parceria com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Empresa de Pesquisa Energética aponta que a nuclearização não resolveria justamente essa questão. A energia nuclear produzida em Angra III aumentará em 2,9% a conta de luz por ano e custará à população até 77 bilhões em despesas na contratação se a obra for concluída.

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“Existe todo um investimento que pode ser perdido, mas não justifica a continuidade de Angra III. É o resultado do  mal planejamento e desalinhamento com a política energética aponta Rarisson do Greenpeace - Foto: Eletrobras / Divulgação

O mesmo estudo do TCU destaca que as despesas com a obra “parada” chegam a R$2 bilhões por ano e uma desistência definitiva custaria cerca de R$13 bilhões, menos que o montante necessário para conclusão. Países como Áustria, Portugal e Dinamarca não classificam a energia nuclear como uma fonte limpa, e Itália e mais recentemente Alemanha, desativaram seus reatores ainda em funcionamento.

No caso do Brasil em relação ao setor de energias, as renováveis se destacam em várias frentes. Segundo o “Atlas Eólico” de 2022 do governo do Espírito Santo em parceria com a Embaixada Alemã, o potencial de geração pelo vento somente no estado é de 160 GWh, quase um terço da demanda anual do país hoje.

A energia solar também é outro enorme potencial, levando em consideração que o Brasil é o país que mais recebe irradiação solar no mundo, até então desperdiçado. Em 2023 a companhia de consultoria BloombergNEF apontou que se as políticas de incentivo à modalidade permanecerem iguais, em 2050 a capacidade de geração será de 121 GW por ano. Na ocasião, o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), Ronaldo Koloszuk, defendeu que isso pode acontecer ainda em 2040 com apoio e expansão do setor. 

Ana Fabiola destaca: "O Brasil tem um dos maiores potenciais renováveis do mundo, mas para isso precisamos investir em inovação, infraestrutura de rede, armazenamento e educação técnica [...] é preciso ter suporte de armazenamento, interligação entre regiões e tecnologias de resposta à demanda. As fontes renováveis podem sim suprir a demanda crescente se houver vontade política e investimento contínuo", afirma. 

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Maior parque solar do mundo fica em Minas Gerais e foi inaugurado em 2023, fazendo com que a capacidade do estado chegue a 8 GW por ano - Foto: Solatio / Divulgação

Potencial radioativo denso

Falando em demandas futuras e recursos para sanar problemas sem gerar mais, uma outra implicação da energia nuclear gira em torno dos resíduos perigosos da atividade. A World Nuclear Association aponta que o resíduo nuclear equivalente à demanda de uma pessoa por um ano é do tamanho de um tijolo. Pode não parecer tanto de início, mas o problema está na radioatividade do material. 

A meia vida do urânio 235, o tempo que o material leva para se desintegrar e deixar de ser extremamente radioativo, gira em torno de 700 milhões de anos. Durante esse tempo as substâncias líquidas e sólidas precisam ficar armazenadas e isoladas do mundo, seja em reservatórios subterrâneos, piscinas gigantes ou toneis de chumbo. Não existe hoje uma solução para esse material, e como os primeiros usos são do século passado apenas, respostas sobre o comportamento dele também não foram encontradas. 

Isso em si já acende um alerta pois relega uma questão das gerações passadas às futuras, e a possível fuga de material radioativo das usinas pode colocar em risco a segurança nacional com a produção de bombas. Mas olhando para a história mais uma vez, a situação se complica. Em 1986 ocorreu na atual Ucrânia o famigerado desastre nuclear de Chernobyl, zona até hoje inabitável. A explosão da usina contaminou uma área de milhares de quilômetros ao seu redor, causou milhares de mortes e adoeceu os que resistiram. Um caso mais recente foi em Fukushima no Japão em 2011, que apesar de menor e diferente, reforça o cuidado exigido. 

Aquilino Senra afirma que a questão é muito relevante no debate atual, mas avanços foram feitos e que não deve ser a única levada em consideração: “É essencial que seja considerado dentro de um contexto histórico e tecnológico, à luz dos avanços obtidos nas décadas subsequentes e da comparação com outras fontes de geração de energia, como as fontes fósseis, que também provocam milhares de mortes anuais em decorrência da poluição atmosférica”.

A Organização das Nações Unidas estima que por ano a poluição atmosférica mata entre 7 e 8 milhões de pessoas ao redor do mundo. Somente no ano de 2021, 8,1 milhões de pessoas morreram, além do fator contribuir decisivamente para o desenvolvimento de câncer de pulmão e doenças respiratórias. 

Fazendas de turbinas eólicas, sítios de placas solares e usinas hidrelétricas também estão sujeitas a acidentes e impactam o meio ambiente, mas em um grau muito menor. Além dos grandes desastres, existe a possibilidade de vazamento de material radioativo. No Brasil, por exemplo, a Comissão Nacional de Energia Nuclear constatou um caso em 2022 na unidade de Angra I, no qual a água contaminada chegou ao mar. Na ocasião, a Eletronuclear foi multada em mais de R$2 milhões de reais pelo órgão

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ONG fez protestos em frente a usina de Angra I e relembrou o desejo ilegal de milhões de litros de água contaminada pela usina em 1986 - Foto: Greenpeace Brasil / Divulgação

Rárisson do Greenpeace destaca: “a energia nuclear não tem lugar em um futuro seguro, limpo e sustentável. A energia nuclear é cara e perigosa. Apesar de oferecer energia não intermitente, há outras soluções no país que podem ser mais eficientes, seguras e baratas [...] só porque a poluição nuclear é invisível não significa que seja limpa, nessa conta toda, a energia nuclear é inexpressiva”.

Mesmo assim, nos últimos anos empresas e nomes do vale do silício floresceram no cenário da nuclearização em defesa dos chamados Small Modular Reactors (SMR), em tradução livre, pequenos reatores modulares. Segundo a Agência Internacional de Energia, as unidades menores podem ser uma solução para a demanda crescente por energia dos data centers, e por serem menores, construídos em uma fábrica e depois enviados ao local de destino, podem baratear os custos.

Com um tempo de construção diminuído para cerca de 5 anos em comparação aos reatores convencionais e cinco vezes menores em tamanho, o primeiro SMR instalado no mundo data de 2023 na China, o Linglong One. A capacidade do reator será de 1 GW quando entrar em operação regular segundo a Corporação Nacional de Energia Nuclear da China. Mesmo assim, de acordo um estudo independente da Universidade de Stanford que avaliou os dados preliminares da empresa norte-americana NuScale Power, mais lixo radiativo é gerado e há maior dispersão de energia no interior dos SMRs.

Os principais projetos na área ainda vão levar tempo também, com expectativa de começarem a operar em meados da próxima década apenas, como o da britânica Rolls Royce. Ainda existe a startup de Bill Gates, Terra Power, com expectativa que o seu reator em Wyoming, o estado menos populoso do país, entre em operação no começo de 2030. No entanto, nessa data as emissões de CO2 na atmosfera já deverão ter caído 42% para que o aquecimento fique em 1,5 graus celsius de acordo com o relatório de 2024 da United Nations Environment Programme.

 “Não é surpresa que tecno-oligarcas como Gates, Musk, Zuckerberg e Bezos sejam especialmente atraídos pelas ideias por trás de pequenos reatores nucleares modulares. Mas eles não percebem que essas tecnologias são fundamentalmente diferentes da internet ou mesmo das estruturas de energia renovável, incluindo armazenamento, com custos mais elevados em comparação com sistemas totalmente renováveis, tempos de desenvolvimento muito mais longos e sérios riscos”, alerta Jan Haverkamp da WISE International.

Esclarecendo dúvidas sobre os riscos em uma conversa com Luiz Padulla
por
Clara Dell'Armelina
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05/05/2025 - 12h

O mundo está farto de plástico. Estão presentes em utensílios, móveis, roupas e, agora, também nos alimentos, mas não para por aí, estudos recentes, como o feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), comprovam a existência de plástico acumulado no corpo humano. Estamos falando de microplásticos, pequenas partículas de plástico com dimensões inferiores a 5 milímetros causadoras de danos tóxicos aos seres vivos. 

A presença de plástico nos oceanos foi detectada pela primeira vez na década de 70 e só em 2004, com o pesquisador Richard Thompson, que tivemos o conhecimento dos "microplásticos". Entre 2010 e 2020 foi quando  identificaram a presença de microplástico em toda a cadeia alimentar, mas só a partir de 2023 que as pesquisas se voltaram para mapear seus impactos na saúde humana. O professor, biólogo, doutor e autor do blog "Biólogo Socialista", Luiz Fernando Padulla, conversa sobre o assunto com a repórter da AGEMT. Confira!

Os chamados cibercrimes são considerados um tipo de violência contra o idoso, e a campanha Junho Violeta busca conscientizar à população sobre a violência patrimonial
por
Alice Di Biase
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11/11/2024 - 12h

Por Alice di Biase

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a população acima de 60 anos no Brasil deve crescer em ritmo acelerado, quase triplicando até 2050. Dados como esse expõem o crescente aumento da população idosa, além de um novo perfil de envelhecimento que requer atenção especial em políticas públicas. Adriana Horvath, diretora voluntária de captação de recursos da Casa Ondina Lobo, relata que a principal queixa dos residentes da Casa é a invisibilidade, a visão estereotipada do “vovozinho” de cabelo branco e ingênuo, e adiciona que os idosos querem ser vistos como seres humanos que ainda tem muito a oferecer.

A Casa de Repouso Ondina Lobo é uma instituição de longa permanência para idosos em situação de vulnerabilidade social, o projeto é sustentado por doações filantrópicas. A missão da organização é promover o bem-estar e a integração do idoso na sociedade, por meio de atividades plurais. Ela relata que muitos dos idosos residentes da Casa já passaram por alguma violência ou situação de preconceito e atribui isso a forma como a sociedade olha os idosos, relacionando-o com a finitude da vida. E adiciona que é preciso entender que a velhice é apenas mais uma fase. Além disso, ela também cita a importância de campanhas de conscientização contra a violência ao idoso, como o Junho Violeta.

Existem vários tipos de violências direcionadas aos idosos, uma delas é a violência patrimonial. Com o avanço tecnológico, os mais velhos se tornaram mais vulneráveis para a violência patrimonial, por meio dos chamados golpes. O Disque 100, do governo federal, registrou, nos cinco primeiros meses de 2023 mais de 15 mil denúncias de violações financeiras ou materiais contra idosos; 73% a mais do que no mesmo período de 2022. Cada vez mais conectada, a terceira idade tem sido um dos principais alvos de quadrilhas especializadas em crimes cibernéticos que comprometem o patrimônio da vítima.

Ondina Lobo e Image Magica

“Mãe, mudei de número, salva esse contato aqui”, assim começa uma das formas mais comuns de fraudes financeiras contra os idosos, a foto de perfil é a mesma que o filho utiliza no seu número próprio e logo em seguida são solicitadas as transferências. Cláudia, aposentada de 66 anos relata como caiu no phishing - tipo de golpe realizado por e-mails, redes sociais e sites que utilizam uma “isca” para fazer a vítima fornecer informações pessoais. Uma loja conhecida com descontos extravagantes, a propaganda era feita por celebridades como Gisele Bündchen e a apresentadora Angélica que recomendavam a promoção. Tudo feito com inteligência artificial. O valor perdido não foi alto, como conta Claúdia, com alívio, no entanto, a sensação de ter sido enganado com facilidade pelos golpistas causa constrangimento.

O constrangimento também é um dos motivos que leva os idosos a se tornarem um alvo fácil dos golpistas. Envergonhados de demonstrar a fragilidade e, de certo modo, alimentar os estereótipos de ingenuidade que a sociedade cria em relação a faixa etária, muitos idosos não contam aos familiares a situação e deixam o ciclo de golpes se estender. Em 2024, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos já recebeu mais de 21 mil denúncias de violações deste tipo contra idosos, destes 80% dos casos são denunciados por terceiros, e não pela própria vítima.

A psicóloga e psicanalista Moema Sarmento compartilha suas perspectivas sobre a saúde mental na terceira idade, ela argumenta que a falta de respeito e os maus tratos podem levar ao isolamento e depressão, o que faz que muitos idosos que sofrem esses abusos patrimoniais não procurem ajuda, assim os casos só chegam aos familiares e autoridades quando já estão em estágios alarmantes.

Com o intuito de alterar esse cenário, a Casa Ondina Lobo em pareceria com a ONG Image Mágica, levou o Circuito Cultura e Inclusão para as mulheres da Casa. As aulas de inclusão digital e fotografia buscam conscientizar os moradores a respeito dos golpes digitais, resgate da autoestima e criar intimidade com o meio tecnológico.
 

Ondina Lobo e Image MagicaOndina Lobo e Image Magica

Como comenta Horvath, a velhice é só mais uma fase da vida que envolve atenção e deve ser aproveitada com qualidade de vida e isso envolve a liberdade de consumir a Internet com segurança.

Entre ícones do passado, referências do presente e caminhos para o futuro, veja como foi a edição deste ano
por
Vítor Nhoatto
|
22/10/2024 - 12h

Ocorrido entre os dias 14 e 20 de outubro na capital francesa, o Mondial de l'Auto contou com mais de 500 mil visitantes, além de recados importantes para a indústria automobilística. As donas da casa — Alpine, Peugeot, Renault e Citroen — estiveram presentes, mas, mesmo assim, a presença chinesa continuou e chamou a atenção do público, das autoridades e das rivais. A DS, da Stellantis, foi a única francesa que não compareceu ao evento. 

Temas como sustentabilidade, acessibilidade e segurança no trânsito foram amplamente abordados nas coletivas de imprensa, e traduzidos em parte nos lançamentos. Ao todo, 41 fabricantes de automóveis participaram do evento, o qual trouxe o brilho de volta à Bienal, tal qual como no Salão de Munique, em 2023.

Eletrificação em diferentes níveis

Antenado às ânsias do público e da indústria, houveram lançamentos de vários modelos eletrificados, em diferentes níveis e formatos. Nos últimos meses, as vendas de elétricos oscilaram negativamente na Europa, por conta de uma série de fatores, como altos custos de aquisição e o fim de incentivos governamentais. 

Com isso, marcas como Volkswagen, Ford e mesmo Volvo, reviram seus planos de eletrificação total — apesar da meta da União Europeia de banir os modelos movidos a combustão, já em 2035. O conglomerado Stellantis, por exemplo, investe em plataformas multi-energéticas, capazes de produzirem tanto híbridos, quanto elétricos, e apresentou seus últimos modelos em Paris. 

Construído sobre a e-CMP, — mesma base dos recém lançados no Brasil, Peugeot 2008 e 208 — o Alfa Romeo Junior Ibrida fez sua estreia ao público. Com a mesma motorização dos irmãos, motor 1.2 PureTech em conjunto a uma bateria de 48V, gerando 136 cavalos, o modelo complementa a linha do SUV urbano, disponível como 100% elétrico desde o começo do ano. 

Na Peugeot, as novidades foram maiores, apesar de nenhum modelo totalmente novo, diferente das compatriotas Alpine, Citroen e Renault. Em Paris, foi lançado o novo E-408, versão 100% elétrica do crossover baseado no 308. Sob a plataforma EMP2, compartilha o conjunto mecânico com o hatch, tanto nas versões a combustão quanto na novidade elétrica, e não muda visualmente. Além disso, foram apresentadas as versões Long Range dos E-3008 e E-5008. As autonomias passam de cerca de 500 km para 700 km, segundo o ciclo WLTP.

Em uma abordagem diferente, focada em modelos elétricos separados dos seus semelhantes a combustão, a Volkswagen apresentou o novo Tayron. Com expectativa de ser vendido no Brasil, é a versão Allspace do novo Tiguan, mas agora com nome próprio. O SUV de sete lugares estará disponível em duas versões diesel, gasolina, e híbridas plug-in, além de uma híbrida leve.

Volkswagen Tyron de frente branco ao lado de um Tayron de trás roxo
O Tayron é o sexto SUV a combustão da Volkswagen na Europa, entre Tiguan e Touareg. Foto: Divulgação/Volkswagen

As motorizações são as mesmas do Tiguan de nova geração, construído sobre a MQB evo. Isso se reflete em uma autonomia combinada de até 850 km nas versões plug-in, além de uma autonomia em modo 100% elétrico de cerca de 100 km, graças a uma bateria de 19.7 kWh.

Em uma abordagem semelhante em alguns aspectos a Volks, a britânica de coração, mas de propriedade alemã, a Mini, apresentou os seus novos JCW elétricos. Os primeiros modelos da divisão de desempenho da marca serão o Cooper, um hatch de três portas, e o crossover Aceman. Ambos são construídos sobre a plataforma desenvolvida em conjunto com a chinesa GWM, e prometem a emoção de um esportivo com seus mais de 250 cavalos, mas sem emissão de CO2.  

Mais uma ofensiva chinesa 

Sobre as construtoras chinesas, o Paris Expo Porte de Versailles foi novamente o palco para a estreia de modelos do país asiático, e até marcas inteiras. A GWM não compareceu desta vez, como era de se esperar após o anúncio de reestruturação europeia e fechamento do escritório na Alemanha em agosto deste ano. 

No entanto, a sua principal rival, a Build Your Dreams, brilhou, repetindo a estratégia de 2022. Seu estande contava, desta vez, com modelos já conhecidos do público, como Dolphin e Seal, mas também com o totalmente novo, Sealion 7, apresentado ao mercado europeu, e com um vislumbre da versão que será vendida no Brasil em breve.

Segundo a vice-presidente da marca, Stella Li, o novo SUV cupê do segmento D, reflete em como a BYD reage e escuta às demandas dos seus consumidores europeus, prometendo design, performance e autonomia de ponta.

E com uma estratégia ousada, que busca rapidamente conquistar o mundo, a Leapmotor debutou em Versailles. Com o amparo da Stellantis, — com quem fechou uma parceria bilionária pela administração global da marca — apresentou quatro elétricos. Carlos Tavares, CEO do conglomerado até 2026, esteve no evento e comentou que as montadoras têm mais a ganhar com a estratégia de se aliar às chinesas, ao invés de brigar com elas. Antes disso, ele visitou o estande da BYD, chamando a atenção da imprensa.  

O primeiro deles é um hatch subcompacto vendido por menos de 20 mil euros, o T03, o segundo é o C10, um SUV médio, por cerca de 36 mil euros. Ambos modelos com condução semi autônoma de nível 2 e confirmados para o Brasil. A versão de sete lugares, C16 também esteve no evento, ao lado do inédito B10, revelado no evento. O SUV do segmento C tem como rivais BYD Atto 3 (Yuan Plus no Brasil) e Volvo EX40, e estará disponível já no próximo ano na Europa.

Estande da Leapmotor rodeado de pessoas
Os modelos C16 (roxo), B10 (azul), C10 (verde) e T03 (turquesa) prometem agitar o mercado. Foto: Divulgação/LeapMotor

Para além das duas marcas, a Seres (com operações paralisadas no Brasil até então), a Xpeng, o grupo GAC e a Hongqi ocuparam o complexo de exposições francês. A última chamou a atenção com a estreia do sedã de luxo Guoya, rival dos alemães Classe S, Série 7 e A8. Enquanto isso, a GAC optou por uma abordagem mais demonstrativa de suas tecnologias, sem pretensões diretas de venda no continente. 

A história não se compra

Frente à concorrência cada vez maior das chinesas, eis o contra-ataque europeu, baseado amplamente no legado das marcas, algo com o qual as novatas não podem competir. No último Salão de Munique, o CEO do Grupo Volkswagen, Oliver Blume, destacou que o histórico estilístico das marcas é algo que não pode ser adquirido nem comprado, e será a principal chave para o público comprar os modelos europeus. 

Dito isso, nomes como BMW e Renault também vêm investindo em uma abordagem retrô futurista. Em relação à alemã premium, os conceitos Neue Klasse sedã e SUV foram apresentados pela primeira vez juntos. Com designs que remetem aos modelos dos anos 80, preveem a nova geração de elétricos da marca, esperados para 2025 e 2026.

Porém, foi no estande da Renault que a vibe passado e futuro, misturado com o charme e a funcionalidade, atraiu mais os olhares. Após o lançamento do aguardado R5, um hatch elétrico inspirado no icônico R5 dos anos 90, foi a vez do novo R4 voltar à vida.

Novo Renault 4 E-Tech azul em um fundo colorido
O novo Renault 4 E-Tech continua investido no passado da marca como diferencial. Foto: Divulgação/Renault

Construído sob a plataforma AmpR Small, é a versão SUV do R5, com quem compartilha a motorização e equipamentos. Com 4.14 metros de comprimento, funcionará como a versão 100% elétrica do Captur, contando com uma autonomia de mais de 400km no ciclo WLTP, carregamento rápido, todos os assistentes à condução modernos e muitas referências ao R4 dos anos 70. 

Construído na França, atraiu até mesmo os olhares do presidente francês, Emmanuel Macron. O político esteve no evento no dia de abertura ao público (15), e causou um leve tumulto ao fechar o estande em que visitava. Ele cumprimentou os executivos da marca e entrou no novo modelo, esse com expectativas de custar na casa dos 30 mil euros. 

Na ideia da ofensiva irreverente e estilosa, bem ao estilo francês, o protótipo do novo Renault Twingo esteve no evento. Agendado para ser lançado em 2026 (possivelmente no próximo Salão de Paris), promete tornar a mobilidade elétrica realmente acessível, com um preço na casa dos 20 mil euros no formato de um subcompacto, uma espécie em extinção.

Uma mobilidade de fato acessível?

Mas, ao se tratar de acessibilidade e democratização da eletricidade, outras marcas têm mais a dizer e entregar. Dentro do Grupo Renault, é a romena Dacia a representante de baixo custo. Se o nome da empresa não é conhecido aos brasileiros, com certeza seus modelos são. A fabricante de Sandero, Logan e Duster, vendidos sob o nome da Renault na América Latina e Turquia, apresentou em Paris o mais novo Bigster.  

O SUV é a aposta da marca para conquistar o segmento C, com 4.57 metros de comprimento e preços menores de 30 mil euros, cifra que hatches do segmento B atualmente custam. Baseado na mesma plataforma de Clio e Duster, a CMF-B, contará com opções a micro-híbridas de 48V, híbridas convencionais com baterias de 1.4 kWh, e versões movidas a GPL, populares em países como Espanha e Itália. 

Do outro lado do muro, a resposta da Stellantis ao sucesso da Dacia, — dona do modelo mais vendido da Europa em Julho deste ano na Europa, o Sandero — é a Citroën. A marca que já passou por muitas fases, desde o luxo e conforto do DS original, até a originalidade do Xsara e C4 Cactus, por exemplo, agora investirá no mercado de acesso. 

Estiveram no evento os novos C3 e C3 Aircross, bem diferentes das versões vendidas no Brasil, mas ainda na casa dos 20 mil euros. A reestilização do quadriciclo Ami foi apresentada, uma opção de locomoção elétrica por menos de 8 mil euros. E fechando os facelifts, os remodelados C4 e C4X (versão sedã do hatch compacto) foram lançados em Paris, agora com a nova identidade visual da marca.

Estande da Citroën rodeado de pessoas
A Citroën se reinventou com novos C3, C3 Aircross, C4, C4X e o protótipo verde do C5 Aircross 2026. Foto: Divulgação/Citroën

Além disso, o protótipo da nova geração do Citroën C5 Aircross foi revelado. Segundo a empresa, o modelo de produção será 95% igual ao conceito. No quesito motorização, será construído sobre a nova plataforma STLA Medium, que estreou com o novo 3008, e servirá de base para o novo Compass também. Suas principais vantagens incluem a possibilidade de versões híbridas e elétricas, com maior eficiência e autonomia de até 700 km, além de menores custos de produção pela sua modularidade.

Atendendo às demandas do mercado

Uma das principais ânsias da indústria é a diminuição dos custos na fabricação de elétricos, principalmente após a chegada das chinesas. No entanto, nem só de  grandes grupos é formado o setor, e parcerias são mais bem vindas que nunca. A Ford, por exemplo, se uniu à Volkswagen para produzir seus elétricos para a Europa, se prevenindo da taxação que Tesla, Volvo e Mini tentam evitar  com a fabricação dos seus modelos na China.

A americana/britânica apresentou ao público pela primeira vez o novo Capri, um SUV coupe construído sobre a plataforma MEB dos Volkswagen ID.3 e ID.4. O modelo continua o resgate de nomenclaturas clássicas da marca, como Puma e Mustang Mach-E, além da transmutação desses em SUVs, o que agrada ao mercado em geral, mas não tem a mesma reação aos mais saudosistas.

Do outro lado do globo, a sul-coreana Kia também busca conquistar o mercado europeu dos elétricos, sem dividir os custos com várias marcas. O mais novo lançamento do grupo Hyundai-Kia é o SUV urbano EV3, rival do Jeep Avenger, Peugeot e-2008 e Renault 4. 

Novo Kia EV3 verde de frente em um fundo branco
O EV3 é a aposta elétrica da Kia para o segmento B, o maior em vendas na Europa. Foto: Reprodução/InsideEVs

Os preços devem começar na casa dos 30 mil euros, o que não é barato para um carro do segmento B, mas é compatível aos rivais citados. O chamariz da marca, para além dos sete anos de garantia, é a tecnologia, refinamento e comodidade do modelo, quase como uma versão menor do SUV grande EV9, indicado ao prêmio Carro do Ano Europeu em 2024.

E em um segmento acima, mas em uma faixa de preço parecida, a checa Skoda, — essa sim de um grande conglomerado, a Volkswagen — apresentou o novo Elroq. Rival de modelos como BMW iX1 e Ford Explorer, começara na casa dos 33 mil euros, com uma autonomia de 560 km no ciclo WLTP.

Tentativas e erros

Paris ainda foi o palco para marcas menores, ou com menor relevância na Europa. No primeiro caso, a francesa Alpine que tomou os holofotes com o concept car A390 Beta, que antecipa o segundo modelo independente da Renault. 

Com um design agressivo, inspirado nos alpes, e com referências aos modelos de competição da empresa, será um crossover 100% elétrico construído sobre a plataforma do Nissan Aryia. Mesmo assim, a dinamicidade e performance única da marca, que hoje vende apenas o cupê A110, será mantida no carro de produção, anunciado para o ano que vem. 

Em meio aos europeus e chineses, ainda houve espaço para as estadunidenses Tesla e Cadillac. A empresa de Elon Musk deixou a desejar, sem um estande propriamente dito, ou sequer um tapete e divisórias entre seus modelos. Já no quesito novidade, nada de concreto. A picape Cybertruck foi apresentada oficialmente em solo europeu, mas nenhuma conformação de sua comercialização, ou lançamento do esperado Model Y remodelado e do táxi autônomo Cybercab, revelado três dias antes.

Já em relação a Cadillac, que tentou engatar nas vendas na União Europeia algumas vezes, as coisas foram diferentes. Desta vez focada na eletrificação, a empresa do Grupo General Motors trouxe o SUV de luxo Lyriq, além de lançar o Optiq, um pouco menor e com design menos extravagante na traseira. 

Novo Cadillac Optiq vermelho de frente no estamde da marca
Cadillac mira o Tesla Model Y com o novo Optiq, um SUV do segmento D com 4.82 metros. Foto: Reprodução/GM Authority

O Paris Motor Show 2024 certamente ficará para a história centenária do evento como um recálculo necessário e exitoso de rota. Marcas voltaram à mostra, lançamentos importantes ocorreram e o público compareceu. Além disso, mais uma vez o rumo que a indústria se encaminha foi destacado, um cenário crítico de reinvenção e reajustes.

Evento que acontece em outubro será palco de lançamentos importantes de franceses e chineses
por
Vítor Nhoatto
|
09/10/2024 - 12h

Criado em 1898, o Mondial de l'Auto, ou Paris Motor Show, é a feira automotiva mais antiga do mundo, e segue sendo uma das principais até hoje. Sediado no Paris Expo Porte de Versailles bienalmente, contará com as principais marcas do mercado entre os dias 14 e 20 de outubro.

Ao todo, 41 montadoras estarão presentes – mais que o dobro da edição de 2022 e mais do que em 2018, última realizada antes da pandemia de COVID-19. Apesar da volta de marcas que haviam abandonado o salão em 2022, como Citroën, Volkswagen e BMW, ainda estarão ausentes alguns nomes como Fiat, Toyota e Volvo. 

Presenças confirmadas na nonagésima edição do evento são de Renault, Ford, Peugeot e Audi, além de chinesas como BYD, Leapmotor e Xpeng. Como diferencial deste ano, a feira em Paris terá um estande especial com modelos icônicos da cultura pop e do cinema será montado com o Batmóvel, o carro do James Bond, o Delorean de "De Volta Para o Futuro" e outros.

BYD

BYD Sealion 07 em uma tonalidade de azul
Elétrico Sealion é baseado na nova plataforma 3.0 da BYD, que promete maior rigidez e modularidade - Foto: BYD/Divulgação

Parceira oficial da UEFA Champions League 2024, a chinesa Build Your Dreams marcará presença no Paris Motor Show, novamente, com lançamentos importantes. Foi na edição de 2022 da mostra que a marca se lançou na Europa de fato, com a apresentação de todos os modelos que hoje comercializa no continente. 

Dessa vez, a empresa levará a Paris seu modelo da divisão de alta performance: Yangwang U9, SUV elétrico, topo de linha. Espera-se que na mostra sejam exibidos mais detalhes sobre a instalação de uma fábrica na Hungria, para fugir da taxação de elétricos vindos da China, aprovada pela União Europeia na última sexta-feira (04).

Porém, o destaque ficará com a estreia europeia do mais novo membro da família Ocean, o SUV cupê elétrico, Sealion, com lançamento previsto no Brasil no ano que vem. Com até 600 km de autonomia (ciclo CLTC) e 500 cavalos, irá rivalizar com o best-seller Model Y.

Ford

Ausente na edição passada, a norte-americana usará o evento para mostrar o caminho que quer seguir nos próximos anos. Não foi só no Brasil que a marca passou por uma reestruturação, a exemplo, o Fiesta deixou de ser produzido e o Focus será o próximo, ambos considerados “modelos chatos” por Jim Farley, CEO da empresa. 

No lugar do buraco deixado na fábrica de Cologne, Alemanha, desde o final do ano passado, o SUV urbano Puma teve sua produção aumentada, e em Paris há a expectativa que seja apresentada sua versão elétrica. Também estarão presentes o Explorer europeu, SUV elétrico baseado na plataforma ID da Volkswagen, e a sua versão cupê, o Capri, estreando ao público no evento.

Kia

Outro retorno a Paris será da sul-coreana, Kia, com foco na sua linha de elétricos, almejando aumentar sua participação no mercado europeu. A versão remodelada do crossover EV6 será apresentada ao público, além do lançamento europeu do SUV urbano EV3, ambos em estudo para o Brasil também.

Grupo Renault

Teaser da traseira do Novo Renault 4
Continuando a abordagem iniciada no R5, o design do novo R4 tem elementos retrôs e futuristas - Foto: Renault/Divulgação

No entanto, as grandes estrelas do Mondial de l'Auto ficaram com as donas da casa. Do conglomerado Renault-Mitsubishi-Nissan, a francesa Alpine estará presente, marca de desempenho do grupo. Seguindo as tendências do mercado, o SUV cupê elétrico A390 será revelado, ainda em forma de conceito. 

Já em relação a Renault, maior fabricante francesa em número de vendas segundo a Associação de Construtores Europeus de Automóveis (ACEA), o esperado retorno do modelo 4 enfim será concretizado, agora como E-Tech. Apresentado no evento de 2022, em formato conceito, ele retornará às ruas após mais de 30 anos, agora no formato de um SUV urbano elétrico. Construído sobre a plataforma AmpR Small, apostará em um design retrô e muita personalidade, tal qual o irmão Renault 5 E-Tech, com quem compartilhará motorização e bateria.

Por fim, o grupo também apresentará o novo Dacia Bigster, versão alongada de sete lugares do Duster.  A marca romena, que no mercado brasileiro vende seus modelos com o emblema da Renault, — como o Sandero Stepway, vendido como Kardian — ainda trará o remodelado Spring, o Kwid europeu.  

Stellantis

Leapmotor T03 branco à esquerda e Leapmotor C10 branco à direita
Hatch T03 foca no preço, 16 mil euros, enquanto SUV C10 no conforto e espaço - Foto: Leapmotor/Divulgação

Das 15 marcas de automóveis do conglomerado Stellantis, alguns nomes importantes não comparecerão como Fiat, Jeep, Opel e até mesmo a francesa DS. Mesmo assim, o Paris Motor Show 2024 será o palco de importantes apresentações, como a estreia ao público do novo Alfa Romeo Junior, SUV compacto com opções híbridas ou elétricas.

Sob o duplo chevron da Citroën, em reestruturação na Europa para competir com a Dacia no mercado de modelos acessíveis, lançamentos também irão ocorrer. O facelift dos modelos C4 e C4X serão revelados, e os novos C3 e C3 Aircross serão apresentados ao público, esses bem diferentes das suas versões brasileiras. Além disso, um show car inédito irá mostrar a ideia de futuro para a marca.

E para fechar a participação das francesas, a Peugeot não poderia faltar. A marca de automóveis mais antiga do mundo, fundada em 1810, trata ao salão uma série de novidades, apesar de não serem modelos inéditos. Serão apresentados os novos E-3008 e E-5008 (aguardados no Brasil) em suas versões Long Range, com autonomia de até 700 km segundo o ciclo WLTP, e a versão elétrica do crossover 408, derivado do hatch E-308. Além disso, o conceito de 2023, Inception, estará presente, modelo que indica o futuro de design da marca.

No entanto, a principal aposta do grupo será o lançamento no mercado europeu da chinesa Leapmotor, que chega em breve no Brasil. Após uma parceria bilionária entre as empresas firmada em outubro do ano passado, os primeiros elétricos da marca serão enfim apresentados. O hatch subcompacto T03 e o SUV médio C10 serão os modelos responsáveis por essa inauguração, seguidos pelo inédito B10, que será revelado no evento. 

Tesla

Após a participação inesperada no Salão do Automóvel de Munique no ano passado, a Tesla também estará em Paris. A empresa de Elon Musk não confirmou quais modelos irá levar, mas espera-se o aguardado Robotaxi, com lançamento previsto para 10 de outubro, o remodelado Model Y, e a picape Cybertruck. 

Grupo Volkswagen

Novo Skoda Elroq na cor branca
O Skoda Elroq estreia a nova linguagem visual da marca e estará nas lojas já no começo de 2025

Em relação ao maior conglomerado automotivo da Europa em número de vendas, o VW Group terá suas principais marcas no evento, mas apenas um modelo inédito será apresentado. A Audi trará seus últimos lançamentos, as novas gerações de A5 e Q5, e os elétricos A6 e-tron e Q6 e-tron.

A checa Skoda usará o salão para apresentar ao público o novo Elroq, construído sobre a mesma plataforma dos VW ID.4 e ID.5 e Ford Explorer e Capri. O modelo apresentado na quinta-feira (03), será o SUV elétrico mais barato do grupo, que custará por volta de 33 mil euros, com uma autonomia de até 560 km. 

Com a ausência de Cupra, — mesmo com o lançamento recente do Terramar — Seat, Lamborghini e Porsche, a Volkswagen será a grande responsável pela novidade do grupo. Em Paris será apresentado o novo Tayron, substituto do Tiguan Allspace, que foi descontinuado com o lançamento da nova geração do Tiguan na Europa. Revelado por imagens vazadas pelo Ministério Chinês da Indústria e Tecnologia da Informação (MIIT), terá um design quase idêntico ao SUV no qual é baseado.

Demais marcas 

Também estarão presentes na edição 2024 do Salão de Paris, mas com lançamentos menores, a BMW e a Mini, com possivelmente os novos X3 e Cooper JCW. A norte-americana Cadillac também estará no evento com o Lyriq, e talvez o novo Optiq, ambos elétricos, em uma nova investida no continente europeu.

Completando a presença chinesa, o grupo GAC levará alguns modelos de sua marca Aion, com pretensão de vendas na região. A marca premium Hongqi também comparecerá, após a participação no Festival Goodwood no Reino Unido, em julho. Por fim, a recém saída do Brasil, Seres, e a Xpeng levarão seus elétricos ao Paris Expo Porte de Versailles.

A cultura popular jamaicana de sistemas de som comove e inspira transformações no estilo de vida dos brasileiros
por
Bianca Abreu
|
01/10/2024 - 12h

Por Bianca Abreu

Ao ar livre ou em um espaço fechado, caixas e auto-falantes são empilhadas umas sobre as outras formando grandes estruturas - por vezes tão altas que é preciso erguer a cabeça rumo ao céu para acompanhar seu tamanho. A elas se unem o toca-discos, vinis e amplificadores. Com a missão de manter esse grupo em harmonia chega o selecta, comandante desse conjunto que, desde seu surgimento na Jamaica na década de 40, foi nomeado Sound System. De lá pra cá, esse cenário já se repetiu incontáveis vezes e, faça chuva ou faça sol, esse movimento segue firme em seu objetivo coletivo de unir, informar e empoderar o povo negro e periférico - seja ele jamaicano ou brasileiro.

Foi uma espontânea sequência de oitos de maio na vida de um homem chamado Hadley Jones a responsável por tecer o surgimento desse que é um dos movimentos culturais mais relevantes do século XX. Em 1943, ele foi convocado para a Força Aérea da Inglaterra por conta da Segunda Guerra Mundial. Lá foi treinado como engenheiro de radar e enviado para a guerra na Europa um ano depois. Nessa mesma data, em 1945, o conflito foi dado como encerrado e, em 1946, Jones embarcou em Glasgow, na Escócia, para atravessar o Oceano Atlântico e retornar à sua terra natal.

 

Hadley Jones.
Hadley Jones. Foto: Acervo Hadley Jones / RedBull Music Academy / reprodução.

Em sua volta pra casa, ele trouxe na bagagem a habilidade de desenvolver circuitos elétricos e uma rede de contatos para a importação de discos de vinil. Em 1946, fascinado pelo rádio e sua capacidade de transmissão, o jamaicano - que também era músico - abriu uma loja de consertos do aparelho e aplicou ali seus novos conhecimentos adquiridos na Força Aérea. Confiando em seus novos saberes, Hadley Jones projetou, em 1947, seu primeiro amplificador. Em seguida, montou a loja Bop City e passou a comercializar vinis, tendo consigo uma coleção distinta de toda a ilha. Para valorizar essa coleção musical, trabalhou no desenvolvimento de um outro amplificador - dessa vez, de alta potência - e investiu em alto falantes poderosos. Seu equipamento realçava as frequências baixas, médias e altas como entidades separadas e permitia ao operador remixá-las. Seu principal objetivo era anunciar seus discos promovendo uma experiência de proximidade entre o público e a música.

Em certa ocasião, para promoção de um baile, o dono de uma loja de ferragens chamado Tom Wong encomendou à Hadley Jones um equipamento sonoro como o dele e o nomeou com o que, dali em diante, seria a nomenclatura substancial daquele conjunto: Sistema de Som. Assim, outros pedidos surgiram e o músico-engenheiro se firmou como o pioneiro inventivo da cultura Sound System jamaicana.

 

Pelo ar ou pelo mar, as ondas promoveram o intercâmbio cultural entre Brasil e Jamaica

O Mapa Sound System Brasil, primeira publicação nacional de mapeamento dos sistemas de som no país, explica que a ilha de São Luís do Maranhão foi a primeira parada em solo brasileiro que o reggae desembarcou. Na década de 70, o trajeto musical de uma ilha a outra foi realizado por meio das ondas de rádio, que superaram as marítimas e levaram as mensagens que protestam por justiça social aos ouvintes maranhenses. A conquista foi tamanha que, hoje, a cidade é conhecida como a Capital do Reggae.

Daniella Pimenta, integrante do coletivo Feminine-HiFi, seletora, produtora cultural e idealizadora do levantamento é uma das brasileiras arrebatadas pelo movimento. Ela conta que nenhum outro ambiente musical foi capaz de proporcioná-la uma experiência tão gratificante. O sentimento de pertencimento e a maneira como, a partir do grave, a música atinge, adentra e envolve o corpo são os principais fatores que contribuíram para o fascínio desde seu primeiro contato com o Sound System. Natan Nascimento, (também) seletor, produtor cultural, fundador do Favela Sound System e parceiro de Daniella no desenvolvimento do mapa, teve uma experiência semelhante a da colega: se apaixonou pela atmosfera da festa jamaicana à primeira vista. Já conhecia o reggae enquanto ritmo musical, mas a aliança entre o sistema de som e a música apresentou a ele a amplitude de sua dimensão cultural e social.

Tanto Dani quanto Natan foram atravessados pela magia desse movimento e o impacto foi terem seu estilo de vida transformado por ele, com convicções lapidadas e rotas profissionais reconduzidas. Mas apesar dos bons ventos nas festas do movimento, Dani confidencia que, em dado momento, empacou enquanto produzia o mapa. Ela própria contatava os coletivos para inseri-los no catálogo ilustrado mas, por alguma razão, passou a ser ignorada. O levantamento era fundamentado em perguntas simples, como fundação, equipe atual, principal vertente e localização. Além disso, uma foto do sistema de som era solicitada para que o conjunto pudesse ser registrado por completo.

O projeto só voltou a andar quando, em 2018, findou a parceria com Natan. Parte das equipes que não estavam listadas pelo fato de não terem retornado o contato a ela, curiosamente, o fizeram quando, por meio de uma publicação no Facebook, ele solicitou aos interessados o envio das mesmas informações. Ela ficou com a pulga atrás da orelha se perguntando, afinal, qual teria sido a razão para que ela nunca tenha recebido essas mesmas respostas. O resultado foi que ela conseguiu registrar 50 equipes e seu parceiro, o dobro.

Capa do Mapa Sound System Brasil.
Capa do livro Mapa Sound System Brasil. Composição: Daniella Pimenta / Natan Nascimento.

 

Vivendo de Sound System

Vitor Fya.
Vitor Fya, 25 anos, morador da Brasilândia e apreciador da cultura Sound System jamaicana. Foto: Vitor Lima / arquivo pessoal / Facebook.

Outro brasileiro seduzido pela cultura jamaicana é João Vitor Lima, de codinome Vitor Fya, morador da Brasilândia - distrito mais populoso da zona norte de São Paulo - e entusiasta da cultura Sound System há mais de uma década. Hoje, ele trabalha como serralheiro, mas aspira ter condições de fazer de seu estilo de vida mais do que um hobby: uma fonte de renda aliada à paixão.

Seu caminho se cruzou com o movimento Sound System quando ele tinha 15 anos. A primeira festa foi na extinta Fazendinha Skate Parque, pista de skate que fazia parte do complexo esportivo do Centro Educacional Esportivo Oswaldo Brandão (C.E. Vila Brasilândia). O espaço foi eliminado para ceder lugar à construção do Hospital Municipal da Brasilândia - cuja obra, de acordo com a secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras, devia ter sido completamente entregue em 2017. No entanto, apenas em 2020 o hospital foi parcialmente aberto. A inauguração ocorreu pressionada pela alta da demanda hospitalar decorrente da pandemia de Covid-19. Não houve compensação pela retirada da pista de skate com a inclusão de um outro espaço público de lazer e esporte pela região e ficou “por isso mesmo”.

Fazendinha aos domingos
Movimentação dominical no Fazendinha Skate Park. Foto: Fazendinha Skate Park / Felipe Gomes / Facebook / Reprodução.
Obras no Fazendinha.
“No momento a obra passa por movimentação de terra e fundação. Nas áreas onde estamos trabalhando havia o CDC e parte do Centro Esportivo”, explica publicação da secretaria de Infraestrutura e Obras um dia antes do início das construções, 2015. Foto: Érika Kwiek / Site Prefeitura SP / Reprodução.
Obras do complexo Brasilândia.
À esquerda, o prédio do Hospital da Brasilândia. À direita, os guindastes das obras do metrô Brasilândia, linha 6, laranja. Construções planejadas de forma que possam atuar como um anexo. Foto: Bianca Abreu.

O Natural Dub, sistema de som comandado por Thales Silva, que comandava as sessões no Fazendinha, se posicionou via Facebook acerca da derrubada da área de lazer. Em nota, pontuou que é a favor de que mais hospitais possam ser construídos na Brasilândia, mas que isso ocorra - preferencialmente - em locais onde áreas de lazer recém construídas não precisem ser destruídas. Assim, o investimento na saúde do bairro não implicaria na dissolução de um espaço cultural frequentado pela juventude na região. Junto à mensagem datada de 22 de julho de 2015 foi publicado um conjunto de fotos do derradeiro evento realizado no local.

24º Vibe.
24º Vibe.
24º Vibe, último evento e amplificação realizados pelo Natural Dub no Fazendinha Skate Park, 2015. Fotos: Natural Dub SP / Facebook / Reprodução.

Em seguida, o Vitor conheceu o Anhangabaroots - como eram chamadas as sessões de diferentes coletivos promovidas ao longo do Vale do Anhangabaú, na região central de São Paulo - e ele foi essencial para aprofundar seu interesse pelo movimento Sound System. Foi lá que a chave virou, seus olhos brilharam e ele decidiu que a cultura dos sistemas de som seria a protagonista de seu estilo de vida. Ele relembra coletivos como o Trezeroots Sistema de Som e festas como a Terremoto, em que não só os sistemas de som das equipes África Mãe do Leão e Zyon Gate se agrupavam, mas que também formavam uma grande estrutura para amplificação a partir da união com outros coletivos.

Trezeroots.Trezeroots.
Trezeroots.
Anhangabaroots com Trezeroots Sistema de Som, 2014. Foto: Trezeroots Sistema de Som / Facebook / Reprodução.
Reunion of Dub.
Reunion of Dub.
Anhangabaroots com Reunion of Dub, 2014. Foto: DC Santos / Flickr / Reprodução.
Terremoto.
Anhangabaroots com Terremoto, 2014. Foto: DC Santos / Flickr / Reprodução.

Outro evento apontado pelo paulistano é a Virada Cultural. Ele destaca a variedade de vertentes reggueiras que podia prestigiar por conta da Arena Sound System, iniciativa que reuniu, simultaneamente, os principais coletivos no centro de São Paulo - sendo eles da capital ou não. Ele lamenta a falta de continuidade dessa programação.

 

Um sistema de som de qualidade aliado a bons discos faz relaxar e viajar sem sair do lugar

João Vitor considera que a cultura Sound System fisga seu público pela experiência completa e transformadora que proporciona. A qualidade dos equipamentos, sua instalação no espaço escolhido para a festa e o domínio musical de quem comanda a sessão são elementos essenciais para que a experiência seja agradável e enriquecedora. Estar em um ambiente seguro, acolhedor e com elementos educativos contribuem para instigar a curiosidade sobre os detalhes daquela cultura, expandindo sua consciência e fortalecendo a admiração e o vínculo com esse estilo de vida. São profundamente cultivados os princípios como respeito, tolerância e inclusão.

O sistema de som é estruturado por um conjunto de caixas equipadas de modo que a experiência sonora alcance e comova o público com o melhor desempenho possível. Para João Vitor, logo de cara, esse conjunto estrutural é o que mais chama a atenção. Os elementos gráficos, como cores e texturas, e a disposição de cada uma das peças de todo o aparato estrutural compõem a identidade do coletivo.

Salto Sound System
Formato de sistema de som do Salto Sound System, coletiva que apresenta-se em busca da “emancipação de mulheres negras e pessoas trans negras através da cultura Soundsystem”. Ilustração: Natan Nascimento / Mapa Sound System, 2019 / Reprodução.

 

Salto.
Formato de sistema de som do Salto Sound System, coletiva que apresenta-se em busca da “emancipação de mulheres negras e pessoas trans negras através da cultura Soundsystem”. Ilustração: Natan Nascimento / Mapa Sound System, 2019 / Reprodução.

A preocupação com o repertório também é parte indispensável da construção da identidade do sistema de som e de seu seletor. Ele deve ser capaz de aliar diferentes elementos sonoros a fim de abrilhantar sua performance e complementar o impacto artístico trago com a escolha dos discos reproduzidos - afinidade com o vinil é fundamental para qualidade do espetáculo. João explica que cada seletor costuma se especializar em um dos vários gêneros possíveis, mas que, nas sessões, costumam transitar entre eles, trazendo variedade e alguns ineditismos às suas apresentações. Vivenciando diferentes festas, ele passou a reconhecer uma variedade de vertentes como Roots, Steppa e Rub-A-Dub.

Questionado sobre conhecer a qualidade feminina na cena, João Vitor Lima exalta o trabalho do coletivo Feminine Hi-Fi, formado pelas seletoras e produtoras Laylah Arruda e Daniella Pimenta - reggueira que deu o pontapé no mapeamento dos sistemas de som em solo nacional.

Feminine HiFi.

 

Feminine HiFi.Feminine HiFi.Feminine HiFi.
Feminine HiFi.
Tendal da Lapa recebe 3ª edição do festival Feminine Hi-Fi, onde a line-up e o comando da sessão são 100% femininos. Foto: Bianca Abreu / Flickr.

 

Entre todos, ele: o pioneiro

Em vários momentos ao longo da conversa, Vitor salienta as virtudes do DubVersão Sound System - comandado por Fábio Murakami, o Yellow P (pronuncia-se ‘pi’) e pioneiro em terras paulistas. Desde 2001, ele propaga a cultura por toda São Paulo e o faz no mais genuíno modelo jamaicano, no que diz respeito à escolha por ambientes abertos e vertentes clássicas em sua performance. É o predileto de João Vitor - que comparece tanto às suas apresentações públicas como privadas - e foi o primeiro contato de Daniella Pimenta com o movimento. O evento Dub Na Praça acontece anualmente na Praça João Cabral de Resende, no Jardim Primavera, zona norte da capital paulista. É um espaço aberto e convidativo para curtir uma tarde gratuita nos moldes tradicionais do Sound System jamaicano. Já o Java, também comandado pelo Yellow P, é o braço pago dos eventos realizados pelo DubVersão e hoje ocorre na Rua Simonsen, na Sé. Além dessas duas festas inegociáveis, a agenda cultural paulista costuma integrar o DubVersão a novos espaços ao longo do ano.

Dubversão.Dubversão.
Dubversão.
DubVersão Sound System no Tendal da Lapa, 2023. Foto: Bianca Abreu.

João ressalta que prioriza as festas em que sente seu corpo e espírito em estado de conforto e harmonia. Ele conta que, quando vai ao Java, renova suas forças e sai de lá novinho em folha. Segundo ele, mesmo quando uma força maior impede que consiga adquirir o ingresso de uma das edições da festa, ele não reclama da cobrança existir pois a considera justa diante da qualidade da experiência promovida. Ele frisa que o coletivo sempre promove eventos gratuitos e que a qualidade da performance não se abala diante da cobrança da entrada no evento.

Ele conta que já leu comentários nas redes sociais em que alguns perfis reclamavam do fato de o Yellow P performar de costas para o público e questionam se isso seria sinal de vergonha. Vitor esclarece que, na realidade, isso faz parte da apresentação do seletor. Sua intenção é que o público visualize os caminhos que ele percorre para projetar os efeitos sonoros que escolhe ao longo da sessão. Para ele, isso é uma aula. Ele assiste atento e idealiza meios de reproduzir aquela performance em seus próprios equipamentos. O Susi In Transe, casa noturna que recebeu a seleção de Yellow P em suas primeiras apresentações declarou o fechamento de suas portas no último mês. O jovem paulistano lamenta o encerramento das atividades de mais um espaço cultural da cidade.

Susi In Transe
Produtor Daniel Ganjaman e Yellow P, em sessão no antigo Susi In Transe. Foto: Acervo Miguel Salvatore / UOL / Music Non Stop.

 

O desejo de compartilhar

Por conta da influência positiva que o Sound System como estilo de vida o proporcionou, João Vitor deseja ter a oportunidade de multiplicar os beneficiados por ele com a mesma maestria que os pioneiros que admira. Até hoje, como Vitor Fya, ele pôde comandar sessões em eventos de terceiros, como o RNR, sistema de som de seu bairro que o apadrinhou. Entretanto, sua intenção é alçar voos maiores para expansão do conhecimento sobre a cultura em seu território. Para ele, o que mais dificulta sua atuação na cena é o alto custo para tirar um plano como esse do papel, pois montar um sistema de som envolve custos com equipamentos, locomoção e investimentos no repertório musical. Ele gostaria de envolver a criançada do seu bairro nesse movimento cultural, despertando seu interesse em se aproximar da música a partir do manuseio de um toca-discos, estimular sua criatividade na administração dos botões da amplificação e inseri-los em uma prática onde é forte a relação de comunidade.

O intercâmbio cultural entre as ilhas jamaicana e brasileira se findou pela recíproca identificação dos oriundos das periferias de ambos os territórios. Os discos de vinil puderam expandir o alcance dos protestos de um subúrbio ao outro tendo as caixas empilhadas como aliada no ecoar dessas mensagens. Essa celebração reggueira reafirma a importância da valorização do território e o vigor dos encontros presenciais - por isso, conectando sensibilidade e força, tornou-se tradição cá e lá.

Uso ostensivo de telas está transformando a infância
por
Maria Luiza Abreu
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05/11/2024 - 12h

Por Maria Luiza Abreu

Em casa, Arthur se coloca em frente às telas assim que chega da escola.  Apesar da pouca idade, já apresenta sinais físicos do uso excessivo, como a famosa corcunda decorrente da má postura. Filho de millennials, Arthur tem um celular desde os 8 anos, e seu primeiro tablet chegou ainda mais cedo, aos 4 anos de idade. Em casa, a TV da sala é uma smart TV, possibilitando acesso on demand aos principais serviços de streaming, e nela o PlayStation 4, presente de aniversário de 6 anos, fica conectado quase que em tempo integral. A situação é motivo de reclamação da avó materna, de 74 anos, que cuida do garoto enquanto a mãe trabalha, e precisa recorrer à televisão de outro cômodo caso queira assistir novela ou noticiário.

Ele tem 11 anos e é aluno do quinto ano do ensino fundamental. Filho de pais separados e mora com a mãe e a avó em um apartamento de aproximadamente 40 m². Ele é um retrato da atualidade, em que as crianças praticamente já nascem familiarizadas com as telas. No colégio particular em que estuda, segue estritamente as rígidas regras da instituição quanto ao uso do celular. Ele relembra que, na escola pública anterior, o uso do aparelho era comum, a ponto de muitos colegas passarem horas no banheiro com o celular, que era praticamente uma extensão dos alunos. 

Como uma típica criança da geração Alfa, a tecnologia sempre fez parte da vida de Arthur, a ponto de ele não lembrar de seu primeiro contato com ela. No entanto, ele admite que sua vida poderia ser mais saudável sem o celular: Ele mesmo acha que fica muito preso pelas redes, e diz isso após alguns segundos de distração com um vídeo de dois irmãos estrangeiros competindo para ver quem completava primeiro o álbum de figurinhas da Copa, exibido no YouTube, conectado à TV pelo videogame.

O Manual de Orientações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) sugere um limite diário de 2 horas de exposição a telas para crianças de 6 a 10 anos e de 3 a 4 horas para adolescentes de 11 a 18 anos, enfatizando a importância de regras claras para o uso de dispositivos eletrônicos. O documento também alerta para problemas físicos, como má postura e prejuízos à visão. O uso excessivo pode ainda levar a questões psicológicas, como a chamada “distração passiva” — quando os dispositivos digitais são usados para manter as crianças quietas, principalmente em locais públicos — prejudicando o brincar ativo, fundamental para o desenvolvimento infantil.

Para Arthur, o celular transforma a vontade de brincar com amigos em uma busca por distrações eletrônicas, deixando de lado atividades que gostava, como jogar bola, bater figurinhas ou andar de bicicleta. Na sua escola atual, o uso do celular é restrito a atividades educativas, como pesquisas rápidas por imagens no Google e a busca pelo significado de palavras desconhecidas. Durante os intervalos, o celular é proibido. Recentemente, ao ficar sem o aparelho devido a um problema técnico, Arthur notou uma melhora em sua concentração e desempenho nas tarefas de casa. No entanto, ele admitiu ter se sentido “agoniado” por não poder se comunicar com amigos no WhatsApp, especialmente porque, naquele período, estava responsável por organizar o interclasse. Em menos de uma semana, um novo aparelho já havia sido comprado.

Os computadores da sua escola são utilizados somente nas aulas de robótica, para a criação de programas e protótipos. Embora o celular auxilie em pesquisas, Arthur gostaria de poder usá-lo também enquanto aguarda os pais na saída. Em casa, sua mãe estabeleceu um limite de 3 horas diárias de tela, aumentando para 5 horas nos finais de semana. Entretanto, esse limite é raramente seguido, como revela a aba de “bem-estar digital” do aparelho: em uma segunda-feira, o garoto passou 12 horas usando o celular, sendo 6 horas assistindo séries na Netflix e 2 horas no aplicativo de mensagens WhatsApp — que, assim como a maioria das redes sociais, informa como idade mínima permitida 13 anos, mas cuja restrição é facilmente burlada com a alteração da idade.

A mãe do garoto utiliza um aplicativo de monitoramento para controlar os conteúdos acessados. Ela conta que é mais difícil verificar se o limite de uso  está sendo seguido, pois, com a guarda compartilhada, nos fins de semana Arthur fica com o pai e, durante a semana, com a avó, que não tem  um perfil rígido e adota  o estereótipo de “vó que mima”, muitas vezes  contradizendo as orientações passadas pela mãe. Quando as notas caem, o celular é retirado como forma de punição. Arthur entende essa decisão, afirmando que sabe que é para o seu bem, mas não lida bem com a restrição, já que os eletrônicos estão tão inseridos em sua rotina.  Ao acordar, o celular vem antes mesmo do café da manhã, que muitas vezes é substituído por uma partida de Fortnite — jogo de battle royale em que os jogadores são colocados em um mapa e competem entre si — em ligação com os colegas de sala, e frequentemente causa atrasos para descer para o transporte escolar. Na escola, com a companhia dos colegas e a falta da opção digital para se entreter, ele não sente tanta falta do aparelho. No entanto, ao chegar em casa, até o horário de dormir é preenchido com diversas alternativas de entretenimento digital: jogos, aplicativos de streaming, redes sociais de vídeo e outras opções disponíveis no universo das telas.

Um dos principais questionamentos é sobre os efeitos psicológicos e sociais com a crescente presença dos dispositivos digitais. No episódio em que ficou sem acesso devido ao problema técnico, Arthur demonstrou uma certa irritabilidade, semelhante à abstinência, incomum para um menino conhecido por ser tranquilo e carinhoso. É possível que esse fator tenha pressionado os pais a adquirirem um novo celular tão rapidamente. Esses efeitos não são exclusivos de Arthur; na verdade, eles representam um novo problema geracional pelo qual muitas crianças passam, provocando debates e decisões acerca dessa questão.

Recentemente, o Ministério da Educação do Brasil (MEC) divulgou a intenção de propor uma legislação para limitar o uso de celulares em escolas públicas e privadas, medida alinhada com a recomendação da Unesco no Relatório de Monitoramento Global da Educação. A intenção é criar um ambiente de aprendizado menos suscetível às distrações digitais e reforçar a “visão centrada no ser humano”. Para a agência da ONU, a tecnologia digital deve ser usada como um recurso complementar, e não para substituir as interações humanas.

Em fevereiro deste ano, a prefeitura do Rio de Janeiro foi pioneira no banimento do uso de celulares e eletrônicos em escolas públicas municipais, dentro e fora da sala de aula, por meio de um decreto publicado no Diário Oficial. Enquanto medidas de nível nacional ainda não foram implementadas, a discussão sobre o papel das telas na educação está longe de ser resolvida para uma melhor formação de crianças e adolescentes.