A crescente polarização entre democratas e republicanos não apenas fragmenta os Estados Unidos, mas também ameaça os pilares da democracia
por
Ana Beatriz Villela
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12/11/2024 - 12h

As eleições presidenciais dos Estados Unidos revelaram, mais uma vez, uma das maiores fragilidades das democracias contemporâneas: a polarização doentia. Democratas e republicanos não apenas discordam em pautas políticas, como representam visões de mundo opostas e, muitas vezes, irreconciliáveis. Essa divisão não é apenas política; permeia famílias, comunidades e instituições, ameaça a coesão social do país e, em última instância, a legitimidade do próprio processo democrático.

kamala trump
Reprodução: Reuters

Eventos como a eleição de Donald Trump, em 2016, o ataque ao Capitólio após a eleição de Joe Biden, em 2021, e o retrocesso de legislações estaduais em questões como aborto, direitos LGBTQIA+ e controle de armas são exemplos de um país dividido. A retórica dos principais candidatos, em 2024, reflete esse cenário: enquanto um lado clama por reconstrução e unidade, o outro reforça narrativas conspiratórias e discursos inflamados. 

Nos Estados Unidos, debates sobre diversidade, direitos das minorias e imigração tornaram-se campos de batalha para discursos polarizados válidos apenas para fomentar o ódio. Em vez de buscar soluções para problemas como a desigualdade econômica ou a crise climática, a política se transforma em um jogo de soma zero, onde a vitória de um lado é vista como a aniquilação do outro.

Conviver com as diferenças torna-se inviável quando o lado mais forte busca impor regras sobre o corpo das mulheres, ameaça deportações em massa de imigrantes – até mesmo os legalizados – e planeja cortes drásticos nos gastos públicos com o apoio de figuras como do bilionário Elon Musk.

O ataque ao Capitólio foi um marco da radicalização de parte do eleitorado republicano, mas eventos menores, como ameaças a funcionários eleitorais e protestos armados em assembleias estaduais, mostram que o problema é maior e de proporções ainda desconhecidas. A retórica do atraso de líderes da extrema-direita, muitas vezes ambígua ou até mesmo permissiva em relação a esses atos, cria o ambiente de impunidade e incentiva atos antidemocráticos.

O saldo deste processo eleitoral não é apenas a eleição de um presidente, mas a própria sobrevivência de valores democráticos nos Estados Unidos - país tido como um exemplo de democracia no ocidente. Se a polarização e o ódio continuarem a ser explorados como ferramenta política, sem qualquer tipo de punição para os que atentam ou mesmo desejam o fim do estado democrático, caminhamos a passos largos para o abismo.
 

O ensaio trata de aspectos da vida e da obra de Mauricio Tragtenberg (1929-1998)
por
Antônio José Romero Valverde
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06/11/2024 - 12h

“A finalidade de qualquer educação é modelar a sociedade: mais do que ser ensinado, o homem deve fazer sua educação de homem e cidadão, aprender a se informar, a se comunicar com o “outro”, a participar, a tornar-se capaz de devir numa sociedade em pleno devir, essa é a finalidade primeira da educação. Na escola do futuro trata-se de aprender a devir.”  

(Mauricio TRAGTENBERG, 2005, p. 55)   

“No interior do sistema social as instituições educacionais e seus sacerdotes, os professores, desenvolvem um trabalho contínuo e sutil para a conservação da estrutura de poder e, em geral, da desigualdade social existente. Duas são as principais funções conservadoras atribuídas à escola e aos professores: a exclusão do sistema de ensino dos alunos das classes sociais inferiores e a que definimos como socialização à subordinação, isso é, a transmissão ao jovem de valores compatíveis com seu futuro papel de subordinado.”  

 (Mauricio TRAGTENBERG, 1976, p. 29)   

 

Vida e Obra  

O filme Madadayo (Ainda não), direção de Akira Kurosawa, de 1993, retrata a vida de Hyakken Uchida, professor de alemão que, aposentado após 30 anos de trabalho, pretende tornar-se escritor. O enredo move-se com os ex-alunos criando o rito de comemoração de aniversário do professor, perpassado pela trágica pergunta: “Madadai?” (“Está pronto?”). Ao que ele responde: “Madadayo” (“Ainda não”). Confirmação peremptória de mais um ano de vida, um de cada vez. Não está pronto para a morte. A comemoração repete-se ano após ano, com libações exemplares, muita cerveja, cantos, piadas. Sempre solícitos, os ex-alunos empenham-se por minorar cada dificuldade oferecida pela vida ao professor, como a destruição de sua casa, ocorrida no início da Segunda Guerra Mundial, ressalvado o servilismo oriental de par com os ditames da polidez formal japonesa, que, sem a devida interposição, pode comprometer a compreensão do lirismo ético em cena entre o professor e os ex-alunos, no passo de dar a ver o conhecimento vivenciado para além da exigência escolar, em prontidão de máxima atenção para todos. Afinal, cinema tem sido, antes de nada, uma forma de educação, por favorecer o olhar a mediar o mundo. Nesse caso, espelha-se a verdadeira admiração encarnada pelos ex-alunos ao professor, seguindo-o em quase todos os seus gestos e as atitudes de franca sinceridade, sobremaneira a conduta ética exemplar mantida com os estudantes e todos os circundantes, diante da adoração às margens de um transe extático ante a personagem do professor.   

A acidental comparação do professor de Madadayo com o professor Mauricio Tragtenberg estanca nesse ponto, porque ambas as figuras, públicas e intelectuais, tiveram florescimentos muito distintos. Tragtenberg, substancialmente, era um desbravador teórico e prático de muitos aspectos da dinâmica educacional e pedagógica, autodidata, sob o arco do socialismo libertário, mesmo que nunca tenha se declarado anarquista, ao rejeitar, como Liev Tolstói, por motivação cristã, a violência embutida em tal concepção filosófico-política, pela derivação, em algumas oportunidades, à prática da pedagogia dos fatos, utilizada para acordar as classes dominantes da tradicional letargia, como ocorrida em alguns quadrantes da Europa, a meados do século XIX e começo do século passado. Distinção necessária, porque a altura intelectual de Mauricio não permitia ascender a qualquer torre de marfim nem se aproximar dela, muito menos ser tomado como guru de ninguém, ou ser lisonjeado por quem quer que fosse do meio acadêmico e arredor. Ao contrário, escolheu observar e analisar o movimento real do mundo do trabalho, da barra da vida em amplos aspectos, da ação política, das lutas sociais, do fascismo, do fisiologismo político, pela lógica irredutível do capital, articulada por gestores e sindicatos, além de sua necessidade máxima de compreender as insurgências contemporâneas filosóficas, sociológicas, econômicas, literárias, antropológicas – estas reconhecidas como invenção colonial inglesa destinada à dominação dos asiáticos –, todas como partes do teto ideológico dominante.   

O foro de realização e dissipação de suas ideias educacionais e pedagógicas é a escola, organização complexa, cujo aparelho escolar tem seu papel na reprodução das relações sociais de produção quando: a) contribui para formar a força de trabalho; b) contribui para inculcar a ideologia hegemônica, tudo isso pelo mecanismo das práticas escolares; c) contribui para reprodução material da divisão em classes (sociais) e d) contribui para manter as condições ideológicas das relações de dominação (Trtagtenberg, 1976, p. 22)2.  

Ao que arremata: “O aparelho escolar impõe a inculcação ideológica primária e é seguido pelos diversos aparelhos – televisão, publicidade, seitas etc. A escola inclui, a forma de rudimentos, técnicas indispensáveis à adaptação ao maquinismo, em geral na forma preparatória” (Tragtenberg, 1976, p. 22), uma vez que os aparelhos ideológicos não produzem ideologia, mas cuidam de inculcar a ideologia da classe social dominante, com sucesso.   

Não fazia concessões de nenhuma ordem, como se lê nos seus escritos, especialmente no “Memorial”3, apresentado à Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), como exigência ao concurso para professor titular de Teoria da Organização, e na entrevista concedida na sede da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo5, além de suas atitudes e decisões plenamente éticas em momentos decisivos. Sem mestres, mesmo ao apropriar-se com toda a liberdade imaginável do pensamento de Karl Marx, para compreensão da exploração; de Max Weber, para a dominação; dos teóricos anarquistas, para a antipolítica, o contrapoder e a autogestão social e pedagógica; de Herbert Marcuse, para os nexos entre tecnologia e política em nova chave, a da civilização libidinal; de Hannah Arendt, para os aspectos da condição humana; de Michel Foucault, para a loucura, a biopolítica e os confinamentos sociais, entre outros, mas tão somente como ferramentas teóricas disponíveis à construção do próprio pensar, de modo a suportarem a produção crítica de sobeja acuidade intelectual da ordem político-social, do movimento real. A vocação crítica e a altura intelectual de Tragtenberg foram, precocemente, reconhecidas pelos colegas e professores, em razão da frequência à Biblioteca Municipal e à sede do Partido Socialista Brasileiro (PSB) da cidade de São Paulo (SP).   

Há um projeto de filme da vida e da obra de Mauricio Tragtenberg em andamento, que algum momento se materializará, dadas as forças conjugadas e empenhadas para tanto. Assim, trazer à cena Madadayo cede lugar à lembrança de um artigo publicado originalmente em A Folha Socialista, de 5 de outubro de 1953, à página 4, intitulado “O encouraçado Potemkin: a ‘autocrítica’” (Tragtenberg, 2011b, pp. 25-29). No artigo, primeiramente, Mauricio reanima a carta do diretor Sergei Eisenstein direcionada aos diretores da revista Vida e Cultura, que principia com os dizeres: “É difícil imaginar-se uma sentinela que se perde na contemplação das estrelas a ponto de esquecer o seu dever. É difícil imaginar-se um condutor de tanque a ler com avidez um romance de aventuras no momento de entrar em combate...” (Tragtenberg, 2011b, p. 25). Em seguida, analisa a “autocrítica de Eisenstein, obrigado pelo Partido, ‘reconsiderando à luz da verdade histórica’ o papel de Ivan, o Terrível4, (que) insere-se dentro do mecanismo político do poder estatal totalitário russo. O que quer dizer isso?” (Tragtenberg, 2011b, p. 28).   

 

Ao que adita:  

Explicamos. Sabemos que em toda forma estatal onde há (ou havia) um líder, chefe ou profeta, este, para dominar, necessita de seu poder. Pois bem, a legitimidade do poder de Stálin estava baseada em nome da herança de Lênin (lembrem-se do discurso pronunciado por Stálin, quando da morte de Lênin, que inicia e prossegue em tom de homilia de seminarista...) (...). Aí vemos a legitimidade do poder de Stálin e da burocracia totalitária sem bases bolchevistas e revolucionárias. Mas, na medida em que o capitalismo de Estado russo e seu Estado totalitário assentam-se na legitimidade pessoal do “chefe”, vão procurar bases tradicionais e conservadoras para fundamentar seu poder perante o povo, e isso dá-se na Segunda Guerra (Mundial), quando na Rússia se opera uma revivescência nacionalista e pan-eslavista com a consideração de Alexandre Nevsky, Suvorov, Kutuzov, generais reacionários apresentados como heróis nacionais progressitas. É nessa linha que se dá a reconsideração de Ivan, o Terrível, totalitário e reacionário, como um czar “nacional progressista”. (...) É mais um dos dramas humanos que se inserem na longa lista das vítimas da “arte dirigida”. O suicídio artístico de Eisenstein é um símbolo, o símbolo da arte esmagada pelo totalitarismo, a pretexto de “direção”. E o gênio Eisenstein, amargurado, retirou-se pouco depois do cinema. Não há campo para protagonistas na arte russa, só há para o coro, para os dóceis ao dirigismo artístico. É assim que o espírito revolucionário criador que transparece no Encouraçado Potemkin aparece como imagem viva de uma realidade morta, a Rússia atual, a negação do espírito criador e revolucionário (Tragtenberg, 2011b, pp. 2829).  

 

Mauricio encerra a explicação referindo-se ao comentário do historiador Victor Serge, para quem “os ideais da Revolução morreram e a foice e o martelo tornaram-se a bandeira do despotismo e do assassinato” (Tragtenberg, 2011b, p. 29)5. Nota-se pela leitura, mesmo fragmentada, o perfil do futuro educador brilhante ao assinar o ensaio em questão.   

Se não fez carreira profissional atuando no gênero crítica cinematográfica, contudo, em 1979, Mauricio escreveu uma análise do filme Eles não usam black-tie, direção de Leon Hirszman, de 1981, homônimo da peça teatral de Gianfrancesco Guarnieri, dramaturgo e ator, levada aos palcos em 1958. O artigo “Guarnieri para quem usa black-tie” foi publicado originalmente em um número do boletim Oboré, editado pelo jornalista Sérgio Gomes (Tragtenberg, 2011b, pp. 35-36)6.  

Autodidata por necessidade e instinto intelectual, desde um episódio prosaico na escola primária, quando fora reprovado em canto orfeônico por desafinar, no segundo ano do curso primário, situação que findou transformada em mote para a vida intelectual: aprender por si, pesquisando. Progrediu bastante, orientado para o processo, em princípio pelos professores Antonio Candido e Azis Simão, em conversas na Biblioteca Municipal e na sede do PSB, ao final da década de 1940 e início da de 1950. Por ser o autodidata mais livre para pesquisar, apropriar-se do conhecimento e pensar por si, porém com método, no mesmo passo, o mote inicial forneceu a Mauricio munição teórica para desafinar o coro dos contentes – políticos, ideólogos, intelectuais, religiosos ortodoxos, em síntese, os falsos profetas da miséria nacional.  

De sua biografia, registrou: “Nasci na cidade de Erexim, no Rio Grande do Sul, na zona da colonização de camponeses de origem judaica, que se dirigiram para lá, vindos das perseguições da Rússia czarista e dos progoms da década de 1910” (Tragtenberg, 1999, p. 11)7. Nascido aos 4 de novembro de 1929, tempo da crise econômico-social provocada pelo crash da Bolsa de Valores de Nova York, que não consta do referido “Memorial”, entanto registra os fatos de ter ficado órfão de pai com um ano de idade, o novo casamento da mãe e a mudança da família para Porto Alegre (RS) e, posteriormente, para São Paulo (SP), onde fixou residência10.  

Mauricio nomeava de as “minhas universidades”, arremedando o título do romance homônimo de Máximo Gorki, o Centro de Cultura Social, as aulas de filosofia proferidas por Mário Ferreira dos Santos, a frequência à casa da família Abramo e à Biblioteca Municipal de São Paulo – lugares de efervescência intelectual crítica sem o balizamento formal acadêmico, porém rigoroso –, além de frequentar os sapateiros anarquistas do Brás e da conversa com um politizado condutor do bonde, a meados dos anos de 1940.   

Declarava-se ateu, sem alarde, farisaísmo ou falso moralismo, mantida a condição religiosa de judeu até o fim da vida. “Ateu, graças a Deus!”, como dizia sob fina ironia, vez que o humor era uma das marcas de seu caráter, mas mostrava restrições ao pensamento político de Mikhail Bakunin, dado o viés autoritário contido na sua obra8. Ocorre que o ativista russo talvez tenha sido aquele que de modo mais expressivo ao universo anarquista tenha descartado a hipótese Deus (Tragtenberg, 2011b, pp. 125-143), no barco iluminista de Denis Diderot e de Pierre-Simon Laplace, em parte fruto de sua vivência na Rússia czarista e na Santa Moscou, sob vapores bizantinos e inspirado pela filosofia hegeliana.   

Tragtenberg não comungava integralmente com Bakunin, mesmo reconhecendo sua importância no processo de solidificação do ideário e da prática federalistas9, sobremaneira, aos meios operários de Espanha, a meados do século XIX, ao tempo que esteve em cena a operação da sua reentrada no concerto das nações europeias, com praticamente 300 anos de atraso, de caráter religioso confidencial, sob um processo de secularização lenta, embalada pelos krausistas espanhóis, basicamente professores universitários, para a criação política da República. Mesmo assim, Tragtenberg sempre tomou partido teórico-prático do viés bakuninista ao explicitar o racha ocorrido no seio da Primeira Internacional. Para o campo teórico do anarquismo, Mauricio Tragtenberg parecia alinhar-se mais pontualmente com o horizonte político criado por Pierre-Joseph Proudhon, por “ser o mais generoso dos teóricos do anarquismo” e pela defesa da proposta autogestionária.  

 

Crítica à educação e ao sistema educacional  

Mauricio Tragtenberg ingressou na Faculdade de Educação da Unicamp, em 1976, como professor não concursado, por indicação direta do reitor Zeferino Vaz, após ter sido aprovado três vezes em concursos públicos prestados na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Porém, sem contratação efetivada, logo, reprovado por motivos injustificáveis, academicamente.   

Na faculdade produziu a crítica da instituição “organização escolar”, com todas as possíveis implicações sociopolíticas. Os cursos ministrados na pós-graduação da faculdade, após o primeiro curso tratar de metodologia histórica, em que ensinou a ler O capital, de Karl Marx, seguido de estudos sobre Max Weber, passaram a criticar o papel do controle burocrático escolar na inculcação ideológica, na reprodução da ordem econômica e na divisão social do trabalho, momento em que Pierre Bourdieu e Jean Claude Passeron foram introduzidos ao debate educacional nacional por A reprodução, ainda sem a devida leitura nem as inferências de todos os conflitos embutidos. Mauricio cumpriu esse papel e trouxe também Michel Lobrot, Bernard Charlot, Mario Manacorda e os teóricos da educação anarquista, Tolstói, Paul Robin, Francisco Ferrer, preocupados com o processo educacional em liberdade e a autonomia dos envolvidos para o cumprimento da premissa da emancipação humana, extrapolado o pedágio da invenção iluminista.   

Mauricio Tragtenberg fundou, com Casemiro dos Reis Filhos e Joel Martins, a revista Educação & Sociedade, na Faculdade de Educação da Unicamp, em 1978. O primeiro número trouxe o artigo de fundo “Francisco Ferrer e a pedagogia libertária”, lastrado na história moderna da Espanha pela análise dos nexos entre reconquista e Igreja, a relevância da geração de 98, a vida e a obra de Ferrer, a pautar os princípios da coeducação de ambos os sexos, da coeducação das classes sociais, da higiene escolar, a importância dos jogos (pedagógicos) sob a guarda da cooperação não competitiva, a formação racionalista dos professores (escola de professores), sem prêmios nem castigos, abolidos os exames etc. Destaque para as notas de rodapé weberianas, extensas e densas, com indicações bibliográficas relevantes para a sustentação dos argumentos movidos no corpo do texto. Oportunidade de lançar à cena acadêmica as leituras de adolescente de textos anarquistas e da convivência com os sapateiros anarquistas do bairro do Brás, em São Paulo, por volta de 1945, completado com o fato de o Arquivo Edgard Leuenroth ter sido adquirido pela Unicamp, contendo todos os jornais anarquistas do começo do século XX.   

Simultaneamente, Mauricio pesquisava e escrevia a livre-docência, intitulada Administração, poder, ideologia, que defenderia entre os dias 12 e 13 de março de 1979.  Para a aula correspondente, ministrada pela manhã, teve o ponto sorteado “Educação e Fascismo”, e a defesa da livre-docência à tarde10. A livre-docência teve como nexo inicial o artigo seminal “A teoria geral da administração é uma ideologia?”, publicado na Revista de Administração de Empresas RAE, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), em 1971. Ao tempo em que se discutia se administração era ciência ou técnica, para Mauricio, ideologia. 

Em determinado momento, entre os anos 1970 e 1980, Mauricio figurou como a consciência possível do Brasil, pois soubera como ninguém compreender todas as contradições em curso e sintetizá-las de modo a conceituar o “espírito do tempo” manifesto, desde a herança política colonial, o fisiologismo político, os labirintos burocráticos estatal e acadêmico, a perda dos direitos trabalhistas, o lento processo de degradação das relações entre capital e trabalho, a falta de virtù do Partido dos Trabalhadores (PT), em ação, – talvez tenha sido o primeiro a denunciá-la –, às margens de certo fascismo interno de ordens e contraordens, a par de pouca reflexão crítica, na linha dos nexos necessários entre teoria e práxis para o avanço da causa social. Eram os seus dilemas11, sobremaneira, por desmontar criticamente o papel da educação no contexto nacional – de mantenedora da desigualdade social em ritmo acelerado –, que se perspectivado se chega à situação, aparentemente, irreversível da atualidade. Críticas confirmadas nos escritos recolhidos em Educação e burocracia (Tragtenberg, 2012). Mauricio estava sempre atento ao lugar dos desfavorecidos pela injusta ordem socioeconômica, contudo, alinhado pela proposta de uma organização popular como saída lúcida12.  

Entrado os anos 1980, Mauricio leu Foucault e Hannah Arendt e, salvo melhor juízo, foi o primeiro professor a introduzi-los na universidade, ao menos na Unicamp e na FGV. Ministrou cursos, em que lia e comentava a História da loucura e A condição humana, porém nunca se transformou em foucaultiano, arendtiano nem se filiou a qualquer outra novidade filosófica, sem esquecer a monumental empreitada intelectual de dissecar o livro póstumo de Max Weber, Economia e sociedade, o que fez em ao menos quatro semestres na Faculdade de Educação da Unicamp. Ao final da vida, estudava os maquiavelistas Han Fei-Tzu e Kautilia, chinês e hindu.   

Há que se destacar sua militância no Centro de Cultura Social, fundado em 1933, na Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo e nas Comissões de Fábrica da Ford de São Bernardo do Campo (SP)16, assim como esteve próximo das Comunidade Eclesiais de Base (CEBs) do Butantã, e ainda da Associação dos Docentes da Unicamp (Adunicamp), onde não foi bem compreendido ao propor que o professor universitário fosse caraterizado como “trabalhador intelectual”. Os colegas da Unicamp acharam um rebaixamento do status quo.   

A militância esteve combinada com a coluna “No Batente”13, do jornal Notícias Populares, o mais popular dos jornais paulistanos. Na coluna, Mauricio escrevia sobre a luta dos trabalhadores, fazia denúncia, respondia a cartas de trabalhadores, levantava e mantinha bandeiras do antirracismo, feminismo, sobremaneira da autogestão social. Antes, havia trabalhado por três anos como diretor de política internacional da Folha de S. Paulo, a convite de Cláudio Abramo, a partir de 1964.   

Mauricio atuou também como tradutor e organizador de textos de magnitude política, voltados para a noção de autonomia, com destaque para a tradução de Ben Gurion, o profeta armado, de M. Michel Bar-Zohar, editado pela editora Senzala, em 1968, com sua “Apresentação do tradutor brasileiro”. Organizou edições de textos de pensadores heterodoxos do marxismo, como Herman Gorter, Jan Waclav Makhaïski e Amadeo Bordiga18, e do anarquismo, Bakunin, Piotr Kropotkin, Errico Malatesta, Nestor Makhno, além de prefaciar o livro Organismo econômico da revolução: a autogestão na Revolução Espanhola, de Diego Abad de Santillán, fundamental para a compreensão da Guerra Civil espanhola do ponto de vista da luta anarquista. Ainda, foi tradutor de textos de Weber e de Jürgen Habermas para a coleção “Os Pensadores”.  

Mauricio deixou uma obra intelectual de peso, extensa, quase totalmente publicada pela Editora Unesp, organizada pelo professor Evaldo Amaro Vieira, exímio conhecedor de seu pensamento, além de cursos exemplares, atualizados e dinâmicos, oferecidos aos alunos da graduação e da pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), da Unicamp e da Escola de Administração de Empresas da FGV-SP. É referência a, praticamente, toda pesquisa que intente levar adiante o legado de João Cruz Costa, o primeiro doutor em filosofia do Brasil, um dos que convenceram Mauricio a entrar na Universidade de São Paulo (USP). Cruz Costa defendia que todo estudo acerca da filosofia, em solo pátrio, deveria reverter-se para a compreensão do Brasil. Mauricio praticou esse enunciado no detalhe, mesmo não tendo formação em filosofia. A propósito, há uma pesquisa concluída acerca das fontes filosóficas do pensamento tragtenberguiano.  

  

Com efeito, em “Memorial”, Tragtenberg (1991, p. 84) informa:  

Antonio Candido, no saguão da Biblioteca Municipal, mencionara uma lei federal que permitiria eu apresentar uma monografia à (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH da USP, para prestar vestibular e cursar a universidade. Em 150 dias de trabalho, estruturei a monografia Panificação: o desafio do século XX15, que, mediante parecer do Prof. João Cruz Costa, permitiu-me prestar vestibular e ingressar na USP.   

Inicialmente aprovado para o curso de Ciências Socias, que frequentou por um ano, prestou novo vestibular para ingresso em História da Civilização, porque “pensava ser esta mais condizente com os princípios do materialismo histórico” (Tragtenberg, 1991, p. 84).  

Algumas teses doutorais explicitam o pensamento de Tragtenberg, como A obratrajeto de Mauricio Tragtenberg sob o prisma das afinidades eletivas, de Doris Accioly e Silva, defendida na Unesp de Araraquara, na área de sociologia, em 200416. Outra é a de Antônio Ozaí da Silva, Mauricio Tragtenberg e a pedagogia libertária, defendida na Faculdade de Educação da USP, em 200417. Em 2010, Elcemir Paço Cunha defendeu a tese intitulada Gênese, razoabilidade e formas mistificadas da relação social de produção em Marx: a organização burocrática como abstração arbitrária, em administração, na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais23. Há ainda a tese A trajetória intelectual e política de Mauricio Tragtenberg, de Erisvaldo Pereira de Souza, doutorado em Sociologia, defendida na Universidade Federal de Goiás, em 2017, e a dissertação de mestrado de Ilzo Rafael Fonseca, Relações sociais de produção e educação: uma análise da obra de Mauricio Tragtenberg, defendida em 2018, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, a par de um número considerável de artigos acerca da concepção tragtenberguiana de educação, publicados em revistas científicas qualificadas, com alto grau de compreensão de seu pensamento crítico24 Outros pesquisadores deram prosseguimento à crítica tragtenberguiana em artigos de análise da burocracia, da administração, da educação e da filosofia política.  

Todavia, um estudo sintético e elucidativo do pensamento crítico da educação se encontra no texto “Tragtenberg e a educação”, de Agueda Bernardete Bittencourt Uhle. Por ter sido orientanda e colega do Pensador na Faculdade de Educação da Unicamp, no texto a autora conseguiu desvelar ainda mais o que se encontra explicitado nos escritos de Mauricio, mas não só, a começar por sistematizar o período de produção crítica acerca da educação, entre os anos 1978 e 1981, a par de apontar para a desconfiança do Autor em relação à própria escola como agente de transformação social, se não for organizada com base em demandas sociopolíticas, em vista das contradições de classes sociais do país, que se eternizam. Caso contrário, a escola presta-se a reproduzir tão somente a ordem social fixada e, ao mesmo passo, a disciplinar os estudantes para a docilidade futura na atuação profissional. Ainda segundo Uhle, Tragtenberg considera que, no plano social, a classe dominante representada pelo Estado define os objetivos da escola – “formar indivíduos cada vez mais adaptados ao seu local de trabalho, porém capacitados a modificar seu comportamento em função das mutações sociais” – e a forma como esses objetivos serão alcançados – em organizações burocráticas (Silva; Marrach, 2001, p. 160).  

Por isso, registrou: “A luta é a grande escola do trabalhador, é através dela que forma sua consciência social, educa-se para a autonomia de organização e direção de seus projetos” (Tragtenberg, 2011a, p. 297). A que aditava: “A vida desmente a aula; a vida também educa. Não confundamos educação com escolaridade” (Tragtenberg, 2009, p. 178).   

Hule explica que a crítica à escola desenvolvida no conjunto de sua obra sobre educação é uma crítica radical. Vai às raízes do problema. Não propõe reformas ou ajustes de rota. Não aponta culpados nem desconsidera responsabilidades. O que põe em xeque é a própria instituição em seu conjunto, não como um organismo abstrato, mas como expressão de interesses (Silva; Marrach, 2001, p. 160). Conclui que a posição tragtenberguiana consiste em “alertar para o lugar social da escola, mostrar seu peso político e as implicações da escolarização da população para a construção de uma dada organização social” (Silva; Marrach, 2001, p. 160). No mesmo passo, “tinha um compromisso permanente com a produção do conhecimento e, para isso, apostava na liberdade do pesquisador para buscar problemas socialmente relevantes para seus estudos” (Silva; Marrach, 2001, p. 164), fundados na necessidade de autonomia do pesquisador.   

Contudo, para complementação do percebimento da crítica tragtenberguiana à educação, os artigos “O papel social do professor”, “Quando o operário faz a educação” e “As condições de produção da educação” (Tragtenberg, 2012) fornecem a dimensão basilar para tal. Como a pesquisa acadêmica, grosso modo, ocorre com professores alocados nos programas de pós-graduação das universidades, Tragtenberg exerceu a crítica contundente do sistema de pós-graduação nacional. Os textos mais circunstanciados em vista dos fins da pesquisa acadêmica são “A delinquência acadêmica” e “O saber e o poder”. O primeiro, funcionou como uma bomba de efeito nada retardado, porque na semana seguinte do lançamento de A delinquência acadêmica: o poder sem saber e o saber sem poder (Tragtenberg, 1979) estudantes da USP picharam os muros do campus Butantã com frases retiradas do livro. Tragtenberg colocava sob suspeita toda pesquisa científica acadêmica para fins de manipulação política e de guerra. Para a apresentação do livro, intitulada “Verás que...”, registrou:   

A Delinquência Acadêmica aborda não só a universidade como instituição dominante, mas também os mecanismos pelos quais ela se liga à dominação. Procura mostrar que sua crise reflete a crise da sociedade global, produzindo contraditoriamente dois tipos de intelectual. O intelectual orgânico da burguesia, organizador da hegemonia burguesa, a qual por mediação da universidade inculcará as formas de sentir, pensar e agir da classe dominante como sendo “naturais” e “normais”; e o intelectual crítico que, em épocas de ascensão do movimento de massas, pode legitimamente representá-las (Tragtenberg, 1979, p. 9)18.   

O legado de Tragtenberg é imenso ao campo das ciências humanas. Contribuiu para a crítica da administração empresarial, compreendida como ideologia, sendo pioneiro em registrar a introdução do tema toyotismo na gestão das empresas no Brasil, e para a crítica da escola como lócus de conflito social e de possibilidades de explicitação, para além da submissão à ideologia dominante. Ainda, introduziu a filosofia política do socialismo libertário, marcada pela ideia de autogestão em todos os níveis da sociedade, além de ter formado dezenas de professores e pesquisadores universitários, exorientandos ou não, que assimilaram o núcleo do pensamento crítico tragtenberguiano.   

Em justo reconhecimento ao esforço intelectual de compreensão do Brasil, Tragtenberg figura, de modo nada acidental, entre os intérpretes do Brasil, na obra coletiva Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados (Barsotti, 2014, pp. 357376).  

Em reconhecimento ao professor excelente e ao jornalista combativo, em 29 de outubro de 2010, o curso de jornalismo da PUC-SP teve aprovada a criação da Agência de Jornalismo Online Mauricio Tragtenberg (AGEMT), cujos princípios se encontram em nota de rodapé19.  

Se o filme documentário biográfico do Filósofo da luta social segue embrionário, em 2017 o líder sindical dos Correios Pedro Porcino, os familiares do Pensador, amigos e ex-alunos fundaram o bloco carnavalesco Filhos de Mauricio Tragtenberg, durante o evento acadêmico “Mauricio Tragtenberg, a Pessoa, a Obra e a Revolução Russa”, realizado na PUC-SP, em setembro daquele ano. O bloco desfilou no carnaval de 2018 e de 2019. Em 2020, os integrantes avaliaram a pandemia da Covid-19 à espreita nas esquinas paulistanas, findando por adiar o desfile para um futuro carnaval. Para o primeiro desfile, o músico Val Medeiros compôs Samba em homenagem a Mauricio Tragtenberg, samba-enredo interpretado por Helber Medeiros, em gravação de circulação restrita, por enquanto. Encerra-se o capítulo com a letra da música, uma excelente síntese da vida do professor Mauricio Tragtenberg e de seu reconhecimento popular:  

Uma voz ecoou... / bateu saudade. / Menino pobre que nasceu em Erechim (bis) / Povoado pequeno, / começava assim. / Essa história que jamais terá um fim. / Nessa trajetória esse menino alcançou: / sucesso e prestígio, / muita luta ele travou. / Foi professor, / se tornou jornalista. / Uma figura importante no Brasil. / E foi assim que ele surgiu. / “No Batente” escreveu suas ideias / de liberdade. / Com seu espírito de luz, / Só queria igualdade. / Homem de cultura exemplar, / na escola da vida (bis). / Foi perseguido injustamente, / pela ditadura militar. / Mas o tempo passou, / então retornou. / Deu a volta por cima. / Formando uma grande legião de mestres, / da cultura popular. / Hoje o céu está em festa, / pra cantar. / Sua história, vai se eternizar. / Os anjos as trombetas vão tocar. / Mauricio Tragtenberg / sua voz vai ecoar (Medeiros, 2019].  

- Que se leia a obra de Mauricio Tragtenberg! “O judeu sem templo. O militante sem partido. O intelectual sem cátedra!”20.  

 

Referências 

BARSOTTI, P. D. Maurício Tragtenberg. In: Pericás, L. B.; Secco, L. (org.). Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 357-376. 

CUNHA, E. P. Gênese, razoabilidade e formas mistificadas da relação social de produção em Marx: a organização burocrática como abstração arbitrária. Tese (Doutorado em Administração) – Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010. 

FONSECA, I. R., Relações sociais de produção e educação: uma análise da obra de Mauricio Tragtenberg, Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2018.   

MÁRSICO, G. O., Cágada (ou a história de uma cidade a passo de), Porto Alegre, Movimento, 1974.   

SHIMAMOTO, S. V. M., “A concepção de trabalho escolar e a (des)politização dos sujeitos sociais a partir de Mauricio Tragtenberg”,  Educação e Políticas em Debate, v.  

6, n. 2, pp. 255-274, maio/ago. 2017. Disponível em:  

http://www.seer.ufu.br/index.php/revistaeducaopoliticas/article/view/46776/25480  Acessado aos 14 de outubro de 2022.   

SILVA, A. O. da, Mauricio Tragtenberg e a pedagogia libertária, Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004. Disponível em: https://repositorio.usp.br/item/001385234  Acessado aos 14 de outubro de 2022.   

SILVA, A. O. da, Mauricio Tragtenberg: militância e pedagogia libertária, Ijuí, Editora Unijuí, 2008.   

SILVA, D. A., A obra-trajeto de Mauricio Tragtenberg sob o prisma das afinidades eletivas, Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de  

Mesquita Filho”, Araraquara, 2004.  

SILVA, D. A.; MARRACH, S. A. (orgs.), Mauricio Tragtenberg: uma vida para as ciências humanas, São Paulo, Editora Unesp / Fapesp, 2001.   

SOUZA, E. P., A trajetória intelectual e política de Mauricio Tragtenberg. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017.   

TRAGTENBERG, M., “A escola como organização complexa”, In GARCIA, W. E. (org.), Educação brasileira contemporânea: organização e funcionamento, São Paulo, McGraw-Hill do Brasil, 1976, pp. 15-30.   

___________, “Francisco Ferrer e a pedagogia libertária”, Educação & sociedade, n. 1, v. 1, São Paulo, Cortez & Moraes, 1978, pp. 17-49.   

Tragtenberg, M. A delinquência acadêmica: o poder sem saber e o saber sem poder. São Paulo: Rumo, 1979.   

___________ (org.), Marxismo heterodoxo, São Paulo, Brasiliense, 1981.   

___________, M. Sobre educação, política e sindicalismo. São Paulo: Cortez / Autores Associados, 1982. v. 1. (coleção Teoria e Prática Sociais).   

___________, “Memorial”, Pro-Posições, Campinas, v. 2, n. 1, 1991. Disponível em:  

https://www.fe.unicamp.br/pf-fe/publicacao/1704/4-divulgacao-tragtenberg.pdf  Acessado aos 14 de outubro de 2022.   

___________, Memórias de um autodidata no Brasil, São Paulo, Editora Unesp / Escuta / Fapesp, 1999.   

___________, Sobre educação, política e sindicalismo, São Paulo, Editora Unesp, 2004.  

(Coleção Mauricio Tragtenberg).   

___________, Administração, poder e ideologia São Paulo, Editora Unesp, 2005. (Coleção Mauricio Tragtenberg).   

___________, A revolução russa, São Paulo, Editora Unesp, 2007. (Coleção Mauricio Tragtenberg).   

___________, A falência da política, São Paulo, Editora Unesp, 2009. (Coleção Mauricio Tragtenberg).   

___________, O capitalismo no século XX, 2ª edição, São Paulo, Editora Unesp, 2010. (Coleção Mauricio Tragtenberg).  

___________, Autonomia operária, São Paulo, Editora Unesp, 2011a. (Coleção Mauricio Tragtenberg).   

___________, Teoria e ação libertárias, São Paulo, Editora Unesp, 2011b. (Coleção Mauricio Tragtenberg).   

___________, Educação e burocracia, São Paulo, Editora Unesp, 2012. (Coleção Mauricio Tragtenberg).  

VALVERDE, A. J. R. (org.), Mauricio Tragtenberg: 10 anos de encantamento, São Paulo, Educ / Fapesp, 2011.   

VALVERDE, A. J. R.; MACHADO, R., Mauricio Tragtenberg: autogestão social e pedagógica, São Paulo, Educ, 2016. (Coleção Sapientia – Grandes Mestres da PUC-SP).   

Filmografia   

Madadayo. Direção: Akira Kurosawa. 1993.  

Samba-enredo  

MEDEIROS, V., Samba em homenagem a Mauricio Tragtenberg, 2019. Disponível em: https://m.facebook.com/FilhosDeMauricioTragtenberg/videos/2185954824758258/?refs rc=deprecated&_rdr  Acessado aos 27 de agosto de 2021. 

A execução precisa dos códigos de cada etiqueta trouxe um frescor revigorante para as grifes renomadas
por
Giovanna Montanhan
|
30/10/2024 - 12h

A São Paulo Fashion Week (SPFW) ocorreu entre os dias 14 e 21 de outubro, com quase o dobro  do número de desfiles, em comparação à edição anterior, passando de 27 para 42. O evento trouxe de volta às passarelas marcas como a homônima Alexandre Herchcovitch, À La Garçonne e Salinas, além de  grifes vanguardistas, presentes em todas as edições, como Lino Villaventura.

Lino Villaventura

Quem acredita que a alta-costura no Brasil se encerrou com o estilista paraense Dener Pamplona - pioneiro na moda brasileira,  introduzindo esse conceito no país - certamente nunca assistiu a um desfile de Lino Villaventura. 

Conhecido por suas peças com nervuras elaboradas, Lino trouxe nesta edição vestidos e blusas assimétricas, bordados minuciosos, saias em formato de pétalas, além de modelos com volumes, drapeados e tecidos que simulavam plástico, em cores vibrantes como azul piscina e verde claro. Desta vez, além dos neutros — o branco que abriu o desfile, seguido pelo bege e preto —, a paleta se expandiu para tons multicoloridos, como roxo e vermelho, alternando entre peças fluidas e modelos mais estruturados. A modelo Silvia Pfeifer encerrou  o espetáculo visual concebido pela mente fértil  de Lino, desfilando um modelo transparente azul-marinho com brilhos, acompanhado de um robe preto de cetim e luvas arroxeadas que deixavam os dedos à mostra.

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Reprodução: @agfotosite

 

 

 

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O estilista Lino Villaventura na passarela após o final do desfile - Reprodução: @agfotosite

À La Garçonne

À La Garçonne comemorou 15 anos de marca e 20 anos de carreira de seu diretor criativo Fábio Souza  Após sua separação profissional de Alexandre Herchcovitch, Souza decidiu redefinir os códigos da marca, que anteriormente destacava o conceito de upcycling e trazia cordas trançadas como logotipo. Agora, com controle total sobre as direções, códigos costumeiros da etiqueta  aparecem de forma pontual em algumas peças, enquanto o principal destaque neste primeiro desfile foi a cartela de cores em preto e branco, combinada com variações de design, ternos de alfaiataria e lurex, que abrilhantaram a passarela ao lado de estampas quadriculadas. Vale destacar as saias de tule com poás, uma tendência atemporal, a presença do personagem Snoopy, que apareceu em moletons e casacos, e os laços.

 

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O estilista Fábio Souza na passarela após seu desfile - Reprodução: @agfotosite

 

 

Salinas

Salinas, uma marca tradicional de beachwear, retornou ao maior evento de moda da América Latina após seis anos longe das passarelas, apresentando a coleção "Sol, Sal e Sonhos". Com uma paleta predominantemente neutra e atemporal, a coleção trouxe peças que se adequam tanto ao momento praia quanto ao pós-praia. Entre os destaques estão minissaias, chapéus compridos de palha desfiada, bolsas de crochê, camisas de linho e biquínis assimétricos. Uma seção da coleção, com peças em tons de cinza claro, com calças soltinhas, maiôs e casaquinhos leves com brilhinhos prateados sutis. Os acessórios incluíam braceletes dourados e belly chains (cordões para adornar a barriga) com o nome da marca, além de chinelos de dedo com plataforma e tamancos prateados.

 

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Alexandre Herchcovitch

E por fim, Alexandre Herchcovitch com sua etiqueta homônima e conhecida por trazer designs inovadores, dessa vez em parceria com a marca alimentícia de queijos Catupiry, apresentou  bolsas e moletons com seu logo, uma produção com a estilista Fábia Bercsek, que o ajudou a criar estampas feitas à mão.

Os recortes assimétricos moldaram-se abaixo dos seios, deixando a barriga à mostra e chegando ao ponto final: a virilha, trazendo à tona uma estética fetichista. Para aqueles que preferem não arriscar e se manter dentro de estilos mais convencionais, também há opções que beiram o óbvio e comercial, como moletons felpudos listrados, regatas, calças de alfaiataria e jeans. Mas, como era de se esperar de Alexandre Herchcovitch, foi possível observar um mergulho profundo nos códigos dos anos 70, trazendo consigo toda a purpurina que remete à Era Disco, além de tecidos como jacquard, lurex, paetê em padronagem xadrez e lamê.



 

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O estilista Alexandre Herchcovitch na passarela após o seu desfile - Reprodução: @agfotosite

 

Peça de Antônio Fagundes e Christiane Torloni tem temporada prevista até dezembro
por
Giovanna Montanhan
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01/10/2024 - 12h

A estreia da peça ‘Dois de Nós’ ocorreu no dia 05 de setembro, no Teatro TUCA. O elenco reúne grandes nomes do teatro e da televisão brasileira, como Christiane Torloni, Antônio Fagundes, Thiago Fragoso e Alexandra Martins. É dirigido por José Possi Neto, e concebido e escrito por Gustavo Pinheiro, jornalista que também assinou os textos de ‘Antes do Ano que Vem’ e ‘A Lista’. O palco do Teatro TUCA foi escolhido para ser a primeira casa do espetáculo, que ficará em cartaz até dia 15 de dezembro.

A premissa é de um mesmo casal, retratado em dois momentos distintos de suas vidas - na juventude, sendo interpretados por Alexandra e Thiago e na velhice, por Christiane e Antônio. Em um determinado momento, ambas as versões se encontram em um mesmo quarto de hotel, onde o passado e o futuro se entrelaçam, revelando segredos, frustrações e sonhos. O choque entre duas perspectivas de si mesmos desencadeia uma série de revelações e questionamentos. 

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Elenco da peça 'Dois de Nós' - Reprodução: Instagram @doisdenosteatro

 

A química e o entrosamento entre os atores é um ponto de destaque na peça. Alguns membros do elenco da peça já haviam trabalhado juntos anteriormente, como Torloni e Fagundes, que contracenaram juntos em ‘Amizade Colorida’ (1981), ‘Besame Mucho’ (1987) ‘Louco Amor’ (1983),  ‘A Viagem’ (1994) e ‘Velho Chico’ (2016).

Alexandra Martins explicou, em entrevista à AGEMT, que o texto foi escolhido pelo próprio Gustavo Pinheiro, e escrito especificamente no elenco atual. Ela se apaixonou imediatamente pela obra assim que teve o primeiro contato com o roteiro, que discute a questão geracional nos relacionamentos. 

Antonio Fagundes afirmou, também para a AGEMT, que o texto é “perfeito para o momento atual, em um período em que tantas pessoas estão se afastando umas das outras em meio à polarização”.

Para ele, a peça traz uma mensagem importante de união. Ao comentar sobre suas contribuições ao personagem, mencionou que “todo ator sempre contribui para além do que está no texto de alguma forma”. 

Já Thiago Fragoso explicou que, embora o texto normalmente seja o primeiro fator a atrair um ator, foi o convite de Fagundes que o motivou para o trabalho. Segundo ele, que já havia trabalhado com o ator na televisão, a parceria no teatro seria um próximo passo. Rasgou elogios a Antônio, o reverenciando como “uma lenda do ofício”, como alguém que “continua a se superar”.

Por fim, mencionou que o encontro é uma honra e uma experiência muito especial, e, também fez questão de reafirmar a genialidade do texto. 

A peça utiliza do recurso da metalinguagem e leva o público para uma reflexão sobre as relações humanas e suas imperfeições, mostrando como elas são, na verdade, perfeitas em sua complexidade.Ao contrário das idealizações trazidas pelas comédias românticas norte-americanas, o espetáculo confronta o espectador com a realidade.

O espetáculo é recheado de momentos de gargalhadas intensas e emoções profundas, proporcionados por uma escrita atual e sagaz, que retrata os desafios da modernidade de maneira leve e divertida. O humor, aliado à reflexão, faz também com que o público não apenas se divirta com as situações cotidianas encenadas no palco, mas também se enxergue nelas, como um autorretrato. 

Os ingressos estão disponíveis na bilheteria do Teatro TUCA e também no site/app do Sympla. Os valores começam a partir de R$80. Entretanto, docentes e discentes da PUC-SP pagam R$20. 

Também é possível adquirir uma visita guiada pelos próprios atores aos bastidores, camarins e coxias por R$100 a mais. 

Ao fim de cada sessão, há um bate-papo onde os atores interagem com a plateia e respondem respectivas dúvidas e impressões sobre o espetáculo apresentado.

 

Conhecido por seu humor ácido, o tabloide desafiou a censura ao tratar de temas espinhosos como política em plena ditadura
por
Giovanna Montanhan
|
24/09/2024 - 12h

O jornal "O Pasquim" surgiu no final dos anos 1960 como uma publicação alternativa que deixou sua marca no jornalismo e na cultura brasileira, por jornalistas e cartunistas como Jaguar, Millôr Fernandes, Ziraldo, Henfil, Tarso de Castro e Paulo Francis, destacou-se por sua abordagem irreverente, humor mordaz e crítica contundente ao período mais repressivo que dominava o Brasil na época. O semanário chegava a vender mais de 200 mil exemplares, um número bastante expressivo, dadas as circunstâncias. A partir disso, o periódico rapidamente se tornou um símbolo de resistência e contestação.

Suas páginas não só abordavam questões políticas e sociais de forma sarcástica e provocativa, mas também ofereciam um espaço para manifestações culturais de vanguarda, dando voz a escritores, músicos e artistas plásticos. A irreverência e o tom crítico do jornal influenciaram toda uma geração de jornalistas e intelectuais, que viam nele uma trincheira de resistência à ditadura e à repressão moralista da época.

"O Pasquim" foi um veículo de comunicação essencial durante os anos de chumbo da ditadura militar (1964-1985), oferecendo uma plataforma para a liberdade de expressão em uma época de intensa censura e apagamento social. Seus textos afiados, charges ousadas e entrevistas com figuras intelectuais e de renome desafiaram o status quo e abriram espaço para o debate político e social. A capacidade do jornal de criticar o regime, muitas vezes através de um humor sarcástico, fez dele uma leitura obrigatória para aqueles que buscavam uma visão alternativa àquela imposta tradicionalmente.

Em entrevista, o coordenador do curso de História da PUC-SP e editor da Revista Projeto História (https://revistas.pucsp.br/index.php/revph), Prof. Dr. Luiz Antônio Dias, afirmou que, embora houvesse diversos jornais de resistência, cada um com sua trajetória e importância, O Pasquim destacou-se indiscutivelmente como o mais influente. E assim como os demais de mídia alternativa da época, sofreu duramente as consequências de sua postura combativa, chegando a enfrentar ameaças frequentes de fechamento, prisões de colaboradores e uma censura implacável. Ao refletir sobre os dias de hoje, surge o questionamento de se um periódico como O Pasquim teria espaço no cenário atual. Dias acredita que um veículo de comunicação como este citado acima, sustentado por uma equipe igualmente talentosa, seria de extrema relevância para oferecer uma crítica bem-humorada, mas ao mesmo tempo séria e consistente, em resposta aos discursos reacionários e ao avanço das pautas conservadoras que permeiam a sociedade contemporânea. No entanto, reconhece que as redes sociais seriam uma concorrência significativa para uma publicação desse tipo nos dias atuais, ressaltando que um conteúdo de qualidade semelhante ao que O Pasquim produzia seria um alento diante da superficialidade e fugacidade que marcam grande parte das interações nas plataformas digitais.

Edições Memoráveis:

Algumas edições de O Pasquim se tornaram icônicas e marcaram momentos importantes, gerando uma série de discussões calorosas na sociedade tradicional brasileira. Uma das capas mais famosas é a que apresenta a atriz Leila Diniz, de biquíni e grávida na praia. Essa imagem, publicada na década de 1970, chocou as pessoas conservadoras da época e rapidamente se tornou um símbolo do movimento feminista e da luta contra o moralismo. Sua imagem representava um embate direto aos padrões conservadores que estavam infiltrados na população do país naquele período. Assim que foi publicada, gerou um enorme impacto e consolidou a reputação do jornal como um veículo altamente provocador.

Outra edição de grande repercussão foi escrita integralmente pelo compositor e escritor Chico Buarque de Hollanda durante seu exílio na Itália. No ano de estreia do jornal, Chico utilizou o nome fictício "Julinho da Adelaide" para evitar a censura e as perseguições do regime militar. Segundo o veículo O Estado de S. Paulo, foi revelado no jornal Última Hora, que esse pseudônimo foi criado com a colaboração do escritor Mário Prata, que o ajudou a driblar a repressão. Esse episódio entrou para a história, sendo lembrado não apenas pela astúcia do cantor em contornar a censura, mas também pelo conteúdo que misturava crítica política, ironia e música.

"O Pasquim" também foi palco de diversas polêmicas, especialmente em um período em que a fronteira entre crítica social e entretenimento era muitas vezes tênue. Entre as muitas controvérsias, destacam-se aquelas que envolvem o tratamento dado às mulheres em suas páginas. Embora o jornal tenha sido um bastião de liberdade de expressão e resistência à coerção, ele também foi criticado por uma abordagem frequentemente machista em seus conteúdos. Muitos dos textos publicados reproduziam estereótipos de gênero e, por vezes, sexualizavam as mulheres de maneira explícita.

Polêmicas:

Destaque para dois dos casos mais memoráveis: ao noticiar a morte da escritora Louella O. Parsons, em 1972, as palavras utilizadas para descrevê-la foram: "gorda e ‘feíssima’". Outro caso foi quando o cartunista Ziraldo publicou um jogo de palavras cruzadas, em 1976, que incluía uma "mulher ‘gordona’, feia, desajeitada", segundo as palavras descritas no jornal.

As páginas também possuíam incontáveis referências jocosas aos homossexuais e transexuais, sem deixar de mencionar os comentários desagradáveis sobre negros e asiáticos. Em 1974, uma charge tirava sarro dos chineses ao se referir a eles da seguinte maneira "(...) reconhecemos 900 milhões de chineses. Como? Se são todos iguais."

O termômetro também esquentava quando "O Pasquim" e o colunista social Ibrahim Sued trocavam uma série de farpas. Como um representante da imprensa tradicional e de costumes conservadores. Sued era facilmente um alvo para o tom incisivo adotado pelo jornal. O periódico publicava piadas e comentários, com frequência, que ironizavam o estilo de vida da alta sociedade carioca e, consequentemente, afetavam a coluna de Ibrahim.

Em uma das edições, o jornal parodiou o estilo de Sued, incluindo suas frases de efeito e sua maneira peculiar de escrever sobre os bastidores da sociedade. A abordagem irreverente do O Pasquim contrastava com a seriedade e a pompa da coluna de Ibrahim, o que gerava, sem dificuldade, incontáveis provocações. Em resposta, o jornalista chegou a criticar abertamente os editores e cartunistas em seus textos, acusando-os de serem demasiadamente "desbocados" e "grosseiros".

Outro episódio emblemático foi quando O Pasquim ironizou a cobertura que Ibrahim Sued fazia das festas da elite e da alta sociedade, descrevendo-o como alguém que "bajulava os ricos e poderosos". A sátira era uma forma de criticar o jornalismo social da época, que frequentemente deixava de lado questões políticas e sociais em favor de um conteúdo frívolo.

O fim de uma era

No entanto, com o término da ditadura em 1985 e o processo de redemocratização, O Pasquim perdeu parte de sua função de resistência política. Além disso, mudanças no mercado editorial e a fragmentação de seu público-alvo contribuíram para o declínio de sua popularidade. Em 1991, com dificuldades financeiras e sem a mesma relevância política que antes o sustentava, o jornal encerrou suas atividades, marcando o fim de uma era para a imprensa alternativa no Brasil.

O Pasquim, em sua essência, simbolizou a coragem de enfrentar poderes autoritários com inteligência, humor e irreverência, servindo como uma espécie de luz no fim do túnel em tempos nebulosos.

Hoje, habitamos em um cenário global marcado por inúmeras tentativas de controlar narrativas e suprimir vozes dissidentes, e a lição deixada pelo jornal é mais relevante do que nunca.

Seu espírito crítico e combativo nos lembra da importância de uma imprensa imponente, que marcou o período da contracultura e não se intimidou diante das ameaças à liberdade. Em um momento em que as polarizações políticas e o avanço de discursos reacionários buscam minar o diálogo e a diversidade de opiniões, é crucial reforçar a necessidade de preservar veículos de comunicação que promovam o pensamento livre e o debate construtivo. O legado do jornal nos convida a refletir sobre a importância de garantir, sempre, que as ideias possam circular tranquilamente, para que o futuro não repita os erros do passado.

 

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 Reprodução/ Fundação Biblioteca Nacional

 

 

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Foto: Divulgação/ Sebo virtual - Conrado Leiloeiro

 

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Foto: Divulgação/ Sebo virtual - Conrado Leiloeiro

 

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Foto: Divulgação/ Sebo virtual - Conrado Leiloeiro

 

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Foto: Divulgação/ Sebo virtual - Conrado Leiloeiro

 

 

 

 

 

 

Como as novas ferramentas de engajamento impactam os pequenos empreendedores nesse período pós pandemia?
por
Nathalia Teixeira
Ana Caroline Andrade
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12/05/2022 - 12h

A pandemia do Covid-19 acelerou uma tendência que já vinha acontecendo: a popularização do aplicativo TikTok e dos vídeos curtos. Mas afinal, esse processo foi positivo ou negativo para os microempreendedores?

Com a quarentena, a mudança nos formatos de criação de conteúdo foi repentina. Sai na frente quem estuda e procura entender mais as mudanças dos algoritmos e o alcance dos vídeos vira uma disputa que, muitas vezes, pode se tornar maçante. Como estão os donos de pequenos negócios com esse cenário? Será que eles estão sobrecarregados? Conversamos com Viviane Oliveira sobre o assunto, dona das contas do Instagram @medonza.vinhos e @vivianemakeup.

Ouça aqui

A morte inesperada nos mostra a fragilidade humana.Marília Mendonça nos deixou nesta sexta-feira, 05/10, mas a sua arte não a deixará morrer.
por
Luan Leão
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06/11/2021 - 12h

A morte inesperada nos mostra a fragilidade humana. Não que seja desconhecida, pelo contrário, todos sabem o quanto o ser humano é frágil e efêmero. Talvez a única certeza da vida seja a morte, e apesar de saber disso, não temos preparo para vivenciar esse processo. 

Um artista não morre, porque sua obra não o deixa morrer. Artistas são eternos na memória cultural. Marília Mendonça nos deixou nesta sexta-feira (05), mas a sua arte não a deixará morrer. Marília foi um fenômeno da música brasileira, uma artista completa. Instrumentista, cantora, compositora, é quase impossível que alguém nunca a tenha escutado no Brasil. Às vezes escutou sem querer, pelo som alto do carro que passou na rua tocando: “apaixonadinha, você me deixou, apaixonadinha, você me deixou”. O Brasil se rendeu ao talento de Marília, estava encantado. Encantado não, apaixonadinho.

A goiana de 26 anos de idade era presença certa na trilha sonora das festas de muitas famílias. Rainha da sofrência, Marília nos fazia sofrer como ninguém. Aliás, sofrer pela voz de Marília não era sofrer. Até quem não tem motivo para sofrer, coloca a mão no peito e balança de um lado para o outro cantarolando: “Tá espalhando por aí que eu esfriei, que eu 'tô' mal, que eu 'tô' sem sal, realmente eu 'tô', sem saudade de você, eu já fiz foi te esquecer”. Obviamente, alguém que canta isso nas condições já ditas, não esqueceu, e sente muita saudade. Mas sofrer com Marília não é sofrer, virou quase um hobby. 

Um dos principais nomes do cenário sertanejo atual, Marília empoderou mulheres, fazia da dor de um coração partido poesia, e com isso um afago nos sofredores. 

Quando nos deparamos com uma situação assim, constatamos o que já é do conhecimento de todos: somos breves! Todos sentem, porque se foi uma mãe, uma filha, uma neta, um alguém que faz parte da memória afetiva do país. Esses fatores aproximam ainda mais todos da dor da perda, do sentimento de que precisamos cada vez mais valorizar o agora. A perda súbita deixa as lacunas do que não aconteceu, do que não vai acontecer, afinal, já foi.

Não existe manual de como lidar com o luto, cada um o vive à sua maneira. Idas repentinas nos deixam mais frágeis, porque passamos a refletir sobre como estamos vivendo. É doloroso quando vemos alguém deixar os seus sem ao menos se despedir, sem um último abraço, um último “eu te amo”. E dói porque estamos tão suscetíveis quanto. A incerteza amedronta, e tudo é incerto.

É incerto que viveremos o que planejamos. É incerto que teremos tempo de deixar para depois aquela conversa, aquele beijo, aquele abraço. É incerto. O escritor José Saramago escreveu que quando pudermos olhar, temos que ver. Quando pudermos ver, temos que reparar. Ao reparar, humanizamos o próximo, deixamos de ver de forma insensível o que acontece à nossa volta. 

Somos breves demais para deixar para depois. O “depois” é um tempo que não temos controle, e nem sabemos se chegará. Breves demais para não aproveitar o agora. 

Marília deixa filho, familiares, amigos e uma multidão de fãs e admiradores da sua música, do ser humano Marília Dias Mendonça. 

É Marília, vai doer demais escutar o seu “bye, bye”. 

 

A imagem dos cristãos está sendo manchada pelas atitudes do presidente Bolsonaro? Conheça a opinião de pastores de diferentes denominações evangélicas
por
Vitória Nunes de Jesus
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10/10/2021 - 12h

Habitualmente fazendo uso de trechos bíblicos em seus discursos e com seu lema “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, o presidente da república Jair Messias Bolsonaro viu sua popularidade crescer, especialmente entre os cristãos. Seu lema é parecido com o de Adolf Hitler na Alemanha Nazista, que era “Deutschaland über alles” (em português: “Alemanha acima de todos”).

Mas, são todos os cristãos que apoiam este governo? O Reverendo Marcelo Gomes, pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana de Vila Mariana, explica quem são os evangélicos que defendem o presidente: “Temos dois grupos de cristãos aqui. Aqueles que apoiaram somente no início e os que continuam apoiando até os dias atuais. Ambos os grupos foram motivados pelo resultado de governos anteriores, com agenda baseada por vezes em ideologias distantes do cristianismo, somado aos escândalos históricos de corrupção. Ao identificar os mesmos velhos problemas no governo atual, especialmente o rompimento com as promessas de manutenção do combate à corrupção somado às provas de incompetência administrativa, um grande grupo deixou de apoiar, no qual me incluo”.

Marcelo critica a atitude de Bolsonaro ao utilizar a Bíblia frequentemente em suas falas: “Nos dias atuais qualquer sujeito, mesmo sem muita competência, é capaz de pesquisar e pinçar citações, ainda que sem contexto, em qualquer área de conhecimento. É o caso do presidente. Fala do que não conhece, com objetivos populistas. Quem o elegeu espera este tipo de coisa. Então, ele apenas os alimenta”.

 

Pastor Marcelo Gomes
Pastor Marcelo Gomes
 

No início de 2019, primeiro ano do mandato de Bolsonaro, seus eleitores esperavam um governo sem corrupção, como prometido por ele em campanha eleitoral, quando ainda era filiado ao Partido Social Liberal (PSL). Durante o governo, diversos casos de corrupção vieram à tona, como o da vacina Covaxin, descoberto pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da pandemia e o das rachadinhas, que inclui a família do presidente. Bolsonaro é alvo de quatro inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) com investigações que apuram vazamento de dados de inquérito sigiloso da Polícia Federal (PF), suposta prevaricação sobre irregularidades na negociação da vacina Covaxin e eventual interferência na PF. Além das investigações no STF, o presidente também é investigado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por ataques, sem provas, ao sistema de votação eletrônico.

O site Jusbrasil revela 305 processos de Bolsonaro nos Diários Oficiais. O grande histórico do presidente se completa com 138 pedidos de impeachment feitos ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas). Além de receber desaprovação de 53% da população em pesquisa realizada pelo IPEC, é responsável pela gestão caótica que prejudica o Brasil nas relações exteriores.

A imagem de Deus e da igreja é prejudicada pelo presidente com seus discursos e atitudes. Apesar de tirar fotos com pastores, estar presente em eventos cristãos, citar a Bíblia e ter até se batizado no Rio Jordão, local de batismo de Jesus Cristo, é conhecido por ser negacionista e corresponsável pela morte de grande parte das mais de 600 mil vítimas do coronavírus durante a pandemia no Brasil. O reverendo Alexandre Brandão, pastor auxiliar na Igreja Batista Nova Jerusalém, mostra o mal que Bolsonaro faz a imagem dos evangélicos: “A imagem dos cristãos associada ao presidente fica manchada conforme ele é associado a milícias, preconceitos, armamentismo, discursos de ódio e intolerância”.

Pastor Alexandre Brandão
Pastor Alexandre Brandão

Apoiadores do presidente costumam utilizar a frase “estou fechado com Bolsonaro”. A partir dela, caberia uma pergunta a ser feita a essas pessoas: “você está fechado com Bolsonaro, mas o Bolsonaro está fechado com você?” No governo dele, 101 e-mails da Pfizer oferecendo vacinas contra COVID-19 para o Brasil, foram ignorados pelo Ministério da Saúde, o que gerou grande atraso no início da vacinação no país. Somada ao atraso na compra de vacinas, está a disseminação de fake news. Uma das maiores inverdades pregadas pelo presidente e seu governo é alegação infundada de eficácia dos medicamentos que compõem o “kit covid”, o qual apresenta riscos à saúde de quem contraiu o coronavírus.

Por meio da CPI da pandemia, o Brasil conheceu o escândalo da Prevent Sênior, um plano de saúde focado no público da terceira idade, que colocava um prazo limite para pacientes com COVID ficarem internados nas Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs). Além disso, adiantava o uso de cuidados paliativos e obrigava médicos do plano a receitar os componentes do “kit covid”.  Senadores da CPI suspeitam de ligação da Prevent Sênior com o “gabinete paralelo”, conjunto de médicos que aconselham o presidente Bolsonaro na gestão da pandemia.O plano de saúde nega as acusações.

Considerando que o presidente defende perante o povo o uso de medicamentos sem eficácia comprovada e que contribuiu para o atraso na compra das vacinas, as quais salvam vidas, é possível dizer que Jair Bolsonaro não pratica o “amor ao próximo”, como prega a Bíblia, tão utilizada em seus discursos. O livro bíblico de Tiago, no capítulo 17, versículo 4, diz: “aquele que sabe que deve fazer o bem e não o faz, nisso está pecando”. O pastor Marcelo faz relação deste trecho com a situação do Brasil: “O Brasil teve em suas mãos a oportunidade de ser um exemplo ao mundo. Isso iria nos impactar em todas as áreas: familiar, com menos mortes; econômica, com boas projeções futuras; e de imagem internacional. Seria um importante passo em direção ao enorme salto e crescimento que todos sabemos que podemos chegar. A aplicação do verso citado é possível e tem seu papel neste ponto específico, assim como os versos anteriores que apontam para a arrogância e presunção humana. Estas são marcas deste governo”.

A representatividade, na igreja evangélica, dos favoráveis ao presidente é grande, porém não atinge a totalidade do público frequentador. Alexandre, que além de pastor é historiador, traz um ponto de vista especial: “Assim como houve muitos cristãos segregacionistas nos Estados Unidos, também houve pastores como Martin Luther King e muitos outros cristãos que levantaram a verdadeira bandeira do evangelho que transforma a sociedade em um lugar solidário. É preciso enxergar a mensagem de Jesus acima do que os cristãos dizem. É no evangelho que deve estar nosso parâmetro para medir o tipo de cristianismo que nos é apresentado. Sempre haverá essas diferenças e extremos, mas é um erro terrível reduzir o cristianismo em uma única expressão. Houve igrejas que apoiaram o Nazismo, mas também houve pastores que se fizeram oposição como Karl Bart e outros que experimentaram o martírio, como Dietrich Bonhoeffer”. Marcelo fala sobre o sentimento de ser mal representado e alerta que Bolsonaro está longe de praticar o evangelho: “Ser mal representado por alguém com tanto destaque é o pior dos mundos para qualquer religião, ideologia ou filosofia. Para os que se deixaram envolver por estes discursos e os associam ao Evangelho, escrevo em letras garrafais: ISSO NÃO TEM NADA A VER COM EVANGELHO. Peço que prestem atenção e percebam que o presidente dá sinais claros de uma pessoa desequilibrada, daquela que é capaz de tudo para se manter no poder ou defender os de sua casa. Nesse afã, ele usa o cristianismo como ferramenta para seus escusos interesses pessoais. Gostaria que isso fosse evidente mesmo para quem não conhece o Evangelho. Mas sei que a realidade é diferente para quem nunca se debruçou sobre o que é o cristianismo de fato. Um dia o presidente será julgado por agir assim. E não me refiro à justiça humana. Convido todos a abrirem a oportunidade para conhecer de fato o Evangelho. Não estou falando em se converter, mas estudar com quem de fato conhece e vive o Evangelho. Se não para uma transformação pessoal, o que normalmente acontece, pelo menos para averiguar o quanto este sujeito que ocupa o cargo de presidente do Brasil é desqualificado em tudo que fala e faz. A verdade que te libertará não está no Palácio do Planalto, está em Cristo, conforme registrado e explicado nas Escrituras”.

Diante de todos esses apontamentos, o Cristianismo não é nada disso que Jair Bolsonaro fala e faz. O propósito de um cristão é amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, o que claramente não se pode relacionar com a postura do presidente da República. Além de estar manchando a imagem da religião, Jair Bolsonaro é um ótimo exemplo de “lobo em pele de cordeiro” e de um “falso profeta”.