Oposição e movimentos sociais apontam contradição entre a agenda ambiental do governo e aumento da fronteira petrolífera na Amazônia
por
Iasmim Silva
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19/06/2025 - 12h

No mesmo dia em que representantes do governo brasileiro discursavam na conferência climática em Bonn, na Alemanha, defendendo um protagonismo ambiental rumo à COP30 (Conferência do Clima das Nações Unidas), a  Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), realizava um dos maiores leilões de áreas de extração de petróleo do ano, com destaque para locais na região da Foz do Amazonas.


O contraste entre discurso e prática acendeu alertas entre ambientalistas, diplomatas e organizações indígenas, colocando o Brasil em situação delicada poucos meses de sediar a COP30, marcada para novembro em Belém (PA).

Brasil leva preparativos da COP30 à conferência climática da ONU na Alemanha. Reprodução: UNFCCC.
Brasil leva preparativos da COP30 à conferência climática da ONU na Alemanha. Reprodução: UNFCCC.

O que foi leiloado?

O 5º ciclo da Oferta Permanente de Concessão da Agência Nacional do Petróleo (ANP) ofertou 172 blocos de exploração em cinco bacias sedimentares. Desses, 47 blocos estavam localizados na Bacia da Foz do Amazonas, uma área de rica biodiversidade marinha, com presença de corais, recifes e comunidades tradicionais.

Ao final do leilão, realizado nesta segunda-feira (16), 34 blocos foram arrematados, arrecadando R$ 989 milhões em bônus de assinatura, valor quase 65% acima da expectativa inicial da própria ANP.

Mais de 85% desse montante veio de lotes situados na Foz do Amazonas, arrematados por gigantes como Petrobras, Chevron, ExxonMobil e CNPC. O consórcio Chevron-CNPC, por exemplo, arrematou nove deles com um ágio superior a 1.200% em alguns casos.

Por que a Foz do Amazonas é tão polêmica?

A região onde os blocos estão localizados é ambientalmente sensível e ainda pouco conhecida. Estudos científicos recentes revelam a existência de recifes de corais e espécies únicas no encontro das águas do rio Amazonas com o Oceano Atlântico. Ambientalistas alertam para o risco de derramamentos e danos irreversíveis à biodiversidade.

Além disso, parte das áreas ainda não tem licença ambiental para exploração e não passou por consulta prévia a povos indígenas e comunidades tradicionais, como determina a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que pode levar à judicialização dos contratos.

O Ministério Público Federal no Pará entrou com ações pedindo a suspensão do leilão, enquanto ONGs ambientais classificaram a iniciativa como “incompatível com os compromissos climáticos do Brasil”.

O peso das emissões

A exploração dos blocos vendidos pode liberar até 11 bilhões de toneladas de CO₂ equivalente, segundo estimativas do Instituto Arayara, entidade internacional que atua há 30 anos na defesa do meio ambiente. Isso representa aproximadamente 5% do orçamento global de carbono disponível para manter o aquecimento abaixo de 1,5 °C, meta central do Acordo de Paris, tratado internacional juridicamente vinculativo sobre mudanças climáticas.

Só a Foz do Amazonas responderia por 4,7 bilhões de toneladas dessas emissões, mais do que todo o setor agropecuário brasileiro em seis anos.

Bonn, COP30 e o paradoxo climático brasileiro

Em Bonn, onde ocorre a reunião preparatória para a COP30, o Brasil buscou se firmar como liderança ambiental no sul global. A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, participou de encontros destacando a necessidade de um “balanço ético global” e defendendo que países em desenvolvimento recebam apoio para promover uma transição energética justa.


No entanto, o leilão de blocos fósseis no mesmo dia do evento internacional foi visto como uma contradição gritante. Líderes indígenas, como o cacique Ninawá Huni Kui, acusaram o governo de hipocrisia climática. “Não é possível falar em transição energética ao mesmo tempo em que se amplia a fronteira fóssil na Amazônia”, disse durante sua participação no painel de abertura do evento Diálogos Amazônicos.

Manifestantes e Cacique Ninawá Huni Kui reunidos em Bonn, na Alemanha, para protestar contra novo leilão de óleo e gás no Brasil. Foto: Divulgação/350.org.
Manifestantes e Cacique Ninawá Huni Kui reunidos em Bonn, na Alemanha, para protestar contra novo leilão de óleo e gás no Brasil. Reprodução: 350.org.

Interesse econômico ou estratégia de transição?

O governo federal e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) justificaram o leilão por meio de notas oficiais publicadas em 10 de junho de 2025, nos portais do Ministério de Minas e Energia (MME) e da própria ANP. Nas comunicações, alegam que a medida visa garantir a segurança no abastecimento de energia do país e gerar recursos que, segundo eles, serão destinados a financiar a transição energética para fontes renováveis.

Os contratos exigem investimentos em tecnologias de baixo carbono e preveem que parte dos recursos arrecadados possa ser destinada a projetos sustentáveis. A medida, no entanto, gerou questionamentos por parte de organizações ambientais.

Em nota publicada no dia 10 e 11 de junho, o Greenpeace criticou a realização do leilão e apontou contradições entre a expansão da exploração de petróleo e o compromisso do Brasil com a descarbonização. A entidade, que atua globalmente no monitoramento de políticas climáticas, afirmou que a iniciativa coloca em risco a credibilidade do país nas negociações internacionais sobre o clima.

Site Entrelinhas: em meio a arranha céus e vielas a natureza vai escorrendo
por
Vítor Nhoatto
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16/06/2025 - 12h

Apesar de viver-se um tempo de emergênciua climática e sentir seus efeitos na prática, nem todos são afetados da mesma forma. Para isso se dá o nome de racismo ambiental, tema central do novo site Entrelinhas. Idealizado e produzido pelo aluno de jornalismo, Vítor Nhoatto para a disciplina de Jornalismo Contra-Hegemônico, conta com a orientação da professora e doutora Anna Flávia Feldmann.

O projeto se desenvolve ao longo de uma série de quatro reportagens, que contam com entrevista de especialistas de norte a sul do Brasil e relatos de quem sente na pele o peso de viver em uma sociedade que precisa de mudança. É proposto um espaço de letramento racial e ambiebtal, baseado em dados e fatos, que muitas vezes são ofuscados pelos outdoors, ou ignoados por empresas e governos.

Com uma linguagem que se aproxima do dia a dia do leitor, o site ainda conta com reportagens especiais desenvolvidas pelo estudante, demonstrando como tudo está interligado. E para saber mais sobre as entranhas ambientais, é só acessar o Entrelinhas pelo link abaixo:

https://entrelinhasambiental.my.canva.site/

Com participação de lideranças indígenas e acadêmicas, simpósio destacou a urgência ambiental como eixo estratégico para a reconstrução do projeto político progressista
por
Anna Cândida Xavier
Camila Bucoff
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14/05/2025 - 12h

O seminário nacional sobre o futuro da esquerda brasileira: impasses e desafios ocorreu de 12 a 15 de maio no prédio de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade de São Paulo. A mesa de crise ecológica e emergência climática aconteceu na quarta-feira (14), mediada pelo Manifesto Coletivo e composta por Vladimir Safatle, docente responsável pelo evento, Jera Guarani, educadora e líder indígena do povo guarani mbya, e Luiz Marques, professor livre-docente aposentado e colaborador do Departamento de História da Unicamp. 

A mesa reforçou a necessidade de ações políticas e econômicas cientificamente e culturalmente informadas contra o aquecimento global. "Vivemos os anos mais frios do futuro", afirma o professor Luiz Marques, que  alerta para o aquecimento global de ao menos 2° celsius em finais dos anos 2030. Segundo o INPE, de 1971 a 2021, 3 milhões 052 mil e 247 km quadrados da cobertura vegetal nativa foi desmatada no Brasil e mais de 90% do desmatamento da Amazônia é para pastagem. Assim, o professor coloca o agronegócio como o inimigo número 1° do Brasil e o principal emissor de gases poluentes do país.  

Já Jera Guarani ressaltou a importância da demarcação das terras indígenas para a preservação ambiental e cultural do Brasil. Atualmente seu trabalho é voltado para a segurança alimentar indígena: “não dá para ter guarani forte e inteligente tomando coca-cola e comendo salgadinho. A comida é sagrada, o plantio e a colheita são fundamentais para a autonomia indígena", alerta.  

Vladimir Safatle afirmou que historicamente a questão ecológica está ausente na esquerda brasileira, “fomos cúmplices dessa ideia de progresso e desenvolvimento, um dos problemas fundamentais do capitalismo”, e reitera que devemos "habitar a terra, e não consumi-la como mercadoria – para ele essa é a irracionalidade estrutural do capitalismo, a exploração desenfreada de recursos finitos".

O professor defende ainda a soberania popular e que a esquerda deve sonhar novos futuros: "Esta crise ecológica nos coloca duas questões muito claras. A primeira delas é a sua urgência. Ela não aceita que nós esperemos mais 10 anos, nós esperamos mais 20 anos. Porque o seu processo de aceleração, como ficou claramente mostrado aqui, é exponencial. Ele exige uma ação para ontem. A segunda é entender que essa questão é, antes de qualquer coisa, um problema político. E se ela é um problema político, então, como todo problema político, se resolve quando nós mudamos aqueles que decidem sobre ele.

O modelo atual de decisão, que nos está sendo imposto, ele é uma parte do problema. Ele nunca vai ser uma parte da solução. Você pode gastar milhões com estas festas de diplomacia internacional - COPS 85, COPS 87, COPS 30 - em que você mobiliza setores muito engajados dos processos de organização da sociedade. Normalmente eles sempre saem frustrados, porque eles veem que, afinal de contas, essas reuniões não tem nenhuma função, já que sua função central e efetiva é gerenciar o tempo. Comprar tempo". 

A estudante de Ciências Sociais da universidade, Bruna Nascimento, também comenta sobre a questão. "Então, o que a gente, na verdade, está vendo, é uma contradição em relação à agenda do governo aqui dentro do Brasil, que é passar o PL do desmatamento no Senado, como aconteceu recentemente, ou trazer para a voga a exploração de petróleo na foz do Amazonas. Isso é o maior absurdo que a gente pode ouvir no momento que estamos falando sobre emergência climática no presente, não mais no futuro.

"Um momento em que o mundo já aumentou em mais de um grau e meio de temperatura, e isso é uma situação absolutamente emergencial. A gente deve esperar de um governo de esquerda mais alinhamento na pauta, mais alinhamento do que estamos discutindo", diz Nascimento.

"Como a gente pode discutir dentro da COP30 todos esses assuntos revolucionários, para a mudança climática, se dentro da nossa agenda, dentro do nosso Senado, estamos falando sobre desmatamento, sobre destravar a economia do país explorando recursos naturais", questiona Nascimento.

Charlon Fernandes, outro discente do curso, critica a forma como o governo federal tem conduzido o debate climático. "Acho que um governo de esquerda, quando vai debater a questão climática, tem que fazer um debate muito sério, o que a gente não vê hoje. Por exemplo, o governo brasileiro é um governo federal querendo pautar a extração de petróleo na foz do rio Amazônia, sendo que já existem pesquisas comprovando quão danoso isso será, um governo que em menos de 12 horas vai ter petróleo na Guiana, em águas internacionais, prejudicando todo o ecossistema mundial. A própria Petrobras anunciou que apenas em 48 horas ela pode conter um vazamento de petróleo, ou seja, o dano já está garantido, é um risco calculado, previsível, e que o governo federal está querendo tomar", diz Fernandes no evento. 

Para ele "outra questão que também tem que ser colocada no debate sobre as fontes renováveis, que é muito importante a gente avançar, mas não podemos fazer uma troca absurda como vem acontecendo. Como o caso da usina de Belo Monte,  que foi uma grande campanha do governo federal para construir uma usina hidrelétrica, mas que prejudicou diversos povos nativos, a cultura, povos quilombolas e ribeirinhos que foram totalmente danificados pela construção".

Além disso, a expansão das energias eólicas no Nordeste simboliza, por exemplo, em pesquisas apontadas por universidades federais, o dano a comunidades de bandos de pássaro. Ou seja, isso é um debate climático sério? A gente tem que fazer um aprofundamento, porque o governo federal não pode ser conivente com essas políticas que prejudicam o meio ambiente. Como é o caso do Plano Safra, que manda bilhões para o agronegócio, que desmata, que entra no jogo de crédito de carbono, e que não é uma política suficiente. A gente sabe muito bem que esses protocolos e as conferências do clima que acontecem esporadicamente não são a solução da crise climática, que esses acordos, como o Tratado de Paris, não são suficientes para combater e dar retrocesso à crise climática".

 

Apontada como uma ferramenta no combate às mudanças climáticas, a nuclearização envolve questões colaterais complexas
por
Vítor Nhoatto
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30/05/2025 - 12h

O setor de energia respondeu em 2024 por 68% de toda a emissão de CO2 no mundo, segundo relatório da United Nations Environment Programme (UNEP). O gás é o principal causador do aquecimento global e precisa diminuir drasticamente nos próximos anos, apontando para a necessidade da chamada transição energética e descarbonização. Mudar a forma como se produz energia é um desafio, e a nuclearização ressurge como uma possível resposta.

A produção de energia a partir de material nuclear é antiga, e de forma simplificada funciona em algumas etapas. O combustível radioativo (urânio) tem seus átomos divididos no processo de fissão, liberando uma grande quantidade de energia que aquece a água em torno do reator e o vapor gerado acaba movimentando turbinas na usina que geram a energia. 

O que chama a atenção para a modalidade é a produção de grandes quantidades de energia com pouco material e baixa pegada de carbono em comparação aos combustíveis fósseis. De acordo com dados de 2020 da German Environment Agency levantados pela organização holandesa fundada em 1978, World Information Service on Energy (WISE), para cada Kwh gerado por usinas nucleares, cerca de 117 gramas de CO2 são emitidos. No caso do carvão e do gás natural as médias giram em torno de 950 e 440 gramas respectivamente. 

Cláudio Geraldo Schön, doutor em Ciências Naturais pela Universität de Dortmund, mestre em Engenharia Metalúrgica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor titular na instituição destaca o potencial e a evolução nuclear com o passar dos anos. "Expandi-la poderia substituir as usinas termelétricas, diminuindo a geração de gases de efeito estufa [...] “o processo é continuamente atualizado, e resulta em avanços mesmo sendo uma tecnologia consolidada”.

Foi na extinta União Soviética que a primeira usina nuclear para uso doméstico começou a funcionar para contextualização, a Obninsk em 1954. Em seguida vieram outras, como a de Calder Hall no Reino Unido em 1956 e Shippingport nos Estados Unidos da América (EUA) em 1957. No Brasil, a usina Angra I foi a pioneira, com operações iniciadas em 1985.

Cinza e não verde

No entanto, o cinzento urânio traz um efeito não tão expressivo. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), se a capacidade de produção nuclear triplicasse, a redução na emissão de CO2 do setor de energia seria cerca de apenas 6% devido principalmente à grande quantidade de carbono liberada na construção de reatores e usinas, que exigem grandes quantidades de recursos e décadas até começarem a funcionar, e para a mineração do urânio também. 

Além disso, a pegada de carbono das principais fontes renováveis de produção de energia são bem mais baixas que a nuclear. Ainda de acordo com o levantamento de 2020 da German Environment Agency, no caso da solar, cada Kwh emite algo em torno de 30 gramas de CO2, para a eólica a cifra é inferior a 10 e para a hidrelétrica de apenas 4 aproximadamente. 

Para o especialista sênior em energia nuclear e integrante da WISE International, Jan Haverkamp, a energia nuclear não é efetiva e nem tem a emergência climática como foco. “O uso do argumento climático é uma cobertura para outros interesses [...] os países com uso tradicional de energia nuclear não a desenvolveram devido às alterações climáticas, o fator inicial foi militar como EUA, China, Rússia e Brasil. Já para outros países era um sinal de importância, como no caso da Romênia, Bulgária e Coreia do Sul. Ou ainda visando a redução da dependência do petróleo como na Alemanha e Reino Unido, ou ainda uma tentativa fracassada de desenvolver uma fonte barata de energia como na Suécia e Canadá”.

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Última usina nuclear na Alemanha começou a ser demolida em 2023, mas novo governo de extrema-direita avalia reativar a base; “resumindo, para alguns é geopolítica” comenta Jan Haverkamp - Foto: Thomas Frey / DPA / Picture Alliance

Atualmente existem 437 reatores nucleares em funcionamento no mundo, que representam 14% de toda a energia gerada no mundo, de acordo com a World Nuclear Association (WNA). Os EUA ocupam a primeira posição do ranking com 96 unidades, com França, China e Rússia em seguida com 56, 55 e 37 cada, respectivamente. O país asiático tem planos inclusive de se tornar uma potência nuclear, e até 2035 ter o dobro da capacidade atual dos EUA. 

No caso do Brasil, a geração nuclear responde por apenas 2% da matriz energética, produzidos nas usinas Angra I e Angra II. Ambas fazem parte da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, ao lado da Angra III, ainda em obras, e o complexo começou a ser construído durante a ditadura militar no país.  

Aquilino Senra Martinez, doutor em Ciências da Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia da Presidência da República explica as nuances da modalidade: “O seu uso para geração de eletricidade depende do contexto de cada país. Em lugares com alta demanda e poucos recursos renováveis, a sua expansão pode ser estratégica. No cenário das mudanças climáticas, ela não pode ser descartada, mas também não deve ser tratada como solução única".

Com dimensões continentais e clima tropical, o Brasil se destaca no cenário mundial justamente pelo seu potencial de produção energética renovável, e hoje é referência no quesito. O Balanço Energético Nacional (BEN) de 2024, feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em parceria com Ministério de Minas e Energia (MME), constatou que foi de 49% o índice de energia proveniente de fontes renováveis. 

Mesmo assim, no fim do ano passado a usina Angra I teve seu licenciamento para operação renovado por mais 20 anos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão do Governo Federal, e demandará investimento de R$3,2 bilhões nos próximos 3 anos. A continuação das obras de Angra III seguem em análise, mesmo com a administradora das usinas, a empresa de capital misto Eletronuclear, tendo uma dívida de R$6,3 bilhões com a Caixa e o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). 

As operações no terceiro reator foram paralisadas em 2015 e voltaram somente em 2022 após reajuste do orçamento, com 65% das obras concluídas. Isso demandou um investimento até então de R$7,8 bilhões, e apesar da conclusão não ter sido incluída no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) anunciado em 2023, estima-se cerca de R$20 bilhões necessários para tal.

Para Rárisson Sampaio, porta-voz da Frente de Transição Energética do Greenpeace Brasil, essas cifras revelam como a nuclearização desvia dinheiro necessário das fontes renováveis e ameaça um desenvolvimento sustentável e acessível. “O investimento em usinas nucleares não se conecta com a realidade do país, que poderia direcionar tais recursos para outras áreas, fortalecendo políticas como o Luz para Todos, que garante acesso a fontes de energia limpa, segura e barata, combatendo a pobreza energética e alinhando-se aos ODS da Agenda 2030”, diz Sampaio. 

Criado em 2003, o programa do Governo federal tem como intuito universalizar o acesso à energia no país, especialmente em áreas afastadas e periféricas e já impactou 17,5 milhões de pessoas. Para essa nova fase, uma das frentes é justamente possibilitar a instalação de placas solares em domicílios de baixa renda. 

Jan Haverkamp, da WISE, defende como em muitos países o investimento na energia nuclear desvia efetivamente o foco e dinheiro para medidas concretas no combate às mudanças climáticas, o que não é verídico: “As fontes de energia renováveis ​​produzem atualmente mais energia do que a nuclear em todo o mundo, e essa quantidade continua aumentando. A geração nuclear está mais ou menos estável há 3 décadas. A Finlândia, por exemplo, está atrasada na implementação de energia eólica desde que decidiu construir a usina Olkiluoto 3, que sofreu um atraso significativo”.

Segurança x planejamento

De acordo com estimativas de 2024 da Agência Internacional de Energia, a demanda energética global aumentará 4% ao ano entre 2024 e 2025, cifra bem maior que os 2,5% registrados em 2023. Os principais impulsionadores serão o maior uso de ar-condicionado devido justamente às mudanças climáticas, a progressiva eletrificação da frota de veículos, imprescindível na descarbonização do setor, e pelo avanço das Inteligências Artificiais (IA). 

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Demanda por energia pelas big techs só cresce, tal qual o uso de água potável para resfriamento dos computadores, o que aponta para uma necessidade de consciência ao usar IAs e a internet -  Foto: Microsoft / Divulgação

Os data centers deverão mais que duplicar as suas necessidades de energia até 2030 segundo a AIE, ultrapassando em alguns anos a energia consumida pelo Japão. Corroborando com esses indicativos, o Ministério de Minas e Energias realizou um estudo que aponta para um aumento de 25% na necessidade de produção energética brasileira até 2034. Nesse cenário, uma questão levantada na transição energética é a segurança e expansão necessárias para a manutenção sadia da sociedade.

Carlos Schön argumenta sobre o papel da energia nuclear, portanto, e as questões em relação ao clima: “Nós produzimos muita energia, mas ainda é pouco considerando o tamanho do país [...] a energia nuclear é a principal aliada das fontes renováveis, justamente porque essas dependem de fatores extrínsecos (sol na geração fotovoltaica, vento na geração eólica) que por sua própria natureza são flutuantes”.

Uma vez extraído do solo, o urânio pode abastecer por décadas uma usina nuclear, as quais em média podem funcionar por 40 anos, com a possibilidade de extensão, como no caso de Angra I, em funcionamento desde 1985 e renovada até 2044. Tudo isso acontece também sem depender de fatores externos como o vento, que pode danificar as hélices das turbinas eólicas, as nuvens que afetam a produção solar e a variação dos reservatórios que impactam as hidrelétricas. 

Contudo, Ana Fabiola Leite Almeida, professora do Departamento de Engenharia Mecânica e Produção da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Mestre em Química pela instituição, destaca que o problema reside no planejamento energético. Mesmo que a produção diminua, é algo manejável com vontade. “O risco não está nas renováveis em si, mas na falta de planejamento. Em cenários críticos, pode haver queda média de 20 a 40% na produção energética dependendo da região, mas com previsibilidade climática, diversificação geográfica e sistemas híbridos conseguimos mitigar esses efeitos”, explica Almeida.

Em períodos como de ondas de calor em que a demanda energética aumenta, fontes como as termelétricas passam a ter maior participação na produção de energia, e como são mais caras que as hidrelétricas, a conta de luz pressiona o bolso da população. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no acumulado de 2023 o aumento na tarifa foi de 9,52%, bem acima da inflação, de 4,62% no mesmo período. 

Relatório de 2024 do Tribunal de Contas da União (TCU) em parceria com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Empresa de Pesquisa Energética aponta que a nuclearização não resolveria justamente essa questão. A energia nuclear produzida em Angra III aumentará em 2,9% a conta de luz por ano e custará à população até 77 bilhões em despesas na contratação se a obra for concluída.

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“Existe todo um investimento que pode ser perdido, mas não justifica a continuidade de Angra III. É o resultado do  mal planejamento e desalinhamento com a política energética aponta Rarisson do Greenpeace - Foto: Eletrobras / Divulgação

O mesmo estudo do TCU destaca que as despesas com a obra “parada” chegam a R$2 bilhões por ano e uma desistência definitiva custaria cerca de R$13 bilhões, menos que o montante necessário para conclusão. Países como Áustria, Portugal e Dinamarca não classificam a energia nuclear como uma fonte limpa, e Itália e mais recentemente Alemanha, desativaram seus reatores ainda em funcionamento.

No caso do Brasil em relação ao setor de energias, as renováveis se destacam em várias frentes. Segundo o “Atlas Eólico” de 2022 do governo do Espírito Santo em parceria com a Embaixada Alemã, o potencial de geração pelo vento somente no estado é de 160 GWh, quase um terço da demanda anual do país hoje.

A energia solar também é outro enorme potencial, levando em consideração que o Brasil é o país que mais recebe irradiação solar no mundo, até então desperdiçado. Em 2023 a companhia de consultoria BloombergNEF apontou que se as políticas de incentivo à modalidade permanecerem iguais, em 2050 a capacidade de geração será de 121 GW por ano. Na ocasião, o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), Ronaldo Koloszuk, defendeu que isso pode acontecer ainda em 2040 com apoio e expansão do setor. 

Ana Fabiola destaca: "O Brasil tem um dos maiores potenciais renováveis do mundo, mas para isso precisamos investir em inovação, infraestrutura de rede, armazenamento e educação técnica [...] é preciso ter suporte de armazenamento, interligação entre regiões e tecnologias de resposta à demanda. As fontes renováveis podem sim suprir a demanda crescente se houver vontade política e investimento contínuo", afirma. 

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Maior parque solar do mundo fica em Minas Gerais e foi inaugurado em 2023, fazendo com que a capacidade do estado chegue a 8 GW por ano - Foto: Solatio / Divulgação

Potencial radioativo denso

Falando em demandas futuras e recursos para sanar problemas sem gerar mais, uma outra implicação da energia nuclear gira em torno dos resíduos perigosos da atividade. A World Nuclear Association aponta que o resíduo nuclear equivalente à demanda de uma pessoa por um ano é do tamanho de um tijolo. Pode não parecer tanto de início, mas o problema está na radioatividade do material. 

A meia vida do urânio 235, o tempo que o material leva para se desintegrar e deixar de ser extremamente radioativo, gira em torno de 700 milhões de anos. Durante esse tempo as substâncias líquidas e sólidas precisam ficar armazenadas e isoladas do mundo, seja em reservatórios subterrâneos, piscinas gigantes ou toneis de chumbo. Não existe hoje uma solução para esse material, e como os primeiros usos são do século passado apenas, respostas sobre o comportamento dele também não foram encontradas. 

Isso em si já acende um alerta pois relega uma questão das gerações passadas às futuras, e a possível fuga de material radioativo das usinas pode colocar em risco a segurança nacional com a produção de bombas. Mas olhando para a história mais uma vez, a situação se complica. Em 1986 ocorreu na atual Ucrânia o famigerado desastre nuclear de Chernobyl, zona até hoje inabitável. A explosão da usina contaminou uma área de milhares de quilômetros ao seu redor, causou milhares de mortes e adoeceu os que resistiram. Um caso mais recente foi em Fukushima no Japão em 2011, que apesar de menor e diferente, reforça o cuidado exigido. 

Aquilino Senra afirma que a questão é muito relevante no debate atual, mas avanços foram feitos e que não deve ser a única levada em consideração: “É essencial que seja considerado dentro de um contexto histórico e tecnológico, à luz dos avanços obtidos nas décadas subsequentes e da comparação com outras fontes de geração de energia, como as fontes fósseis, que também provocam milhares de mortes anuais em decorrência da poluição atmosférica”.

A Organização das Nações Unidas estima que por ano a poluição atmosférica mata entre 7 e 8 milhões de pessoas ao redor do mundo. Somente no ano de 2021, 8,1 milhões de pessoas morreram, além do fator contribuir decisivamente para o desenvolvimento de câncer de pulmão e doenças respiratórias. 

Fazendas de turbinas eólicas, sítios de placas solares e usinas hidrelétricas também estão sujeitas a acidentes e impactam o meio ambiente, mas em um grau muito menor. Além dos grandes desastres, existe a possibilidade de vazamento de material radioativo. No Brasil, por exemplo, a Comissão Nacional de Energia Nuclear constatou um caso em 2022 na unidade de Angra I, no qual a água contaminada chegou ao mar. Na ocasião, a Eletronuclear foi multada em mais de R$2 milhões de reais pelo órgão

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ONG fez protestos em frente a usina de Angra I e relembrou o desejo ilegal de milhões de litros de água contaminada pela usina em 1986 - Foto: Greenpeace Brasil / Divulgação

Rárisson do Greenpeace destaca: “a energia nuclear não tem lugar em um futuro seguro, limpo e sustentável. A energia nuclear é cara e perigosa. Apesar de oferecer energia não intermitente, há outras soluções no país que podem ser mais eficientes, seguras e baratas [...] só porque a poluição nuclear é invisível não significa que seja limpa, nessa conta toda, a energia nuclear é inexpressiva”.

Mesmo assim, nos últimos anos empresas e nomes do vale do silício floresceram no cenário da nuclearização em defesa dos chamados Small Modular Reactors (SMR), em tradução livre, pequenos reatores modulares. Segundo a Agência Internacional de Energia, as unidades menores podem ser uma solução para a demanda crescente por energia dos data centers, e por serem menores, construídos em uma fábrica e depois enviados ao local de destino, podem baratear os custos.

Com um tempo de construção diminuído para cerca de 5 anos em comparação aos reatores convencionais e cinco vezes menores em tamanho, o primeiro SMR instalado no mundo data de 2023 na China, o Linglong One. A capacidade do reator será de 1 GW quando entrar em operação regular segundo a Corporação Nacional de Energia Nuclear da China. Mesmo assim, de acordo um estudo independente da Universidade de Stanford que avaliou os dados preliminares da empresa norte-americana NuScale Power, mais lixo radiativo é gerado e há maior dispersão de energia no interior dos SMRs.

Os principais projetos na área ainda vão levar tempo também, com expectativa de começarem a operar em meados da próxima década apenas, como o da britânica Rolls Royce. Ainda existe a startup de Bill Gates, Terra Power, com expectativa que o seu reator em Wyoming, o estado menos populoso do país, entre em operação no começo de 2030. No entanto, nessa data as emissões de CO2 na atmosfera já deverão ter caído 42% para que o aquecimento fique em 1,5 graus celsius de acordo com o relatório de 2024 da United Nations Environment Programme.

 “Não é surpresa que tecno-oligarcas como Gates, Musk, Zuckerberg e Bezos sejam especialmente atraídos pelas ideias por trás de pequenos reatores nucleares modulares. Mas eles não percebem que essas tecnologias são fundamentalmente diferentes da internet ou mesmo das estruturas de energia renovável, incluindo armazenamento, com custos mais elevados em comparação com sistemas totalmente renováveis, tempos de desenvolvimento muito mais longos e sérios riscos”, alerta Jan Haverkamp da WISE International.

Questões climáticas serão discutidas em meio a Amazônia
por
Cecília Schwengber Leite
Helena de Paula Barra
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09/05/2025 - 12h

Entre os dias 10 e 21 de novembro, Belém (PA) hospedará a 30° Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30). Durante o evento, a capital paraense receberá líderes mundiais, cientistas, organizações não governamentais e representantes da sociedade civil com o objetivo de discutir ações para enfrentar a emergência climática global. Os principais temas a serem debatidos são a redução de emissões de gases de efeito estufa; adaptação às mudanças climáticas; financiamento climático para países em desenvolvimento; tecnologias de energia renovável e soluções de baixo carbono; preservação de florestas e biodiversidade; justiça climática e os impactos sociais das mudanças climáticas.

Capital paraense se prepara para receber mais de 40 mil visitantes durante os principais dias da Conferência. Foto: Marcelo Souza / Agência Pará
Capital paraense se prepara para receber mais de 40 mil visitantes durante os principais dias da Conferência. Foto: Marcelo Souza / Agência Pará

Em entrevista à AGEMT, Sérgio Haddad, economista, pedagogo e mestre e doutor em História e Sociologia da Educação pela Universidade de São Paulo (USP); e Janaina Uemura, formada em relações internacionais pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), e em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) levantam as principais questões envolvendo a simbologia da COP-30 ter Belém como sede e o papel dos governos e sociedade civil em eventos como esse, principalmente com relação aos seus desdobramentos. Para ouvir a matéria completa, acesse o link:

 

Alguns de seus efeitos já são sentidos pelos brasileiros, como o aumento dos termômetros nas cidades em pleno inverno
por
Davi Alves Pinto
João Paulo Di Bella Soma
Pedro Premero
|
13/11/2023 - 12h
Floresta em chamas

 

Antigamente, algumas tribos indígenas utilizavam o fogo para fertilizar o solo, realizando  queimadas controladas, sem o risco de se alastrar para o restante da floresta. No entanto, nos dias de hoje, as queimadas são utilizadas para a expansão da agricultura e agropecuária, principalmente nas regiões do cerrado e da floresta amazônica. Esta prática tornou-se uma opção atrativa devido à sua rapidez e baixo custo para limpar áreas desmatadas. As consequências dessa abordagem podem ser desastrosas, tornando extremamente difícil a recuperação das áreas afetadas. Os impactos não se limitam apenas ao Brasil, mas reverberam globalmente, representando uma ameaça irreparável para o meio ambiente.

No primeiro semestre de 2023 foram queimados 2,15 milhões de hectares, evidenciou o levantamento da MapBiomas. A pesquisa ainda mostra que 68% de todas as queimadas no Brasil aconteceram na Amazônia, 1,45 milhão de hectares queimados. O cerrado teve 639 mil hectares destruídos, representando 30% das queimadas no país, sendo o segundo bioma mais afetado. Segundo Ane Alencar, coordenadora do MapBiomas Fogo e diretora de Ciência do IPAM, a poluição do ar decorrente das queimadas é um dos maiores problemas na floresta amazônica. "É mais um indicativo da necessidade de reduzir o uso do fogo na região, principalmente em anos como esse com ondas de calor frequentes e período de seca mais intenso decorrente do El Niño, fenômeno natural caracterizado pelo aquecimento anormal das águas do oceano Pacífico na sua porção equatorial" completa Alencar.

 

Queimadas por estado de 1º de janeiro até 22 de fevereiro de 2023
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)

 


Mas, quais são as causas das queimadas no Brasil? e as consequências? Nossa equipe de reportagem decidiu ir a fundo e investigar no que as mudanças climáticas recentes têm a ver com este dano ambiental majoritariamente causado pelo homem.

 

Apocalipse?

Em São Paulo, maior cidade do país, faz 5 anos que, ao menos uma vez ao ano, o céu fica escuro e faz o dia virar noite. Mas não por um eclipse solar ou tempestade, ou até praga bíblica, e sim por conta dos incêndios que ocorrem por toda a flora brasileira, a maioria esmagadora dessas queimas tem origem justamente na ação humana.

Mas é verdade que as nuvens que escurecem parte do país não eram apenas “fumaça”, trata-se de dois fenômenos, um meteorológico e outro antrópico, que se juntaram. é o que afirma o professor Ricardo Marcílio em seu canal no YouTube “Trata-se de um fenômeno natural nessa época do ano. a MPA (Massa Polar do atlântico) vem do sul erguendo vapor quente e úmido onde passa e formando nuvens densas que não permitem a passagem de luz (...) junto com outro fenômeno natural e antrópico das queimadas no centro-oeste, que acaba condensando a fumaça que vinha do continente e torna tudo ainda mais ‘escuro’”

 

Foto tirada no dia 19/8/2019 por Bruno Ulivieri/Ofotográfico

 

É fato que as queimadas não são apenas causadas pela ação humana, mas as atividades mais  custosas ao meio ambiente são as atividades da agropecuária. Segundo o monitoramento do MapBiomas sobre a Evolução Anual da Cobertura e Uso da Terra (1985-2022), 50% da área de mata nativa do Cerrado, o bioma brasileiro mais afetado pelo fogo nos últimos 5 anos, hoje está dedicada ao agronegócio, sendo a maior parte dedicada à criação de gado.

No pantanal, uma das regiões onde ocorreram as queimadas que escureceram o céu da capital paulista, o cenário se repete: 99% do território onde se pratica a agropecuária é atribuído a pastagem de boi. O cultivo de gado, inclusive, está totalmente atrelado a este movimento expansivo-agressivo no Brasil. Pois justamente é o boi que necessita de espaço e uma vegetação campestre para poder ser criado em massa.

 

Solo empobrecido

Na agricultura a técnica da queimada é usada, mas não é benéfica, visto que a queimada tem consequências praticamente irreversíveis no solo, segundo estudo publicado pela Embrapa: o incêndio altera, direta ou indiretamente, as características físicas, químicas, morfológicas e biológicas dos solos, como o pH, teor de nutrientes e carbono, biodiversidade da fauna, temperatura, porosidade e densidade.

 

Foto/Reprodução: Jacto

 

Este processo torna o campo extremamente pobre para qualquer cultivo que não seja a monocultura geneticamente modificada. Isso empobrece não somente o chão, mas também a própria qualidade do alimento, além de secar lençóis freáticos, podendo, literalmente, criar um deserto a longo prazo.

As consequências imediatas das queimadas nos últimos anos no Brasil representam um desafio complexo, envolvendo não apenas impactos ambientais, mas também sociais e econômicos. O aumento significativo dos focos de incêndio, intensificado pelo desmatamento, coloca em risco a diversidade biológica, compromete a qualidade do ar e representa uma ameaça para as comunidades locais. A relação entre as queimadas e o desmatamento, como indicado por especialistas, ressalta a necessidade urgente de estratégias integradas de preservação e conscientização. O alarmante aumento no número de incêndios na Amazônia, superando registros anteriores, requer medidas imediatas para mitigar os danos e preservar um patrimônio natural essencial não apenas para o Brasil, mas também para o equilíbrio ambiental global.

 

Impactos das queimadas

As queimadas têm um impacto direto na natureza brasileiro, várias espécies, tanto de planta quanto de animal, acabam sofrendo. Uma pesquisa feita entre 2001 e 2019 pela  Universidade do Arizona (EUA), com participação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) analisou 11.514 espécies de plantas e 3.079 espécies de animais vertebrados, entre aves e mamíferos. Dos que já estavam ameaçados de extinção, entre 70% e 85% perderam grande parte de seus habitats naturais pelo fogo. Na Amazônia, há uma grande quantidade de plantas que têm propriedades medicinais, de alimentação, são mais de 2.000 mil registradas, de mais de 30.000 mil que participam do ecossistema, e grande parte pode ser perdida pelas queimadas.

Outros que são afetados com as queimadas são as tribos nativas, muitas de suas terras são invadidas e tomadas pelos agricultores para expandir as suas plantações. Esse número de invasões vêm aumentando nos últimos anos por conta da má fiscalização e medidas ineficientes do governo.

As queimadas também influenciam no aumento do efeito estufa, por conta da alta emissão de gás carbônico para a atmosfera e o aumento do aquecimento global. Esse calor intenso provoca queimadas naturais, principalmente no cerrado, onde é muito seco, e são muito difíceis de serem controladas, por ser em alta escala.

                      

 

Redução de danos

Vários dos dados que constam nesta reportagem foram retirados do site MapBiomas, organização que monitora mensalmente as atividades benéficas e maléficas ao meio ambiente Brasileiro e mundial, lá você pode acompanhar os acontecimentos e dados atualizados do desmatamento no Brasil.

Além do MapBiomas, há também organizações sérias que ajudam no combate ao fogo nas matas brasileiras, como o instituto SOS Pantanal, uma das organizações não governamentais mais ativas e confiáveis no combate a queimadas no centro-oeste, que inclusive aceita doações, que serão convertidas de forma confiável e prestativa nesta batalha pelo meio ambiente.

A luta pelo meio ambiente próspero é de todos, inclusive dos que moram em meio urbanos, vamos cuidar para que o futuro continue a ser verde e a natureza resista.

 

Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de Jornalismo da PUC-SP

A “selva de pedra” vai além de concreto e dias cinzentos
por
Isabelli Albuquerque
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12/11/2023 - 12h

A maioria das pessoas ao pensar na cidade de São Paulo imaginam um lugar caótico e lotado de prédios – o que não deixa de ser verdade, mas a cidade tem muito mais a oferecer além de edifícios e mais edifícios. Mesmo sendo uma grande metrópole, a capital paulista é a sexta cidade mais arborizada do país, contando com 113 parques e áreas verdes espalhadas por seu território.

O ensaio fotográfico a seguir mostra apenas uma pequena parcela da natureza encontrada em São Paulo, focando no centro da cidade, onde é possível encontrar diversas árvores dobrando uma esquina.

Largo do Paissandú visto da Galeria do Rock. Foto: Isabelli Albuquerque 
Praça da República. Foto: Isabelli Albuquerque 
Esquina da Avenida Ipiranga com a Avenida São Luís. Foto: Isabelli Albuquerque 
Jardim da Prefeitura de São Paulo e Viaduto do Chá. Foto: Isabelli Albuquerque 

 

Shopping Light. Foto: Isabelli Albuquerque 

 

Vale do Anhangabáu. Foto: Isabelli Albuquerque 
Edifícios no Vale do Anhangabau. Foto: Isabelli Albuquerque 

 

Funcionários de cooperativas de reciclagem não têm reconhecimento dos governos e seus trabalhos são desvalorizados
por
Laura Paro
Yasmin Solon
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21/11/2023 - 12h

Por Laura Paro (texto) e Yasmin Solon (audiovisual)

 

Montanhas e montanhas de lixo, mais especificamente de materiais recicláveis. Pessoas trabalhando incessantemente, separando cada reciclável com suas próprias mãos e colocando em sacos grandes. Mais oito toneladas de lixo chegam para continuar o trabalho do dia. Essa é a rotina da Associação Vinte e Oito, uma das quase trinta cooperativas de reciclagem habilitadas em São Paulo.  Localizada em um galpão atrás de uma viela na Avenida Sapopemba do bairro Jardim Adutora, no extremo da zona leste da capital paulista, a cooperativa surgiu há cerca de 10 anos. O caminho até lá, partindo do centro da capital, é longo: um ônibus, um trajeto de metrô, um trajeto de monotrilho e depois uma viagem de 20 minutos de carro, totalizando aproximadamente uma hora e meia até o destino final. Ao chegar lá, o que se vê primeiro são pilhas de lixo reciclável em um local amplo, quase todo a céu aberto, e pessoas separando manualmente, em sacos grandes, cada variedade de material.

 

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Montanha de lixo reciclável, vista logo na entrada da Associação Vinte e Oito. / Imagem: Yasmin Solon

 

Marlene, a presidente da entidade, lida diariamente com essas montanhas de lixo. Ela conta que a organização surgiu não só para promover melhorias no meio ambiente, mas também para ajudar pessoas necessitadas: a maioria dos funcionários é composta por mulheres que antes estavam desempregadas, com filhos e em situações difíceis. Ela conta que o trabalho na cooperativa funciona a partir da reciclagem e os funcionários, ao receberem mais de oito toneladas de lixo por dia, separam os materiais por categoria (plástico, papel, papelão, metal, entre outros). Depois de passar por muitos outros processos, o material é vendido a várias empresas, que compram por quilo e por um preço absurdamente barato comparado ao trabalho árduo, pesado e braçal que é realizado ali, por pouco mais de 70 pessoas. Quando fundou a cooperativa, o que ela mais queria era ajudar a situação do bairro e empregar as pessoas que necessitavam de ajuda, e foi exatamente isso o que foi feito – essa é a principal função da associação por trás de “somente” separar o lixo. É no sentido de que, por trás de toneladas de papelões e plásticos das mais diversas especificidades e estados, pessoas vulneráveis encontram uma forma de renda para sustentar a família e ainda de poder manter o forte compromisso com o meio ambiente.

A questão é que a invisibilidade de uma atividade importante como essa é a realidade atual da cooperativa e das pessoas que trabalham lá. Ao passarem horas embaixo de um sol escaldante ou na chuva intensa para analisar o que de fato é material reciclável e o que é lixo, dão alguma dignidade merecida para o meio ambiente – uma ação que deveria ser feita juntamente com todos os habitantes do Planeta, mas que na verdade preocupa apenas alguns cidadãos que são os que se propõem a fazer. E mesmo assim, essas pessoas não têm o reconhecimento merecido e digno, algo que faz parte do mínimo para viver bem.

Uma dessas pessoas é Patrícia, de 31 anos, que tem duas filhas pequenas e começou a trabalhar na entidade depois de se sentir na necessidade de ter uma renda mínima para sustentar suas filhas. Ela conta que, em lugares como este, as pessoas não têm valor e são tratadas como lixo; mas que mesmo assim, ela aprecia o que faz. Patrícia encontrou não só uma forma de ajudar financeiramente a família, mas também de ajudar a natureza em que ela e toda a sociedade vivem.

 

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Patrícia, à esquerda, e Marlene, à direita. / Imagem: Yasmin Solon

Além disso, ao reforçar ser possuidora de um trabalho digno como qualquer outra pessoa, Patrícia conta que não sabe como seria a vida e o ambiente caso não existissem as cooperativas. Uma atividade que deveria ser feita por todos dentro de suas próprias casas, na realidade, é um trabalho considerado invisível pela sociedade. E é com esse descuido das pessoas que vivem os catadores, com uma vida difícil e muitas vezes mínima. Patrícia diz que eles cuidam de algo que, na verdade, deveria ter sido cuidado por todas as pessoas em todos esses anos de vida; não é somente sobre as oito toneladas que a associação recebe por dia, mas sim, sobre o acúmulo de lixo e descuido que tem transformado o ambiente em um lugar quase que inabitável.

Na verdade, aqueles que lidam com o que a maioria pensa ser um problema do governo, sequer são assistidos por este. Marlene contou e Patrícia criticou o corte na distribuição das cestas básicas que contribuem para a renda e subsistência de famílias que eram fornecidas pela prefeitura. Além disso, a presidente relata que o problema principal reside nas condições que os recicladores se encontram, devido ao baixo retorno financeiro da associação, que até final do ano passado era melhor. Este ano, o preço dos materiais baixou muito e, consequentemente, a renda mensal dos trabalhadores sofreu uma grande queda. Isso tudo porque a cooperativa se mantém de forma independente, não possuindo nenhum auxílio do governo ou qualquer patrocínio, sendo o dinheiro escasso até para comprar materiais de trabalho (como luvas que seriam usadas no manuseio do lixo) ou para comprar as cestas básicas aos trabalhadores, que atualmente estão suspensas.

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Trabalhadores separando uma parte do material já reciclado, pronto para ser vendido. / Imagem: Yasmin Solon

Marlene conta que, mesmo sendo difícil e mesmo sem o amparo necessário do governo, a entidade se mantém funcionando. De acordo com a presidente e a Patrícia, a atividade de reciclagem é feita por amor e força de vontade, pois financeiramente a entidade não obtém muito retorno. A associação tem dificuldades em manter os seus compromissos financeiros e, segundo Marlene, a situação fica ainda mais complicada com os funcionários, que precisam desse dinheiro para sobreviver.

A reciclagem deveria ser reconhecida por todas as pessoas de uma sociedade e praticada individualmente e diariamente por todos. As cooperativas, que se envolvem na pauta ambiental e executam esse trabalho indispensável ao ecossistema, não possuem o apoio e o reconhecimento que deveriam ter. É um trabalho árduo em prol de um ambiente mais saudável, mas os envolvidos não possuem sequer uma vida digna. É nesse sentido em que, infelizmente, com uma pauta tão importante e necessária como essa, se perpetua a negligência por parte do governo, o que é também uma forma de desprezar os trabalhadores envolvidos que são considerados invisíveis.

 

 

Nova vegetação é alternativa para a desertificação causada pelo desmatamento no local
por
Ana Julia Bertolaccini
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30/10/2023 - 12h

O reflorestamento feito por um dos vizinhos da Avenida Paulo Azzini em Mairinque (cidade do interior de São Paulo) é exemplo bem sucedido de uma alternativa para reverter a desertificação causada pelo desmatamento. Neste local, a duplicação da via e a retirada dos eucaliptos para venda causaram a degradação da vegetação local. O desmatamento e a perda de solo fértil e produtivo intensificam os efeitos da crise climática que o planeta enfrenta, recentemente classificada como fase de “ebulição global” pelo secretário-geral da ONU (União das Nações Unidas), pois a redução do número de árvores é uma das causas do efeito estufa. Iniciativas de reflorestamento como essa servem de inspiração para a construção de uma consciência ambiental, necessária para a desaceleração de um dos maiores problemas ambientais da atualidade.

foto 1
Espécie de planta com textura aveludada, encontrada na Avenida Paulo Azzini// Autor: Ana Julia Bertolaccini
foto 2
Espécie plantada recentemente// Autor: Ana Julia Bertolaccini
foto 3
Folhas de pé de manga//Autor:Ana Julia Bertolaccini
foto 4
Espécie de planta com folha grande e brilhosa// Autor: Ana Julia Bertolaccini
foto 5
Espécie de planta popularmente conhecida como Espada-de-São-Jorge// Autor: Ana Julia Bertolaccini
foto 6
 Avenida Paulo Azzini, Mairinque- SP// autor: Ana Julia Bertolaccini

 

Investimento milionário da Alemanha gera visibilidade e possibilita o pioneirismo brasileiro na mitigação dos gases de efeito estufa
por
Malu Araujo
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10/10/2023 - 12h

Na última semana de setembro, dia 28, foi inaugurado o primeiro Centro de Hidrogênio Verde do Brasil, na Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), em Minas Gerais. 

As expectativas são de que o novo centro ajude na pesquisa do uso de hidrogênio verde como uma energia limpa alternativa para reduzir a poluição.

Combustível do futuro: Centro de Hidrogênio Verde é inaugurado em Itajubá, MG — Foto: Divulgação / GIZ
Combustível do futuro: Centro de Hidrogênio Verde é inaugurado em Itajubá, MG — Foto: Divulgação / GIZ

O investimento de quase R$ 25 milhões do governo alemão no projeto promove a análise do uso de hidrogênio em processos industriais, na produção de energia elétrica e como uma fonte alternativa sustentável para a mobilidade urbana. O Centro de Hidrogênio Verde (CH2V) será gerado exclusivamente por energia renovável (painéis fotovoltaicos) e abrigará laboratórios destinados a diferentes frentes de pesquisa focadas no uso do hidrogênio para reduzir a emissão de carbono.

Além disso, a CH2V também contará com a inserção de disciplinas ligadas à UNIFEI com foco no hidrogênio verde, com o objetivo de promover mais conhecimento, troca de experiências e qualificação profissional na área.

O professor de Engenharia Elétrica e de Controle e Automação da UNIFEI, Rondineli Rodrigues, contou que com o CH2V espera-se não apenas o fomento da pesquisa, mas também novas áreas de estudo.

O docente explica que as pesquisas não se restringem aos laboratórios do centro. Na verdade, o objetivo é ampliar o ensino para alunos da graduação, inicialmente em EAD, contemplando também outros cursos e níveis de formação, com os cursos de pós-graduação e especialização. 

Para além desse leque que se abre, Rodrigues também acredita que o Brasil possa se tornar um dos “grandes players mundiais em relação à produção de hidrogênio verde e, consequentemente, no desenvolvimento da tecnologia no país”, destaca.

Repercussão local e expectativas dos estudantes

Apesar do orgulho em relação ao pioneirismo da universidade, a estudante de Engenharia Ambiental da IUNIFEI, Bárbara Novaes, comenta que o evento de inauguração “poderia ter tido um pouco mais de repercussão local”.

Na visão de Bárbara, o tema ainda se encontra fechado na “bolha da universidade”, já que a informação permanece no “boca a boca”. Para ela, “seria interessante democratizar mais essa informação e fazê-la chegar em todo mundo”, tendo em vista a relevância do assunto em escala nacional.

Como estudante, Bárbara compartilha, com orgulho, a expectativa de que seja possível obter mais oportunidades de pesquisa e parcerias com universidades nacionais e internacionais a partir dessa visibilidade.

Rodrigues, por sua vez, acrescenta que a UNIFEI poderá ser pioneira no desenvolvimento energético sustentável a partir do CH2V. O projeto ajudará na produção do hidrogênio e em seu uso cotidiano, impactando âmbitos como a mobilidade urbana e as grandes indústrias nacionais.

Com a urgência do aquecimento global e a busca por soluções aos efeitos da crise climática, o hidrogênio verde (H2V) pode entrar no mercado como uma peça-chave na descarbonização da indústria. 

Não à toa, ele vem sendo chamado de combustível do futuro.

Mas, afinal, o que é o Hidrogênio Verde?

O hidrogênio verde apresenta vantagens significativas para a economia global e para o meio ambiente, tais como:

  • Uma fonte totalmente sustentável, que não emite gases poluentes durante sua produção ou combustão;

  • Capacidade de armazenamento que possibilita o uso em diversos setores;

  • Sua versatilidade permite  a conversão em eletricidade ou em combustíveis sintéticos, atendendo a demandas comerciais, industriais e de mobilidade.

No Brasil, esse projeto encontra um terreno fértil para prosperar, isso porque, segundo um estudo da Enerdata, o País se encontra em segundo lugar no ranking mundial de produção de energia renovável, com 89,2%, atrás apenas da Noruega, que lidera com 98,5%.

Parceria com a Alemanha e o futuro do Brasil

Atualmente, a Alemanha é um dos países que mais tem investido na produção de H2V, segundo o Portal Hidrogênio Verde, sendo acompanhada por Austrália, Países Baixos, China, Arábia Saudita e Chile.

A aliança Brasil-Alemanha existe desde 2020, com o objetivo de promover oportunidades de negócios entre empresas e instituições brasileiras e alemãs.

Fato é que a vantagem competitiva no setor, alinhada a investimentos de pesquisa, posiciona o País em um ponto estratégico para o cumprimento dos planos de descarbonização e mitigação dos efeitos climáticos no planeta. Conforme retificado no Acordo de Paris, em 2016, a meta brasileira propõe reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEEs) em 37%, comparado aos níveis de 2005, até 2025.

Em paralelo a isso, o professor Rondineli conclui que o Centro de Hidrogênio Verde vem como uma oportunidade para que o Brasil ganhe notoriedade no assunto, tornando-se mais forte no setor e entrando efetivamente no debate ambiental "como um grande protagonista”, finaliza.