Como um tour de lugares assombrados por Nova York me levou ao lugar que incentivou a criação do oito de março como dia Internacional da mulher
por
Camila Stockler das Neves Moreira
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08/03/2024 - 12h

Era uma sexta feira escura e fria. Com os ventos uivantes do começo de fevereiro, todas as árvores de Nova York se estremeciam com suas sombras, se contorcendo e tomando as ruas pouco iluminadas de Greenwich Village, um dos bairros mais fantasmagóricos da cidade. Neste cenário era conduzido um tour de lugares assombrados do bairro. Histórias aterrorizantes de assassinatos, possessões e poltergeists invadiram o imaginário do grupo que se encaminha para o fim do passeio. E neste fim, estava uma antiga fábrica de roupas - hoje, prédio universitário - palco de um dos incêndios mais trágicos dos Estados Unidos: “The Triangle Shirtwaist Fire” em 1911.

“E dizem que ainda é possível sentir o cheiro de queimado e ver reflexos nas janelas das pessoas queimadas em agonia” nos diz o guia. E nesta situação eu não tenho outra escolha a não ser pensar ensandecidamente nesta situação porque…. Calma, mas é claro que eu conheço essa história! Esse incêndio não foi um dos motivos do dia da mulher ser lembrado no dia oito de março? Mas como um edifício com uma história tão terrível se tornou um prédio universitário e parada de tour de fantasmas? 

Não é de hoje que a especulação imobiliária de Nova York é agressiva, de tal maneira que alguns anos depois do incêndio, o prédio inteiro foi comprado por um especulador e anos depois doado para a NYU (New York University), ficando conhecido como Brown Building. Mesmo antes do incêndio os andares inferiores do lugar já serviam como depósito para a universidade, e após o fogo, os andares que a antiga fábrica ocupava se tornaram uma biblioteca e salas de aula. 

Desde então, já havia relatos de assombrações no prédio. Ainda assim, parando para pensar, faz sentido haver essas histórias: em 20 minutos de incêndio mais de 130 trabalhadores morreram no dia, em sua maioria jovens mulheres. Assim, marcando o pior incêndio industrial da história de Nova York. Sem saídas de emergência e com portas trancadas para evitar "preguiça", os trabalhadores que estavam no prédio tiveram que se jogar do nono andar ou morreram queimados.

E é nítido que além de histórias fantasmagóricas, esse incêndio catalisou a luta das mulheres na cidade em busca tanto por direitos trabalhistas quanto pelo direito ao voto. Além disso, provocou marchas e levou à criação de novas leis sobre segurança do trabalho, mas o mais importante foi uma das razões para o dia oito de março marcar o dia internacional da mulher.

No primeiro capítulo da série “O que é o tal do futebol”, conto os motivos que me fizeram gostar e, posteriormente, amar esse esporte incrível.
por
Guilherme Silvério Tirelli
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26/05/2023 - 12h

Por Guilherme Tirelli

Em algum lugar do planeta, existe alguém que viveu em Nápoles, em 86, ou na Baixada Santista na década de 60. Alguns testemunharam e vibraram com o esquadrão em 1970. Viram até mesmo o surgimento de uma laranja mecânica. Mais recentemente, outros muitos presenciaram uma nova forma de se pensar e jogar o futebol. Definitivamente, o Barcelona treinado por Guardiola no início da década de 2010, despertou a atenção de todos. Porém, ele nunca foi inédito – foi inspirado no Cruyffismo, oriundo da geração de ouro holandesa. Todo esse mar de coincidências apenas traduz o quanto esse esporte é maravilhoso.

Na verdade, o futebol é um fenômeno tão único, capaz de encantar o mais cético dos boleiros. Ele marca época e tem o poder de simbolizar ícones eternos. O soco no ar do Rei Pelé, o calcanhar de Sócrates, as estupendas cobranças de falta do Galinho. Como pode alguém jogar tão bem, mesmo com pernas tortas? Será que as “canhotadas” de Gerson não inspiraram inúmeros meninos mundo afora?

O fato é que o futebol consegue construir laços e inspirar a todos. Não é à toa que o maior sonho de um garoto da periferia pode ser o mesmo do jovem de Alphaville: tornar-se um jogador profissional. Seja dentro de um condomínio de luxo, nas “quadras de asfalto” ou nos terrões, o que prevalece é o drible, a vontade, o suor. Não importa se seus pés estão descalços ou dentro de uma Mercurial. No fim da história, cada pique, passe ou chute vem do coração.

Vimos ídolos nascerem e morrerem, carregando com eles uma mostra daquilo que o esporte teve de melhor, dentro e fora das 4 linhas. Acho que foram eles os responsáveis por aflorar a minha paixão pela bola. Talvez a magia do Bruxo, Ronaldinho, tenha feito toda a diferença. Possivelmente, as incontáveis e emocionantes voltas por cima do Fenômeno. A genialidade de um tal de Lionel Messi, o esforço monumental de Cristiano. Ou até mesmo a ginga brasileira, a garra argentina, o Tiki-Taka espanhol. O futebol realmente é um caso a parte e um dos capítulos mais belos da minha vida. Por 90 minutos, ou até mais, todos nós somos livres para pensar, imaginar e criar as jogadas mais lindas da história, em uma espécie de transe que transcende o tempo e o espaço.

Ídolos do futebol
Os ídolos do futebol - Fonte: Getty Images

É por tudo isso que, até o momento em que eu parar de respirar, irei amá-lo incondicionalmente. Esse é o tal do futebol. Aquele que emociona, e marca a trajetória daqueles fissurados por uma bola.

Em todos esses casos, seja a Copa ou uma eleição, vale o recado sóbrio e confortador do meu tio: “Calma, filho. Daqui a 4 anos tem de novo”.
por
Luan Leão
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02/12/2022 - 12h

Onde você estava em 2 de julho de 2010 ? Eu lembro perfeitamente onde estava e o que estava fazendo. Era meio da tarde quando peguei o telefone, em um ato de desespero, e liguei chorando para o meu tio. Ele estava no trabalho, e em meio aos meus soluços me acalmou e me tranquilizou dizendo: “Calma, filho. Daqui 4 anos tem de novo”.

Se você não lembra, em 02 de julho de 2010, o Brasil foi derrotado pela Holanda por 2 a 1 de virada, com um jogo cercado de emoções. O Brasil abriu o placar logo aos 10 minutos com Robinho. A partida estava longe de ser fácil, o time holandês era forte. Mas a camisa brasileira pesa independente de quem seja o adversário. Afinal, todo mundo tenta, mas só o Brasil é penta. 

Dunga, técnico da seleção na época, não vivia bom relacionamento com a imprensa durante o mundial. Mas uma vitória contra os holandeses certamente aliviaria a pressão sobre o técnico. O Brasil ainda tinha tido chances de ampliar o placar na primeira etapa. Não o fez. Indo para o intervalo vencendo, o Brasil estava a 45 minutos de voltar a uma semifinal depois de uma Copa em 2006 abaixo do esperado. 

Mas logo no começo do segundo tempo, antes dos 10 minutos de partida, Wesley Sneijder começou sua atuação de gala. Primeiro ele cruza para área, a tão temida “Jabulani” varia no ar, Júlio César e Felipe Melo não se entendem e a bola passa. Foi o empate holandês. 

Depois, após cobrança de escanteio, a bola é desviada na primeira trave, e o baixinho Sneijder aparece para completar de cabeça para o gol. Era a virada. Mais tarde, Felipe Melo ainda seria expulso. Era o fim. 

O apito final em decisões na Copa do Mundo não acaba apenas com o jogo. Acaba o sonho do campeonato, no nosso caso o hexa. Acaba a alegria de uma nação que gosta de viver a Copa do Mundo. De vestir a camisa verde e amarela, cantar o hino nacional e vibrar a cada lance. Gritar com a televisão. Abraçar um desconhecido depois do gol. Beijar de alegria com a classificação. 

Acaba e dá lugar ao silêncio. A raiva. A apatia. A frustração. As lágrimas. 

Seleção Uruguai
Adolescente uruguaio chora após eliminação para Gana. Foto: Siphiwe Sibeko / Reuters 

No Catar, foram as lágrimas de Luis Suárez. A fúria de Edinson Cavani com a cabine do VAR. A apatia dos jogadores alemães com a desclassificação mesmo após a vitória. Uma Copa do Mundo permite esses dissabores. Ganhar não é ganhar. Afinal, conta mesmo é quem ganha a taça. Ou talvez não. 

Pode ganhar um povo, como os palestinos, que vibraram com uma campanha espetacular de Marrocos. Os tunisianos, que foram eliminados, mas saíram vencendo os colonizadores franceses. Traz esperança para a Costa Rica, de algo novo que pode vir a ser. Mas também tem tristeza. Tristeza dos equatorianos, no último jogo antes de sentir o gosto do mata-mata. 

Seleções Marrocos
Jogador marroquino comemora classificação com a bandeira da palestina. Foto: Reuters

Uma Copa do Mundo é como uma eleição. Pode despertar sentimentos diversos dentro de cada um de nós. Somos diferentes. Pensamos diferentes. Sentimos diferentes. Perder, não ganhar ou se desclassificar, pode doer. Machucar. Frustrar. Decepcionar. Fazer chorar. Despertar um ataque de fúria. Mas passa. 

Em todos esses casos, seja a Copa ou uma eleição, vale o recado sóbrio e confortador do meu tio: “Calma, filho. Daqui a 4 anos tem de novo”. Serve para quem fica pelas rodovias ou pelo caminho da fase grupos. Ganhar ou perder faz parte do jogo. Mas, mais importante que ganhar ou perder, é saber sentir o agridoce do competir. 2026 é logo ali, e aí começa tudo de novo.

 

Diversidade de pessoas que passam pelas cabines revela um aspecto bonito do pleito, mesmo diante da polarização
por
Esther Ursulino
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01/12/2022 - 12h

Por Esther Ursulino

Não sei onde estava com a cabeça quando decidi me inscrever para ser mesária de uma das eleições mais polarizadas da história do Brasil. Afinal, quem em sã consciência escolhe acordar cedo em um domingo para cumprir funções burocráticas?! Conheço alguns amigos que foram mesários pelo direito aos dias de folga no trabalho. Já eu, que tenho a mania de achar tudo interessante, quis apenas participar ativamente desse momento histórico. 

Dois meses antes do pleito recebi um email de convocação que dizia: “Para desempenhar a função para a qual foi convocado(a), você deverá comparecer no local de votação acima indicado às 7 horas do dia 2/10/2022 e, se houver 2° turno, também no dia 30/10/2022. Sua participação, juntamente com a de milhares de eleitores(as) que foram convocados para esse fim, será de extrema importância para a lisura e transparência do processo eleitoral e da democracia brasileira.”

Contei a novidade para alguns amigos. Um deles brincou: 

Vish… se prepare porque a partir de agora você vai ser convocada eternamente! 

Dei risada. Mesmo com esse “risco” eu estava feliz. Quer dizer, feliz e um pouco apreensiva. Em meio a tantos ataques às urnas eletrônicas, ao sistema eleitoral e à própria democracia, senti medo que essa fosse a única e última eleição em que eu trabalharia. Também tive receio de sofrer algum tipo de agressão física ou verbal enquanto estivesse realizando minhas funções no colégio, devido a propagação de ódio através das fake news. Entretanto, a experiência que tive foi outra. Apesar do contexto de polarização e de alguns rostos apáticos, consegui ver beleza nesse ritual de passagem chamado eleição. 

No domingo do primeiro turno acordei às seis, tomei café da manhã, me troquei e segui para a escola. Conforme fui me aproximando do local, notei que pessoas já formavam uma fila antes mesmo dos portões se abrirem para o início da votação. Queriam ser as primeiras. Entrei no colégio, procurei minha sessão e, juntamente com os outros mesários da sala, testamos e ajustamos os equipamentos. Às oito em ponto o sinal tocou, e os mais variados tipos de pessoas foram surgindo. 

Ao folhear o caderno de nomes notei que havia muitas “Marias”. Maria de Lourdes, Maria de Fátima, Maria das Graças, Maria das Dores… quanta Maria! Mesmo com nomes semelhantes, cada uma tinha sua particularidade. Me lembro que uma das primeiras a chegar foi uma senhora com roupas brilhantes e vários anéis nos dedos, que me disse: 

Já nem preciso vir, mas quero votar até meus cem anos! 

Notei que uma mulher trans, super sorridente, também estava empolgada para votar. Ela me disse que tinha sido incentivada por amigos, e por isso entraria na cabine pela primeira vez para escolher seus representantes. Assim que o terminal do mesário a habilitou para ir até a urna, a jovem apertou as teclas do equipamento com a maior satisfação do mundo. Depois de terminar a votação disse:

Só isso? Caramba, que legal!

E saiu da sala agradecendo. 

No decorrer do dia, pessoas com deficiências visuais, cognitivas e de locomoção,  também compareceram às urnas. Um eleitor autista, mesmo com algumas dificuldades, fez questão de assinar seu nome completo no caderno. A mãe, que o acompanhava, observava a cena com orgulho:

Ele treinou bastante só para isso.

De tardezinha, uma senhora simples entrou na sala um pouco sem graça. Disse que não conseguiria deixar seu nome no caderno pois não sabia escrever. Um colega de mesa disse: 

Não tem problema nenhum, dona Maria. A senhora pode assinar a folha com sua digital. De qualquer forma vão pedir sua biometria lá na frente. O importante é votar! 

Ela sorriu e posicionou seu polegar contra a almofada de carimbo, pressionando, em seguida, o dedo no papel. 

Em um certo momento, tive flashbacks da minha infância. Diversas mães e pais chegavam com baixinhos animados para apertar as teclas da urna e ouvir o famoso som do “trililili”, que tanto os fascina. No segundo turno das eleições, uma das crianças, ingenuamente, me perguntou:

Tia, quanto custa pra votar? 

Todos na sala riram. O pai da menina disse: 

Não custa nada não, filha. Quando você tiver dezesseis anos vai poder votar, tá bom?

A questão que aquela garotinha tinha colocado me deixou pensativa. Quanto será que custa um voto? As eleições se tornaram um evento tão comum que sequer nos perguntamos como adquirimos o direito de escolher nossos representantes. A sensação que muitos têm é de que isso foi dado “de graça”. Entretanto, não se pode comprar com 600 reais algo que tem um valor imensurável. Não há como calcular o preço de vidas perdidas, sangue, suor e lágrimas derramados em prol da participação política. 

Sei que a democracia brasileira está longe de ser, de fato, uma democracia. Não são todos que têm voz e vez neste sistema. Sei também que não basta apertar teclas a cada dois anos, esperando que a mudança aconteça. Precisamos nos mobilizar sempre para avançar e, sobretudo, manter conquistas. Mas para isso, é fundamental que estejamos em um Estado Democrático de Direito – ambiente em que podemos contestar injustiças e lutar por participação e pluralidade. Pensando bem, acho que eu decidi ser mesária nas eleições de 2022 para contemplar essa diversidade e, de alguma forma, contribuir para que ela continue existindo.

Normalmente a rede não é amiga de Pombo, mas deste é. E como é amiga, são tão íntimos, que juntos podem formar uma obra de arte após um lindo voo de Richarlison.
por
Bruno Scaciotti
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25/11/2022 - 12h

O Pombo é uma ave, encontrada em todo o mundo, geralmente em áreas urbanas. 

Tratamos de um Pombo diversificado, afinal, além de um ser humano, tem seu gene o futebol e o DNA do Brasil, ou seja, a combinação perfeita para o sucesso. Calma, sucesso ? Um pombo ? Sim! Como disse anteriormente, ele é diferente.

Pouco a pouco, jogo a jogo, ganhando espaço nos times em que atuava desde menino, ia chamando atenção de forma positiva. Logo, Nova Venécia se tornava pequena demais para o nosso pombo e voou para novas áreas urbanas, como a capital de Minas Gerais, e floriu no América-MG. Destaque de BH e destaque no Rio. Flu. Dom. Gol. E haja gol, muitos feitos por lá, exatamente 19, que fizeram ele despertar interesse da Europa. 

Cada voo, o ninho é estudado para se chegar ao topo, mas mesmo em um local menor da Inglaterra surge o amor da nossa Ave: A Canarinho, um amor de anos, como algo platônico, sempre buscando alcançar e estar com ela um dia, veio aos 23 anos, ainda jovem. Ele se identificou com ela logo de cara.

Os voos aumentam, Watford para Everton, Everton para Tottenham… Mas com a Canarinho, o nosso Pombo é diferente. Uma relação que combina, ao pensarmos Richarlison, respondemos sempre o do Brasil, não o que joga na Inglaterra. Vitória com gol contra o Peru em 2019, derrota em 2020 para a Argentina. Mas o ouro olímpico de 2020, conquistado em 2021, talvez tenha sido o grande espetáculo.

Recordam da estreia. Brasil e Alemanha. Reedição da última final olímpica, vitória da nossa canarinho, 4 a 2, com direito a três gols dele, o Pombo. 

Mas o voo gigante veio em 2022, no Catar, em uma Copa do Mundo. A Sérvia era a adversária. O início não foi o dos melhores, é verdade. O nervosismo era grande. No segundo tempo a dúvida pairava no ar: Será que o pombo estaria sentindo a pressão? Não seria melhor sair ? (Eis a questão).

17 do segundo tempo, Neymar leva a esquerda e Vini Junior, ligado, finaliza ao gol. Milinkovic-Savic espalma e, com calma, o Pombo finaliza com a força da alma, manda para o fundo da rede. Ufa, sai peso, sai para o abraço. 

Normalmente a rede não é amiga de Pombo, mas deste é. E como é amiga, são tão íntimos, que juntos podem formar uma obra de arte após um lindo voo de Richarlison. Após a bola estufar a rede, 200 milhões pulam, gritam e ali voa de tudo em um instante de extrema alegria. Voleia Rich, e voa Copa, voa cerveja, voam os pássaros com os gritos e até mesmo voam as almofadas na residência dos editores da AGEMT.

Crônica Brasil
Richarlison em finalização do segundo gol contra a Sérvia. Foto: Justin Setterfield / FIFA

A Alegria predomina em todos os sentidos com a Canarinho. Pombo é Brasil, é alegria, é identificação, é comprometimento e Amor com a Nação. Sem precisar exaltar as cores do país e fazer discursos patrióticos, é sobre ser quem é de maneira verdadeira. E nós te amamos! Obrigado por nos trazer o primeiro passo dos sete que buscamos finalizar da maneira mais alegre, com a taça do mundo, para um país carente de ídolos e que quer sorrir novamente.

A caminhada só está começando e vamos juntos voar como uma Canarinho ou um Pombo no Catar.

Voa, canarinho, voa

Mostra pra esse povo que és um rei

Voa, canarinho, voa

Mostra no Catar o que eu já sei

 

O Brasil se prova, mais uma vez, um país paradoxal.
por
João Curi
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13/11/2022 - 12h
Prato fundo com apenas uma colher dentro, sustentado por duas mãos ilustrando a fome.
(Foto: Reprodução/Agência Brasil)

 

Quanta cultura cabe num prato? Essa pergunta me prendeu em pensamentos nacionalistas, daqueles seguros de se alimentar. Busquei no PF do bairro alguma identidade brasileira, mas só encontrei São Paulo naquele pernil. Rendi-me ao impulso de procurar mais longe, pousando no açaí com farofa que amortece o pirarucu. Foi convincente, mas enxerguei mais o Amazonas e o Pará do que quaisquer outras terras. Segui reto toda vida e cheguei na carne de sol. Se eu não fosse um juiz tão sério, poderia jurar que o sal me cantava na boca um forró qualquer. Fiz-me rigoroso e contornei o litoral, encontrando bolo de rolo, acarajé, vatapá, torta de caranguejo e o bom bacalhau da colônia. Não me deixei convencer por nenhum porque senti que seria injusto com as terras que o mar não quis encostar. A culpa me fez menos teimoso e decidi dar uma chance ao Centro. Quando pisei na terra cerrada, receberam-me com galinhada e arroz aninhados no sabor dos pequis. Não satisfeitos, ofereceram mojica de pintado numa cumbuca, que de tão farta já não me sobrava espaço para terceiras avaliações. Disseram que este era parecido com o Norte, por isso a insistência para que ganhasse. Dispensei a sugestão e deixe-me voltar às origens. Na Cidade Maravilhosa, cantei cardápio com o meu nobre-campeão-garçom e ele me trouxe canja da boa, mas não vencia a panela de Dona Marly. Como bom brasileiro, porém, não me deixei desistir. Cedi ao chimarrão para agradar nossos irmãos quase “hermanos” e dali provei sagu, pinhão, ambrosia. Então lembrei que Brasil não era um nem dois, mas tudo junto e misturado num prato só, que também pode ser dois, três - e ai daquele que não deixar espaço pro pudim. Bem verdade que aqui sentido nunca fez Direito e a mistura é a mãe, filha e irmã de nossa antropologia. A Terra Dourada também é a terra do brigadeiro, do cajá, pão de queijo, pamonha, arroz carreteiro e do caldo de piranha. Por isso incomoda tanto saber que Brasil é fartura reduzida a prato vazio. O país que se gaba de alimentar mais de 800 milhões de pessoas ao redor do mundo não deveria permitir que seu povo sequer conhecesse o que é fome. E, na falta de um para justificar, são 33 milhões de brasileiros. Quem diria que de uma cultura tão rica e heroica, também nasce a pobreza retumbante. Nossa desigualdade está ilustrada nos pratos plácidos, rendida ao desperdício de tanta mistura. Com isso, confesso que comecei esta busca já sabendo a resposta. De Roraima ao Rio Grande do Sul, da Paraíba ao Acre, não há variedade neste país que vença o arroz e feijão. Essa combinação é insubstituível porque representa nossa cultura como um todo: sobreviver à fome, à miséria e estender a permanência dos negligenciados. É a união e o sustento do que nos faz brasileiros, em todas as suas instâncias e sotaques, e a certeza de que nosso grito não veio do Ipiranga. Ele bate na terra.

Bolsonaro faz discurso relâmpago!
por
Artur dos Santos
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01/11/2022 - 12h

Poucas coisas são tão rápidas quanto foi o primeiro pronunciamento do presidente após ter perdido as eleições no segundo turno pro Lula. Todo mundo sintonizou no canal e esperou, por mais de uma hora e meia, a chegada do derrotado. Eu, por exemplo, fiquei analisando a quantidade de microfones que tinham naquela mesinha de acrílico e percebi que o logo do Metrópoles parece dois prédios. Também analisei quantos fotógrafos estavam com aquelas escadinhas portáteis para terem o melhor ângulo, além de quantas vezes o apresentador da TV repetia as informações sobre qualquer assunto - uma hora e meia é muito tempo pra nada, assim como 2 minutos e 5 segundos é nenhum tempo para muito. 

Esperamos, esperamos, esperamos até que, no tempo de ir no banheiro, o presidente não só chegou, como se pronunciou e foi embora sem dar vestígios - um ninja do sumiço, um samurai do silêncio, um cavalheiro da derrota envergonhada. 

Para a leitora ter noção da rapidez, listarei algumas coisas que demoram mais do que o discurso do Bolsonaro: 

  1. Passar um café

  2. Se espreguiçar

  3. Pipoca de panela

  4. Macarrão instantâneo de copinho

  5. Esta crônica

Não vamos pagar nada, só vender tudo.
por
Artur dos Santos
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02/10/2022 - 12h

Me decepciona a conduta de Paulo Guedes, o antigo empreendedor indomável que hoje se contenta com propostas quase omissas de tão pouco inovadoras. Quero o Guedes Foguete Privatizador de volta! 

Achei, de fato, que as últimas condutas pouco libertárias de Guedes eram deslizes, mas depois dessa semana vejo que o espírito empreendedor dele sumiu. Vender praias inteiras, ministro? É esse o máximo de seu empreendedorismo neo liberal revolucionário? Normalmente não me envolvo com economia, mas agora vou fazer minha proposta que talvez desperte o Foguete. 

Vender praias inteiras não é prático, ministro! Sugiro a venda de Kits Praia portáteis. Por que vender algo por inteiro se podemos fracioná-lo e lucrar mais?

Kits Praia serão revolucionários. Venderemos até o último grão de areia de todas as praias do Brasil; uma venda quase infinita! Virão em diferentes tamanhos do pequeno ao grande: Kit Praia estúdio 10m² na Faria Lima, Kit Praia casa com quintal em Alphaville e Kit Praia Itu. Os preços? Ah, esses variam de acordo com a qualidade da areia, da água e até os eventuais mini quiosques que tiverem dentro dos Kits. Será revolucionário!

Os brasileiros que moram nos EUA receberão seus Kits dados pessoalmente pelo Foguete em pessoa! Os brasileiros que moram em outros países receberão via Sedex, o Ministro se sente mais confortável indo aos EUA.

Enfim, vendam até o último grão de areia da última praia, isso sim vai democratizá-las ao povo. Isso porque não vamos pagar nada, só vender tudo!

 

A cadeia da fiscalização ataca novamente. Quem fiscaliza quer ser fiscalizado?
por
Artur dos Santos
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26/09/2022 - 12h

Todo o ano voltamos à velha pergunta: “quem regula o poder de quem regula o poder?”, ou “quem regula aquele que regula?”, a pergunta mais famosa entre a direita anti-establishment, que, no final das contas, é quem regula o poder e quem regula o poder de quem regula o poder - agentes duplos!

Fiquei sabendo que essa discussão é uma das quais nem as Forças Armadas escapam. Essas, que querem fiscalizar a contagem dos votos, não querem ser, por sua vez, fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União… ah, a ironia.

Segue o diálogo:

- Queremos fiscalizar as urnas, truco!

- Queremos fiscalizar a fiscalização de vocês… seis!

- Pô, aí não né marreco…

Prevejo a entrada de uma terceira força fiscal - para fiscalizar a fiscalização da fiscalização - mas, a partir daí, não garanto que o carrossel termine. Eu, por exemplo, já mandei a redação contratar um revisor que revise as revisões que meu atual revisor faz nos meus textos… não confio nele. Agora, se ele contratar um revisor que revise seu revisor que eu contratei para revisar as suas revisões, teremos um problema.

 

Acompanhe a íntegra de frases ditas em reuniões oficias do presidente
por
Artur dos Santos
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22/09/2022 - 12h

Em reunião do Alto Comando:

 

- Presidente, a coisa tá feia: estamos sendo invadidos e precisamos de exatos 210 mísseis, aqueles que tanto custou negociar com os EUA

- Servem 189? 21 deles disparamos semana passada em homenagem à minha campanh… ao Bicentenário

- Mas presidente! Agora não temos nem mais um míssel para cada ano de independência, presidente!

- Cadete, quem te autorizou a ser anti independência?

 

Na reunião dos ministérios:

 

- Então vamos marcar esse churrasco!

- Já molhei o pão e acendi a churrasqueira!

- Gente, alguém sabe onde está o coração de Dom Pedro?

 

No velório:

 

- Aê Carlinhos! Como tá a família?

 

Na cúpula:

 

- Lira, já pensou em abandonar as fazendas e entrar em novos negócios imobiliários?

 

Na cópula:

 

- Imbroxável!