Um mergulho nas dinâmicas da exposição, da performance e da cultura do entretenimento contemporâneo
por
GUILHERME PERIOTTO KATINSKAS
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11/06/2025 - 12h

O BBB vai ao ar e todo mundo vira comentarista, psicólogo e analista social da madrugada. Mas por que a gente se importa tanto com um monte de gente trancada numa casa? Neste podcast, conversamos sobre o reality como espelho da sociedade: a exposição constante, a busca por validação, a transformação da intimidade em conteúdo e o quanto tudo isso diz mais sobre quem assiste do que sobre quem participa. Pra nos ajudar nessa jornada entre tretas e teoria, convidamos ninguém menos que Vitor Faglioni Rossi, o eterno Príncipe Vidane, para um papo leve, divertido e cheio de reflexão sobre esse fenômeno pop que é o Big Brother Brasil. Escute aqui: https://soundcloud.com/guilherme-katinskas/bbbentrevista-mp3?si=ea2e249149584a3fadc46a21f45f2750&utm_source=clipboard&utm_medium=text&utm_campaign=social_sharing

Filme quebra paradigmas sobre originalidade e ancestralidade no cinema
por
Isabelle Rodrigues
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07/05/2025 - 12h

“Pecadores”, a nova aposta do diretor, roteirista e co-produtor Ryan Coogler - a mente por trás dos sucessos “Creed” e “Pantera Negra” - estreou em abril de 2025. O longa acompanha uma história de liberdade e conflitos raciais com muito Blues e dança, sem perder o terror e o suspense de sua atmosfera surrealista.

Os gêmeos Stack e Smoke utilizam cores distintas durante o longa, como forma de demonstrar suas posições ao longo da narrativa. Foto / Reprodução IMDB
Os gêmeos Stack e Smoke utilizam cores distintas durante o longa, como forma de demonstrar suas posições ao longo da narrativa. Foto / Reprodução IMDB

O filme, situado em 1932, acompanha em seu elenco principal os gêmeos Fumaça e Fuligem, ambos interpretados por Michael B. Jordan. Tudo se centraliza no clube de Blues criado pelos gêmeos, o terreno que foi comprado de um senhor envolvido na Ku Klux Klan, com dinheiro roubado em Chicago com a ajuda do gangster norte americano, Al Capone, além do vinho e a cerveja importados que serviram como atrativo para a comunidade cansada da região. Mas claro, nada disso não importa para os gêmeos, até o fim da noite todos os envolvidos no clube serão pecadores. Como dito pelo pastor e pai do personagem Sammie, “Se você continuar a dançar com o diabo, um dia ele vai te seguir até em casa".

Durante o desenrolar do longa, surgem outros personagens relacionados ao passado da dupla e o conflito central, como Sammie (Miles Caton), primo e filho do pastor local, Mary (Hailee Steinfeld), irmã de criação e Annie (Wunmi Mosaku), curandeira local. Todos têm seu lugar naquela sociedade, que situa de forma aguçada seu papel historicamente bem pensado. 

Destaque especial para Sammie, que demonstra a dualidade entre a religião e o conformismo, na qual, para ele, a música representa liberdade e salvação, o que fica ainda mais evidente após a chegada do personagem Remmick (Jack O'Connell). O roteiro utiliza diversos contextos históricos, que o torna um prato culturalmente cheio.

Por exemplo, o passado de Remmick demonstra ter relação com a opressão irlandesa, durante colonização dos ingleses no século XII, além das implicações a um proselitismo forçado, por conta das citações do personagem sobre ter sido obrigado a aprender hinos e cânticos religiosos no passado pelo homem que roubou as terras de sua família.

A ideia do vampiro, em uma narrativa banhada de elementos religiosos é uma escolha pensada e calculada aos mínimos detalhes, seja no batismo feito em Sammie ou na visão tida por Fumaça no ato final. O movimento do afro-surrealismo tem muita influência nessa decisão, em que os elementos do sobrenatural servem como analogia direta ao período de apagamento histórico e cultural que aconteceu com a população negra, o que torna ainda mais simbólica a representação do Blues na trama.

Outro elemento que vale a pena destacar é a posição da trilha sonora na narrativa.  O mérito vem da parceria entre Ludwig Göransson e Coogler que entraram em sintonia em todos os seus projetos. Mesmo não sendo um musical, a trilha sonora e seus números musicais fazem parte do âmago da história, principalmente nas músicas tocadas durante a sequência do clube, como “Lie to You” e “Rocky Road to Dublin”, performadas pelos atores.

Pecadores se torna uma das maiores apostas para o oscar de 2025, segundo a critica especializada Foto / Reprodução IMDB
Pecadores se torna uma das maiores apostas para o Oscar de 2025, segundo a critica especializada Foto / Reprodução IMDB

A recepção da crítica e público foi representativa, fazendo história além da tela, estando com 84% de aclamação no Metacritic. Além de ter conquistado uma das maiores bilheterias do ano, totalizando 230 milhões arrecadados por todo o mundo. 

O diretor Ryan Coogler conseguiu deixar um legado na indústria cinematográfica, com o contrato histórico feito para a produção do filme, no qual em vinte e cinco anos, todos os direitos relacionados a sua obra serão retornados para o diretor. 

Veja abaixo o trailer da produção: 

Título original: Sinners
Direção: Ryan Coogler
Roteiro: Ryan Coogler
Trilha sonora original: Ludwig Göransson
Produção: Ryan Coogler, Zinzi Coogler, Kevin Feige

Elenco principal: Michael B. Jordan, Miles Caton, Hailee Steinfeld, Wunmi Mosaku e Jack O’Connell.

A crescente polarização entre democratas e republicanos não apenas fragmenta os Estados Unidos, mas também ameaça os pilares da democracia
por
Ana Beatriz Villela
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12/11/2024 - 12h

As eleições presidenciais dos Estados Unidos revelaram, mais uma vez, uma das maiores fragilidades das democracias contemporâneas: a polarização doentia. Democratas e republicanos não apenas discordam em pautas políticas, como representam visões de mundo opostas e, muitas vezes, irreconciliáveis. Essa divisão não é apenas política; permeia famílias, comunidades e instituições, ameaça a coesão social do país e, em última instância, a legitimidade do próprio processo democrático.

kamala trump
Reprodução: Reuters

Eventos como a eleição de Donald Trump, em 2016, o ataque ao Capitólio após a eleição de Joe Biden, em 2021, e o retrocesso de legislações estaduais em questões como aborto, direitos LGBTQIA+ e controle de armas são exemplos de um país dividido. A retórica dos principais candidatos, em 2024, reflete esse cenário: enquanto um lado clama por reconstrução e unidade, o outro reforça narrativas conspiratórias e discursos inflamados. 

Nos Estados Unidos, debates sobre diversidade, direitos das minorias e imigração tornaram-se campos de batalha para discursos polarizados válidos apenas para fomentar o ódio. Em vez de buscar soluções para problemas como a desigualdade econômica ou a crise climática, a política se transforma em um jogo de soma zero, onde a vitória de um lado é vista como a aniquilação do outro.

Conviver com as diferenças torna-se inviável quando o lado mais forte busca impor regras sobre o corpo das mulheres, ameaça deportações em massa de imigrantes – até mesmo os legalizados – e planeja cortes drásticos nos gastos públicos com o apoio de figuras como do bilionário Elon Musk.

O ataque ao Capitólio foi um marco da radicalização de parte do eleitorado republicano, mas eventos menores, como ameaças a funcionários eleitorais e protestos armados em assembleias estaduais, mostram que o problema é maior e de proporções ainda desconhecidas. A retórica do atraso de líderes da extrema-direita, muitas vezes ambígua ou até mesmo permissiva em relação a esses atos, cria o ambiente de impunidade e incentiva atos antidemocráticos.

O saldo deste processo eleitoral não é apenas a eleição de um presidente, mas a própria sobrevivência de valores democráticos nos Estados Unidos - país tido como um exemplo de democracia no ocidente. Se a polarização e o ódio continuarem a ser explorados como ferramenta política, sem qualquer tipo de punição para os que atentam ou mesmo desejam o fim do estado democrático, caminhamos a passos largos para o abismo.
 

O ensaio trata de aspectos da vida e da obra de Mauricio Tragtenberg (1929-1998)
por
Antônio José Romero Valverde
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06/11/2024 - 12h

“A finalidade de qualquer educação é modelar a sociedade: mais do que ser ensinado, o homem deve fazer sua educação de homem e cidadão, aprender a se informar, a se comunicar com o “outro”, a participar, a tornar-se capaz de devir numa sociedade em pleno devir, essa é a finalidade primeira da educação. Na escola do futuro trata-se de aprender a devir.”  

(Mauricio TRAGTENBERG, 2005, p. 55)   

“No interior do sistema social as instituições educacionais e seus sacerdotes, os professores, desenvolvem um trabalho contínuo e sutil para a conservação da estrutura de poder e, em geral, da desigualdade social existente. Duas são as principais funções conservadoras atribuídas à escola e aos professores: a exclusão do sistema de ensino dos alunos das classes sociais inferiores e a que definimos como socialização à subordinação, isso é, a transmissão ao jovem de valores compatíveis com seu futuro papel de subordinado.”  

 (Mauricio TRAGTENBERG, 1976, p. 29)   

 

Vida e Obra  

O filme Madadayo (Ainda não), direção de Akira Kurosawa, de 1993, retrata a vida de Hyakken Uchida, professor de alemão que, aposentado após 30 anos de trabalho, pretende tornar-se escritor. O enredo move-se com os ex-alunos criando o rito de comemoração de aniversário do professor, perpassado pela trágica pergunta: “Madadai?” (“Está pronto?”). Ao que ele responde: “Madadayo” (“Ainda não”). Confirmação peremptória de mais um ano de vida, um de cada vez. Não está pronto para a morte. A comemoração repete-se ano após ano, com libações exemplares, muita cerveja, cantos, piadas. Sempre solícitos, os ex-alunos empenham-se por minorar cada dificuldade oferecida pela vida ao professor, como a destruição de sua casa, ocorrida no início da Segunda Guerra Mundial, ressalvado o servilismo oriental de par com os ditames da polidez formal japonesa, que, sem a devida interposição, pode comprometer a compreensão do lirismo ético em cena entre o professor e os ex-alunos, no passo de dar a ver o conhecimento vivenciado para além da exigência escolar, em prontidão de máxima atenção para todos. Afinal, cinema tem sido, antes de nada, uma forma de educação, por favorecer o olhar a mediar o mundo. Nesse caso, espelha-se a verdadeira admiração encarnada pelos ex-alunos ao professor, seguindo-o em quase todos os seus gestos e as atitudes de franca sinceridade, sobremaneira a conduta ética exemplar mantida com os estudantes e todos os circundantes, diante da adoração às margens de um transe extático ante a personagem do professor.   

A acidental comparação do professor de Madadayo com o professor Mauricio Tragtenberg estanca nesse ponto, porque ambas as figuras, públicas e intelectuais, tiveram florescimentos muito distintos. Tragtenberg, substancialmente, era um desbravador teórico e prático de muitos aspectos da dinâmica educacional e pedagógica, autodidata, sob o arco do socialismo libertário, mesmo que nunca tenha se declarado anarquista, ao rejeitar, como Liev Tolstói, por motivação cristã, a violência embutida em tal concepção filosófico-política, pela derivação, em algumas oportunidades, à prática da pedagogia dos fatos, utilizada para acordar as classes dominantes da tradicional letargia, como ocorrida em alguns quadrantes da Europa, a meados do século XIX e começo do século passado. Distinção necessária, porque a altura intelectual de Mauricio não permitia ascender a qualquer torre de marfim nem se aproximar dela, muito menos ser tomado como guru de ninguém, ou ser lisonjeado por quem quer que fosse do meio acadêmico e arredor. Ao contrário, escolheu observar e analisar o movimento real do mundo do trabalho, da barra da vida em amplos aspectos, da ação política, das lutas sociais, do fascismo, do fisiologismo político, pela lógica irredutível do capital, articulada por gestores e sindicatos, além de sua necessidade máxima de compreender as insurgências contemporâneas filosóficas, sociológicas, econômicas, literárias, antropológicas – estas reconhecidas como invenção colonial inglesa destinada à dominação dos asiáticos –, todas como partes do teto ideológico dominante.   

O foro de realização e dissipação de suas ideias educacionais e pedagógicas é a escola, organização complexa, cujo aparelho escolar tem seu papel na reprodução das relações sociais de produção quando: a) contribui para formar a força de trabalho; b) contribui para inculcar a ideologia hegemônica, tudo isso pelo mecanismo das práticas escolares; c) contribui para reprodução material da divisão em classes (sociais) e d) contribui para manter as condições ideológicas das relações de dominação (Trtagtenberg, 1976, p. 22)2.  

Ao que arremata: “O aparelho escolar impõe a inculcação ideológica primária e é seguido pelos diversos aparelhos – televisão, publicidade, seitas etc. A escola inclui, a forma de rudimentos, técnicas indispensáveis à adaptação ao maquinismo, em geral na forma preparatória” (Tragtenberg, 1976, p. 22), uma vez que os aparelhos ideológicos não produzem ideologia, mas cuidam de inculcar a ideologia da classe social dominante, com sucesso.   

Não fazia concessões de nenhuma ordem, como se lê nos seus escritos, especialmente no “Memorial”3, apresentado à Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), como exigência ao concurso para professor titular de Teoria da Organização, e na entrevista concedida na sede da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo5, além de suas atitudes e decisões plenamente éticas em momentos decisivos. Sem mestres, mesmo ao apropriar-se com toda a liberdade imaginável do pensamento de Karl Marx, para compreensão da exploração; de Max Weber, para a dominação; dos teóricos anarquistas, para a antipolítica, o contrapoder e a autogestão social e pedagógica; de Herbert Marcuse, para os nexos entre tecnologia e política em nova chave, a da civilização libidinal; de Hannah Arendt, para os aspectos da condição humana; de Michel Foucault, para a loucura, a biopolítica e os confinamentos sociais, entre outros, mas tão somente como ferramentas teóricas disponíveis à construção do próprio pensar, de modo a suportarem a produção crítica de sobeja acuidade intelectual da ordem político-social, do movimento real. A vocação crítica e a altura intelectual de Tragtenberg foram, precocemente, reconhecidas pelos colegas e professores, em razão da frequência à Biblioteca Municipal e à sede do Partido Socialista Brasileiro (PSB) da cidade de São Paulo (SP).   

Há um projeto de filme da vida e da obra de Mauricio Tragtenberg em andamento, que algum momento se materializará, dadas as forças conjugadas e empenhadas para tanto. Assim, trazer à cena Madadayo cede lugar à lembrança de um artigo publicado originalmente em A Folha Socialista, de 5 de outubro de 1953, à página 4, intitulado “O encouraçado Potemkin: a ‘autocrítica’” (Tragtenberg, 2011b, pp. 25-29). No artigo, primeiramente, Mauricio reanima a carta do diretor Sergei Eisenstein direcionada aos diretores da revista Vida e Cultura, que principia com os dizeres: “É difícil imaginar-se uma sentinela que se perde na contemplação das estrelas a ponto de esquecer o seu dever. É difícil imaginar-se um condutor de tanque a ler com avidez um romance de aventuras no momento de entrar em combate...” (Tragtenberg, 2011b, p. 25). Em seguida, analisa a “autocrítica de Eisenstein, obrigado pelo Partido, ‘reconsiderando à luz da verdade histórica’ o papel de Ivan, o Terrível4, (que) insere-se dentro do mecanismo político do poder estatal totalitário russo. O que quer dizer isso?” (Tragtenberg, 2011b, p. 28).   

 

Ao que adita:  

Explicamos. Sabemos que em toda forma estatal onde há (ou havia) um líder, chefe ou profeta, este, para dominar, necessita de seu poder. Pois bem, a legitimidade do poder de Stálin estava baseada em nome da herança de Lênin (lembrem-se do discurso pronunciado por Stálin, quando da morte de Lênin, que inicia e prossegue em tom de homilia de seminarista...) (...). Aí vemos a legitimidade do poder de Stálin e da burocracia totalitária sem bases bolchevistas e revolucionárias. Mas, na medida em que o capitalismo de Estado russo e seu Estado totalitário assentam-se na legitimidade pessoal do “chefe”, vão procurar bases tradicionais e conservadoras para fundamentar seu poder perante o povo, e isso dá-se na Segunda Guerra (Mundial), quando na Rússia se opera uma revivescência nacionalista e pan-eslavista com a consideração de Alexandre Nevsky, Suvorov, Kutuzov, generais reacionários apresentados como heróis nacionais progressitas. É nessa linha que se dá a reconsideração de Ivan, o Terrível, totalitário e reacionário, como um czar “nacional progressista”. (...) É mais um dos dramas humanos que se inserem na longa lista das vítimas da “arte dirigida”. O suicídio artístico de Eisenstein é um símbolo, o símbolo da arte esmagada pelo totalitarismo, a pretexto de “direção”. E o gênio Eisenstein, amargurado, retirou-se pouco depois do cinema. Não há campo para protagonistas na arte russa, só há para o coro, para os dóceis ao dirigismo artístico. É assim que o espírito revolucionário criador que transparece no Encouraçado Potemkin aparece como imagem viva de uma realidade morta, a Rússia atual, a negação do espírito criador e revolucionário (Tragtenberg, 2011b, pp. 2829).  

 

Mauricio encerra a explicação referindo-se ao comentário do historiador Victor Serge, para quem “os ideais da Revolução morreram e a foice e o martelo tornaram-se a bandeira do despotismo e do assassinato” (Tragtenberg, 2011b, p. 29)5. Nota-se pela leitura, mesmo fragmentada, o perfil do futuro educador brilhante ao assinar o ensaio em questão.   

Se não fez carreira profissional atuando no gênero crítica cinematográfica, contudo, em 1979, Mauricio escreveu uma análise do filme Eles não usam black-tie, direção de Leon Hirszman, de 1981, homônimo da peça teatral de Gianfrancesco Guarnieri, dramaturgo e ator, levada aos palcos em 1958. O artigo “Guarnieri para quem usa black-tie” foi publicado originalmente em um número do boletim Oboré, editado pelo jornalista Sérgio Gomes (Tragtenberg, 2011b, pp. 35-36)6.  

Autodidata por necessidade e instinto intelectual, desde um episódio prosaico na escola primária, quando fora reprovado em canto orfeônico por desafinar, no segundo ano do curso primário, situação que findou transformada em mote para a vida intelectual: aprender por si, pesquisando. Progrediu bastante, orientado para o processo, em princípio pelos professores Antonio Candido e Azis Simão, em conversas na Biblioteca Municipal e na sede do PSB, ao final da década de 1940 e início da de 1950. Por ser o autodidata mais livre para pesquisar, apropriar-se do conhecimento e pensar por si, porém com método, no mesmo passo, o mote inicial forneceu a Mauricio munição teórica para desafinar o coro dos contentes – políticos, ideólogos, intelectuais, religiosos ortodoxos, em síntese, os falsos profetas da miséria nacional.  

De sua biografia, registrou: “Nasci na cidade de Erexim, no Rio Grande do Sul, na zona da colonização de camponeses de origem judaica, que se dirigiram para lá, vindos das perseguições da Rússia czarista e dos progoms da década de 1910” (Tragtenberg, 1999, p. 11)7. Nascido aos 4 de novembro de 1929, tempo da crise econômico-social provocada pelo crash da Bolsa de Valores de Nova York, que não consta do referido “Memorial”, entanto registra os fatos de ter ficado órfão de pai com um ano de idade, o novo casamento da mãe e a mudança da família para Porto Alegre (RS) e, posteriormente, para São Paulo (SP), onde fixou residência10.  

Mauricio nomeava de as “minhas universidades”, arremedando o título do romance homônimo de Máximo Gorki, o Centro de Cultura Social, as aulas de filosofia proferidas por Mário Ferreira dos Santos, a frequência à casa da família Abramo e à Biblioteca Municipal de São Paulo – lugares de efervescência intelectual crítica sem o balizamento formal acadêmico, porém rigoroso –, além de frequentar os sapateiros anarquistas do Brás e da conversa com um politizado condutor do bonde, a meados dos anos de 1940.   

Declarava-se ateu, sem alarde, farisaísmo ou falso moralismo, mantida a condição religiosa de judeu até o fim da vida. “Ateu, graças a Deus!”, como dizia sob fina ironia, vez que o humor era uma das marcas de seu caráter, mas mostrava restrições ao pensamento político de Mikhail Bakunin, dado o viés autoritário contido na sua obra8. Ocorre que o ativista russo talvez tenha sido aquele que de modo mais expressivo ao universo anarquista tenha descartado a hipótese Deus (Tragtenberg, 2011b, pp. 125-143), no barco iluminista de Denis Diderot e de Pierre-Simon Laplace, em parte fruto de sua vivência na Rússia czarista e na Santa Moscou, sob vapores bizantinos e inspirado pela filosofia hegeliana.   

Tragtenberg não comungava integralmente com Bakunin, mesmo reconhecendo sua importância no processo de solidificação do ideário e da prática federalistas9, sobremaneira, aos meios operários de Espanha, a meados do século XIX, ao tempo que esteve em cena a operação da sua reentrada no concerto das nações europeias, com praticamente 300 anos de atraso, de caráter religioso confidencial, sob um processo de secularização lenta, embalada pelos krausistas espanhóis, basicamente professores universitários, para a criação política da República. Mesmo assim, Tragtenberg sempre tomou partido teórico-prático do viés bakuninista ao explicitar o racha ocorrido no seio da Primeira Internacional. Para o campo teórico do anarquismo, Mauricio Tragtenberg parecia alinhar-se mais pontualmente com o horizonte político criado por Pierre-Joseph Proudhon, por “ser o mais generoso dos teóricos do anarquismo” e pela defesa da proposta autogestionária.  

 

Crítica à educação e ao sistema educacional  

Mauricio Tragtenberg ingressou na Faculdade de Educação da Unicamp, em 1976, como professor não concursado, por indicação direta do reitor Zeferino Vaz, após ter sido aprovado três vezes em concursos públicos prestados na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Porém, sem contratação efetivada, logo, reprovado por motivos injustificáveis, academicamente.   

Na faculdade produziu a crítica da instituição “organização escolar”, com todas as possíveis implicações sociopolíticas. Os cursos ministrados na pós-graduação da faculdade, após o primeiro curso tratar de metodologia histórica, em que ensinou a ler O capital, de Karl Marx, seguido de estudos sobre Max Weber, passaram a criticar o papel do controle burocrático escolar na inculcação ideológica, na reprodução da ordem econômica e na divisão social do trabalho, momento em que Pierre Bourdieu e Jean Claude Passeron foram introduzidos ao debate educacional nacional por A reprodução, ainda sem a devida leitura nem as inferências de todos os conflitos embutidos. Mauricio cumpriu esse papel e trouxe também Michel Lobrot, Bernard Charlot, Mario Manacorda e os teóricos da educação anarquista, Tolstói, Paul Robin, Francisco Ferrer, preocupados com o processo educacional em liberdade e a autonomia dos envolvidos para o cumprimento da premissa da emancipação humana, extrapolado o pedágio da invenção iluminista.   

Mauricio Tragtenberg fundou, com Casemiro dos Reis Filhos e Joel Martins, a revista Educação & Sociedade, na Faculdade de Educação da Unicamp, em 1978. O primeiro número trouxe o artigo de fundo “Francisco Ferrer e a pedagogia libertária”, lastrado na história moderna da Espanha pela análise dos nexos entre reconquista e Igreja, a relevância da geração de 98, a vida e a obra de Ferrer, a pautar os princípios da coeducação de ambos os sexos, da coeducação das classes sociais, da higiene escolar, a importância dos jogos (pedagógicos) sob a guarda da cooperação não competitiva, a formação racionalista dos professores (escola de professores), sem prêmios nem castigos, abolidos os exames etc. Destaque para as notas de rodapé weberianas, extensas e densas, com indicações bibliográficas relevantes para a sustentação dos argumentos movidos no corpo do texto. Oportunidade de lançar à cena acadêmica as leituras de adolescente de textos anarquistas e da convivência com os sapateiros anarquistas do bairro do Brás, em São Paulo, por volta de 1945, completado com o fato de o Arquivo Edgard Leuenroth ter sido adquirido pela Unicamp, contendo todos os jornais anarquistas do começo do século XX.   

Simultaneamente, Mauricio pesquisava e escrevia a livre-docência, intitulada Administração, poder, ideologia, que defenderia entre os dias 12 e 13 de março de 1979.  Para a aula correspondente, ministrada pela manhã, teve o ponto sorteado “Educação e Fascismo”, e a defesa da livre-docência à tarde10. A livre-docência teve como nexo inicial o artigo seminal “A teoria geral da administração é uma ideologia?”, publicado na Revista de Administração de Empresas RAE, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), em 1971. Ao tempo em que se discutia se administração era ciência ou técnica, para Mauricio, ideologia. 

Em determinado momento, entre os anos 1970 e 1980, Mauricio figurou como a consciência possível do Brasil, pois soubera como ninguém compreender todas as contradições em curso e sintetizá-las de modo a conceituar o “espírito do tempo” manifesto, desde a herança política colonial, o fisiologismo político, os labirintos burocráticos estatal e acadêmico, a perda dos direitos trabalhistas, o lento processo de degradação das relações entre capital e trabalho, a falta de virtù do Partido dos Trabalhadores (PT), em ação, – talvez tenha sido o primeiro a denunciá-la –, às margens de certo fascismo interno de ordens e contraordens, a par de pouca reflexão crítica, na linha dos nexos necessários entre teoria e práxis para o avanço da causa social. Eram os seus dilemas11, sobremaneira, por desmontar criticamente o papel da educação no contexto nacional – de mantenedora da desigualdade social em ritmo acelerado –, que se perspectivado se chega à situação, aparentemente, irreversível da atualidade. Críticas confirmadas nos escritos recolhidos em Educação e burocracia (Tragtenberg, 2012). Mauricio estava sempre atento ao lugar dos desfavorecidos pela injusta ordem socioeconômica, contudo, alinhado pela proposta de uma organização popular como saída lúcida12.  

Entrado os anos 1980, Mauricio leu Foucault e Hannah Arendt e, salvo melhor juízo, foi o primeiro professor a introduzi-los na universidade, ao menos na Unicamp e na FGV. Ministrou cursos, em que lia e comentava a História da loucura e A condição humana, porém nunca se transformou em foucaultiano, arendtiano nem se filiou a qualquer outra novidade filosófica, sem esquecer a monumental empreitada intelectual de dissecar o livro póstumo de Max Weber, Economia e sociedade, o que fez em ao menos quatro semestres na Faculdade de Educação da Unicamp. Ao final da vida, estudava os maquiavelistas Han Fei-Tzu e Kautilia, chinês e hindu.   

Há que se destacar sua militância no Centro de Cultura Social, fundado em 1933, na Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo e nas Comissões de Fábrica da Ford de São Bernardo do Campo (SP)16, assim como esteve próximo das Comunidade Eclesiais de Base (CEBs) do Butantã, e ainda da Associação dos Docentes da Unicamp (Adunicamp), onde não foi bem compreendido ao propor que o professor universitário fosse caraterizado como “trabalhador intelectual”. Os colegas da Unicamp acharam um rebaixamento do status quo.   

A militância esteve combinada com a coluna “No Batente”13, do jornal Notícias Populares, o mais popular dos jornais paulistanos. Na coluna, Mauricio escrevia sobre a luta dos trabalhadores, fazia denúncia, respondia a cartas de trabalhadores, levantava e mantinha bandeiras do antirracismo, feminismo, sobremaneira da autogestão social. Antes, havia trabalhado por três anos como diretor de política internacional da Folha de S. Paulo, a convite de Cláudio Abramo, a partir de 1964.   

Mauricio atuou também como tradutor e organizador de textos de magnitude política, voltados para a noção de autonomia, com destaque para a tradução de Ben Gurion, o profeta armado, de M. Michel Bar-Zohar, editado pela editora Senzala, em 1968, com sua “Apresentação do tradutor brasileiro”. Organizou edições de textos de pensadores heterodoxos do marxismo, como Herman Gorter, Jan Waclav Makhaïski e Amadeo Bordiga18, e do anarquismo, Bakunin, Piotr Kropotkin, Errico Malatesta, Nestor Makhno, além de prefaciar o livro Organismo econômico da revolução: a autogestão na Revolução Espanhola, de Diego Abad de Santillán, fundamental para a compreensão da Guerra Civil espanhola do ponto de vista da luta anarquista. Ainda, foi tradutor de textos de Weber e de Jürgen Habermas para a coleção “Os Pensadores”.  

Mauricio deixou uma obra intelectual de peso, extensa, quase totalmente publicada pela Editora Unesp, organizada pelo professor Evaldo Amaro Vieira, exímio conhecedor de seu pensamento, além de cursos exemplares, atualizados e dinâmicos, oferecidos aos alunos da graduação e da pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), da Unicamp e da Escola de Administração de Empresas da FGV-SP. É referência a, praticamente, toda pesquisa que intente levar adiante o legado de João Cruz Costa, o primeiro doutor em filosofia do Brasil, um dos que convenceram Mauricio a entrar na Universidade de São Paulo (USP). Cruz Costa defendia que todo estudo acerca da filosofia, em solo pátrio, deveria reverter-se para a compreensão do Brasil. Mauricio praticou esse enunciado no detalhe, mesmo não tendo formação em filosofia. A propósito, há uma pesquisa concluída acerca das fontes filosóficas do pensamento tragtenberguiano.  

  

Com efeito, em “Memorial”, Tragtenberg (1991, p. 84) informa:  

Antonio Candido, no saguão da Biblioteca Municipal, mencionara uma lei federal que permitiria eu apresentar uma monografia à (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH da USP, para prestar vestibular e cursar a universidade. Em 150 dias de trabalho, estruturei a monografia Panificação: o desafio do século XX15, que, mediante parecer do Prof. João Cruz Costa, permitiu-me prestar vestibular e ingressar na USP.   

Inicialmente aprovado para o curso de Ciências Socias, que frequentou por um ano, prestou novo vestibular para ingresso em História da Civilização, porque “pensava ser esta mais condizente com os princípios do materialismo histórico” (Tragtenberg, 1991, p. 84).  

Algumas teses doutorais explicitam o pensamento de Tragtenberg, como A obratrajeto de Mauricio Tragtenberg sob o prisma das afinidades eletivas, de Doris Accioly e Silva, defendida na Unesp de Araraquara, na área de sociologia, em 200416. Outra é a de Antônio Ozaí da Silva, Mauricio Tragtenberg e a pedagogia libertária, defendida na Faculdade de Educação da USP, em 200417. Em 2010, Elcemir Paço Cunha defendeu a tese intitulada Gênese, razoabilidade e formas mistificadas da relação social de produção em Marx: a organização burocrática como abstração arbitrária, em administração, na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais23. Há ainda a tese A trajetória intelectual e política de Mauricio Tragtenberg, de Erisvaldo Pereira de Souza, doutorado em Sociologia, defendida na Universidade Federal de Goiás, em 2017, e a dissertação de mestrado de Ilzo Rafael Fonseca, Relações sociais de produção e educação: uma análise da obra de Mauricio Tragtenberg, defendida em 2018, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, a par de um número considerável de artigos acerca da concepção tragtenberguiana de educação, publicados em revistas científicas qualificadas, com alto grau de compreensão de seu pensamento crítico24 Outros pesquisadores deram prosseguimento à crítica tragtenberguiana em artigos de análise da burocracia, da administração, da educação e da filosofia política.  

Todavia, um estudo sintético e elucidativo do pensamento crítico da educação se encontra no texto “Tragtenberg e a educação”, de Agueda Bernardete Bittencourt Uhle. Por ter sido orientanda e colega do Pensador na Faculdade de Educação da Unicamp, no texto a autora conseguiu desvelar ainda mais o que se encontra explicitado nos escritos de Mauricio, mas não só, a começar por sistematizar o período de produção crítica acerca da educação, entre os anos 1978 e 1981, a par de apontar para a desconfiança do Autor em relação à própria escola como agente de transformação social, se não for organizada com base em demandas sociopolíticas, em vista das contradições de classes sociais do país, que se eternizam. Caso contrário, a escola presta-se a reproduzir tão somente a ordem social fixada e, ao mesmo passo, a disciplinar os estudantes para a docilidade futura na atuação profissional. Ainda segundo Uhle, Tragtenberg considera que, no plano social, a classe dominante representada pelo Estado define os objetivos da escola – “formar indivíduos cada vez mais adaptados ao seu local de trabalho, porém capacitados a modificar seu comportamento em função das mutações sociais” – e a forma como esses objetivos serão alcançados – em organizações burocráticas (Silva; Marrach, 2001, p. 160).  

Por isso, registrou: “A luta é a grande escola do trabalhador, é através dela que forma sua consciência social, educa-se para a autonomia de organização e direção de seus projetos” (Tragtenberg, 2011a, p. 297). A que aditava: “A vida desmente a aula; a vida também educa. Não confundamos educação com escolaridade” (Tragtenberg, 2009, p. 178).   

Hule explica que a crítica à escola desenvolvida no conjunto de sua obra sobre educação é uma crítica radical. Vai às raízes do problema. Não propõe reformas ou ajustes de rota. Não aponta culpados nem desconsidera responsabilidades. O que põe em xeque é a própria instituição em seu conjunto, não como um organismo abstrato, mas como expressão de interesses (Silva; Marrach, 2001, p. 160). Conclui que a posição tragtenberguiana consiste em “alertar para o lugar social da escola, mostrar seu peso político e as implicações da escolarização da população para a construção de uma dada organização social” (Silva; Marrach, 2001, p. 160). No mesmo passo, “tinha um compromisso permanente com a produção do conhecimento e, para isso, apostava na liberdade do pesquisador para buscar problemas socialmente relevantes para seus estudos” (Silva; Marrach, 2001, p. 164), fundados na necessidade de autonomia do pesquisador.   

Contudo, para complementação do percebimento da crítica tragtenberguiana à educação, os artigos “O papel social do professor”, “Quando o operário faz a educação” e “As condições de produção da educação” (Tragtenberg, 2012) fornecem a dimensão basilar para tal. Como a pesquisa acadêmica, grosso modo, ocorre com professores alocados nos programas de pós-graduação das universidades, Tragtenberg exerceu a crítica contundente do sistema de pós-graduação nacional. Os textos mais circunstanciados em vista dos fins da pesquisa acadêmica são “A delinquência acadêmica” e “O saber e o poder”. O primeiro, funcionou como uma bomba de efeito nada retardado, porque na semana seguinte do lançamento de A delinquência acadêmica: o poder sem saber e o saber sem poder (Tragtenberg, 1979) estudantes da USP picharam os muros do campus Butantã com frases retiradas do livro. Tragtenberg colocava sob suspeita toda pesquisa científica acadêmica para fins de manipulação política e de guerra. Para a apresentação do livro, intitulada “Verás que...”, registrou:   

A Delinquência Acadêmica aborda não só a universidade como instituição dominante, mas também os mecanismos pelos quais ela se liga à dominação. Procura mostrar que sua crise reflete a crise da sociedade global, produzindo contraditoriamente dois tipos de intelectual. O intelectual orgânico da burguesia, organizador da hegemonia burguesa, a qual por mediação da universidade inculcará as formas de sentir, pensar e agir da classe dominante como sendo “naturais” e “normais”; e o intelectual crítico que, em épocas de ascensão do movimento de massas, pode legitimamente representá-las (Tragtenberg, 1979, p. 9)18.   

O legado de Tragtenberg é imenso ao campo das ciências humanas. Contribuiu para a crítica da administração empresarial, compreendida como ideologia, sendo pioneiro em registrar a introdução do tema toyotismo na gestão das empresas no Brasil, e para a crítica da escola como lócus de conflito social e de possibilidades de explicitação, para além da submissão à ideologia dominante. Ainda, introduziu a filosofia política do socialismo libertário, marcada pela ideia de autogestão em todos os níveis da sociedade, além de ter formado dezenas de professores e pesquisadores universitários, exorientandos ou não, que assimilaram o núcleo do pensamento crítico tragtenberguiano.   

Em justo reconhecimento ao esforço intelectual de compreensão do Brasil, Tragtenberg figura, de modo nada acidental, entre os intérpretes do Brasil, na obra coletiva Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados (Barsotti, 2014, pp. 357376).  

Em reconhecimento ao professor excelente e ao jornalista combativo, em 29 de outubro de 2010, o curso de jornalismo da PUC-SP teve aprovada a criação da Agência de Jornalismo Online Mauricio Tragtenberg (AGEMT), cujos princípios se encontram em nota de rodapé19.  

Se o filme documentário biográfico do Filósofo da luta social segue embrionário, em 2017 o líder sindical dos Correios Pedro Porcino, os familiares do Pensador, amigos e ex-alunos fundaram o bloco carnavalesco Filhos de Mauricio Tragtenberg, durante o evento acadêmico “Mauricio Tragtenberg, a Pessoa, a Obra e a Revolução Russa”, realizado na PUC-SP, em setembro daquele ano. O bloco desfilou no carnaval de 2018 e de 2019. Em 2020, os integrantes avaliaram a pandemia da Covid-19 à espreita nas esquinas paulistanas, findando por adiar o desfile para um futuro carnaval. Para o primeiro desfile, o músico Val Medeiros compôs Samba em homenagem a Mauricio Tragtenberg, samba-enredo interpretado por Helber Medeiros, em gravação de circulação restrita, por enquanto. Encerra-se o capítulo com a letra da música, uma excelente síntese da vida do professor Mauricio Tragtenberg e de seu reconhecimento popular:  

Uma voz ecoou... / bateu saudade. / Menino pobre que nasceu em Erechim (bis) / Povoado pequeno, / começava assim. / Essa história que jamais terá um fim. / Nessa trajetória esse menino alcançou: / sucesso e prestígio, / muita luta ele travou. / Foi professor, / se tornou jornalista. / Uma figura importante no Brasil. / E foi assim que ele surgiu. / “No Batente” escreveu suas ideias / de liberdade. / Com seu espírito de luz, / Só queria igualdade. / Homem de cultura exemplar, / na escola da vida (bis). / Foi perseguido injustamente, / pela ditadura militar. / Mas o tempo passou, / então retornou. / Deu a volta por cima. / Formando uma grande legião de mestres, / da cultura popular. / Hoje o céu está em festa, / pra cantar. / Sua história, vai se eternizar. / Os anjos as trombetas vão tocar. / Mauricio Tragtenberg / sua voz vai ecoar (Medeiros, 2019].  

- Que se leia a obra de Mauricio Tragtenberg! “O judeu sem templo. O militante sem partido. O intelectual sem cátedra!”20.  

 

Referências 

BARSOTTI, P. D. Maurício Tragtenberg. In: Pericás, L. B.; Secco, L. (org.). Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 357-376. 

CUNHA, E. P. Gênese, razoabilidade e formas mistificadas da relação social de produção em Marx: a organização burocrática como abstração arbitrária. Tese (Doutorado em Administração) – Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010. 

FONSECA, I. R., Relações sociais de produção e educação: uma análise da obra de Mauricio Tragtenberg, Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2018.   

MÁRSICO, G. O., Cágada (ou a história de uma cidade a passo de), Porto Alegre, Movimento, 1974.   

SHIMAMOTO, S. V. M., “A concepção de trabalho escolar e a (des)politização dos sujeitos sociais a partir de Mauricio Tragtenberg”,  Educação e Políticas em Debate, v.  

6, n. 2, pp. 255-274, maio/ago. 2017. Disponível em:  

http://www.seer.ufu.br/index.php/revistaeducaopoliticas/article/view/46776/25480  Acessado aos 14 de outubro de 2022.   

SILVA, A. O. da, Mauricio Tragtenberg e a pedagogia libertária, Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004. Disponível em: https://repositorio.usp.br/item/001385234  Acessado aos 14 de outubro de 2022.   

SILVA, A. O. da, Mauricio Tragtenberg: militância e pedagogia libertária, Ijuí, Editora Unijuí, 2008.   

SILVA, D. A., A obra-trajeto de Mauricio Tragtenberg sob o prisma das afinidades eletivas, Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de  

Mesquita Filho”, Araraquara, 2004.  

SILVA, D. A.; MARRACH, S. A. (orgs.), Mauricio Tragtenberg: uma vida para as ciências humanas, São Paulo, Editora Unesp / Fapesp, 2001.   

SOUZA, E. P., A trajetória intelectual e política de Mauricio Tragtenberg. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017.   

TRAGTENBERG, M., “A escola como organização complexa”, In GARCIA, W. E. (org.), Educação brasileira contemporânea: organização e funcionamento, São Paulo, McGraw-Hill do Brasil, 1976, pp. 15-30.   

___________, “Francisco Ferrer e a pedagogia libertária”, Educação & sociedade, n. 1, v. 1, São Paulo, Cortez & Moraes, 1978, pp. 17-49.   

Tragtenberg, M. A delinquência acadêmica: o poder sem saber e o saber sem poder. São Paulo: Rumo, 1979.   

___________ (org.), Marxismo heterodoxo, São Paulo, Brasiliense, 1981.   

___________, M. Sobre educação, política e sindicalismo. São Paulo: Cortez / Autores Associados, 1982. v. 1. (coleção Teoria e Prática Sociais).   

___________, “Memorial”, Pro-Posições, Campinas, v. 2, n. 1, 1991. Disponível em:  

https://www.fe.unicamp.br/pf-fe/publicacao/1704/4-divulgacao-tragtenberg.pdf  Acessado aos 14 de outubro de 2022.   

___________, Memórias de um autodidata no Brasil, São Paulo, Editora Unesp / Escuta / Fapesp, 1999.   

___________, Sobre educação, política e sindicalismo, São Paulo, Editora Unesp, 2004.  

(Coleção Mauricio Tragtenberg).   

___________, Administração, poder e ideologia São Paulo, Editora Unesp, 2005. (Coleção Mauricio Tragtenberg).   

___________, A revolução russa, São Paulo, Editora Unesp, 2007. (Coleção Mauricio Tragtenberg).   

___________, A falência da política, São Paulo, Editora Unesp, 2009. (Coleção Mauricio Tragtenberg).   

___________, O capitalismo no século XX, 2ª edição, São Paulo, Editora Unesp, 2010. (Coleção Mauricio Tragtenberg).  

___________, Autonomia operária, São Paulo, Editora Unesp, 2011a. (Coleção Mauricio Tragtenberg).   

___________, Teoria e ação libertárias, São Paulo, Editora Unesp, 2011b. (Coleção Mauricio Tragtenberg).   

___________, Educação e burocracia, São Paulo, Editora Unesp, 2012. (Coleção Mauricio Tragtenberg).  

VALVERDE, A. J. R. (org.), Mauricio Tragtenberg: 10 anos de encantamento, São Paulo, Educ / Fapesp, 2011.   

VALVERDE, A. J. R.; MACHADO, R., Mauricio Tragtenberg: autogestão social e pedagógica, São Paulo, Educ, 2016. (Coleção Sapientia – Grandes Mestres da PUC-SP).   

Filmografia   

Madadayo. Direção: Akira Kurosawa. 1993.  

Samba-enredo  

MEDEIROS, V., Samba em homenagem a Mauricio Tragtenberg, 2019. Disponível em: https://m.facebook.com/FilhosDeMauricioTragtenberg/videos/2185954824758258/?refs rc=deprecated&_rdr  Acessado aos 27 de agosto de 2021. 

A execução precisa dos códigos de cada etiqueta trouxe um frescor revigorante para as grifes renomadas
por
Giovanna Montanhan
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30/10/2024 - 12h

A São Paulo Fashion Week (SPFW) ocorreu entre os dias 14 e 21 de outubro, com quase o dobro  do número de desfiles, em comparação à edição anterior, passando de 27 para 42. O evento trouxe de volta às passarelas marcas como a homônima Alexandre Herchcovitch, À La Garçonne e Salinas, além de  grifes vanguardistas, presentes em todas as edições, como Lino Villaventura.

Lino Villaventura

Quem acredita que a alta-costura no Brasil se encerrou com o estilista paraense Dener Pamplona - pioneiro na moda brasileira,  introduzindo esse conceito no país - certamente nunca assistiu a um desfile de Lino Villaventura. 

Conhecido por suas peças com nervuras elaboradas, Lino trouxe nesta edição vestidos e blusas assimétricas, bordados minuciosos, saias em formato de pétalas, além de modelos com volumes, drapeados e tecidos que simulavam plástico, em cores vibrantes como azul piscina e verde claro. Desta vez, além dos neutros — o branco que abriu o desfile, seguido pelo bege e preto —, a paleta se expandiu para tons multicoloridos, como roxo e vermelho, alternando entre peças fluidas e modelos mais estruturados. A modelo Silvia Pfeifer encerrou  o espetáculo visual concebido pela mente fértil  de Lino, desfilando um modelo transparente azul-marinho com brilhos, acompanhado de um robe preto de cetim e luvas arroxeadas que deixavam os dedos à mostra.

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Reprodução: @agfotosite

 

 

 

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O estilista Lino Villaventura na passarela após o final do desfile - Reprodução: @agfotosite

À La Garçonne

À La Garçonne comemorou 15 anos de marca e 20 anos de carreira de seu diretor criativo Fábio Souza  Após sua separação profissional de Alexandre Herchcovitch, Souza decidiu redefinir os códigos da marca, que anteriormente destacava o conceito de upcycling e trazia cordas trançadas como logotipo. Agora, com controle total sobre as direções, códigos costumeiros da etiqueta  aparecem de forma pontual em algumas peças, enquanto o principal destaque neste primeiro desfile foi a cartela de cores em preto e branco, combinada com variações de design, ternos de alfaiataria e lurex, que abrilhantaram a passarela ao lado de estampas quadriculadas. Vale destacar as saias de tule com poás, uma tendência atemporal, a presença do personagem Snoopy, que apareceu em moletons e casacos, e os laços.

 

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O estilista Fábio Souza na passarela após seu desfile - Reprodução: @agfotosite

 

 

Salinas

Salinas, uma marca tradicional de beachwear, retornou ao maior evento de moda da América Latina após seis anos longe das passarelas, apresentando a coleção "Sol, Sal e Sonhos". Com uma paleta predominantemente neutra e atemporal, a coleção trouxe peças que se adequam tanto ao momento praia quanto ao pós-praia. Entre os destaques estão minissaias, chapéus compridos de palha desfiada, bolsas de crochê, camisas de linho e biquínis assimétricos. Uma seção da coleção, com peças em tons de cinza claro, com calças soltinhas, maiôs e casaquinhos leves com brilhinhos prateados sutis. Os acessórios incluíam braceletes dourados e belly chains (cordões para adornar a barriga) com o nome da marca, além de chinelos de dedo com plataforma e tamancos prateados.

 

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Alexandre Herchcovitch

E por fim, Alexandre Herchcovitch com sua etiqueta homônima e conhecida por trazer designs inovadores, dessa vez em parceria com a marca alimentícia de queijos Catupiry, apresentou  bolsas e moletons com seu logo, uma produção com a estilista Fábia Bercsek, que o ajudou a criar estampas feitas à mão.

Os recortes assimétricos moldaram-se abaixo dos seios, deixando a barriga à mostra e chegando ao ponto final: a virilha, trazendo à tona uma estética fetichista. Para aqueles que preferem não arriscar e se manter dentro de estilos mais convencionais, também há opções que beiram o óbvio e comercial, como moletons felpudos listrados, regatas, calças de alfaiataria e jeans. Mas, como era de se esperar de Alexandre Herchcovitch, foi possível observar um mergulho profundo nos códigos dos anos 70, trazendo consigo toda a purpurina que remete à Era Disco, além de tecidos como jacquard, lurex, paetê em padronagem xadrez e lamê.



 

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O estilista Alexandre Herchcovitch na passarela após o seu desfile - Reprodução: @agfotosite

 

A atual situação social do país é o próprio roteiro da não reeleição de Bolsonaro
por
Gabriela Figueiredo Rios
Victoria Leal
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30/10/2022 - 12h

O Brasil de Bolsonaro (Foto: Sergio Lima/ AFP)

            Ninguém aguenta mais ouvir, do Ipiranga às margens plácidas, que 688 mil mortes por covid-19 não foram suficientes. Jair Bolsonaro continua com 44% das intenções de votos, segundo a última pesquisa do DataFolha (28). Apesar do ex-presidente Lula estar à frente, com 49% das intenções, as eleições de 2022 para presidência se sustentam em um clima acirrado, mesmo que as opções existentes sejam o completo desastre ou a oportunidade de mudança.

            O presidente vem dando vislumbres do que será seu governo caso seja reeleito. O governo federal anunciou, na última sexta-feira de setembro (30), às vésperas do primeiro turno, um bloqueio de mais de 1 bilhão nas verbas de custeio para educação superior do país, por meio do Decreto 11.216. O contingenciamento na educação chega a 2,4 bilhões, somando com os bloqueios de 1,34 bilhão, anunciados entre julho e agosto. 

            Ainda, na última sexta-feira (14), a Polícia Federal prendeu os primeiros investigados por crimes relacionados ao orçamento secreto, este que o governo Bolsonaro usa para destinar verbas públicas a fim de atender deputados e senadores sem que sejam identificados. Em janeiro, o Diário Oficial divulgou a sanção do Orçamento anual contendo o fundo eleitoral - o qual Bolsonaro sempre criticou o uso, por ser dinheiro público, e hoje gasta milhões deste para se promover - e, ao mesmo tempo, cortes de 3,2 bilhões nos ministérios do Trabalho e da Educação.

 

Na investigação feita pela revista Piauí no caso das prisões, as prefeituras de municípios do Maranhão registravam atendimentos médicos que nunca existiram e enchiam o cofre com dinheiro advindo das emendas parlamentares do orçamento secreto, confira clicando aqui.

            No governo Bolsonaro, 33 milhões de pessoas passam fome, segundo a rede PENSSAN, mas para o Presidente, a fome é por desinformação, quem usa auxílio emergencial não passa fome. 

O claro interesse de Jair Bolsonaro em desmontar e inviabilizar por completo a educação pública - que sempre demonstrou resistência a governos autoritários - colocar sob sigilo de 100 anos um cartão de vacina, distribuir o dinheiro público por debaixo dos panos, beneficiando sigilosamente senadores e deputados, incitar a violência entre os eleitores e os responsabilizar pela situação de miséria instaurada no país, demonstram que seu objetivo é, e sempre foi, se blindar contra qualquer responsabilização criminal ou de negligência com a população brasileira, que é, em sua maioria, dependentes dos serviços públicos básicos do Estado, ou seja, a prioridade.

 

O QUE É, O QUE É, DEMOCRACIA ?   

 

A “democracia” de Bolsonaro não é democracia, e, além de se blindar e blindar sua família, o Presidente trabalhou quatro anos para destruí-la. Em entrevista, a historiadora e professora da PUC de São Paulo, Heloisa de Faria Cruz, aponta que “ela [a democracia] é um regime que respeita e dá lugar para as minorias, então, desde que ele [Bolsonaro] concorreu em 2018, teve como adversários políticos as minorias que pensam ou fazem diferente dele, logo essas pessoas deveriam ser abolidas”.

            “Bolsonaro tem um profundo desrespeito pelas instituições, ele diz que vai governar nas quatro linhas da Constituição, entretanto já fez diversas Pacs alterando a Constituição de 1988, para que ela seja moldada à sua maneira. Nós temos um congresso extremamente conservador hoje e se ele for reeleito, sem dúvidas, agora  com o orçamento secreto, grande parte do congresso vai estar com ele - Bolsonaro tem propostas de aumento de vagas no TSE para ter mais pessoas alinhadas com ele - servindo para manobras como o procurador geral da República, que ao invés de defender o povo contra os poderes defende os malfeitos do presidente”, completa a professora. 

            Quanto à um cenário de reeleição e a completa instauração de um governo autoritário, o cientista social e atuante da área de ciências políticas, Eduardo Viveiros de Freitas, afirma que “não se trataria, no caso desse desastre se concretizar [a reeleição], do golpe tradicional com articulação militar-civil e apoio externo, violência explícita contra opositores políticos etc. Mas do aprofundamento, com táticas de guerra híbrida, aprofundamento da "guerra cultural" e da instalação de um arremedo de democracia, uma fachada que não se sustentaria num mundo onde a informação e o debate políticos fluem na velocidade das plataformas digitais. Como diz o candidato a autocrata, o jogo seria jogado dentro das "quatro linhas" de uma Constituição descaracterizada, principalmente em seus fundamentos democráticos, mas em nome do que podemos chamar de “fakedemocracia”. O Poder Judiciário seria ocupado, no todo ou parcialmente, por esbirros do autocrata, e uma "vitrine" democrática seria mantida com eleições manipuladas e um Congresso servil, corrupto, submisso.”

            Eduardo ainda explica que “hoje uma ditadura se instala, ironicamente, apelando para valores que outrora sustentavam a própria democracia, como liberdade de expressão, de culto, de organização política, testando os limites democráticos - como aquele que viola o princípio básico, muitas vezes nem escrito nas Constituições, de que não se pode tolerar aqueles que não toleram nem respeitam a própria democracia, que pregam a destruição dos valores e das instituições democráticas”.

Ao se colocar como “Messias”, o Presidente firma sua imagem como dono da verdade e leva consigo seu público carente de uma personalidade para adorar. A estruturação dessa imagem se deu e dá, principalmente, entre os fiéis cristãos e ainda mais evangélicos, o que apenas explicita a desonestidade de Jair, que, enquanto compra apoio com políticas de endividamento populacional, canetadas que diminuem o preço da gasolina e se articula para continuar com o poder nas mãos, usa da fé do eleitorado como uma dessas ferramentas. 

A família Bolsonaro, não só colabora com a construção do que é Bolsonaro, usando do apelo aos valores e liberdade de expressão como justificativa para afirmações que ferem todos direitos humanos e fomentos que terminam em tragédias, como o caso Marcelo Arruda, mas entram nos esquemas, no mínimo, duvidosos e cheios de sigilo do Presidente, como a compra de 51 imóveis em dinheiro vivo. Novamente, os rastros para debaixo do tapete. 

tuites de Carlos Bolsonaro sobre "democracia" e liberdade de expressão
tuites de Carlos Bolsonaro sobre "democracia" e liberdade de expressão

            Sobre os perigos de reeleger Jair Bolsonaro, a professora coloca que “se ao longo de quatro anos ele veio desconstruindo e minando as instituições e as políticas públicas - políticas para saúde, educação, meio ambiente, direitos e liberdades civis - levará adiante esse processo de desconstrução do país e tornar isso institucional. A reeleição não significa mais quatro anos, mas sim a instauração de uma visão extremamente elitista, embora não apareça nas propagandas políticas. Sem dúvidas é um dos momentos mais perigosos que o Brasil já viveu em sua história”.

            Não que o eleitorado base de Jair esteja preocupado com quem passa fome ou espera na fila do SUS, ou não consegue respirar porque o Presidente negligencia e destrói a saúde pública enquanto faz piadinha com os internados da Covid. Enquanto se pode pagar para gritar “globolixo” de cima de um prédio em bairro nobre, o que dorme na calçada não é problema, mas só enquanto se pode pagar. O classe média que se ilude de empresariado, descansa no sofá com a arma na mão até o Presidente gritar que tá na hora de dar tiro de feijão. Até os 49% gritar, que tá na hora da boiada pastar.

Enquanto parte da população se orgulha de ir votar com a camiseta verde e amarela da seleção, outros temem serem agredidos caso saiam de casa usando vermelho
por
Dayres Vitoria
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27/10/2022 - 12h

Autorizado pelo próprio Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), eleitores, tanto no primeiro quanto no segundo turno, têm total liberdade, segundo o órgão, de fazerem uso de bandeiras, adesivos, broches, acessórios, camisetas ou qualquer outro tipo de adereço ou peças de roupas que espelhe e demonstre suas preferências políticas. Votantes são livres no país para se manifestarem, desde que individualmente e silenciosamente, suas escolhas em dias de eleições. Contudo, mesmo sendo autorizado pelo Supremo, de modo individual, muitos eleitores se previnem cautelosamente ao saírem de suas casas para votarem no grande dia. Buscando amenizarem qualquer chance de uma possível confusão com eleitores da oposição que possam encontrar pelo caminho até o local de votação, parte dos brasileiros checam se estão, visualmente, considerados como neutros e imparciais.

Sarah Vicente, estudante de arquitetura e urbanismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), teve muito cuidado ao escolher as cores de sua vestimenta com a qual sairia de casa para votar. Procurando não ir com cores de nenhum partido, justamente para não chamar a atenção de ninguém, o grande medo dela era sofrer algum tipo de ataque por conta de ideologias políticas: “Eu fui de camiseta cinza e calça jeans, uma roupa mais neutra, não estava a fim de chamar atenção de bolsonarista”.

Mardio Souza, que trabalha com construção civil e cursa atualmente engenharia na área, seguiu a mesma lógica de Sarah. Escolheu ir com "roupas apartidárias" no primeiro turno: “Fui com roupa básica, levei em consideração não usar cores com expressão política: nem vermelho, nem verde, nem amarelo. As cores e vestimenta são um gesto de protesto, é muito perigoso. (...) Você vê cara com roupa vermelha brigando com caras com roupas do Brasil, sendo que ninguém vai mudar a opinião do outro brigando. É perigoso".

Devido a tamanha polarização política que o país enfrenta, sair de casa com as cores do partido que o cidadão defende e acredita é se colocar altamente em risco. Apenas no primeiro semestre de 2022, segundo um levantamento feito pela UniRio, ocorreram 214 casos de violência política no país. O tipo de agressão cresceu 335% somente nos últimos três anos. A radicalização extrema entre eleitores, maximizados pelo enfrentamento físico e por constantes ameaças contra a vida do próximo, tem levado brasileiros à morte por defenderem quem acreditam ser o melhor representante de seus ideais.

Entre um dos casos ocorridos este ano, um homem entrou em um bar no município de Cascavel, no Ceará perguntou ‘quem vota em Lula’ e matou um eleitor que se manifestou.  Em outro episódio parecido, no Rio do Sul, no Vale do Itajaí, Santa Catarina, um bolsonarista foi esfaqueado até a morte por um petista após também brigarem em um bar por conta de divergências políticas. De acordo com uma pesquisa feita pela Rede de Ação Política pela Sustentabilidade em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 67,5% dos brasileiros têm medo de sofrerem alguma espécie de violência política. Principalmente as parecidas com os eventos citados.

Logo, mesmo sob a garantia do TSE de que nos dias de votação não exista um padrão de roupa determinado, para se manter salvo e seguro durante as atuais eleições, o melhor a se fazer é se resguardar para garantir a própria integridade física e a do outro e, com isso, fazer uso da mais forte ferramenta que o Estado Democrático de Direito nos estabelece como a nossa maior manifestação política, o voto.

No dia 23 de setembro, comemoramos oficialmente o mês do orgulho bi e salientamos a importância de discutir o “b” de LGBTQIA+
por
Ana Carolina Coelho
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12/09/2022 - 12h

Bissexuais são pessoas que sentem atração por gente de mais de um gênero. Apesar de ser muito pouco discutida dentro da sigla LGBTQIA +, trata-se de uma orientação sexual bem comum. E por isso, setembro é considerado o mês da visibilidade bissexual, para trazer informação acerca do assunto e ajudar no combate contra o preconceito que essas pessoas encaram no dia a dia. 

A bissexualidade é uma orientação sexual assolada por estigmas, como se as pessoas bissexuais estão predestinadas a viver relações superficiais, cometer traição dentro de um relacionamento monogâmico ou ser uma pessoa indecisa dentro de suas relações afetivas.

Nós, que nos identificamos assim, lutamos, entre outras coisas, para quebrar os preconceitos de uma sociedade baseada na monossexualidade - ideia que impõe às pessoas que se relacionem sexual e/ou romanticamente exclusivamente com pessoas de um determinado gênero. 

Dentro de todas as ofensas, existe a ideia de que pessoas bissexuais, não precisam sair do armário, a não ser quando se relacionam com pessoas do mesmo gênero e, que dentro do mundo, nós poderíamos existir sem precisar falar da nossa sexualidade e se beneficiar da “leitura hétero” que a sociedade faz de nós. De forma equivocada, existe, inclusive, a impressão de que essa leitura seria um privilégio, por sermos capazes de nos esconder em plena luz do dia.

Eu digo que é bem pelo contrário, primeiro que não existe aceitação social da bissexualidade, logo, para gozarmos desse suposto privilégio, teríamos que mentir sobre quem somos e isso todos os integrantes da sigla LGBTQIA+ também podem fazer, dizendo que são heterossexuais. Independente da sua orientação sexual, deveríamos já ter concluído que mentir sobre si para obter aceitação, deveria ser um absurdo. 

Caro leitor, tenho a impressão que o armário bissexual é um tanto quanto peculiar. Enquanto homossexuais narram a saída do armário como um grande evento e definidor de suas vidas, nós bissexuais temos que sair do armário o tempo todo, confesso que é exaustivo. Não existe uma narrativa linear que nos permite resolver isso de uma vez por todas. 

A sociedade não tende a acolher a multiplicidade de afetos e desejos sexuais que podem existir em uma só pessoa, mas, pelo contrário, enxerga a orientação sexual das pessoas a partir do dado “com quem aquela pessoa se relaciona”. 

Para simplificar, vamos imaginar uma cena do dia a dia e a forma como ela provavelmente é lida por você.  Quando olhamos para um casal andando de mãos dadas na rua, imaginamos que, se forem dois homens, são gays; se forem duas mulheres, são lésbicas; se forem um homem e uma mulher, são heterossexuais. Mas você já parou pra pensar que todas essas pessoas podem ser bissexuais, assexuais, pansexuais, por exemplo?

As orientações não-monossexuais existem independentemente da aparência das relações e de como a sociedade as interpreta. No entanto, assumir isso enquanto sociedade, portanto, estruturalmente, seria ameaçar a estabilidade dos conceitos heterossexuais ou homossexuais. 

Isso porque, a partir do momento que a sociedade admite a existência de bissexuais e pansexuais, é como colocasse em xeque todas as orientações monossexuais. Afinal de contas, se namorar homens não comprova que Maria é heterossexual, o que comprova? E não tem nada que incomode mais pessoas heterossexuais do que serem confundidas com pessoas não heterossexuais.

E, se você que está lendo esse texto, for bissexual, sinto muito em te contar, mas irá ter sua bissexualidade questionada o tempo todo, com base nessas premissas. Outra estratégia comum para nos apagar é associar a bissexualidade à promiscuidade. É classificar a bissexualidade como aquilo que está na doença, no fetiche, na indecisão, na hipersexualização. 

23 de setembro é o dia de pedirmos por visibilidade e respeito. 
 

No aniversário do bicentenário do independência brasileira, Bolsonaro rouba a data para se autoproclamar o "rei dos antipatriotas"
por
Henrique Alexandre
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07/09/2022 - 12h

Como tudo está desajeitado e desbalanceado no Brasil, não era difícil imaginar que haveria um show de horrores na celebração dos 200 anos de independência do Brasil. O esquenta da data já tinha acontecido com a vinda do coração do Imperador Dom Pedro I, que foi recepcionado como um chefe de estado. A ação promovida pelo governo Bolsonaro já tinha dado mostra que a data seria um diferente do normal.

Eis que chega o 07 de setembro. Historicamente, essa data tem como objetivo de, além de ser uma celebração pacifica sobre a história do Brasil e sua saída das amarras da colonização portuguesa, ser uma oportunidade do chefe de estado mandar uma mensagem esperançosa para os brasileiros, aproveitando todo o miticismo que a efeméride traz. Porém, como desde 2018 os valores nacionalistas estão virados de ponta cabeça, Jair Bolsonaro usou o o dia da Independência para se autocelebrar, ter um palanque eleitoral e falar com os seus apoiadores do cercadinho. 

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Bolsonaro usa o dia da Independência Brasileira para vangloriar como "imbrochável" - reprodução

A atitude do presidente da República era até esperada. Isso porque o candidato está em desvantagem contra o seu principal oponente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em sete pesquisas eleitorais, sendo elas: 

  • PoderData (divulgada em 7 de setembro): Lula 43% x Bolsonaro 37%
  • Quaest (divulgada em 7 de setembro): Lula 44% x Bolsonaro 34%
  • Ipec (divulgada em 5 de setembro): Lula 44% x Bolsonaro 31%.
  • BTG/FSB (divulgada em 5 de setembro): Lula 42% x Bolsonaro 34%
  • DataFolha (divulgada em 01 de setembro): Lula 45% x Bolsonaro 32% 
  • Ipespe (divulgada em 31 de agosto): Lula 43% x Bolsonaro 35%
  • CNT/MDA (divulgada em 30 de agosto): Lula 42,3% x Bolsonaro 34,1%

Bolsonaro, que de nada é ingênuo, aproveitou a oportunidade e a carta branca que recebe das instituições fiscalizadoras para dar um show eleitoral e se promover. E com isso, o atual presidente pode ter cometido crimes de responsabilidade.

 

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Nada de novo no recinto: Bolsonaro usa sua condição de chefe de Estado para se autopromover

Segundo especialistas ouvido pelo jornal Folha de São Paulo, o presidente pode ter utilizado de verbas públicas para fazer campanha política pessoal e escancarada, sendo que o artigo 37 da Constituição brasileira diz que "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência". Ou seja, em uma comemoração onde Bolsonaro apareceu como chefe de estado, não poderia haver qualquer menção eleitoral, segundo a carta magna brasileira. 

 

Porém, quando se trata de Jair, qualquer coisa pode, mesmo com as mais das absurdas ações. 

Entretanto, mais do que o crime, o ato de hoje mostrou como Bolsonaro está em desespero com sua posição eleitoral. Com alto índice de rejeição - segundo o último Datafolha, 52% do eleitorado não votariam de jeito nenhum no atual presidente -,  e a possibilidade de perder para o seu maior pesadelo, o candidato do PL fala até de sua capacidade sexual, o que, aliás, não interessa a ninguém, menos do que o Brasil tem a melhorar.

Hoje foi mais um dia em que se mostrou que Bolsonaro não tem a menor capacidade de gerir o Brasil. Tudo que toca em sua mão, vira ruína. E não foi diferente com o 7 de setembro.

Mesmo com o aumento percentual para cargos públicos de destaque, a representatividade é falha e não acontece da maneira esperada
por
Melissa Mariano Joanini
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07/09/2022 - 12h

Desde 2018, as mulheres contam com uma reserva de 30% do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, popularmente conhecido como Fundo Eleitoral, para aquelas que desejam lançar sua campanha para cargos públicos no Executivo ou no Legislativo. Essa porcentagem deve ser destinada obrigatoriamente a essas campanhas.

A questão era: esperava-se um aumento de candidaturas femininas, o que de fato ocorreu, mas não como o esperado.

 Quatro anos após a aprovação da medida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE),  52% das chapas que estão disputando governos estaduais contam com a participação de mulheres.

A lei que possibilita o acesso monetário para a realização das campanhas possui uma brecha: ao distribuir os recursos da cota, os partidos podem aplicar essa verba em chapas que tenham mulheres como vice majoritariamente – verba que totalizará R$ 4,9 bilhões em 2022.

Ao analisar os postulantes aos governos estaduais, a maioria das mulheres está posicionada como vice. Das 217 campanhas lançadas até agosto que estão concorrendo aos governos dos 26 estados e do Distrito Federal, apenas 37 tem mulheres à frente, que significa 17% do total de candidatos para o cargo. Já o número de mulheres como vice chega a 85%, que representam 39% do total. Sendo assim, mesmo com o incentivo para aumentar a representatividade feminina na política brasileira, os homens ainda são uma expressiva maioria – 8 entre 10 encabeçando as disputas pelo poder executivo estadual.

O ‘pulo do gato’ entra exatamente nesta parte, a verba vai para candidaturas em que normalmente homens são cabeças de chapa.

É preciso analisar como essa articulação influencia a participação da mulher na política e, por consequência, na sociedade. Uma vez que o eleitorado é 53% feminino e 46% dos filiados aos partidos políticos, hoje, são mulheres, o predomínio masculino entre as chapas é desigual e até desproporcional.

Também é válido ressaltar que as mulheres votam há apenas 90 anos no Brasil, direito concedido pelo então presidente Getúlio Vargas, o que reforça uma participação tradicionalmente inexpressiva na vida política. A ausência de mulheres nos cargos políticos simboliza o quão a margem elas estão e como a sociedade brasileira é desigual e como exercem a sua cidadania – que não é plena.

Como a ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, disse: “quando uma mulher entra na política, muda a mulher; quando muitas mulheres entram na política, muda a política”, e é preciso que no Brasil entrem cada vez mais.