A percepção de frequentadores, os impactos da febre amarela e as denúncias de captura clandestina em um dos parques mais antigos de São Paulo
por
Manuela Dias
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29/11/2025 - 12h

Antes conhecido pela presença constante de saguis, macacos prego, capivaras e aves diversas, o Parque Estadual Alberto Löfgren, na Zona Norte de São Paulo, vive um período de silêncio. Frequentadores afirmam que o número de animais diminuiu de forma drástica nos últimos anos, especialmente depois do surto de febre amarela que atingiu o estado entre 2016 e 2018. A mudança é perceptível para quem acompanha a rotina do parque há décadas.

A aposentada Maria Eliane, 78 anos, visita o Horto desde que chegou a São Paulo. “Eu vinha aqui com meus filhos pequenos e era cheio de vida. A gente mal conseguia contar quantos saguis apareciam. Era um atrás do outro. Hoje eu caminho por tudo isso e quase não vejo mais nenhum”, afirma.

Segundo Maria Eliane, a ausência de animais transformou a experiência de visitar o parque. “O Horto sempre foi um lugar vivo. Tinha barulho, tinha movimento dos bichos. Agora parece outro lugar. Não é que acabou, mas está tudo muito reduzido. Dá uma tristeza ver como mudou.”

Os lagartos se alimentam de insetos e pequenos invertebrados, essenciais para o equilíbrio ecológico até nos centros urbanos.
Os lagartos se alimentam de insetos e pequenos invertebrados, essenciais para o equilíbrio ecológico até nos centros urbanos. Foto: Manuela Dias/AGEMT

Capturas clandestinas e violência contra macacos

A diminuição dos animais não é percebida apenas por visitantes antigos. Moradores do entorno também afirmam ter presenciado situações que podem ter contribuído para a redução da fauna.

Um deles, que pediu para não ser identificado, disse que presenciou capturas clandestinas dentro do parque. Ele conta que pessoas entravam por áreas menos movimentadas e montavam armadilhas para capturar pequenos mamíferos. O morador afirma ainda que, durante o período mais crítico da febre amarela, presenciou cenas de violência contra macacos. “Eu vi gente matando macaco. Eles achavam que o macaco transmitia a doença. Era ignorância. Os macacos eram vítimas, como nós. Pegavam o vírus e morriam também. Mas muita gente não entendia e atacava os bichos. Eu vi isso acontecer.”

A Secretaria de Meio Ambiente e órgãos estaduais chegaram a registrar casos de agressão a primatas na época do surto. Especialistas reforçaram, repetidamente, que os macacos não transmitem a febre amarela. Eles funcionam como sentinelas, indicando a circulação do vírus e permitindo que autoridades reforcem a vacinação.

Os animais vistos pelas câmeras

Fotografias recentes mostram que, apesar da diminuição, ainda há vida silvestre no Horto. Aves, patos e tartarugas são os mais comuns de serem vistos.

O mergulhão observa o reflexo da luz e escolhe o ângulo certo para capturar peixes sem perder tempo.
O mergulhão observa o reflexo da luz e escolhe o ângulo certo para capturar peixes sem perder tempo. Foto: Manuela Dias/AGEMT
Em várias cidades, teiús vivem próximos a parques e córregos e seguem discreta convivência com humanos.
Em várias cidades, teiús vivem próximos a parques e córregos e seguem discreta convivência com humanos. Foto: Manuela Dias/AGEMT
Coloridas e serenas, as carpas não são só ornamentais. Elas ajudam a controlar algas e pequenos organismos, mantendo o equilíbrio dos lagos artificiais.
Coloridas e serenas, as carpas não são só ornamentais. Elas ajudam a controlar algas e pequenos organismos, mantendo o equilíbrio dos lagos artificiais. Foto: Manuela Dias/AGEMT
Patinhos aprendem rápido. Nos primeiros dias de vida já conseguem nadar e seguir a mãe em longas caminhadas até encontrar água.
Patinhos aprendem rápido. Nos primeiros dias de vida já conseguem nadar e seguir a mãe em longas caminhadas até encontrar água. Foto: Manuela Dias/AGEMT

 

 

Movimentos sociais e ONGs ambientais organizaram uma “COP Paralela” para colocar a sociedade civil no centro do diálogo
por
Anna Cândida Xavier
Camila Bucoff
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12/11/2025 - 12h

A COP é a reunião anual dos países membros da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), para discutir medidas de combate à crise ambiental. Desde 1992, a Cúpula dos Povos acontece junto à conferência. Um evento autônomo, da sociedade civil, que reúne movimentos sociais, indígenas, quilombolas, camponeses e coletivos. Segundo o site oficial da organização, “a cúpula se ergue como um grito de resistência, um eco das vozes silenciadas pela desigualdade”.

Ela recebe o nome de “COP Paralela” por conta da localização física e temporal em relação à estrutura formal da ONU e por seu caráter crítico e alternativo quanto ao conteúdo e aos participantes. 

A Cúpula dos Povos irá inaugurar uma “Zona da Rua”, aberta para todos. Essa brincadeira com a “Zona Verde” e a “Zona Azul” que compõem a estrutura oficial da COP, também é uma crítica à centralidade do setor privado e das autoridades no debate climático. “A Cúpula é um chamado à ação por uma transição justa e solidária, onde ninguém é deixado para trás”, afirma o site oficial do encontro.

O movimento da “COP Paralela” compreende que a Conferência das Partes na Amazônia representa uma oportunidade de recuperar o diálogo com comunidades indígenas, tradicionais e periféricas – aquelas que menos contribuíram para a crise climática, mas que mais sofrem com seus impactos. O principal intuito desses movimentos sociais e ONGs é que as indústrias que mais poluem o mundo não norteiem mais as negociações.

Contudo, nas últimas três edições, a Conferência das Partes ocorreu em países com restrições à livre manifestação. Em 2022 foi realizada em Sharm el-Sheikh, no Egito; em 2023 em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos e em 2024 em Baku, no Azerbaijão. 

No Brasil, a história é diferente. Os primeiros dias da COP 30 já foram marcados por atos e manifestações pacíficas. Nessa segunda-feira (10), um grupo de manifestantes vindos do México realizou um protesto simbólico em frente à entrada da Zona Azul em Belém. Deitados no chão e cobertos por lençóis, eles buscaram chamar a atenção para a morte, desaparecimento e prisão de defensores do meio ambiente. 

Ações como essas voltam os olhares da população para fora da área restrita a negociadores oficiais. Dentro da Zona Azul, circulam diplomatas, ministros, chefes de delegação e lobistas do petróleo e do agronegócio negociando o futuro do planeta por trás de portas fechadas.

Na última quarta-feira (5), ativistas brasileiros se reuniram para lembrar os 10 anos do desastre de Mariana. Em 5 de novembro de 2015, o maior crime socioambiental da história do Brasil aconteceu: a barragem de Fundão rompeu-se em Mariana, Minas Gerais. A barragem era operada pela Samarco, uma joint venture entre a Vale e a BHP. A lama tóxica varreu o distrito de Bento Rodrigues e seguiu pelo Rio Doce até o litoral do Espírito Santo. O fluxo de lama tóxica matou 19 pessoas, destruiu comunidades e contaminou um dos rios mais importantes do país.

Esse ano, porém, a Vale é uma das maiores patrocinadoras da cobertura jornalística na COP 30. Segundo levantamento do Intercept Brasil, a mineradora está patrocinando a cobertura de oito veículos de comunicação diferentes. Entre eles, estão alguns dos jornais de maior circulação no Brasil, como a Folha de S.Paulo, O Globo e Valor Econômico, o jornal do Pará O Liberal, bem como a rádio CBN, a revista Veja, e os portais de notícias Neofeed e Brazil Journal. 

Por outro lado, a localização da conferência também facilita que alguns movimentos possam participar do evento. A presença de organizações que pressionam e questionam as autoridades é essencial, apresentando uma "declaração dos povos" com demandas por justiça climática, reparação histórica e ações mais contundentes para combater a crise climática. Fora dos espaços oficiais de debate, a “COP Paralela” se torna a maior área de diálogo da sociedade civil, onde os participantes buscam ampliar a participação popular, compartilhar experiências e construir consensos a partir da base, propondo soluções que vêm diretamente dos territórios e das comunidades afetadas.

Encontro reunirá líderes mundiais em Belém, no Pará, para discutir ações globais contra a emergência climática 
por
Anna Cândida Xavier
Camila Bucoff
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06/11/2025 - 12h

A COP (Conferência das Partes) foi criada, em 1995, a fim de promover o diálogo entre os países e estabelecer objetivos globais de combate à crise climática. Devido ao seu alcance multilateral, a conferência é vista por especialistas como um momento decisivo para o país reafirmar sua liderança ambiental, pressionar por financiamento e impulsionar a economia da floresta em pé. Este ano, a cúpula será sediada no Brasil, entre 10 e 21 de novembro. 

Como vai funcionar? 

O evento reúne representantes oficiais de 198 países, empresas privadas e a sociedade civil. Cada nação participante envia delegações de diplomatas, ministros e técnicos para debater compromissos climáticos junto ao secretariado da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (UNFCCC).  

As negociações são divididas em plenárias formais (seções de negociações) e grupos de trabalho temáticos (discussão de temas específicos) e as metas firmadas precisam ser consensuais, nas quais todos os países têm direito a voto. 

O evento também envolve reuniões de órgãos complementares da ONU, como as reuniões das Partes do Protocolo de Quioto (CMP) e do Acordo de Paris (CMA). O Protocolo de Quioto é um acordo internacional, firmado em 1997, que estabelece metas obrigatórias de redução de emissões de gases estufa para países desenvolvidos. Enquanto o Acordo de Paris é um tratado internacional, adotado em 2015, que define metas de redução emitidas pelos países de acordo com o seu contexto nacional.

Para garantir o seu funcionamento, a COP também conta com a atuação de dois apoios permanentes da ONU: o Órgão subsidiário de implementação (SBI) e o Órgão de Aconselhamento Científico e Tecnológico (SBSTA). 

O primeiro é responsável por acompanhar a aplicação prática das decisões e acordos adotados. Já o segundo tem a função de assessorar a COP em assuntos relacionados à ciência, tecnologia e inovação. 

Relevância da COP para o Brasil 

A escolha de Belém, no Pará, como sede do encontro simboliza a urgência da proteção das florestas e coloca o Brasil no centro das negociações climáticas globais. 

Foto: Ricardo Stuckert/PR - Reprodução/Agência Brasil

As discussões realizadas durante a conferência impactam as dinâmicas econômicas, sociais e geopolíticas em nível internacional e nacional. Nesta edição, temas importantes ganham protagonismo, como o financiamento climático, reforma dos bancos multilaterais e mobilização de recursos financeiros para a transição verde.

O governo brasileiro selecionou seis principais eixos para pautar o evento: a redução de emissões de gases de efeito estufa; a adaptação às mudanças climáticas; o financiamento climático para países em desenvolvimento; as tecnologias de energia renovável e soluções de baixo carbono; a preservação de florestas e biodiversidade; e, por fim, a  justiça climática e os impactos sociais das mudanças climáticas. 

Os tópicos selecionados estão intrinsecamente ligados ao contexto brasileiro. O Brasil é o maior detentor de área de florestas tropicais no mundo graças a Amazônia, cuja floresta armazena de 100 bilhões a 120 bilhões de toneladas de carbono em sua biomassa. Mesmo assim, um estudo publicado pela revista Nature em 2024, alerta que a Amazônia pode atingir o ponto de não retorno até 2025, se o ritmo de desmatamento atual se manter. 

Além de sua relevância ambiental, a Floresta Amazônica está no centro de debates sociais. Sua preservação está diretamente ligada à sobrevivência e à cultura dos povos indígenas, que há séculos desempenham um papel essencial na proteção do bioma. A destruição da floresta, portanto, também é uma ameaça à vida, aos direitos e à identidade dessas comunidades. 

Nesse sentido, espera-se que a COP 30 conte com ampla participação da sociedade civil, promovendo a justiça climática e dando voz a povos indígenas, comunidades quilombolas e grupos tradicionais e periféricos, que estão entre os mais afetados pelos impactos da crise climática.

Especialista reforça que apesar do debate ser necessário, há limitações em relação às prioridades, sobretudo em contextos de guerra
por
Giuliana Barrios Zanin
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04/11/2025 - 12h

 

Em menos de um mês, mais de 160 nações se reunirão na cidade de Belém, capital do Pará, para discutir ações necessárias para mitigar as consequências das mudanças climáticas. A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a COP 30,  será palco de negociações em relação à diminuição de emissão de carbono e a restauração da camada florestal. Na agenda oficial, não há nenhuma menção específica sobre destruição ambiental em conflitos armados. É importante notar que o mundo enfrenta ao menos 130 conflitos armados, de acordo com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, em diferentes medidas que atacam diretamente a saúde e as condições do meio ambiente. Dessa forma, ambientalistas e pesquisadores da área reforçam a importância de abordar o tema, a responsabilização dos crimes e, sobretudo, como o assunto pode ser levantado em eventos paralelos.

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A Conferência acontecerá entre 10 a 21 de novembro e, até o momento, 168 países confirmaram presença. Gráfico: Site oficial da COP 30.

 

Em fevereiro de 2022, forças armadas russas ocuparam a região próxima à usina de Kakhovka, na Ucrânia. Em outubro, a hidrelétrica foi destruída. Além de 80 localidades estarem sob risco de inundação, entre elas casas, fábricas, prédios e parques, as minas, artilharias explosivas usadas em guerras e carregadas de metais pesados, contaminaram quilômetros dessas águas. Outras 600 toneladas de petróleo bruto vazaram das instalações industriais, provocando mais uma vez destruição ao ecossistema.    

A Rússia pode ser penalizada pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por utilizar o meio ambiente como arma de guerra, segundo autoridades ucranianas. A Ucrânia acusa o país inimigo de ter provocado a explosão da barragem Kakhovka que resultou na contaminação das águas por agentes químicos - é o que informa a REACH, organização humanitária que coleta dados durante ataques e desastres ao meio ambiente.

Em Gaza, fontes de bombeamento de água foram atacadas por Israel e mais de 200 mil redes de esgotos estão inutilizáveis, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas). Os poços foram contaminados com mercúrio e outros agentes químicos referentes às bombas militares, deixando as pessoas sem acesso à agua potável.

De acordo com o Direito Internacional Humanitário, é crime atacar o meio ambiente ou utilizá-lo como método de guerra para atacar a população. No entanto, ambientalistas não acham que a punição apenas durante a guerra seja o suficiente. Segundo Tarciso dal Maso, consultor legislativo do Senado para assuntos internacionais e ex-consultor jurídico do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, o que eles defendem é que as consequências e penalidades desses crimes não sejam isoladas e contabilizadas apenas em momentos de guerra. Qualquer ataque generalizado contra a natureza deve ser julgado, de acordo com os ativistas. “Há um movimento de criar um Direito Penal Ambiental Internacional", afirma dal Maso. De acordo com esse especialista, XXX reivindicam que os crimes contra o   o meio-ambiente seja qualificado como “Ecocídio”. 

Para a Stop Ecocide Foundation, um movimento internacional, criado em 2017, que aconselha representantes e organizações políticas sobre o desenvolvimento sustentável,  o “‘ecocídio’ significa atos ilegais ou arbitrários cometidos com conhecimento de que há uma probabilidade substancial de danos graves, generalizados ou de longo prazo ao meio ambiente serem causados ​​por esses atos.” Essa mudança cria, segundo a fundação, uma “responsabilização aos tomadores de decisão” e uma melhor investigação sobre os perigos e as ameaças realizadas. Desse modo, será possível criar protocolos de segurança adequados para a proteção tanto da natureza, quanto das pessoas. 

"Têm vários episódios que colocam a destruição ambiental como uma estratégia no conflito armado”, destaca Terra Budini, professora de Relações Internacionais e do mestrado profissional em Governança Global e Formulação de Políticas Internacionais na PUC-SP. Ela relembra a utilização de Agente Laranja, herbicidas e químicos, utilizados pelos Estados Unidos na Guerra do Vietnã e em outras guerras civis na América Central. 

Budini e Dal Maso concordam que a discussão do crime contra o meio ambiente na COP30 não –é protagonista porque envolve interesses econômicos e políticos. Esse tema aparece em eventos paralelos, como a Cúpula dos Povos, que “tendem a acolher debates mais amplos, mais críticos e a conectar esses temas com a discussão de Justiça climática, direitos da natureza e defesa dos territórios”, afirma a internacionalista.

Na visão da internacionalista, há três razões principais pelas quais o “ecocídio” não seja debatido de forma mais presente: a dificuldade de comprovar a intencionalidade do uso do meio ambiente como arma de guerra, as consequências desse tipo de destruição ficarem evidentes a médio ou a longo prazo e a modernidade tratar o ambiental com menos emergência. “O regime internacional humanitário sempre priorizou as consequências humanas mais imediatas dos impactos dos conflitos, como ataque contra civis, refugiados, deslocamentos forçados, e mortes”. Budini não destaca a importância da urgência.

Até o momento, nenhum país ou pessoa foi condenado por destruição ambiental em um contexto de guerra. “Isso se deve em parte à definição vaga no direito internacional”, destaca Aaron Dumont, pesquisador de questões ambientais no direito internacional na Universidade Ruhr de Bochum, na Alemanha, para a imprensa local, DW.

Proprietários contam como tem sido substituir o posto de gasolina pela tomada
por
Vítor Nhoatto
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14/11/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

Andando pela rua já não é tão difícil se deparar com o rodar silencioso de um carro movido a bateria (BEV). Segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), a venda deles no Brasil mais que duplicou de 2022 para 2023. Além disso, os emplacamentos no ano passado atingiram 61.615, o triplo do ano retrasado. Por fora, pode ser que essa tendência de mercado não seja tão perceptível. Muitas das versões elétricas dos modelos são iguais às suas movidas a combustível (ICEV) na aparência. Mas alguns de fato chamam a atenção, como conta Leandro, motorista de aplicativo que decidiu embarcar na onda da eletricidade há um ano. 

Logo quando o BYD Dolphin GS se aproxima, a ausência de barulho e o tranco ao diminuir a marcha fazem muitas pessoas sorrirem, conta ele. E do lado de dentro já é como um ritual um “wow” e a pergunta se o carro é elétrico, enquanto o hatch parece flutuar no asfalto deixando os outros veículos no semáforo para trás com o torque instantâneo do motor. Apesar disso, a invenção não é recente, pelo menos a sua origem. Foi ainda no século XIX que Gaston Planté inventou as baterias recarregáveis, e a tecnologia se tornou lei no mercado de veículos até cerca de 1910. Barulhentos e sujos, os ICEV minguavam, até que a descoberta de reservas de petróleo, os interesses geopolíticos, e a invenção do acionamento automático dos motores fez o jogo virar, e as baterias de chumbo dessa época foram abandonadas. 

Em meio a décadas de fumaça, poluição, lobbies entre petrolíferas e governos, e a necessidade de combate às mudanças climáticas, a tecnologia foi retomada no século 21. Os carros passaram de um bem de luxo, para objeto de paixão, até necessidade diária, tal qual Leandro vê o seu Dolphin, e o setor dos transportes responde por um quarto de todo CO2 emitido no mundo segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). É só olhar para as ruas, quanto mais estrada, mais carro. Com isso, em 2008 a Tesla lançou o primeiro BEV do século 21, agora com uma bateria de íons de lítio, o Roadster,  e em 2010, o Nissan Leaf se tornou o primeiro elétrico do mundo produzido em grande escala.

Falando em grandezas, não é possível que todo esse conforto, desempenho, sustentabilidade e tecnologia venha de graça. Leandro comenta que muitos lhe perguntam ainda como deve ser caro comprar um BEV. Olhando para a oferta de mercado, hoje no Brasil o elétrico e o ICEV mais baratos do país são o Renault Kwid, vendido por R$99.990 na versão E-tech, e R$67.290 para a versão Sce Flex. A diferença no custo inicial de aquisição ainda é considerável, e no caso de Leandro, que tinha como companheiro de trabalho há sete anos um Chevrolet Onix, ele teve que colocar boa parte a mais em dinheiro para fazer a troca. 

No entanto, a dinâmica de mercado vem mudando, e por isso mesmo que as vendas crescem e muitos motoristas vêm apostando nisso. De acordo com levantamento da empresa de consultoria JATO dynamics, o preço médio dos BEVs vem caindo consideravelmente nos últimos anos, chegando a  15% e 25% entre 2018 e 2024 na Europa e nos Estados Unidos respectivamente.

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O primeiro carro elétrico moderno lançado no Brasil foi o BMW i3, lançado em 2014 por R$225.900 e uma autonomia de 130 km segundo a fabricante - Foto: BMW / Divulgação

 

Para entender melhor essa equação, o preço se deve principalmente pelas baterias, que representam quase metade do valor do veículo e tem sua produção envolta por questões geopolíticas, e o país asiático detém as maiores reservas de minerais e a maior concentração de fábricas de imãs e baterias. O Departamento de Tecnologia dos Estados Unidos apontou que com isso, entre 2008 e 2023 o preço de produção das células de energia dos elétricos caiu 90%, indo de $1.415 dólares por cada kilowatt (kW) para apenas $139 dólares. Além disso, projeções indicam que até 2027 o custo de produção dos BEVs será menor que dos ICEVs, chegando então à equiparação nos preços de aquisição.

Agora de volta à prática, e ao banco do motorista do Dolphin de Leandro atualmente, já com 45 mil quilômetros rodados, esse valor já se paga sozinho. Ele conta com um sorriso de alegria e até um ar de astúcia pela decisão que tomou ao comprar um elétrico, que antes com o Onix, gastava em média R$2 mil de combustível por mês, e agora nada. Fazendo em média 30 viagens por dia, ele explica que carrega o carro à noite em casa, e possui placas solares, não pagando mais conta de energia. Nesse caso, a sua economia já chega perto de R$24 mil nesse primeiro ano, e em 4 anos, o tempo que ele geralmente fica com um carro, vai chegar a R$96 mil. Enfim, ele frisa bem que isso literalmente paga qualquer custo que ele possa ter a mais.

Até mesmo ao calcular uma economia real para a maioria dos brasileiros sem placas solares, que segundo Leandro é enorme mesmo que se pague a energia que o carro consome, chega-se a seguinte razão: levando em conta o preço da energia em São Paulo em outubro de 2025 (R$7,87 por 100kWh) e a bateria do Dolphin GS (44,9 kW de capacidade), cada recarga completa custaria menos de R$3,90. Em um mês carregando todo dia, o gasto seria de R$117, menos que um tanque cheio de etanol de um Chevrolet Onix, por exemplo.

Mas não é só de reabastecimento que um carro sobrevive, e a manutenção programada deve ocorrer e acaba pesando no bolso. O nome disso é valor efetivo total por quilômetro rodado, e que também é menor nos elétricos, pelo menos na teoria. O Departamento de Energia dos Estados Unidos estipula. O custo de manutenção para cada milha rodada em um ICEV era de cerca de $0.10 dólares em 2021, enquanto que para um BEV, apenas $0.60 dólares. Por não possuírem fluidos e peças como óleo de motor, correia dentada, filtro de motor e velas, demandam também revisões menos periódicas. 

Comparando por exemplo a versão elétrica e flex do Renault Kwid, em ambos a manutenção programada deve ocorrer a cada 10 mil quilômetros ou um ano, mas o preço das três primeiras revisões do BEV é de R$160, R$204 e R$204 respectivamente, ao passo que para o motor 1.0 Sce é de R$556, R$622 e R$622, mais que o triplo. 

Partindo para a prática, em mais uma viagem silenciosa esse monte de números refletem uma realidade bem tentadora no mínimo. São seis horas da tarde em plena capital paulista e o momento do show é totalmente do trânsito em horário de pico. Um trecho que se faria em 20 minutos leva não menos que uma hora, e em meio a isso, motores explodindo, queimando dinheiro parados. Mas para Bruno Nunes não mais. 

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Bruno destaca que trabalhando de elétrico consegue fazer menos corridas para ter o mesmo ganho que antes, destacando que um carro a combustão gasta mais no anda e para do trânsito, o contrário do elétrico - Foto: 99 / Divulgação

Também motorista de aplicativo e proprietário de um Dolphin GS, responde com tranquilidade quando lhe perguntam sobre a manutenção do veículo, relaxando os ombros e começando com um “ah” de alívio. O hatch já com 2 anos de uso, 50 mil km rodados, e há três meses com Bruno sempre teve as revisões realizadas, e de graça, oferecida para os clientes BYD nos primeiros cinco anos, e nenhum problema inesperado ou barulho indesejado.

Seu carro anterior era justamente um modelo japonês, conhecidos pela durabilidade e confiança, no caso dele um Toyota Etios, mas que como qualquer carro, a manutenção programada é essencial. Mas além disso, nos veículos elétricos a frenagem transforma a força cinética das rodas em energia elétrica, recarregando a bateria e preservando a vida útil dos freios, e em média um elétrico tem 20% das peças de um ICEV. 

O principal motivo para Bruno ter trocado seu Toyota flex por um elétrico foi essa questão da durabilidade somada à economia. Se hoje ele roda por São Paulo em horário de pico, é graças ao novo companheiro de trabalho. Antigamente ele trabalhava no período da madrugada para economizar combustível, já que mesmo parado, o combustível não para de queimar. Foram anos nessa vida, ele conta com os olhos mareados, e muitos momentos perdidos com a esposa, algo que ele não queria desperdiçar mais, ainda mais com uma filha que está por vir. 

Segundo um estudo de 2024 da Atlas Public Policy a pedido do Natural Resources Defense Council (NRDC), a economia no custo total de propriedade de um veículos elétrico ao longo de um ciclo de vida de 7 anos chega a $10 mil dólares comparando um Toyota Corolla e um Chevrolet Bolt por exemplo. A base de cálculo leva em consideração justamente tudo que possuir um carro engloba: o preço inicial de compra, desvalorização média dos modelos levando em conta a Tabela FIPE, os custos de manutenção e reparo, seguro e impostos. Além disso, o órgão reitera que casos de contas absurdas de reparo das baterias são muito raros, e a segurança das células de proteção garantem esta integridade e não faz sentido levá-las em consideração na ponta do lápis.

Chegado o fim de mais uma viagem de Bruno, e o asfalto agora já visível com o fluxo em horário de descanso, o motorista volta para casa, agora como em um horário de emprego convencional graças ao elétrico. Sem arrependimentos da sua decisão, lembra que a eletricidade já é o presente, e o medo do senso comum em torno da bateria até podia preocupá-lo antes do seu Dolphin, mas não mais. 

Ansiedade chamada de necessidade

Ao mergulhar nessa questão das baterias, de fato pode parecer intrigante. A experiência com elas é majoritariamente a que se tem com os celulares, e todos sentem como a duração diminui entre as corridas para lá e pra cá. Imagina-se então que isso ocorra também com os BEVs, só que aqui sendo um objeto muito mais caro e que deve rodar muitos anos. 

Falando em andar, Maurício Barros é especialista nesse quesito, e garante risonho que nesse sentido, um carro não é como um celular gigante com quatro rodas. Proprietário de um Peugeot e-208 entre 2021 e 2023, rodou mais de 50 mil quilômetros com o seu primeiro elétrico, tendo viajado pelos quatro cantos do Brasil, e até para o Uruguai. Hoje ele desbrava o continente com um BYD Yuan Plus, também elétrico, e conta empolgado como foi realizar a viagem mais longa já realizada com um BEV na América do Sul, passando por dezenas de países.

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De acordo com Maurício (esquerda), o Yuan Plus de Marcos Paulo (direita), com o qual viajou por 18 mil km na América, hoje com 200 mil km rodados, ainda possui as pastilhas de freio e amortecedores originais - Foto: @fuideeletrico / Reprodução

Dias e noites, culturas diferentes e muita poeira durante a aventura, que já havia realizado de maneira parecida de moto e camionete diesel anteriormente. Maurício conta que saiu de São Paulo com o hodômetro do Yuan Plus de seu amigo marcando 160 mil km e 92% de capacidade da bateria, segundo medição da fabricante. Depois de 39 dias, e quase 20 mil km a mais, o mesmo teste foi realizado e estava exatamente com os mesmos 92. 

Segundo estudo de 2025 da companhia de telemática automotiva Geotab, que reporta desde 2019 a durabilidade na prática de BEVs, uma perda de apenas 1.8% na capacidade é esperada por ano, corroborando no caso do Yuan Plus aqui tratado. Essa diminuição é apontada como um assentamento natural da química das baterias e diminui ao longo do uso, apontando para uma vida útil das baterias na maioria dos casos em 20 anos ou mais, ultrapassando inclusive os 15 anos estimados dos ICEVs. Nesse estudo foram analisados 10 mil veículos, e concluiu-se também que o carregamento rápido de corrente contínua (DC) não degrada na prática as baterias como se pensava, e o uso de elétricos de alta performance e por longas distâncias também é insignificante. 

Diferente dos celulares, o gerenciamento térmico das baterias dos carros é muito mais eficiente, resistente e necessário. E isso é importante porque é especialmente a temperatura que afeta a durabilidade e desempenho das baterias. Não é por acaso que as marcas de celulares recomendam prestar atenção se o aparelho esquenta demais. No caso dos carros, esses sistemas de gerenciamento de carregamento e refrigeramento das marcas evoluíram muito, por exemplo, a degradação natural de um Nissan Leaf era de 4.2% ao ano em 2015, e em 2019 já havia diminuído para 2.3% apenas. 

Corroborando com esses dados, a maioria das marcas que vendem elétricos hoje em dia oferecem garantias de 8 anos ou mais, como a BYD do Yuan Plus de Maurício. Se a bateria do carro apresentar problemas de funcionamento ou atingir menos de 70% de capacidade nesse período, ou com menos de 500 mil quilômetros rodados, ela é trocada gratuitamente pela marca, desde que as manutenções periódicas tenham sido realizadas. 

Porém, há muito se sabe que quebrar preconceitos e educar a população é algo que demanda bastante tempo e ações. Por isso que a desvalorização dos elétricos ainda é mais alta que dos carros a combustão. De acordo com a ferramenta Preço e Referência de Mercado (PRM) da Bright Consulting, em 2024 a desvalorização média dos BEVs foi de 9% ao ano, enquanto a dos ICEVs se manteve em 6%, devido principalmente a insegurança em adquirir uma tecnologia ainda muito nova e em constante evolução. 

Sobre isso Maurício lembra de quando vendeu o seu Peugeot em 2023, por menos da metade do valor que pagou em 2021. Como ele comenta, na época foi frustrante, mas com um leve risco de algo que já era de se esperar, ele destaca que é o comportamento de toda inovação que chega às massas e vê um aumento de concorrência absurdo. O Kwid E-Tech quando lançado em 2022 custava R$142.990, e o elétrico mais barato no Brasil há sete anos era ainda mais caro que isso, o que mudou também pela ascensão da China nesse tabuleiro. 

Quando o BYD Dolphin e o GWM Ora 03 foram lançados no Brasil em julho e agosto de 2023 por R$149.990 respectivamente, muitos rivais derrubaram o preço de seus modelos. Anunciado  em abril de 2023 pela Hyundai por R$289.990, o Kona elétrico passou a custar em agosto R$100 mil a menos, por exemplo. Em seguida, a francesa Peugeot fez o mesmo com o e-2008, anunciado em novembro de 2022 por R$259.990, reduzido para R$209.990 em julho de 2023 e R$169.990 em dezembro.

Tudo isso fez visivelmente o preço despencar, e quem pagou o preço caro de antes, arcou inevitavelmente com a guerra de preços que se configura no mercado com o aumento da oferta, como explicou Maurício. Hoje com um BYD, inclusive, conta que optou pela marca justamente pelo custo benefício do carro, mais potente, com maior autonomia, mais equipado e maior que o seu antigo e-208, o qual na época custou mais caro que o chinês. 

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BYD Dolphin (esquerda) e GWM Ora 03 (direita) mudaram o mercado brasileiro com preços competitivos e inclusive direcao semi autônoma de série no caso do segundo - Foto: InsideEVs Brasil / Reprodução

Com esse amadurecimento de mercado e do consumidor a disparidade na desvalorização vai se estabilizar, portanto. Tomando como base os dados da Tabela Fipe de setembro de 2025 dos modelos a combustão e elétricos mais vendidos do Brasil para se ter uma ideia, a diferença se mostra em queda realmente. A Fiat Strada Endurance 1.3 flex ano 2026 é avaliada em R$102.326, com uma perda de R$9.027 perante o modelo zero km. Já o BYD Dolphin Mini perdeu apenas R$6.480, avaliado em R$113.513, uma porcentagem menor, inclusive. 

Por fim, nessa conta o medo de ficar sem “combustível” e um “posto” também tem peso, como apontou uma pesquisa de novembro de 2023 da Bain & Company. A falta de postos de recarga e a falta de informação sobre os  BEVs foram o segundo e terceiro obstáculos na compra de um elétrico, atrás apenas do preço, o que para Maurício é mais ansiedade que realidade. Ele, que trabalha no setor da tecnologia, criou um perfil nas redes sociais para compartilhar as suas experiências quilométricas com os elétricos, desmistificando os mitos citados acima, e oferece ainda assessoria para os interessados em embarcar na eletrificação.

Em relação às autonomias dos modelos e as necessidades habituais da população, a quantidade de autonomia é  mais que suficiente. A média dos BEVs mais vendidos do país gira em torno de 300 km segundo o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), suficiente para quase 100% dos trajetos anuais dos motoristas, como revelou um estudo de 2011 publicado na revista científica ResearchGate. Analisando dados da companhia de tráfego americana, ele apontou que a média dos percursos anuais de uma pessoa é de 71,9 km, e apenas 9 viagens chegam a 240 km, ainda assim trajeto menor que a autonomia de um Dolphin Mini, por exemplo. Além disso, esse deslocamento é ainda menor no Brasil, na casa dos 40 km rodados diários, segundo pesquisa de 2019 da KBB Brasil

No caso dos interessados em viagens mais longas, como Maurício, ou apenas aquelas pessoas que possuem família no interior ou outro estado, por exemplo, o problema permanece mais no imaginário popular que na estrada de fato. O viajante conta que de fato um planejamento prévio maior é necessário ao viajar com um elétrico, mas que é algo superestimado e nunca o impediu de ir para onde queria. Tal qual qualquer modelo, não se anda na estrada até o carro parar no acostamento sem gasolina. Uma programação é necessária, para carregar o carro dentro de uma margem segura.

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Quanto maior a bateria, mais pesada, e a busca deve ser pela densidade, menos peso sem perder energia, com baterias hoje já alcançando 700 km de autonomia em uma carga, como a STLA Medium da Stellantis - Foto: Peugeot / Divulgação

Todos os modelos elétricos comercializados no Brasil hoje possuem a possibilidade do chamado carregamento rápido (DC), que pode variar entre 30 minutos ou algumas horas de acordo com a potência dos carregadores públicos. Mas mesmo em situações de emergência, a maioria dos modelos vem com um carregador portátil para carregamento em qualquer tomada 220V. E para se planejar, uma série de aplicativos mostram pontos de recarga por todo o Brasil, e calculam quando e onde parar para carregar, como o ABRP, sempre em uso no celular de Maurício.

Em relação aos carregadores públicos, a ABVE registrou em fevereiro de 2025 12.137 pontos de carregamento no país, um avanço de 22% comparado ao ano anterior, mas realmente, a quantidade ainda é muito baixa, e pode e deve melhorar, como enfatiza Maurício. Ao analisar a relação de carregadores e carros elétricos em circulação no Brasil, existe um carregador para cada seis elétricos, e a presença deles se dá em apenas 25% dos municípios. Na China, por exemplo, essa relação segundo a Administração Nacional de Energia é de um para cada 3 carros, sendo ainda menor em países do norte da Europa. 

De acordo com a International Energy Agency, a expansão dessa rede é crucial para a popularização dos elétricos em conjunto a preços de compra mais baixos. O levantamento de 2024 cita que a maioria das pessoas carregam em casa seus veículos, o que irá se manter, mas a infraestrutura precisa acompanhar a evolução das baterias, para derrubar preconceitos por parte do público ao aproximar o tempo de recarga ao de abastecimento convencional.

Ao citar apenas algumas das dezenas de empresas e soluções em desenvolvimento, há a bateria da gigante do setor, CATL, que desde 2023 é capaz de receber uma recarga de 200 km em apenas 5 minutos, além da Super-e Platform da BYD, anunciada em 2025 com recarga de 400 km no mesmo período. Além disso, em 2018 a agência aponta que o número total de carregadores ao redor do mundo era cerca de 510 mil, um número que havia aumentado quase 11 vezes quando comparado a 2017.

Não dá para negar, os elétricos são uma tecnologia em amadurecimento, e expansão,e essa estrada tem buracos e imperfeições. Porém, tal qual as mudanças climáticas, um caminho sem volta, e que a solução não é se isolar do resto do mundo, mas aproveitar o rodar sereno e encantador que desperta sorrisos nos passageiros de Leandro, que possibilita novos caminhos para Bruno, e que traz recordes para o currículo de Maurício.

Guilherme Boulos ministra aula na PUC-SP sobre alternativas para sustentabilidade energética, logística de trabalho e abandono dos centros
por
Giovanna Takamatsu
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29/04/2024 - 12h

Transição energética, redução do tempo de deslocamento espacial e melhoria da segurança pública. Esses foram os três itens trazidos e discutidos pelo deputado federal e pré-candidato à prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL-SP), que podem transformar a capital paulista em uma nova metrópole. O evento, que ocorreu na última quinta-feira (25) na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), foi uma aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em Governanças Globais e Formulação de Políticas Internacionais da Universidade.

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Guilherme Boulos fala das possibilidades para as metrópoles. Foto: Giovanna Takamatsu.
"Esse debate de cidades inovadoras precisa ser uma inspiração para nossa cidade e para poder fazer São Paulo voltar a ser o que ela, historicamente, foi"

As pautas levantadas são problemas urbanos enfrentados diariamente pelos paulistanos e, para Boulos, é necessária a participação pública. “Tem soluções que não precisam de bilhões de dólares. São de vontade pública. São de uma decisão de ver a cidade como um espaço para as pessoas e não só um espaço para valorização do dinheiro”, afirmou o deputado. São Paulo é a maior cidade da América Latina e a mais rica do Brasil.

 Transição energética 

O deputado começou sua fala com o exemplo de Xangai na China e de Santiago no Chile. Ambas as cidades são pioneiras na transição energética urbana. Isso significa que os transportes públicos são, em sua maioria, movidos por energia elétrica, limpa de aditivos químicos e fósseis. 

São Paulo inseriu a circulação de ônibus elétricos para algumas linhas, mas os números são baixíssimos. Apenas 84 veículos de pelo menos 12 mil são de energia limpa. Em comparação, Xangai possui 14.700 ônibus elétricos de uma frota de 15 mil automóveis, o que equivale a 98% de carros sustentáveis. 

Essa solução não impacta apenas na redução da emissão de carbono da cidade, mas também diminui o custo estatal com transportes públicos. “O ônibus elétrico, em média, pode chegar a ser 40% a 50% mais barato do que o ônibus a diesel. A gente ganha no tema ambiental e ganha também no custo do sistema. Isso está acontecendo hoje no mundo. Citei duas cidades que eu tive a oportunidade de conhecer, mas está acontecendo em várias cidades do mundo, mas aqui não”, aponta o pré-candidato à Prefeitura de São Paulo.

Para além dos benefícios econômicos e ambientais, a sistematização elétrica colabora para a diminuição da poluição sonora na metrópole. Os ônibus à diesel tendem a produzir, em média, 76,7 decibeis (dB) – ruídos acima de 60 dB já causam problemas de saúde -, segundo estudo da Proteste em parceria com a Sociedade Brasileira de Otologia, enquanto um veículo elétrico é silencioso. 

Segurança pública e reocupação da cidade 

Boulos declara que o maior problema de segurança em São Paulo é decorrente da desigualdade social. “Nenhum país que tem a desigualdade como nós temos é um país com uma sociedade tranquila, pacificada, que as pessoas saem às ruas e se dão as mãos.”, enfatiza o político. 

A cidade possui muitas falhas básicas de segurança pública. O maior problema é o abandono de propriedades, especialmente no centro, que, por causa da falta de manutenção, aumenta o risco de colapso estrutural e proliferação de doenças.

O abandono também incita violência. De acordo com a Teoria da Janela Quebrada, desenvolvida por Kelling e Wilson, em 1982, o vandalismo atrai o vandalismo. “O centro de São Paulo hoje está marcado pelo abandono. Saiu o IBGE agora, mês passado, um a cada cinco imóveis do centro está abandonado. O espaço que é marcado pelo abandono se torna um espaço perigoso”, afirma Boulos, que se utilizou dos dados do Censo de 2022, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgado em março.  

O trabalho longe de casa e os serviços nas regiões periféricas   

O terceiro e último tópico discutido na aula foi o deslocamento dos paulistanos até seus locais de trabalho.

Um estudo feito pela Confederação Nacional da Indústria revela que 36% dos brasileiros passam mais de uma hora por dia em transportes públicos. Isso ocorre especialmente com aqueles que moram nas periferias das cidades e precisam se deslocar para os centros urbanos, onde se concentram os comércios.

“Aqui do lado, na Barra Funda, nós temos 400 empregos para cada 100 moradores. No extremo leste, Jardim Iguatemi, São Mateus, Cidade de Tiradentes, nós temos oito empregos para cada 100 moradores. De 400 vai para oito. Qual é o resultado disso? Quem é do bairro São Mateus sai todo dia de manhã para vir para cá [zona oeste], com duas horas no trânsito, com ônibus lotado, um monte de automóvel individual, com mais poluição, com piora na qualidade de vida”, explica o deputado sobre a desigualdade de oportunidades de empregos por habitante. 

O político do PSOL exemplificou como Paris, que também é uma metrópole, lidou com a diminuição do tempo de deslocamento com o projeto “Cidade de 15 Minutos”. O governo realizou a reapropriação do centro parisiense, o que impediu a especulação imobiliária, e possibilitou a realocação dos moradores para esses locais. Além disso, estimulou financeiramente empresas públicas e privadas a se expandirem para regiões periféricas. 

Evento de comemoração de 13 anos da Agência Pública traz Ailtron Krenak, Carlos Nobre e Daniela Chiaretti para debatar temas ambientais. 
por
Luísa Ayres
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14/03/2024 - 12h

Na noite de ontem (13) o evento de celebração do 13º aniversário da Agência Pública, fundada por ex-alunas da Universidade Pontifícia Católica de São Paulo (PUC-SP), apresentou uma mesa fundamental para a compreensão dos impactos da ação humana no meio ambiente. 

A roda de debate contou com a participação de importantes estudiosos, militantes e jornalistas da causa, com destaque para a participação de Ailton Krenak, o nome mais aguardado da noite. 

Recebido com aplausos, o doutor honoris causa pela UFMG e pela UFJF e eleito para a Academia Brasileira de Letras, se preocupou em evidenciar, para além das questões ambientais, as preocupações sociais imprescindíveis ao tema.  

Abordando o racismo estrutural e ambiental, Krenak pontuou como as consequências da crise climática são sentidas de formas diferentes pelas pessoas - e sempre de maneira mais forte pelas camadas pobres da população.  

Além disso, o indigenista chamou a atenção da plateia para o que está além da vida humana: a extinção em massa de diversas espécies animais.  

Segundo o Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU deste ano, de 976 espécies avaliadas em diversas regiões do mundo, 47% sofreram extinção de populações locais em anos de temperatura recorde.   

Populismo e os riscos para o clima

O renomado climatologista e criador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN-MCTI), Carlos Nobre, também presente no evento, alertou para como os efeitos do negacionismo têm impactado na destruição do Planeta. 

Em agosto de 2023, um documento redigido pelo Grupo de Inteligência Climática Global (CLINTEL), assinado por mais de 1.600 cientistas oriundos de 60 países, afirmava que “não há emergência climática”. A maior parte deles nativos de países da Europa e América do Norte, com destaque para Itália, Estados Unidos e França. 

Na América do Sul, o Brasil foi o país com maior número de assinaturas: 20. Além disso, vale lembrar que os brasileiros foram os que mais aumentaram a emissão de gases poluentes durante a pandemia do COVID-19 no mundo. 

Para Nobre, estes dados não são um acaso – mas sim uma consequência.  

Infelizmente nos últimos 25 anos, há um grande crescimento das eleições democráticas e populistas. Nós estamos vendo o populismo crescendo no mundo inteiro e essas pessoas todas são eleitas democraticamente. Esse é um enorme desafio. Nos EUA, 65% dos americanos são preocupados com mudanças climáticas e esses americanos elegeram um presidente negacionista que tirou os EUA do Acordo de Paris”, alerta.  

Crise sistemática

A jornalista Daniela Chiaretti, que cobre as Conferências do Clima da ONU desde 2008, concorda - e afirma que percebe a crise climática como “um problema que o próprio sistema (capitalista) criou”.  

Pensando, portanto, na crise climática como uma consequência da ação humana predatória ao longo dos séculos, cientistas, geólogos e outros estudiosos da área tem debatido, há 15 anos, a nomeação de uma nova era geológica: o antropoceno.  

As questões levantadas sobre o tema procuram pensar o tamanho do impacto que a humanidade tem causado ao mundo e às suas biosferas – e se são suficientemente graves a ponto de levar o Planeta a um novo período histórico.  

Segundo Carlos Nobre, o antropoceno teria tido início ainda na década de 40 com o impacto das bombas atômicas em terras como as do Canadá e México, que serviam como base de estudos de geólogos devido seu bom estado de conservação. Após os testes, suas estruturas foram modificadas com novos elementos. 

Hoje, falar de antropoceno pode soar como, praticamente, falar do fim do mundo como o conhecemos.  

Consequências

A Terra, desde seus primórdios, varia em eras de acordo com a órbita em torno do Sol. Em épocas de maior elipse, entramos na Era Glacial, com temperaturas mais amenas em cerca de 5ºC. Já quando em órbitas ligeiramente mais arredondadas, saímos deste período. Este ciclo, como explica Nobre, demora cerca de 100 a 120 mil anos. 

O problema é que o tempo que temos para lidar com as mudanças climáticas e suas consequências atuais é bem menor do que isso.  “Caso mudanças não sejam rapidamente efetivas, em 2100, teremos 4ºC de aumento (...). Nunca a temperatura chegou ao que pode chegar no século 22. Praticamente todo o mundo tropical será inabitável, quando poderão ser atingidas temperaturas em que o nosso corpo não perde mais calor. É o chamado estresse térmico”. 

Sua explicação prossegue alertando para os riscos de tal situação, como o tempo de vida de idosos e crianças - que pode não passar de 20 minutos. A espécie humana precisaria se adaptar para viver no topo dos Andes, no Ártico ou em outras regiões extremamente geladas.  

Além disso, esta época representaria a 6ª maior extinção do Planeta (a quinta ocorreu há cerca de 62 milhões de anos atrás, com os asteroides que mataram os dinossauros).  

Mapa de calor
Medidas mais drásticas para reduzir a emissão de gases-estufa serão necessárias para evitar que o planeta esquente mais de dois graus Celsius até o fim do século, aponta IPCC  – Mapa: Nasa/NOAA 

 

Quando nos perdemos?

Para Ailton Krenak, a humanidade perdeu muito – em tempo e experiência - invalidando os povos originários, que já avistavam estes riscos há muito tempo através do contato diário da natureza. 

O humano achava que a Terra era um lugar sagrado. Ele tinha medo do raio, do trovão, da tempestade. Ele tinha medo da mudança da cor do pôr do sol. Quando todo mundo ficou esperto, dominou a agricultura, pegou o metal, começou a fazer essa farra toda, deixaram de tratar a vida do Planeta como uma experiência sagrada e passaram a acreditar que a Terra é um organismo plástico, que podemos esticar, dobrar, enrolar (...)”.  

O militante da causa acredita, por isso, que o antropoceno é sim real e deveria ser validado. 

“Estamos comendo o corpo da terra feito pestes”, afirma.  

 

A comunidade do Morro do Piolho enfrenta o racismo ambiental com educação e ajuda da ONG Juntos pelo Capão
por
Silvia Monteiro
Lívia Rozada
Maria Elisa Tauil
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29/11/2023 - 12h

“A gente não precisava ter ficado mais de uma semana sem luz e água. Da ponte pra lá as pessoas receberam um formulário (da Enel) pra falar o que tinha sido estragado, aqui as pessoas nem sabem que podem fazer isso”, relata.

No dia 3 de novembro o Estado de São Paulo foi atingido por fortes chuvas e rajadas de vento de até 100 km/h. O temporal, um dos tantos exemplos da crise climática, não escolheu as suas vítimas, entretanto o racismo ambiental sim. Rose Borges, moradora do Morro do Piolho, periferia localizada no bairro do Capão Redondo, Zona Sul, enfrentou 10 dias sem luz e água.

“Isso é racismo ambiental. Por que quem mora lá pode ir atrás do direito deles e aqui não? Como o Eduardo Lyra fala em Gerando Falcões: a favela tem que sair do museu, reflete Rose.

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Moradores do Morro do Piolho passaram mais de 10 dias sem luz e água. (Foto: Maria Elisa Tauil)

O racismo ambiental é um termo utilizado para descrever situações de injustiça social, onde grupos minoritários são sistematicamente submetidos às consequências da degradação do ecossistema. Isso fica evidente quando moradores de bairros e territórios periféricos, em sua maioria pessoas pretas, indígenas e famílias de baixa renda, são diretamente afetados com o agravamento das condições climáticas, enquanto os mais privilegiados usufruem de melhores condições de vida.

“JUSTIÇA CLIMÁTICA É JUSTIÇA RACIAL”

O racismo ambiental está presente na sociedade em diferentes formas, como por exemplo, na maior incidência de riscos de inundações, deslizamentos de terra, concentração dos piores índices de poluição do ar e das águas, e até mesmo a falta de saneamento básico em comunidades. Dessa forma, a população está mais exposta aos impactos dos desastres naturais. Um exemplo marcante é o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG). A tragédia, que deixou 270 pessoas mortas e derramou milhões de metros cúbicos de rejeito de mineração na bacia do Rio Paraopeba, teve como sua principal vítima a população negra e de baixa renda, que morava na região. Quatro anos após o ocorrido, a empresa responsável pelo desastre não foi responsabilizada e as famílias afetadas ainda sofrem com as consequências da desigualdade socioambiental.

No lançamento do livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil”, organizado pelo Instituto de Referência Negra Peregum, os autores debateram sobre a necessidade de trazer à tona as demandas dos movimentos negros e denunciaram o embranquecimento do movimento ambientalista. “A crise ecológica global é, simultaneamente, uma crise de justiça global”, expôs a jornalista Mariana Belmont na coletiva de imprensa.

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Lançamento do livro que ocorreu no Instituto de Referência Negra Peregum em São Paulo. (Foto: Maria Elisa Tauil)

Em uma entrevista a Agemt, Andressa Dutra, gestora ambiental, mestranda em Ecoturismo e uma das autoras do livro, conta que a questão racial é a chave para solucionar a crise ambiental. “Entendendo que o Brasil é um país estruturado no racismo, o Silvio Almeida fala que a gente não vai conseguir resolver as grandes questões se a gente não trouxer um foco para questão racial, porque é isso que dá base e faz entender quem vai viver e quem vai morrer”, explica.

“Não adianta mais a gente tentar resolver as mazelas dos problemas ambientais sem pensar na questão racial,” relata a ativista. 

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“Livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil”. (Foto: Maria Elisa Tauil)

MORRO DO PIOLHO: UM REFLEXO DO RACISMO AMBIENTAL

Localizado na região do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, o Morro do Piolho, segundo moradores, abriga 300 famílias, sendo uma delas a da líder comunitária e agente transformadora Rose Borges, fundadora da ONG Juntos pelo Capão.  “Tem muita coisa acontecendo do outro lado da ponte do rio Pinheiros, que separa os pobres dos ricos, o lado A do lado B”, relata.

Rose conta que em decorrência da tempestade e rajadas de vento, ela ficou sem luz por quatro dias, enquanto alguns vizinhos ficaram mais de uma semana. Na segunda-feira, três dias após a tempestade, a maior parte do bairro seguia sem energia e sem água; consequentemente, a maior parte das escolas e creches não abriram. Assim como muitas mães e avós, ela precisou ficar em casa para cuidar da sua neta, precisando ligar à sua chefe para avisar que não tinha condições de ir trabalhar. Muitas outras mulheres da comunidade passaram pela mesma situação, mas receberam um tratamento diferente das empresas, com seus salários e benefícios sendo descontados. “Não é culpa delas, mas é visto assim. ‘Se vira’. Como se a gente pudesse se teletransportar”.

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Morro do Piolho, localizado na Zona Sul de São Paulo. (Foto: Maria Elisa Tauil)

A moradora denuncia a situação precária que as mães do bairro, grande parte mulheres negras e mães solo, precisam enfrentar ao ficar sem energia. “A maioria das mães aqui, quando saem, deixam coisas pros filhos comerem, porque elas vão trabalhar e só voltam à noite. Então ela trabalhou lá o dia inteiro, e, quando chegou em casa, não tinha luz nem água pra sobreviver”. Rose relata que, muitas pessoas precisaram se locomover e ficar na casa de amigos que já tinham energia. Ela precisou ir à casa da sogra, que fica em Campo Limpo, 42 km de distância do Morro do Piolho. A fundadora da ONG levou seu celular e os de seus vizinhos para carregar lá, além de trazer os alimentos que havia em sua geladeira.

Dessa forma, a comunidade se viu na necessidade de se mobilizar para enfrentar a falta de água e luz. Um vizinho de Borges, que tinha acesso a um lugar com água, ficou responsável por levar galões de água e trazer água para os moradores. Por ser uma quantidade limitada, as pessoas pegavam garrafas de 2 litros e faziam um banho rápido, e os que tinham filhos, tiveram que usar a mesma água em duas ou três crianças, e o restante foi usado para fazer comida e beber.

Além da falta de energia, a cidade de São Paulo também passou, recentemente, por uma onda de calor e mais uma vez, as comunidades periféricas foram as mais afetadas. Rose conta que, por conta do calor extremo, as pessoas precisaram dormir com as janelas abertas, e muitas precisaram colocar o colchão na parte externa da casa, onde era mais fresco. “Eu tive que colocar o colchão na garagem, sabe quando você não aguenta o calor?”, fala.

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Comunidade do Morro do Piolho enfrenta a onda de calor. (Foto: Maria Elisa Tauil)

O calor extremo chegou enquanto muitas pessoas ainda estavam sem energia, sendo ainda mais prejudicial às pessoas da comunidade. Sem luz, as geladeiras não funcionavam e as comidas apodreciam. “Minha cunhada perdeu tudo que estava na geladeira. Minha vizinha tinha duas crianças pequenas, e teve que ir pra um lugar no extremo sul porque lá as crianças tinham água e o que comer. Ela preferiu pegar um dinheiro e gastar com a condução do que ficar aqui”.

JUNTOS PELO CAPÃO: UM OLHAR DE ESPERANÇA

Claro, projetos como o de Rose não começam do dia para a noite. Durante a entrevista, ela nos conta que a ideia começou, no final de 2019, quando estava na missa e ouviu um pedido do pároco local, Padre Márcio, que fazia aniversário naquele dia. Como presente, ele queria um panetone porque tinha uma criança que não sabia o sabor do bolo. No seu trabalho, numa escola particular na zona oeste da cidade, ela pediu ajuda às mães dos alunos e conseguiram uma “parede” de panetones para serem doados no Natal, e a partir daí passou a acontecer todos os anos, conta com empolgação.

No início de 2020, com a chegada da pandemia, as escolas fecharam e as crianças moradoras do Morro do Piolho não tinham onde ficar. Para Rose, sua única opção era sair da bolha e se mobilizar, “a gente sempre tem um pouco de social, mas uns desenvolvem outros não”. Com a vontade de mudar a sua comunidade, ela pediu ao Padre Márcio uma sala que estava desocupada e começou ali seu projeto: Juntos pelo Capão.

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Rose Borges, criadora da ONG Juntos pelo Capão. (Foto: Maria Elisa Tauil)

Atualmente, há 2 projetos no portfólio da ONG: Escritores Mirins, onde, com a intenção de incentivar a literatura e escrita, cada criança participante escreve e publica seu próprio livro e Desenvolvedores Mirins (ou Pacote Office), responsável pela capacitação de jovens em ferramentas digitais. Além disso, a ONG organiza a ação Capão Sem Fome, uma frente permanente de combate à fome no Morro do Piolho, com distribuição de cestas básicas para famílias carentes durante todo o ano.

Quando o Estado não olha para aqueles que são invisíveis na sociedade, existe em contrapartida um cidadão ou cidadã que tem a capacidade de sair de sua bolha para causar um impacto na comunidade, e Rose Borges é uma delas. Através de seu olhar, de sua garra, ela consegue mobilizar toda uma comunidade para juntos se unirem e mudarem seu entorno. “Quando me deu esse despertar de fazer mesmo social como diferença na minha vida, de olhar para os outros, eu me senti uma torneira aberta jorrando água potável”, finaliza.

Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de jornalismo da PUC-SP. 

A Conferência das Partes (COP 28) começou na última quinta-feira, 30, em Dubai, e se encerra no dia 12 de dezembro.
por
Francisco Barreto
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05/12/2023 - 12h

As lideranças globais anualmente se encontram na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas para debaterem pautas relacionadas com o clima. O objetivo desta edição deve continuar o mesmo: limitar o aumento da temperatura do planeta para no máximo 1,5 °C, consenso firmado a quase quinze anos na França, no que ficou conhecido como "Acordos de Paris".

Cada edição é sediada em um país, neste ano o evento acontece nos Emirados Árabes Unidos, na cidade de Dubai. COP é a abreviação para "Conferência das Partes", as "Partes" são os países que ratificaram em 1992, no Rio de Janeiro, o primeiro acordo climático da ONU.

Controvérsias com o anfitrião  

Com um ano marcado por temperaturas recordes e catástrofes climáticas extremas, a escolha do país sede soou contraditória. Os Emirados Árabes Unidos são membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), além disso, é uma das 10 nações maiores exportadoras de petróleo do mundo, sendo responsável por cerca de 3% da produção mundial.

Para José Carlos Pedreira, engenheiro agrônomo formado pela UNESP Jaboticabal com especialização em Administração Rural pela Fundação Getúlio Vargas, a escolha do país como sede levou em consideração suas ações e histórico no combate a crise climática como o estabelecimento, em 2015, da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), instrumento pelo qual os países assumem compromissos voluntários para as questões climáticas no âmbito do Acordo de Paris.

"Entretanto, na opinião de muitos especialistas tudo isso não passa de lobby político visto que tudo indica que nos próximos anos a produção de combustíveis fósseis nos Emirados Árabes Unidos crescera consideravelmente", complementa Pereira.

Outra polêmica em torno do evento foi a nomeação de Sultan al-Jaber como o líder das negociações da COP 28. Al-Jaber é, atualmente, o presidente da Empresa Nacional de Petróleo de Abu Dhabi (ADNOC), a petrolífera estatal do emirado mais rico do país.

O líder das negociações da COP 28 e  presidente da ADNOC, Sultan al-Jaber. Fonte: Folha de São Paulo
O líder das negociações da COP 28 e  presidente da ADNOC, Sultan al-Jaber. Fonte: Folha de São Paulo

Em 2022, a ADNOC emitiu cerca de 24 milhões de toneladas métricas de gás, entretanto a estatal se comprometeu a eliminar suas emissões de CO, até 2030 e antecipou sua meta de Net Zero para 2045. O Net Zero é uma meta de longo prazo em que compensações somente são permitidas para aquelas pequenas frações de emissões inevitáveis. As promessas foram recebidas com ceticismo pois na última década a ADNOC não apresentou os relatórios de emissões de metano à ONU.

Sede da ADNOC, a petrolífera estatal do Emirado de Abu Dhabi. Fonte: ADNOC
Sede da ADNOC, a petrolífera estatal do Emirado de Abu Dhabi. Fonte: ADNOC 

Os Emirados Árabes Unidos terão uma produção de petróleo e gás estimada em 3.300 mil barris por dia, até o fim deste ano, segundo a Mordor Inteligence, portal focado na pesquisa de mercado.

Em maio do ano passado a estatal anunciou duas grandes descobertas: a primeira foi uma reserva de 650 milhões de barris de petróleo bruto em Abu Dhabi e uma gigantesca reserva de gás, medindo entre 1,5 a 2 trilhões de pés cúbicos de commodities. Tanto o petróleo quanto o gás são combustíveis fósseis responsáveis pelo agravamento das mudanças climáticas.

A ADNOC pretende aumentar, em cinco anos, sua produção de petróleo e gás diária para 4.939,24 mil de barris, a um CARG de 8,40%. O CARG é a taxa de crescimento anual composta é um modo de calcular a taxa média de crescimento de um investimento ao longo de determinado tempo, ajustada para a variação anual. A estatal prometeu, em novembro de 2022, investir uma quantia de US$ 45 bilhões nos próximos 5 anos, para que este aumento de produção seja possível.

A BBC News apontou, segundo documentos vazados, que os Emirados Árabes Unidos possuem interesse em utilizar seu papel de anfitrião na COP 28 para firmar acordos sobre petróleo e gás. Tudo indica que irá usar sua influência de país sede para direcionar o foco da COP de Dubai para o uso do solo, jogando mais responsabilidades e os custos para países em desenvolvimento e produtores de alimentos, com o Brasil, Sudeste Asiático e continente africano.

Pereira acredita que a questão não se traduz necessariamente como "conflito de interesse" e que cada país tenta atribuir as causas e responsabilidades que são seu "foco/prioridade"

"Pesa a favor dos países produtores de petróleo o fato que o mundo ainda depende dos combustíveis fósseis para seu suprimento de energia, cuja restrição vai exigir uma mudança geral muito grande de modelo de produção e consumo {...} Focar nos sistemas agroalimentares, em grande parte presentes nos países tropicais em desenvolvimento, atenua as restrições aos países temperados e desenvolvidos" , afirma.

Passado quase um ano, liderança indígena Yanomami fala sobre atual momento de seu povo, após Ministério da Saúde declarar Estado de Emergência de Saúde Pública na região
por
Artur Maciel
Bianca Abreu
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23/11/2023 - 12h

 

Em 20 de janeiro deste ano, o território Yanomami foi declarado em Estado de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional pelo Ministério da Saúde brasileiro. Concentrados em uma região Amazônica entre o Brasil e a Venezuela, com cerca de 30,4 mil habitantes, Yanomamis sofrem com a intensa atividade de garimpos ilegais no local. Epidemias - como gripe e malária - insegurança alimentar, morte sistemática de crianças indígenas e destruição do meio ambiente são provenientes das ações dos extrativistas na região.

Em entrevista por telefone ao repórter Artur Maciel, da Agência Maurício Tragtenberg (AGEMT), o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami (Condisi) e representante do Conselho de Saúde Indigena (SESAI), Júnior Hekurari Yanomami, fala sobre a importância da atuação do poder público no combate ao genocídio provocado pela extração ilegal de minérios.

 

Junior Hekurari Yanomami momentos antes do IV Fórum das Lideranças Yanomami e Ye’kuana. Foto: Fabricio Araújo/ @Socioambiental
Junior Hekurari Yanomami momentos antes do IV Fórum das Lideranças Yanomami e Ye’kuana. Foto: Fabricio Araújo/ @Socioambiental

 

“A ajuda aos Yanomami deu esperança de poder olhar de novo. Olhar o sol brilhante na floresta que estava no escuro”. Júnior Hekurari Yanomami

A fim de combater a desassistência sanitária no território Yanomami, o Ministério da Saúde instalou o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE - Yanomami) - cuja gestão está sob a responsabilidade da SESAI. Segundo a pasta, ao chegar na terra Yanomami, o órgão “se deparou com crianças e idosos em estado grave de saúde, com desnutrição grave, além de muitos casos de malária, infecção respiratória aguda (IRA) e outros agravos”.

“Durante 6 meses, muita gente voluntária. Médicos. Enfermeiros. Farmacêuticos. De São Paulo, Rio de Janeiro, Paraíba”, explica Júnior Hekurari, quando questionado sobre o suporte atual na região após declarada crise sanitária. “A ajuda aos Yanomami deu esperança de poder olhar de novo. Olhar o sol brilhante na floresta que estava no escuro”.

Segundo ele, “antes não tínhamos uma visão, apenas medo. O garimpeiro poluindo nossas terras. Nossas águas. Interrompendo nossos rituais. Culpa do governo ladrão de jóias. As crianças voltaram a brincar e andar depois das ações”. “Eu tinha medo do povo morrer. Sem o Lula, o povo Yanomami ia morrer. Em 2020, 2021, 20 mil garimpeiros destruíram nossas vida” desabafa, citando o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e a atuação do Estado na crise humanitária. Mas pontua com veemência que “ainda tem muita coisa a melhorar”.

Quando perguntado sobre como era tratado o impacto ambiental na região, em relação ao lixo gerado pela atividade garimpeira, o presidente do Condisi declara que “os garimpeiros não respeitam. Desmatam e tiram a terra de nossa vida”. “Durante 4 anos, fomos abandonados pelo governo brasileiro. Por um governo ladrão de jóias. Agora o governo voltou e os profissionais de saúde estão apagando o fogo das emergências pensando em uma restauração”, completa. Ele se refere ao governo do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (PL), que não raras vezes, ao longo de sua vida pública, legitimou publicamente as atividades ilegais dos garimpos.

 

Doença, fome e violência: genocídio em prática

As doenças, a insegurança alimentar, a violência e a morte passaram a fazer parte do cotidiano dos Yanomami diante da negligência do Estado em frear a extração indevida de minérios na região. De acordo com levantamento do Malária Journal, o aumento do número de casos de malária - causa recorrente de mortes de crianças indígenas - na região Yanomami saltou de 2.559, em 2010, para 18.765, em 2020. Sobre a presença da doença na região, o representante da Sesai afirma que a doença contamina até mesmo quem vai em seu combate. “Muitos dos médicos 'adoeceu'. Pegou malária e voltaram (para casa)”, conta. “Mas o importante é que a maioria 'desse' profissionais viram Roraima. Viram o Brasil!”, completa, demonstrando, em sua voz, um misto de preocupação pela saúde dos profissionais e esperança diante da visibilidade à situação de seu povo.

Outro aspecto da presença dos garimpeiros na região é o acúmulo de lixo nas proximidades das comunidades. Por conta disso, os indígenas locais entram em contato com elementos provenientes de fontes aquém da natureza - produzidos com materiais que não se reintegram àquele território. Pelo contrário, o desequilibram e o prejudicam. “Hoje tem lama em todo lugar, os garimpeiros deixaram lixo em todo lugar. Máquinas, latas e lixo”.

O que nos leva a outro problema que compõe esse efeito dominó no descaso com a saúde Yanomami: a fome. A alimentação indígena é, primordialmente, garantida pela natureza por meio da caça, pesca e consumo de frutas. Diretamente afetada pelo uso de mercúrio no garimpo, a água foi contaminada. Com isso, peixes mortos, impróprios para consumo, perdem-se nos rios onde a atividade garimpeira está. “O garimpo destruiu nossos rios. Nossas vidas. As mulheres não iam pescar. Não tinha peixe nem camarão para comer. Mataram tudo, não tinha alimento”, aponta Junior. E questiona, em seguida: “que dia vamos voltar a comer peixe? Voltar a comer camarão? O povo não tem”.

Além da malária e da fome, os indígenas ainda precisavam se proteger de outro perigo. Júnior Hekurari Yanomami denuncia que os crimes cometidos pelos garimpeiros também se estendem à violência sexual. Deixando, ainda mais evidente, o risco que a presença desse grupo não-indígena e extrativista provoca na população local. “O que aconteceu aqui foi muito traumático. Meninas de 12 anos grávidas. Estupradas por garimpeiros. Estamos agregando trauma de mães com luta dos filhos. Deram tiros nas crianças”, expõe a liderança. “Destruíram meu povo. Tem cicatrizes grandes até hoje e vai demorar para curar. Talvez em 50 anos. Quem sabe se cura”, conclui, reflexivo.

 

*Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de Jornalismo da PUC-SP.