Oposição e movimentos sociais apontam contradição entre a agenda ambiental do governo e aumento da fronteira petrolífera na Amazônia
por
Iasmim Silva
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19/06/2025 - 12h

No mesmo dia em que representantes do governo brasileiro discursavam na conferência climática em Bonn, na Alemanha, defendendo um protagonismo ambiental rumo à COP30 (Conferência do Clima das Nações Unidas), a  Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), realizava um dos maiores leilões de áreas de extração de petróleo do ano, com destaque para locais na região da Foz do Amazonas.


O contraste entre discurso e prática acendeu alertas entre ambientalistas, diplomatas e organizações indígenas, colocando o Brasil em situação delicada poucos meses de sediar a COP30, marcada para novembro em Belém (PA).

Brasil leva preparativos da COP30 à conferência climática da ONU na Alemanha. Reprodução: UNFCCC.
Brasil leva preparativos da COP30 à conferência climática da ONU na Alemanha. Reprodução: UNFCCC.

O que foi leiloado?

O 5º ciclo da Oferta Permanente de Concessão da Agência Nacional do Petróleo (ANP) ofertou 172 blocos de exploração em cinco bacias sedimentares. Desses, 47 blocos estavam localizados na Bacia da Foz do Amazonas, uma área de rica biodiversidade marinha, com presença de corais, recifes e comunidades tradicionais.

Ao final do leilão, realizado nesta segunda-feira (16), 34 blocos foram arrematados, arrecadando R$ 989 milhões em bônus de assinatura, valor quase 65% acima da expectativa inicial da própria ANP.

Mais de 85% desse montante veio de lotes situados na Foz do Amazonas, arrematados por gigantes como Petrobras, Chevron, ExxonMobil e CNPC. O consórcio Chevron-CNPC, por exemplo, arrematou nove deles com um ágio superior a 1.200% em alguns casos.

Por que a Foz do Amazonas é tão polêmica?

A região onde os blocos estão localizados é ambientalmente sensível e ainda pouco conhecida. Estudos científicos recentes revelam a existência de recifes de corais e espécies únicas no encontro das águas do rio Amazonas com o Oceano Atlântico. Ambientalistas alertam para o risco de derramamentos e danos irreversíveis à biodiversidade.

Além disso, parte das áreas ainda não tem licença ambiental para exploração e não passou por consulta prévia a povos indígenas e comunidades tradicionais, como determina a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que pode levar à judicialização dos contratos.

O Ministério Público Federal no Pará entrou com ações pedindo a suspensão do leilão, enquanto ONGs ambientais classificaram a iniciativa como “incompatível com os compromissos climáticos do Brasil”.

O peso das emissões

A exploração dos blocos vendidos pode liberar até 11 bilhões de toneladas de CO₂ equivalente, segundo estimativas do Instituto Arayara, entidade internacional que atua há 30 anos na defesa do meio ambiente. Isso representa aproximadamente 5% do orçamento global de carbono disponível para manter o aquecimento abaixo de 1,5 °C, meta central do Acordo de Paris, tratado internacional juridicamente vinculativo sobre mudanças climáticas.

Só a Foz do Amazonas responderia por 4,7 bilhões de toneladas dessas emissões, mais do que todo o setor agropecuário brasileiro em seis anos.

Bonn, COP30 e o paradoxo climático brasileiro

Em Bonn, onde ocorre a reunião preparatória para a COP30, o Brasil buscou se firmar como liderança ambiental no sul global. A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, participou de encontros destacando a necessidade de um “balanço ético global” e defendendo que países em desenvolvimento recebam apoio para promover uma transição energética justa.


No entanto, o leilão de blocos fósseis no mesmo dia do evento internacional foi visto como uma contradição gritante. Líderes indígenas, como o cacique Ninawá Huni Kui, acusaram o governo de hipocrisia climática. “Não é possível falar em transição energética ao mesmo tempo em que se amplia a fronteira fóssil na Amazônia”, disse durante sua participação no painel de abertura do evento Diálogos Amazônicos.

Manifestantes e Cacique Ninawá Huni Kui reunidos em Bonn, na Alemanha, para protestar contra novo leilão de óleo e gás no Brasil. Foto: Divulgação/350.org.
Manifestantes e Cacique Ninawá Huni Kui reunidos em Bonn, na Alemanha, para protestar contra novo leilão de óleo e gás no Brasil. Reprodução: 350.org.

Interesse econômico ou estratégia de transição?

O governo federal e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) justificaram o leilão por meio de notas oficiais publicadas em 10 de junho de 2025, nos portais do Ministério de Minas e Energia (MME) e da própria ANP. Nas comunicações, alegam que a medida visa garantir a segurança no abastecimento de energia do país e gerar recursos que, segundo eles, serão destinados a financiar a transição energética para fontes renováveis.

Os contratos exigem investimentos em tecnologias de baixo carbono e preveem que parte dos recursos arrecadados possa ser destinada a projetos sustentáveis. A medida, no entanto, gerou questionamentos por parte de organizações ambientais.

Em nota publicada no dia 10 e 11 de junho, o Greenpeace criticou a realização do leilão e apontou contradições entre a expansão da exploração de petróleo e o compromisso do Brasil com a descarbonização. A entidade, que atua globalmente no monitoramento de políticas climáticas, afirmou que a iniciativa coloca em risco a credibilidade do país nas negociações internacionais sobre o clima.

Site Entrelinhas: em meio a arranha céus e vielas a natureza vai escorrendo
por
Vítor Nhoatto
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16/06/2025 - 12h

Apesar de viver-se um tempo de emergênciua climática e sentir seus efeitos na prática, nem todos são afetados da mesma forma. Para isso se dá o nome de racismo ambiental, tema central do novo site Entrelinhas. Idealizado e produzido pelo aluno de jornalismo, Vítor Nhoatto para a disciplina de Jornalismo Contra-Hegemônico, conta com a orientação da professora e doutora Anna Flávia Feldmann.

O projeto se desenvolve ao longo de uma série de quatro reportagens, que contam com entrevista de especialistas de norte a sul do Brasil e relatos de quem sente na pele o peso de viver em uma sociedade que precisa de mudança. É proposto um espaço de letramento racial e ambiebtal, baseado em dados e fatos, que muitas vezes são ofuscados pelos outdoors, ou ignoados por empresas e governos.

Com uma linguagem que se aproxima do dia a dia do leitor, o site ainda conta com reportagens especiais desenvolvidas pelo estudante, demonstrando como tudo está interligado. E para saber mais sobre as entranhas ambientais, é só acessar o Entrelinhas pelo link abaixo:

https://entrelinhasambiental.my.canva.site/

Com participação de lideranças indígenas e acadêmicas, simpósio destacou a urgência ambiental como eixo estratégico para a reconstrução do projeto político progressista
por
Anna Cândida Xavier
Camila Bucoff
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14/05/2025 - 12h

O seminário nacional sobre o futuro da esquerda brasileira: impasses e desafios ocorreu de 12 a 15 de maio no prédio de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade de São Paulo. A mesa de crise ecológica e emergência climática aconteceu na quarta-feira (14), mediada pelo Manifesto Coletivo e composta por Vladimir Safatle, docente responsável pelo evento, Jera Guarani, educadora e líder indígena do povo guarani mbya, e Luiz Marques, professor livre-docente aposentado e colaborador do Departamento de História da Unicamp. 

A mesa reforçou a necessidade de ações políticas e econômicas cientificamente e culturalmente informadas contra o aquecimento global. "Vivemos os anos mais frios do futuro", afirma o professor Luiz Marques, que  alerta para o aquecimento global de ao menos 2° celsius em finais dos anos 2030. Segundo o INPE, de 1971 a 2021, 3 milhões 052 mil e 247 km quadrados da cobertura vegetal nativa foi desmatada no Brasil e mais de 90% do desmatamento da Amazônia é para pastagem. Assim, o professor coloca o agronegócio como o inimigo número 1° do Brasil e o principal emissor de gases poluentes do país.  

Já Jera Guarani ressaltou a importância da demarcação das terras indígenas para a preservação ambiental e cultural do Brasil. Atualmente seu trabalho é voltado para a segurança alimentar indígena: “não dá para ter guarani forte e inteligente tomando coca-cola e comendo salgadinho. A comida é sagrada, o plantio e a colheita são fundamentais para a autonomia indígena", alerta.  

Vladimir Safatle afirmou que historicamente a questão ecológica está ausente na esquerda brasileira, “fomos cúmplices dessa ideia de progresso e desenvolvimento, um dos problemas fundamentais do capitalismo”, e reitera que devemos "habitar a terra, e não consumi-la como mercadoria – para ele essa é a irracionalidade estrutural do capitalismo, a exploração desenfreada de recursos finitos".

O professor defende ainda a soberania popular e que a esquerda deve sonhar novos futuros: "Esta crise ecológica nos coloca duas questões muito claras. A primeira delas é a sua urgência. Ela não aceita que nós esperemos mais 10 anos, nós esperamos mais 20 anos. Porque o seu processo de aceleração, como ficou claramente mostrado aqui, é exponencial. Ele exige uma ação para ontem. A segunda é entender que essa questão é, antes de qualquer coisa, um problema político. E se ela é um problema político, então, como todo problema político, se resolve quando nós mudamos aqueles que decidem sobre ele.

O modelo atual de decisão, que nos está sendo imposto, ele é uma parte do problema. Ele nunca vai ser uma parte da solução. Você pode gastar milhões com estas festas de diplomacia internacional - COPS 85, COPS 87, COPS 30 - em que você mobiliza setores muito engajados dos processos de organização da sociedade. Normalmente eles sempre saem frustrados, porque eles veem que, afinal de contas, essas reuniões não tem nenhuma função, já que sua função central e efetiva é gerenciar o tempo. Comprar tempo". 

A estudante de Ciências Sociais da universidade, Bruna Nascimento, também comenta sobre a questão. "Então, o que a gente, na verdade, está vendo, é uma contradição em relação à agenda do governo aqui dentro do Brasil, que é passar o PL do desmatamento no Senado, como aconteceu recentemente, ou trazer para a voga a exploração de petróleo na foz do Amazonas. Isso é o maior absurdo que a gente pode ouvir no momento que estamos falando sobre emergência climática no presente, não mais no futuro.

"Um momento em que o mundo já aumentou em mais de um grau e meio de temperatura, e isso é uma situação absolutamente emergencial. A gente deve esperar de um governo de esquerda mais alinhamento na pauta, mais alinhamento do que estamos discutindo", diz Nascimento.

"Como a gente pode discutir dentro da COP30 todos esses assuntos revolucionários, para a mudança climática, se dentro da nossa agenda, dentro do nosso Senado, estamos falando sobre desmatamento, sobre destravar a economia do país explorando recursos naturais", questiona Nascimento.

Charlon Fernandes, outro discente do curso, critica a forma como o governo federal tem conduzido o debate climático. "Acho que um governo de esquerda, quando vai debater a questão climática, tem que fazer um debate muito sério, o que a gente não vê hoje. Por exemplo, o governo brasileiro é um governo federal querendo pautar a extração de petróleo na foz do rio Amazônia, sendo que já existem pesquisas comprovando quão danoso isso será, um governo que em menos de 12 horas vai ter petróleo na Guiana, em águas internacionais, prejudicando todo o ecossistema mundial. A própria Petrobras anunciou que apenas em 48 horas ela pode conter um vazamento de petróleo, ou seja, o dano já está garantido, é um risco calculado, previsível, e que o governo federal está querendo tomar", diz Fernandes no evento. 

Para ele "outra questão que também tem que ser colocada no debate sobre as fontes renováveis, que é muito importante a gente avançar, mas não podemos fazer uma troca absurda como vem acontecendo. Como o caso da usina de Belo Monte,  que foi uma grande campanha do governo federal para construir uma usina hidrelétrica, mas que prejudicou diversos povos nativos, a cultura, povos quilombolas e ribeirinhos que foram totalmente danificados pela construção".

Além disso, a expansão das energias eólicas no Nordeste simboliza, por exemplo, em pesquisas apontadas por universidades federais, o dano a comunidades de bandos de pássaro. Ou seja, isso é um debate climático sério? A gente tem que fazer um aprofundamento, porque o governo federal não pode ser conivente com essas políticas que prejudicam o meio ambiente. Como é o caso do Plano Safra, que manda bilhões para o agronegócio, que desmata, que entra no jogo de crédito de carbono, e que não é uma política suficiente. A gente sabe muito bem que esses protocolos e as conferências do clima que acontecem esporadicamente não são a solução da crise climática, que esses acordos, como o Tratado de Paris, não são suficientes para combater e dar retrocesso à crise climática".

 

Apontada como uma ferramenta no combate às mudanças climáticas, a nuclearização envolve questões colaterais complexas
por
Vítor Nhoatto
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30/05/2025 - 12h

O setor de energia respondeu em 2024 por 68% de toda a emissão de CO2 no mundo, segundo relatório da United Nations Environment Programme (UNEP). O gás é o principal causador do aquecimento global e precisa diminuir drasticamente nos próximos anos, apontando para a necessidade da chamada transição energética e descarbonização. Mudar a forma como se produz energia é um desafio, e a nuclearização ressurge como uma possível resposta.

A produção de energia a partir de material nuclear é antiga, e de forma simplificada funciona em algumas etapas. O combustível radioativo (urânio) tem seus átomos divididos no processo de fissão, liberando uma grande quantidade de energia que aquece a água em torno do reator e o vapor gerado acaba movimentando turbinas na usina que geram a energia. 

O que chama a atenção para a modalidade é a produção de grandes quantidades de energia com pouco material e baixa pegada de carbono em comparação aos combustíveis fósseis. De acordo com dados de 2020 da German Environment Agency levantados pela organização holandesa fundada em 1978, World Information Service on Energy (WISE), para cada Kwh gerado por usinas nucleares, cerca de 117 gramas de CO2 são emitidos. No caso do carvão e do gás natural as médias giram em torno de 950 e 440 gramas respectivamente. 

Cláudio Geraldo Schön, doutor em Ciências Naturais pela Universität de Dortmund, mestre em Engenharia Metalúrgica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor titular na instituição destaca o potencial e a evolução nuclear com o passar dos anos. "Expandi-la poderia substituir as usinas termelétricas, diminuindo a geração de gases de efeito estufa [...] “o processo é continuamente atualizado, e resulta em avanços mesmo sendo uma tecnologia consolidada”.

Foi na extinta União Soviética que a primeira usina nuclear para uso doméstico começou a funcionar para contextualização, a Obninsk em 1954. Em seguida vieram outras, como a de Calder Hall no Reino Unido em 1956 e Shippingport nos Estados Unidos da América (EUA) em 1957. No Brasil, a usina Angra I foi a pioneira, com operações iniciadas em 1985.

Cinza e não verde

No entanto, o cinzento urânio traz um efeito não tão expressivo. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), se a capacidade de produção nuclear triplicasse, a redução na emissão de CO2 do setor de energia seria cerca de apenas 6% devido principalmente à grande quantidade de carbono liberada na construção de reatores e usinas, que exigem grandes quantidades de recursos e décadas até começarem a funcionar, e para a mineração do urânio também. 

Além disso, a pegada de carbono das principais fontes renováveis de produção de energia são bem mais baixas que a nuclear. Ainda de acordo com o levantamento de 2020 da German Environment Agency, no caso da solar, cada Kwh emite algo em torno de 30 gramas de CO2, para a eólica a cifra é inferior a 10 e para a hidrelétrica de apenas 4 aproximadamente. 

Para o especialista sênior em energia nuclear e integrante da WISE International, Jan Haverkamp, a energia nuclear não é efetiva e nem tem a emergência climática como foco. “O uso do argumento climático é uma cobertura para outros interesses [...] os países com uso tradicional de energia nuclear não a desenvolveram devido às alterações climáticas, o fator inicial foi militar como EUA, China, Rússia e Brasil. Já para outros países era um sinal de importância, como no caso da Romênia, Bulgária e Coreia do Sul. Ou ainda visando a redução da dependência do petróleo como na Alemanha e Reino Unido, ou ainda uma tentativa fracassada de desenvolver uma fonte barata de energia como na Suécia e Canadá”.

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Última usina nuclear na Alemanha começou a ser demolida em 2023, mas novo governo de extrema-direita avalia reativar a base; “resumindo, para alguns é geopolítica” comenta Jan Haverkamp - Foto: Thomas Frey / DPA / Picture Alliance

Atualmente existem 437 reatores nucleares em funcionamento no mundo, que representam 14% de toda a energia gerada no mundo, de acordo com a World Nuclear Association (WNA). Os EUA ocupam a primeira posição do ranking com 96 unidades, com França, China e Rússia em seguida com 56, 55 e 37 cada, respectivamente. O país asiático tem planos inclusive de se tornar uma potência nuclear, e até 2035 ter o dobro da capacidade atual dos EUA. 

No caso do Brasil, a geração nuclear responde por apenas 2% da matriz energética, produzidos nas usinas Angra I e Angra II. Ambas fazem parte da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, ao lado da Angra III, ainda em obras, e o complexo começou a ser construído durante a ditadura militar no país.  

Aquilino Senra Martinez, doutor em Ciências da Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia da Presidência da República explica as nuances da modalidade: “O seu uso para geração de eletricidade depende do contexto de cada país. Em lugares com alta demanda e poucos recursos renováveis, a sua expansão pode ser estratégica. No cenário das mudanças climáticas, ela não pode ser descartada, mas também não deve ser tratada como solução única".

Com dimensões continentais e clima tropical, o Brasil se destaca no cenário mundial justamente pelo seu potencial de produção energética renovável, e hoje é referência no quesito. O Balanço Energético Nacional (BEN) de 2024, feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em parceria com Ministério de Minas e Energia (MME), constatou que foi de 49% o índice de energia proveniente de fontes renováveis. 

Mesmo assim, no fim do ano passado a usina Angra I teve seu licenciamento para operação renovado por mais 20 anos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão do Governo Federal, e demandará investimento de R$3,2 bilhões nos próximos 3 anos. A continuação das obras de Angra III seguem em análise, mesmo com a administradora das usinas, a empresa de capital misto Eletronuclear, tendo uma dívida de R$6,3 bilhões com a Caixa e o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). 

As operações no terceiro reator foram paralisadas em 2015 e voltaram somente em 2022 após reajuste do orçamento, com 65% das obras concluídas. Isso demandou um investimento até então de R$7,8 bilhões, e apesar da conclusão não ter sido incluída no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) anunciado em 2023, estima-se cerca de R$20 bilhões necessários para tal.

Para Rárisson Sampaio, porta-voz da Frente de Transição Energética do Greenpeace Brasil, essas cifras revelam como a nuclearização desvia dinheiro necessário das fontes renováveis e ameaça um desenvolvimento sustentável e acessível. “O investimento em usinas nucleares não se conecta com a realidade do país, que poderia direcionar tais recursos para outras áreas, fortalecendo políticas como o Luz para Todos, que garante acesso a fontes de energia limpa, segura e barata, combatendo a pobreza energética e alinhando-se aos ODS da Agenda 2030”, diz Sampaio. 

Criado em 2003, o programa do Governo federal tem como intuito universalizar o acesso à energia no país, especialmente em áreas afastadas e periféricas e já impactou 17,5 milhões de pessoas. Para essa nova fase, uma das frentes é justamente possibilitar a instalação de placas solares em domicílios de baixa renda. 

Jan Haverkamp, da WISE, defende como em muitos países o investimento na energia nuclear desvia efetivamente o foco e dinheiro para medidas concretas no combate às mudanças climáticas, o que não é verídico: “As fontes de energia renováveis ​​produzem atualmente mais energia do que a nuclear em todo o mundo, e essa quantidade continua aumentando. A geração nuclear está mais ou menos estável há 3 décadas. A Finlândia, por exemplo, está atrasada na implementação de energia eólica desde que decidiu construir a usina Olkiluoto 3, que sofreu um atraso significativo”.

Segurança x planejamento

De acordo com estimativas de 2024 da Agência Internacional de Energia, a demanda energética global aumentará 4% ao ano entre 2024 e 2025, cifra bem maior que os 2,5% registrados em 2023. Os principais impulsionadores serão o maior uso de ar-condicionado devido justamente às mudanças climáticas, a progressiva eletrificação da frota de veículos, imprescindível na descarbonização do setor, e pelo avanço das Inteligências Artificiais (IA). 

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Demanda por energia pelas big techs só cresce, tal qual o uso de água potável para resfriamento dos computadores, o que aponta para uma necessidade de consciência ao usar IAs e a internet -  Foto: Microsoft / Divulgação

Os data centers deverão mais que duplicar as suas necessidades de energia até 2030 segundo a AIE, ultrapassando em alguns anos a energia consumida pelo Japão. Corroborando com esses indicativos, o Ministério de Minas e Energias realizou um estudo que aponta para um aumento de 25% na necessidade de produção energética brasileira até 2034. Nesse cenário, uma questão levantada na transição energética é a segurança e expansão necessárias para a manutenção sadia da sociedade.

Carlos Schön argumenta sobre o papel da energia nuclear, portanto, e as questões em relação ao clima: “Nós produzimos muita energia, mas ainda é pouco considerando o tamanho do país [...] a energia nuclear é a principal aliada das fontes renováveis, justamente porque essas dependem de fatores extrínsecos (sol na geração fotovoltaica, vento na geração eólica) que por sua própria natureza são flutuantes”.

Uma vez extraído do solo, o urânio pode abastecer por décadas uma usina nuclear, as quais em média podem funcionar por 40 anos, com a possibilidade de extensão, como no caso de Angra I, em funcionamento desde 1985 e renovada até 2044. Tudo isso acontece também sem depender de fatores externos como o vento, que pode danificar as hélices das turbinas eólicas, as nuvens que afetam a produção solar e a variação dos reservatórios que impactam as hidrelétricas. 

Contudo, Ana Fabiola Leite Almeida, professora do Departamento de Engenharia Mecânica e Produção da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Mestre em Química pela instituição, destaca que o problema reside no planejamento energético. Mesmo que a produção diminua, é algo manejável com vontade. “O risco não está nas renováveis em si, mas na falta de planejamento. Em cenários críticos, pode haver queda média de 20 a 40% na produção energética dependendo da região, mas com previsibilidade climática, diversificação geográfica e sistemas híbridos conseguimos mitigar esses efeitos”, explica Almeida.

Em períodos como de ondas de calor em que a demanda energética aumenta, fontes como as termelétricas passam a ter maior participação na produção de energia, e como são mais caras que as hidrelétricas, a conta de luz pressiona o bolso da população. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no acumulado de 2023 o aumento na tarifa foi de 9,52%, bem acima da inflação, de 4,62% no mesmo período. 

Relatório de 2024 do Tribunal de Contas da União (TCU) em parceria com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Empresa de Pesquisa Energética aponta que a nuclearização não resolveria justamente essa questão. A energia nuclear produzida em Angra III aumentará em 2,9% a conta de luz por ano e custará à população até 77 bilhões em despesas na contratação se a obra for concluída.

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“Existe todo um investimento que pode ser perdido, mas não justifica a continuidade de Angra III. É o resultado do  mal planejamento e desalinhamento com a política energética aponta Rarisson do Greenpeace - Foto: Eletrobras / Divulgação

O mesmo estudo do TCU destaca que as despesas com a obra “parada” chegam a R$2 bilhões por ano e uma desistência definitiva custaria cerca de R$13 bilhões, menos que o montante necessário para conclusão. Países como Áustria, Portugal e Dinamarca não classificam a energia nuclear como uma fonte limpa, e Itália e mais recentemente Alemanha, desativaram seus reatores ainda em funcionamento.

No caso do Brasil em relação ao setor de energias, as renováveis se destacam em várias frentes. Segundo o “Atlas Eólico” de 2022 do governo do Espírito Santo em parceria com a Embaixada Alemã, o potencial de geração pelo vento somente no estado é de 160 GWh, quase um terço da demanda anual do país hoje.

A energia solar também é outro enorme potencial, levando em consideração que o Brasil é o país que mais recebe irradiação solar no mundo, até então desperdiçado. Em 2023 a companhia de consultoria BloombergNEF apontou que se as políticas de incentivo à modalidade permanecerem iguais, em 2050 a capacidade de geração será de 121 GW por ano. Na ocasião, o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), Ronaldo Koloszuk, defendeu que isso pode acontecer ainda em 2040 com apoio e expansão do setor. 

Ana Fabiola destaca: "O Brasil tem um dos maiores potenciais renováveis do mundo, mas para isso precisamos investir em inovação, infraestrutura de rede, armazenamento e educação técnica [...] é preciso ter suporte de armazenamento, interligação entre regiões e tecnologias de resposta à demanda. As fontes renováveis podem sim suprir a demanda crescente se houver vontade política e investimento contínuo", afirma. 

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Maior parque solar do mundo fica em Minas Gerais e foi inaugurado em 2023, fazendo com que a capacidade do estado chegue a 8 GW por ano - Foto: Solatio / Divulgação

Potencial radioativo denso

Falando em demandas futuras e recursos para sanar problemas sem gerar mais, uma outra implicação da energia nuclear gira em torno dos resíduos perigosos da atividade. A World Nuclear Association aponta que o resíduo nuclear equivalente à demanda de uma pessoa por um ano é do tamanho de um tijolo. Pode não parecer tanto de início, mas o problema está na radioatividade do material. 

A meia vida do urânio 235, o tempo que o material leva para se desintegrar e deixar de ser extremamente radioativo, gira em torno de 700 milhões de anos. Durante esse tempo as substâncias líquidas e sólidas precisam ficar armazenadas e isoladas do mundo, seja em reservatórios subterrâneos, piscinas gigantes ou toneis de chumbo. Não existe hoje uma solução para esse material, e como os primeiros usos são do século passado apenas, respostas sobre o comportamento dele também não foram encontradas. 

Isso em si já acende um alerta pois relega uma questão das gerações passadas às futuras, e a possível fuga de material radioativo das usinas pode colocar em risco a segurança nacional com a produção de bombas. Mas olhando para a história mais uma vez, a situação se complica. Em 1986 ocorreu na atual Ucrânia o famigerado desastre nuclear de Chernobyl, zona até hoje inabitável. A explosão da usina contaminou uma área de milhares de quilômetros ao seu redor, causou milhares de mortes e adoeceu os que resistiram. Um caso mais recente foi em Fukushima no Japão em 2011, que apesar de menor e diferente, reforça o cuidado exigido. 

Aquilino Senra afirma que a questão é muito relevante no debate atual, mas avanços foram feitos e que não deve ser a única levada em consideração: “É essencial que seja considerado dentro de um contexto histórico e tecnológico, à luz dos avanços obtidos nas décadas subsequentes e da comparação com outras fontes de geração de energia, como as fontes fósseis, que também provocam milhares de mortes anuais em decorrência da poluição atmosférica”.

A Organização das Nações Unidas estima que por ano a poluição atmosférica mata entre 7 e 8 milhões de pessoas ao redor do mundo. Somente no ano de 2021, 8,1 milhões de pessoas morreram, além do fator contribuir decisivamente para o desenvolvimento de câncer de pulmão e doenças respiratórias. 

Fazendas de turbinas eólicas, sítios de placas solares e usinas hidrelétricas também estão sujeitas a acidentes e impactam o meio ambiente, mas em um grau muito menor. Além dos grandes desastres, existe a possibilidade de vazamento de material radioativo. No Brasil, por exemplo, a Comissão Nacional de Energia Nuclear constatou um caso em 2022 na unidade de Angra I, no qual a água contaminada chegou ao mar. Na ocasião, a Eletronuclear foi multada em mais de R$2 milhões de reais pelo órgão

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ONG fez protestos em frente a usina de Angra I e relembrou o desejo ilegal de milhões de litros de água contaminada pela usina em 1986 - Foto: Greenpeace Brasil / Divulgação

Rárisson do Greenpeace destaca: “a energia nuclear não tem lugar em um futuro seguro, limpo e sustentável. A energia nuclear é cara e perigosa. Apesar de oferecer energia não intermitente, há outras soluções no país que podem ser mais eficientes, seguras e baratas [...] só porque a poluição nuclear é invisível não significa que seja limpa, nessa conta toda, a energia nuclear é inexpressiva”.

Mesmo assim, nos últimos anos empresas e nomes do vale do silício floresceram no cenário da nuclearização em defesa dos chamados Small Modular Reactors (SMR), em tradução livre, pequenos reatores modulares. Segundo a Agência Internacional de Energia, as unidades menores podem ser uma solução para a demanda crescente por energia dos data centers, e por serem menores, construídos em uma fábrica e depois enviados ao local de destino, podem baratear os custos.

Com um tempo de construção diminuído para cerca de 5 anos em comparação aos reatores convencionais e cinco vezes menores em tamanho, o primeiro SMR instalado no mundo data de 2023 na China, o Linglong One. A capacidade do reator será de 1 GW quando entrar em operação regular segundo a Corporação Nacional de Energia Nuclear da China. Mesmo assim, de acordo um estudo independente da Universidade de Stanford que avaliou os dados preliminares da empresa norte-americana NuScale Power, mais lixo radiativo é gerado e há maior dispersão de energia no interior dos SMRs.

Os principais projetos na área ainda vão levar tempo também, com expectativa de começarem a operar em meados da próxima década apenas, como o da britânica Rolls Royce. Ainda existe a startup de Bill Gates, Terra Power, com expectativa que o seu reator em Wyoming, o estado menos populoso do país, entre em operação no começo de 2030. No entanto, nessa data as emissões de CO2 na atmosfera já deverão ter caído 42% para que o aquecimento fique em 1,5 graus celsius de acordo com o relatório de 2024 da United Nations Environment Programme.

 “Não é surpresa que tecno-oligarcas como Gates, Musk, Zuckerberg e Bezos sejam especialmente atraídos pelas ideias por trás de pequenos reatores nucleares modulares. Mas eles não percebem que essas tecnologias são fundamentalmente diferentes da internet ou mesmo das estruturas de energia renovável, incluindo armazenamento, com custos mais elevados em comparação com sistemas totalmente renováveis, tempos de desenvolvimento muito mais longos e sérios riscos”, alerta Jan Haverkamp da WISE International.

Questões climáticas serão discutidas em meio a Amazônia
por
Cecília Schwengber Leite
Helena de Paula Barra
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09/05/2025 - 12h

Entre os dias 10 e 21 de novembro, Belém (PA) hospedará a 30° Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30). Durante o evento, a capital paraense receberá líderes mundiais, cientistas, organizações não governamentais e representantes da sociedade civil com o objetivo de discutir ações para enfrentar a emergência climática global. Os principais temas a serem debatidos são a redução de emissões de gases de efeito estufa; adaptação às mudanças climáticas; financiamento climático para países em desenvolvimento; tecnologias de energia renovável e soluções de baixo carbono; preservação de florestas e biodiversidade; justiça climática e os impactos sociais das mudanças climáticas.

Capital paraense se prepara para receber mais de 40 mil visitantes durante os principais dias da Conferência. Foto: Marcelo Souza / Agência Pará
Capital paraense se prepara para receber mais de 40 mil visitantes durante os principais dias da Conferência. Foto: Marcelo Souza / Agência Pará

Em entrevista à AGEMT, Sérgio Haddad, economista, pedagogo e mestre e doutor em História e Sociologia da Educação pela Universidade de São Paulo (USP); e Janaina Uemura, formada em relações internacionais pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), e em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) levantam as principais questões envolvendo a simbologia da COP-30 ter Belém como sede e o papel dos governos e sociedade civil em eventos como esse, principalmente com relação aos seus desdobramentos. Para ouvir a matéria completa, acesse o link:

 

Ainda não tão populares, automóveis elétricos vieram para revolucionar o mercado
por
Pedro Amancio Camargo Netto
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03/10/2023 - 12h

O senso comum é de que os carros elétricos não poluem o meio ambiente, mas a produção e descarte de baterias é um dos fatores de maior impacto ambiental na atualidade.

A Porsche é uma marca de automóveis alemã que foi fundada em 25 de abril de 1931, tem modelos de carros a combustão, como por exemplo: 911 GT3RS e carros elétricos, como por exemplo: Taycan TurboS

Carro com montanha ao fundo

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Porsche 911GT3RS                                                                                         Foto: NetCarShow/Reprodução

 

Segundo o Inmetro, o modelo da Porsche 911 GT3RS emite pelo escapamento 43 mg/km de gases orgânicos não metano e de óxidos de nitrogênio (NMOG, NOx), 78 mg/km de monóxido carbônico (CO) e 3 mg/km de aldeídos (CHO), segundo o programa brasileiro de etiquetagem veicular (PBEV), o modelo em questão emite 231 g/km de dióxido de carbono (CO2), usando como combustível a gasolina.

 

Interface gráfica do usuário, Texto, Aplicativo

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Foto: Nota verde/PBEV

    

Segundo a nota verde, que é uma classificação de quanto às Emissões de Poluentes relativas aos limites vigentes do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores - PROCONVE - Fase L7, existe uma classificação que vai da nota A até a nota E, sendo a nota “A” os menores níveis de emissão de poluentes, a nota “E” os maiores níveis de emissão de poluentes os, o modelo Porsche 911 GT3RS tem a nota “B”.

Segundo Boris Feldman, jornalista automotivo, engenheiro elétrico e escritor do AutoPapo da UOL “A poluição do carro elétrico é bem mais simples, rápida e barata pois dispensa montar vários componentes (caixa, escapamento, alternador, filtros, etc) e o do motor elétrico muito mais leve e menor que o motor a combustão”.

 

 

Carro prateado estacionado

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Porsche Taycan GTS / Foto: NetCarShow/Reprodução

 

O modelo também da Porsche Taycan TurboS, segundo o inmetro emite 0 mg/km de gases orgânicos não metano e de óxidos de nitrogênio (NMOG, NOx), 0 mg/km de monóxido carbônico (CO) e 0 mg/km de aldeídos (CHO). Referente nota verde o modelo Taycan TurboS tem a nota “A”, para o inmetro o modelo Taycan TurboS não emite de dióxido de carbono (CO2).

 

 

Porsche baterias Taycan

Porsche baterias Taycan / Foto: Divulgação/Porsche

 

   

Para Feldman, uma das coisas que podem ser feitas para a diminuição da poluição é "substituir o combustível fóssil nos carros a combustão". Para os elétricos a substituição tem que ser nas baterias. Para combustíveis mais sustentáveis e baterias menos poluentes.

O Brasil é um país continental, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) o tamanho do território é de 8.510.417,771 km² ,segundo o ministério dos transportes o brasil tem 75,8 mil km, dos quais 65,4 mil km correspondem a rodovias pavimentadas e 10,4 mil km são de rodovias não pavimentadas, segundo o escritor do AutoPapo Boris Feldman esse é um dos problemas para aumentar a popularidade dos carros elétricos no país “dimensões continentais que dificultam instalar pontos de recarga.”

 

Carro parado na rua

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CAOA Chery iCar / Foto: Divulgação

 

Segunda a MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.172, DE 1º DE MAIO DE 2023 o salário mínimo é de R$ 1.320,00 (mil trezentos e vinte reais) e o preço de um carro elétrico mais em conta, segundo o AutoPapo é Caoa Chery iCar, com preço de R$ 119.990. Para o Feldman o Brasil somente terá mais carros elétricos circulando quando os preços diminuírem “quando eles baixarem de preço e aumentarem o alcance.”

A moda por uma perspectiva sustentável e circular
por
Thainara Sabrine
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03/10/2023 - 12h


A indústria da moda está entre as que mais poluem no mundo, a revista Modefica (em 2021) estimou que um caminhão de lixo têxtil é desperdiçado por segundo nos aterros, e cerca de 70% à 80% das roupas que podem ser fabricadas tem potencial para acabar no lixo ou acumuladas em espaços sem terem sido utilizadas. A tendência é que os dados se multipliquem cada vez mais com o crescimento das chamadas "fast fashion" e o consumismo exacerbado de roupas.

 

mulher branca vestindo um vestido verde, curto de mangas longas. Deitada em uma pilha de tecidos
 Foto: Stella McCartney/Reprodução

A moda é sazonal, acompanha estações e acontecimentos que possam representar algum marco, a rapidez com que isso acontece está cada vez mais aparente, e as consequências dessa velocidade estão na demanda ambiental necessária para a fabricação e o descarte irresponsável. Manuela Troccoli, estudante de jornalismo e pesquisadora de história da moda pontua “A indústria da moda é a 2º mais poluente do mundo ficando atrás apenas da indústria do petróleo, sem contar que é uma das que mais demandam o uso de água e matérias primas ambientais para a produção das peças.”.  Em contraponto a isso, Manuela se demonstra positiva quanto a consciência também crescente sobre o uso responsável e uma moda que possa representar mudanças significativas no consumo “Saiu um entrevista recente nos EUA que 14% dos americanos estavam mais interessados em consumir moda sustentável, peças que tenham menos impacto ambiental, o que engloba todo ecofashion, então acho que talvez estejamos caminhando para um futuro melhor.” comenta.

Vestindo Lixo: O reuso como alternativa

Para pensar em prática de contraponto ao consumismo podemos considerar o movimento upcycling, que é a ideia de reutilizar de forma criativa, fazer o reaproveitamento de peças que geralmente seriam destinadas ao lixo ou que por ventura fiquem paradas sem aproveitamento, nesse movimento essa peça pode retornar a circular.

O movimento está em constante crescente dentro e fora das passarelas, e já existem movimentos que representam essa progressão, o projeto “Transmutação têxtil e o Reaproveitamento de Peças” que acontece no Centro Cultural Santo Amaro sugere uma oficina de moda que  apresenta técnicas de costura para desenvolver peças a partir do reuso de materiais têxteis já existentes, visa promover a conscientização sobre o descarte de roupas, tornando a moda circular uma alternativa possível para o cotidiano.

Dandara Marya, arte educadora, produtora de moda visual e idealizadora da oficina traz a perspectiva de  “Movimentar a transmutação têxtil, um laboratório que propõe através de técnicas de costura estimular as pessoas a promoverem uma consciência de que esse consumo também é um mecanismo de construção de estereótipos. A conversação da moda inclusiva e consumo consciente em espaços culturais, colaborativos, ONGs e residências artísticas, nos dá a ideia de uma forma de reuso e menos descarte. Isso é essencial para conscientizar e para ampliar essa discussão em territórios sem tais recursos de conhecimento. A proximidade a esse debate é um passo muito grande para que possamos discutir sobre como a moda nos define.”

O desfile  “Corpa Criativa” desenvolvido  por Sollar é resultado da elaboração das peças feitas por alunes durante a oficina ministrada por Dandara e figurinos do acervo pessoal de 'Corpa Sollar' que também foram elaboradas a partir da técnica de reuso. “O desfile fala muito sobre identidade, para a moda além desse consumo, é sobre fazer a moda que realmente veste o nosso corpo.” comenta Sollar. 

 

colagem de fotos representando um pouco do desfile e peças elaboradas na oficina.
fotos do desfile "Corpa Criativa" com roupas elaboradas na oficina transmutação textil e do acervo de "Corpa Sollar" -  Fotos por Ludmila Bernardi (@ludmilabernardi) 

 

Mayara Nogueira, estuda e experiência a moda,  é adepta ao movimento da moda sustentável, compartilha que o motivo para se vestir de maneira sustentável está diretamente ligado ao fato de se preocupar com a geração de lixo e os efeitos no meio ambiente, diz não encontrar desafios para aplicar a moda sustentável em seu cotidiano “O bazar é muito acessível, se você não gostar da peça dá pra arrumar, cortar e costurar de outra forma, então acho que não tem nenhum desafio” comenta. Nogueira, ainda complementa dizendo que o existe um caminho comum para a moda sustentável e que está principalmente em repensar nosso consumo “Repensar o que a gente compra, o quanto a gente compra, onde  a gente compra, e usar a criatividade, pegar uma peça que já existe e usar de outra forma, com uma peça a gente tem muitas possibilidades, assim a gente ressignifica a moda e nosso dia a dia”. 

 

Mayara Nogueira posando em ensaio de fotos
Mayara em editorial reprodução instagram @ollhodetiggre Foto Por Ludmila Bernardi

 

A moda é cíclica e diversa, é a expressão da identidade e pode representar muito mais do que o simples ato de vestir-se, escolher moda sustentável é tornar-se um ato político diante uma crise ambiental. 

O rompimento com o sistema colonialista expõe a dura realidade ambiental que sustenta os belos aquecedores franceses
por
Pedro Bairon Sant' Anna Perez
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03/10/2023 - 12h

O Níger, (país que se localiza na África Saariana) passou por um golpe de estado. O presidente Mohamed Bazoum foi deposto pelo próprio exército nacional, que com sua queda instituiu Abdourahmane Tiani como novo líder da Nação.

            O antigo presidente Mohamed Bazoum era um forte aliado do ocidente na luta contra os grupos extremistas islâmicos, e em muitos negócios envolvendo exportação de matéria prima, como por exemplo o urânio. O Níger é o quarto maior produtor de urânio do mundo, e o maior do continente africano, sendo assim nos últimos anos o país formou sua economia com base em exportação deste produto, principalmente para sua ex-colonizadora, a França.

            No entanto, a recente troca de regime foi vista com maus olhos pela parte ocidental da comunidade internacional, tendo em vista a aproximação de países como China e Rússia do continente africano. O receio ocidental se concretizou, pois, o regime vigente demonstrou uma forte aproximação com Rússia e China, e com esse novo laço criado, algumas coisas mudaram nas políticas de importação e exportação do Níger.

            O país decidiu que não iria mais exportar urânio para a França, que por não ser autossuficiente no quesito da matéria prima, precisa do urânio nigerense para se aquecer durante o rigoroso inverno francês, como disse o bacharel em Geografia Tiago Fuoco: “A França talvez seja o país mais dependente do urânio do Níger, e essa dependência é um grande problema para Paris, principalmente com o inverno chegando na Europa”. O Níger tomou essa medida drástica por conta dos interesses em fortalecer sua indústria, mas também como uma resposta às sanções francesas impostas à Rússia por conta da recente guerra contra à Ucrânia.

            Agora que os aquecedores franceses estão em jogo, muitos olham para essa situação através de uma óptica diplomática. Porém a maneira em que o urânio é extraído no Níger engloba problemas extremamente complexos, talvez até mais que o jogo de xadrez do tabuleiro geopolítico contemporâneo. Nos últimos 40 anos, apenas na mina de Cominak em Akouta, foram extraídas mais de 75 mil toneladas de urânio, ou seja, no mínimo são extraídas por ano 1.875 toneladas apenas nessa mina

Mina de cominak
Mina De Cominak

              O urânio é retirado diretamente do solo, então uma solução ácida é adicionada para separar o minério do urânio, esse processo traz como resultado um líquido apelidado de “licor de urânio”, que depois de decantado e filtrado converte-se em um concentrado, o “yellowcake” que consiste no urânio em formato de pasta, como é comercializado. 

Yellowcake
Yellowcake

             Esse processo que parece simples e inofensivo é na verdade extremamente nocivo tanto à saúde humana, quanto a todos os ecossistemas. O procedimento de extração do urânio é considerado perigoso até mesmo em países desenvolvidos que o realizam com toda a segurança e dezenas de protocolos, como por exemplo no Canadá, como disse o bacharel em química, Vítor Fernandes: O urânio tem um poder destrutivo que não pode ser subestimado, pois além da forte radioatividade, se espalha com uma facilidade insana”. No entanto, quando consideramos esse tipo de extração em países subdesenvolvidos, e sem as condições de segurança de trabalho necessárias aos trabalhadores e ao meio ambiente, o resultado é catastrófico.

O urânio por si só é extremamente radioativo, e a radiação além de justificar sua periculosidade em si mesma, também se espalha pelo solo, pelo ar, e pela água. Ou seja, acaba destruindo três ecossistemas diferentes, sem mencionar os notáveis danos aos nigerenses que habitam regiões próximas a essas minas, fazendo com que a extração de urânio não tenha sua periculosidade reduzida aos trabalhadores, mas também a todas as pessoas que cercam os pontos de extração de urânio.

Além de todos os problemas ambientais que implica a extração do urânio, uma parte ínfima do dinheiro arrecadado com a exploração é revertida a população (tendo em vista que o Niger lucra quantias exorbitantes de dinheiro com a exploração de urânio, porém devido a subnotificação não existem meios de saber ao certo o tamanho do problema) , que sob essas circunstâncias acaba se envenenando por migalhas, como explica a charge do artista francês Damien Glez.

Charge

Tradução da charge: Você prefere ficar rico, porém envenenado. Ou pobre com saúde‽ Pergunta o francês 

O urânio que é rico, não eu. Responde o Nigerense.

 

 

O ‘desastre’ de Mariana tem cunho etnocida e ainda impacta a vida dos indígenas Krenak fazendo com que muitos costumes sejam modificados
por
Victória da Silva
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03/10/2023 - 12h

 

O rompimento da barragem do Fundão no município de Mariana (MG) aconteceu no dia 5 de novembro de 2015, sendo considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil por muitos especialistas do meio ambiente. Contudo, para o povo Krenak o ocorrido ultrapassa os limites de ‘desastre’ e se configura como mais um episódio de luta dos indígenas no Brasil.

De acordo com a Secretaria de Estado de Meio-Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), os rejeitos devastaram o Distrito de Bento Rodrigues e conduziram-se em 55 km até o Rio Gualaxo, afluente do Rio do Carmo que é afluente do Rio Doce.

Área coberta de lama e rejeitos com algumas partes da natureza sem destroços e aparecendo árvores
Foto: Gustavo Basso / Reprodução InfoEscola

Geovani Krenak, líder indígena e vereador da cidade de Resplendor em MG, declara que o intitulado “desastre” deveria na realidade ser retratado como crime, já que foi por negligência da empresa Samarco, subsidiária da Vale, que a barragem cedeu. “É bom olhar os termos utilizados pra gente não reforçar a ideia de desastre, uma coisa mais no âmbito natural, nesse caso foi crime. Um crime premeditado, digamos assim”, afirmou.

Leonardo Alves da Cunha, professor de sociologia do IFSP campus São Miguel Paulista, fala sobre a relação do indígena com a natureza, a qual também se difere de acordo com cada povo. Também orientador do núcleo de estudos afro-brasileiros e indígenas da instituição, afirma que existe para os Krenak, uma ligação cosmológica, de ancestralidade e fixação no território: “A gente poderia chamar de conexão com a natureza no sentido de que eles não a pensam como um depósito de recursos, que pode ser o tempo inteiro utilizado para tirar o que quiser.” 

Para a ativista indígena e diretora escolar municipal, Ludimila Krenak, o impacto do crime foi avassalador em todos os âmbitos. A pedagoga pontua que eles tiveram que criar muitas adaptações, como consumir água mineral em garrafas de plástico e necessitar de caminhões pipa: “Depois da contaminação do Watu, nós passamos a ter inúmeras dificuldades para fazer nossos rituais culturais, pois o rio era nossa fonte de alimentos, água, lazer, esportes, onde colhíamos nossas ervas medicinais, ensinávamos as crianças a nadar e a pescar. Perdemos isso tudo”.

"Watu" como é chamado por Ludimila, diz respeito ao Rio Doce que para os Krenak é como um ancestral. Leonardo, ao explicar sobre essa relação, ressalta as falas de Ailton Krenak, em que o escritor discute a existência de muitas humanidades diferentes e a mais próxima dos indígenas tem uma relação muito íntima com as paisagens naturais, considerando-as realmente seres vivos.

Segundo a diretora, "Difícil é encontrar alguma forma que esse crime não me atinja". Aprender a nadar para os Krenak não é apenas nadar como para os não-indígenas. Ela afirma que fazer isso é criar um vínculo eterno com Watu, relatando que aprendeu a nadar no rio juntamente com todos os seus familiares, mas suas 3 filhas não conseguirão seguir a tradição.

"O Watu não conhece minhas duas meninas mais novas, a primeira foi batizada nele, as outras nem isso puderam. As ervas que o rio nos oferecia para dar o primeiro chá e o primeiro banho nos recém nascidos não podemos utilizar mais, isso me fere diariamente, uma ligação espiritual que não existirá com as novas gerações", completa.

O vereador, Geovani, disse também que os Krenak estão exigindo ações referentes à água do Rio Doce e reivindicado minimamente condições de vida no vale. Ele declara com indignação: “O crime aconteceu em 2015, acontece hoje e vai continuar acontecendo durante muito tempo”.

A respeito de tratar esse tema em aula e questionar os alunos sobre como resolver o problema, Alves completa: “Perderam vidas, propriedades, a maneira como viviam coletivamente, seus bens, tanto suas casas quanto seus objetos. Como é que repara isso? Você dá uma indenização? Você manda para um outro lugar? Tem coisas que são imateriais, que você não consegue reparar com dinheiro, né?”

Cada vez mais poluído, o centro comercial da 25 de março vem passando, durante muito tempo, por uma crise de concentração de despejos.
por
Nicole Domingos
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03/10/2023 - 12h

Um dos pontos comerciais mais conhecidos na cidade de São Paulo é a 25 de março, que fica localizada na região central, onde o movimento não para de crescer e, junto com ele, o lixo nas ruas.

De acordo com a Loga - empresa responsável pela coleta de lixo, são produzidos na área por volta de 500 toneladas de lixo por mês, mas nas datas comemorativas há um aumento significativo de 7% na produção de resíduos. "Isso aqui é lixo até demais, tem dias que ficamos mais de 2 horas para limpar tudo em um só quarteirão, a sujeira aqui é tanta que mesmo a gente limpando, o caminhão-pipa ainda precisar vir para lavar as calçadas.", diz Sueli, uma das garis que limpa o local.

As pessoas têm o costume de se adaptar à realidade que veem em sua frente, ninguém joga o papel de bala no chão de casa, mas quando se trata da rua que já está cheia de lixo, não acham problema em ajudar a ter mais acúmulo.

"Eu acho que é a educação que vem de casa, porque eu vejo muita gente jogando embalagens nas ruas, as pessoas que vão às compras e até mesmo os vendedores ambulantes, que não estão preocupados em deixar limpo o lugar que trabalham.", opina Julia Batista, vendedora que trabalha na região da 25.

As consequências não atingem somente as pessoas que trabalham ou moram nas ruas, mas também os lojistas que não conseguem movimento quando há chuvas fortes. "O excesso de lixo nos bueiros entope as saídas de água e acontecem os alagamentos. A água sobe e não é possível caminhar, ninguém quer andar em esgoto.", desabafa Marlene Domingos, lojista na 25 de março a mais de 15 anos. A degradação da qualidade da água pode prejudicar a saúde, o bem-estar e a segurança em geral.

Não é apenas durante o dia que acontecem os casos de descartes inadequados, quando chega a parte da noite os feirantes começam a preparar seu ambiente para conseguirem trabalhar. Ao decorrer da madrugada o movimento de pessoas que vão comprar suas frutas e vegetais aumenta, o que resultando na abundância de restos, criando moscas, larvinhas e mau odor, “Não tem como eles não deixarem nada cair durante a noite, uma banda de cenoura, melancia, vai ser derrubado e fica por isso. E se tá atendendo o cliente, não vão querer parar para pegar o que está no chão. Eles se preocupam menos porque sabem que a gente tem que vir limpar. De um jeito ou de outro, sempre vai acabar limpo antes de chegarem e sujarem tudo de novo.", conclui Sueli.

A poluição é responsabilizada por danos no ecossistema, que afetam diretamente as pessoas que convivem com ela todos os dias. Não é possível mudar tudo do dia pra noite, limpar todas as ruas e deixar a cidade brilhando outra vez, mas existe a possibilidade de ajudarem a não piorar o que, sinceramente, não está nada bom. A falta de compreensão leva as pessoas a não terem noção das consequências de seus atos, nunca vai ser "só mais um", sempre irá ser "ainda tem mais um".