Na atual Itália de extrema direita a exposição “Foreigners Everywhere” promove uma visão contracultural sobre o estrangeiro
por
Beatriz Yamamoto
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16/05/2024 - 12h

Bienal de Veneza 2024
Entrada da Bienal de Veneza de 2024/ Foto: Matteo de Mayda/CASACOR

A 60ª edição da Bienal de Veneza, que ocorre de 20 de abril a 24 de novembro, destaca-se por suas exposições que reúnem imigrantes, artistas queers, outsiders, autodidatas e indígenas, caracterizados por sua condição de estrangeiros, o que inspira o título "Foreigners everywhere" ("Estrangeiros em todos lugares", em português). No atual momento, a relevância do tema se estende não apenas para a história da Bienal de Veneza, mas também para a sociedade e a cultura italiana. Como também traz uma enorme relevância para o Brasil, que além de abordar o fenômeno contemporâneo da imigração compulsória, tem pela primeira vez a curadoria de um brasileiro, Adriano Pedrosa.

 

Curadoria de Adriano Pedrosa

“O diferente, nessa edição, é a presença de um curador brasileiro, um intelectual que já atuou como artista, inclusive, experimentando a dimensão mais pragmática e política de um pensar sobre arte, reinterpretar sua história e as relações de poder nela implicadas, e sublinhar o papel do Brasil nesse contexto” comenta Rafael Vogt, artista, professor de pós-graduação na Faculdade Belas Artes, curador e ministrante de cursos de arte livres no MASP, na Pinacoteca e no Instituto Tomie Ohtake. Em entrevista à AGEMT, ele compartilha sua experiência como crítico de arte e destaca a importância do Brasil nessa Bienal.

A 60ª edição da Bienal conta com 332 artistas, provenientes majoritariamente de países periféricos, e que vivem ou viveram em situações marginais em decorrência de sua origem, identidade de gênero ou de problemas migratórios. 

Vogt destaca grandes nomes, inclusive estrangeiros, que atuaram no Brasil ou a partir dele: Lina Bo Bardi, Maria Bonomi, Claudia Andujar, Waldemar Cordeiro, Cícero Dias, o Movimento dos Artistas Huni Kuin, Rubem Valentim, entre muitos outros de um grupo que forma, provavelmente, a maior “representação brasileira” já apresentada na Europa.

Adriano Pedrosa, diretor artístico do Museu de Arte de São Paulo (MASP), assume o papel de curador para o principal evento de arte sediado no epicentro cultural europeu. Sua curadoria destaca artistas estreantes de diversas origens. 

 

60 edição: “Estrangeiros em todos os lugares”

O título da mostra, Foreigners everywhere (Estrangeiros em todos os lugares), tem inspiração na obra de Claire Fontaine, um coletivo de artistas parisienses que utiliza o pseudônimo feminino para “explorar como objetos pré-existentes podem assumir novas identidades artísticas”, segundo o Aventura Mall.

Claire Fontaine, Bienal de Veneza
Obra de Claire Fontaine, Foreigners Everywhere, 2004/ Foto: Archives Mennour.

 

A obra é um conjunto de esculturas em neon de diversas cores e em diferentes idiomas, majoritariamente os de nações do Sul Global e de etnias indígenas, as palavras “Foreigners Everywhere”. 

O coletivo Claire Fontaine tem como inspiração Marcel Duchamp e explora a essência do movimento dadaísta: um objeto produzido em massa, disponível comercialmente e utilitário passa a designar uma identidade de gênero e a expressar um discurso político. 

A obra inspirou Adriano Pedrosa a utilizar o nome de um coletivo italiano de base anarquista, Stranieri Ovunque (Estrangeiros em todos os lugares), transformando-o em uma obra de arte que é, ao mesmo tempo, discursiva e única, mas também universal.

Além disso, em sua apresentação, Adriano Pedrosa menciona que a palavra estrangeiro em italiano, em português, em espanhol e em francês é etimologicamente ligada ao termo “estranho”. O mesmo vale para a palavra queer (do inglês), cuja origem também remete à ideia de “estranho”. Ele comenta que já foi estrangeiro em diversos momentos de sua vida, morando fora e viajando. Pedrosa se identifica como queer e evidencia a inclusão de artistas queers, trans e não binários na exposição.

 

A exposição

Instalada no Pavilhão Central (Giardini) e no Arsenale, a Exposição Internacional é dividida em duas seções: o Núcleo Contemporâneo e o Núcleo Histórico.

A primeira parte, intitulada “Núcleo contemporâneo”, é composta por artistas queers, outsiders, populares e autodidatas que acabam se relacionando por transitar dentro de diferentes sexualidades e gêneros ou operar em círculos e contextos diferentes ou estarem marginalizados no circuito de arte sendo muitas vezes perseguidos e proibidos.

Além disso, conta com forte presença dos indígenas, que como mencionado pelo curador durante sua apresentação, são considerados estrangeiros em sua própria terra. 

Os Estados Unidos, por exemplo, são pela primeira vez representados individualmente por um artista indígena de origem Choctaw-Cherokee, Jeffrey Gibson. A França é representada por Julien Creuzet, um artista negro nativo da colônia martínica, e traz obras de poesia, folclore e esculturas.

O Brasil marca presença neste núcleo com o coletivo Mahku, que representa os artistas indígenas de forma significativa no pavilhão central. O coletivo de arte indígena amazônica conta a história da “kapewë pukeni” (“a ponte do jacaré”) e retrata visões inspiradas em rituais sagrados baseados no consumo de ayahuasca, bebida de efeitos psicoativos.

A segunda parte, intitulada de “Núcleo histórico”, busca reescrever a história do modernismo no mundo, destacando que este movimento não se limita à Europa, e promove uma reflexão crítica sobre as fronteiras globais do modernismo. Essa seção concentra-se principalmente na apresentação de artistas da América Latina, África, Oriente Médio e Ásia que atuaram ao longo do século XX. Suas obras estão inseridas no contexto do modernismo, porém, em grande parte, permanecem desconhecidas no cenário principal da arte moderna e contemporânea. Nomes como Tarsila do Amaral e Frida Kahlo estarão presentes.

O núcleo é composto por três salas distintas: uma é intitulada Portraits, com pinturas, obras em papel e esculturas que exploram a figura humana sobre a crise de auto representação por grande parte da arte do século XX; outra chamada Abstractions,  com 37 artistas, que expressam novas conexões no campo abstrato a arte; e a terceira é dedicada à diáspora artística italiana mundial no século XX. São exibidas obras de 40 artistas italianos da primeira ou segunda geração, exibidos nos cavaletes de vidro de Lina Bo Bardi, cumprindo o duplo papel de homenagem à arquiteta ítalo-brasileira e de assinatura curatorial.

Cavaletes Lina Bobardi
Núcleo Histórico com as obras expostas nos cavaletes de Lina Bo Bardi/ Foto: Marco Zorzanello

 

Arte e Política

A arte nunca é apartada da política. A produção artística reflete o contexto social e cultural, incorporando preocupações políticas, sociais e econômicas. Os artistas usam sua arte para expressar opiniões políticas, desafiar o status quo e promover mudanças sociais, abordando questões como injustiça, desigualdade e direitos humanos. As obras de arte são interpretadas dentro de um contexto político e ideológico, analisadas pelo público e por críticos que buscam significados políticos subjacentes. 

A 60ª edição propõe que o interlocutor alargue o próprio horizonte e problematize a quem recai, de fato, a identidade do estrangeiro. Além disso, levanta questões contemporâneas que dialogam intimamente com a tradição e o legado histórico da Bienal de Veneza.

O crítico Rafael Vogt observa que, embora essa abordagem pareça ampliar o campo da arte para incluir o ativismo, o engajamento pode ser sustentado, ironicamente, por uma mentalidade mais conservadora, centrada ainda na dicotomia tradicional pintura/escultura e em estruturas randomicamente estabelecidas, mais pelo mercado secundário do que por um reflexão sobre as complexidades da cultura contemporânea. 

“A presença dos cavaletes de vidro de Lina Bo Bardi não deixa dúvidas sobre um recuo que coloca o meio mais tradicional e intrinsecamente eurocêntrico e colonial, a pintura, no centro das discussões mais variadas como questões climáticas, causas como a indígena, os movimentos migratórios, questões de gênero e sexualidade. Não que isso ofusque o teor estético da exposição, mas, precede-o, a ideia de que a arte não tem uma função social específica, mas uma relação autônoma com o desenvolvimento histórico de seus meios”, finaliza o professor.

Entre restaurantes e filmes, saiba o que fazer no dia 12 de maio
por
Helena Maluf
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09/05/2024 - 12h

No próximo domingo, dia 12 de maio, o mundo celebra o Dia das Mães, uma data especial para homenagear e reconhecer o amor e dedicação das mães em todo o mundo. A data não é apenas uma oportunidade de presentear com flores, cartões e presentes, mas também uma ocasião para passar tempo de qualidade com aquelas que desempenham um papel fundamental em nossas vidas. 

Para tornar esse dia ainda mais inesquecível, apresentamos algumas sugestões de filmes emocionantes e restaurantes aconchegantes para compartilhar momentos memoráveis com sua mãe.

O restaurante “Merenda da Cidade" é o ambiente perfeito para um almoço descontraído e acolhedor em família. Localizado na República, em São Paulo, ele é conhecido por sua culinária única que combina ingredientes locais frescos com técnicas de cozinha modernas. O cardápio é inspirado na gastronomia regional, mas com um toque de criatividade e inovação. Além da comida deliciosa, o restaurante se destaca pelo ambiente acolhedor e contemporânea. As paredes são decoradas com obras de artistas locais, criando uma atmosfera artística e cultural.

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Ambiente do restaurante “Merenda Da Cidade”. Foto: Instagram @merendadacidade 

Seguindo as raizes brasileiras, a franquia do filme “Minha mãe é uma peça” garante risadas e descontração para toda a família com a história de Dona Hermínia, uma mãe amorosa e engraçada, que busca representar a maioria das mães brasileiras. O filme estão disponível em plataformas de streaming como Netflix e Globoplay.

Se procura um ambiente mais animado, o restaurante “Petro Greek Taverna” localizado em Pinheiros, São Paulo, é vibrante e charmoso, com elementos decorativos e gastronomia que transportam os clientes diretamente para a Grécia. O cardápio apresenta pratos clássicos e deliciosos como moussaka, souvlaki, gyros, saladas frescas com queijo feta e azeitonas, além de uma variedade de frutos do mar preparados de maneira tradicional grega.

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Fachada do restaurante “Petros Greek Taverna”. Foto: Instagram @petrosgreektaverna

Coincidindo com a sugestão de restaurante, o filme "Mamma Mia!" que nos conta sobre relações familiares, especialmente a relação entre mãe e filha, se passa na Grécia. O musical é embalado pelas músicas do grupo ABBA, criando uma atmosfera divertida, leve e cheia de energias positivas - perfeito para o Dia das Mães.

Para celebrar o empoderamento feminino, o restaurante "Camélia Odòdò" é perfeito para esse dia. Localizado na Vila Madalena, São Paulo, o restaurante é o primeiro da chef Bela Gil, que comanda o restaurante sozinha. O cardápio segue a filosofia de alimentação saudável e consciente da mesma, e se destaca por sua abordagem inovadora e sustentável, com pratos elaborados a partir de ingredientes frescos, orgânicos e sazonais. Além disso, possui uma decoração que mescla elementos naturais, como madeira e plantas, proporcionando ao ambiente pequeno, uma atmosfera acolhedora e convidativa.

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Salão do restaurante "Camélia Odòdò". Foto: Ligia Skowronski/Veja SP.

Explorando ainda mais o empoderamento feminino que essa data especial celebra, o filme "Lingui" é essencial no seu itinerário. A história de uma mãe que luta para ajudar sua filha após descobrir que ela está grávida, dentro das pressões e expectativas sociais que as mulheres pretas enfrentam em sociedades conservadoras. Envolvente e provocativo, levanta questões importantes sobre a autonomia das mulheres, o papel da religião na sociedade e as complexidades das relações familiares.

Para as famílias que gostam de experiências fora do convencional, o restaurante experimental da Dengo, o Cabruca, localizado em Pinheiros, São Paulo, é um local fascinante. O ambiente é cuidadosamente projetado para envolver os clientes em uma jornada imersiva, combinando a arte da chocolateria com técnicas inovadoras de gastronomia. Além dessa experiência, o restaurante também oferece workshops e degustações, permitindo que os clientes conheçam mais sobre a origem e o processo de produção do chocolate Dengo.

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Restaurante “Cabruca” localizado na fábrica da Dengo. Foto: Instagram @cabrucarestaurante                                                              

Ainda para aqueles excêntricos e que gostam de se emocionar, o filme “Lado a lado” é perfeito para esse dia. O enredo conta a história de uma família em que a mãe estão lutando contra um câncer terminal, enquanto a nova namorada do pai, madrasta dos filhos, tenta se aproximar e encontrar seu lugar na família. É relatada uma jornada emocional que mostra o poder do amor e da união familiar diante das adversidades da vida.

 

Neste dia especial, seja qual for a forma escolhida para celebrar, o fundamental é expressar amor, gratidão e reconhecimento pela presença e dedicação o das mães em nossas vidas.

 

 

 

Mostra “Frankenstein: crônicas de uma criatura atormentada” faz panorama das melhores adaptações da trama. Em cartaz no Centro Cultural SP
por
Beatriz Yamamoto
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09/05/2024 - 12h
Pianista Tony Berchmans na Mostra Frankenstein do Centro Cultural de São Paulo/ Foto: Beatriz Yamamoto
Pianista Tony Berchmans na mostra Frankenstein do Centro Cultural de São Paulo/ Foto: Beatriz Yamamoto

 

Na última quinta-feira, 2, os amantes de cinema puderam acompanhar a mostra “Frankenstein: Crônicas de uma Criatura Atormentada” , que ocorre de 1º a 11 de maio no Centro Cultural de São Paulo (CCSP), com uma sessão musicada ao vivo do filme de James Whale, interpretada pelo pianista e compositor Tony Berchmans. O filme não possui uma trilha sonora própria, o que impulsionou o pianista a utilizar sua experiência e técnicas adquiridas ao longo dos anos para criar uma interpretação única para a obra.

A história de "Frankenstein" é uma das mais reconhecidas e influentes da literatura mundial. Criada por Mary Shelley em 1818, ela conta sobre o cientista que cria vida artificialmente e os dilemas éticos e morais resultantes que cativaram gerações de leitores e inspiraram inúmeras adaptações em diferentes mídias ao longo dos séculos.

“Frankenstein" é uma obra que transcende o tempo e o meio. Através de suas narrativas e temas universais, sua relevância perdura à sua capacidade em se adaptar e ser reinterpretada de diferentes maneiras. As adaptações oferecem uma variedade de interpretações sobre os personagens e temas da história, permitindo que novas gerações encontrem diferentes camadas de significado na obra.

Tony Berchmans é compositor, pianista e professor de pós-graduação em trilha sonora com enfoque em  música para o cinema. Ele é reconhecido por suas performances de  Cinepiano – em que reinterpreta a trilha sonora de obras do cinema mudo ao vivo – como é o caso da sessão com o longa atemporal de Whale, proporcionando uma experiência audiovisual singular. O pianista estabelece andamentos, ambientações dramáticas e pontuações cômicas, com técnicas de sincronização e interpretação narrativa contribuindo para contar a história através da música.

Além do Cinepiano, a mostra faz um panorama das melhores adaptações do clássico tema Frankenstein ao longo das décadas, com sessões de releitura do drama futurista em Robocop (1987), a versão cômica de Frankenhooker (1990), e o mais recente premiado Pobre Criaturas (2024), baseado no livro homônimo de Alasdair Grey, que ficará em cartaz no circuito Spcine na sala Paulo Emílio durante o período da exposição.

Não se limita às adaptações do clássico de Shelley. Filmes como Blade Runner, o Caçador de Andróides (1982), Edward Mãos de Tesoura (1991), Ex Machina (2014) e A Pele que habito (2011) podem ser considerados "histórias Frankenstein” e também serão exibidos no evento. 

No último dia da mostra, 11, haverá uma palestra com a professora e pesquisadora Laura Cánepa, que abordará o impacto cultural do livro nas adaptações para o cinema e explorará a evolução das inúmeras releituras do clássico. 

 

Mostra Frankenstein: Crônicas de uma Criatura Adormecida

Quando: de 1º a 11 de maio

Onde: Centro Cultural de São Paulo - Rua Vergueiro, 1000 - Liberdade, São Paulo

Programação: aqui

Ingressos: Entrada gratuita mediante reservas; ingressos para a mostra e a palestra podem ser retirados uma hora antes de cada sessão presencialmente.

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Novo projeto de Dua Lipa é contagiante, revigorante e espontâneo, mas sem tanto brilho quanto seus precedentes
por
Vitor Nhoatto
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07/05/2024 - 12h

 

Depois de dois anos de espera, na última sexta-feira (3), o terceiro álbum de estúdio da cantora inglesa de descendência albanesa, Dua Lipa, chegou. Com onze faixas, estética bem trabalhada e sonoridade respaldada por Kevin Parker, ex-integrante da banda Tame Impala, "Radical Optimism" é como um mergulho musical refrescante, apesar de truncado.

A nova era da cantora prometia fazer jus ao estrondoso sucesso de "Future Nostalgia", seu último álbum, ao passo que prometia trazer novos ares. O último grande trabalho, de 2020, foi responsável por consolidar Dua no cenário internacional da música, a colocando entre as mega estrelas globais do pop em termos de desempenho comercial, crítico e popular.

Lançado em plena pandemia, com inspiração dos anos 90 e 80 e pensado para as pistas de dança, as expectativas desanimadoras diante do lockdown foram amplamente superadas, e a carreira exitosa da cantora continuou. O álbum conquistou vários certificados de platina mundo afora, além do título de música do ano com Levitating, em  2021, pela Billboard. Future Nostalgia é um dos 15 melhores álbuns do século, ainda segundo a revista estadunidense.

Antes dele, o álbum auto-intitulado de Dua, seu primeiro, lançado em 2017, já havia aberto a estrada do sucesso. Duplo vencedor no Grammys de 2019, com seis faixas certificadas de platina, como o primeiro grande hit da artista, "New Rules", e sendo o álbum de uma artista feminina mais escutado da história do Spotify, o sarrafo para o novo projeto era altíssimo.

Nova perspectiva

Iniciada a largada para a vinda de Radical Optimism oficialmente em 9 de novembro do ano passado com "Houdini", após provocações nas redes sociais alguns meses antes, um novo rumo era indicado. O lead single apresentou um som diferente à cantora até então, com elementos do rock e pop psicodélico, além de um videoclipe que estreava o novo visual da cantora, agora ruiva, e letra provocativa e instigante.

 

Em entrevistas a programas de televisão e rádios, Dua contou que o novo projeto era para si uma nova fase como artista e também como pessoa, na qual se sentia mais confiante, preparada e disposta a ousar. Tais ideias explicam a escolha do nome e da capa, que representam a coragem de enfrentar novos mares, a parte do Radical, fazendo isso com serenidade e sabedoria, por isso do Optimism. No entanto, a sonoridade se perde em algumas músicas e não se traduz tão consistente e convincente quanto a estética.

Os trabalhos no álbum começam com a faixa "End Of An Era", marcada por um frescor convidativo. O instrumental é alegre acompanhado por um baixo, e os vocais remetem a um clima tropical descontraído. Tal atmosfera também está presente em "These Walls", menos carregada que a primeira, ao narrar uma relação sem futuro, na qual nenhuma das partes quer terminar por conveniência e medo de se machucar.

Uma temática recorrente na discografia da artista sempre foi o amor, tido por ela como um dos melhores e mais necessários assuntos no mundo. Porém, diferente de algumas estrelas pop, suas letras não são necessariamente autobiográficas, e Dua prefere manter sua vida pessoal mais reservada. Suas composições na maioria das vezes buscam animar e encorajar pessoas, como em "Training Seasons", segundo single lançado em fevereiro, com uma vibe dançante e empoderada e bem produzida por Kevin Parker.

"Whatcha Doing" mantém o alto astral com seu instrumental bem anos 90, mas peca um pouco ao carregar demais a canção com sintetizadores, sufocando o brilho da voz única de Dua. Em seguida a velocidade diminui em "French Exit", termo em inglês que significa sair de uma festa sem se despedir. A letra é bem humorada, há maior uso de instrumentos analógicos e um som que puxa levemente a um estilo mais acústico. Além disso, no pós refrão, ela canta em francês filer à l'anglaise, expressão equivalente ao nome da canção, que significa sair ao jeito inglês. O trocadilho entre os países historicamente rivais busca destacar que toda relação é de duas vias e depende da perspectiva que é vista.

Mergulhando no House e Disco, "Illusion" convida o ouvinte a dançar enquanto dá uma injeção de autoestima. As referências às pistas de dança dos anos 80 ganham frescor na faixa lançada pouco tempo antes do álbum completo, como terceiro, e até então último single. O videoclipe, propriamente gravado em uma piscina olímpica em referência à molhada capa do projeto, é colorido e de ótima direção, feito por Tanu Muiño. 

 

Ainda trazendo elementos de outras culturas, "Maria" se distancia um pouco do pop ao flertar com o flamenco. Se sobressaem instrumentos como a flauta e o violão enquanto Dua canta sobre aprender com relações passadas. Sendo uma das quatro faixas que Kevin Parker não produziu, junto a "These Walls", "Falling Forever" e "Anything For Love", a sonoridade é curiosa e não tão carregada como as demais.

Já "Falling Forever" é uma balada romântica bem Europop, com um refrão que destaca a potência vocal da cantora, trecho que inclusive abre a faixa. A letra é reflexiva e bem trabalhada, abordando a possibilidade e a vontade de que o fogo de uma relação não se apague. Em entrevista ao canal Zach Sang Show, ela conta que a canção retrata a sua relação atual, com o ator britânico Callum Turner.

Após o baque emocional, o ouvinte se depara com uma espécie de interlúdio, "Anything For Love". Tido como uma música como as demais e não uma pausa propriamente, mantendo a cantora fiel ao não uso de interlúdios, a faixa é como uma quebra desnecessária. Com um ritmo que se anima no segundo verso, poderia funcionar se o álbum fosse mais extenso, mas com apenas duas outras músicas após ela, parece um pouco deslocada.

Encerrando o álbum, "Happy For You" tem um ar revigorante e de finalização. A letra traz uma perspectiva de superação e amadurecimento diante de um relacionamento passado no qual ambos seguiram em frente. Dua conta em entrevista ao a Zane Lowe para a Apple Music que a faixa é uma contemplação de como amadureceu e hoje enxerga as coisas com otimismo. Com ambientação de pássaros ao fundo e sons da natureza, o instrumental dominado pela bateria abraça o ouvinte e não esmaga a voz da artista como em algumas outras faixas produzidas por Kevin Parker, e encerra o projeto adequadamente.

Sensação final

Ao fim da jornada, constata-se mais uma continuidade da sonoridade e da carreira da artista do que uma mudança radical, como sugere o título. Com três singles lançados, o projeto é robusto e alegre. "These Walls" e "Happy For You'' destacam as habilidades vocais. Enquanto isso, "French Exit" e "Maria" frisam a originalidade lírica, mantendo a irreverência de Dua Lipa, responsável por seu sucesso. Porém, o álbum não é tão bem trabalhado como deveria e sem tanto fôlego e coerência como em "Whatcha Doing" e "Anything For Love".

Como seus antecessores, espera-se que o "Radical Optimism" ganhe versões estendidas, por conta da pequena duração e por Dua ter revelado em entrevista ao programa Jimmy Kimmel Live que compôs 97 músicas ao todo. Para comparação, o Dua Lipa (Deluxe) conta com 17 faixas e sua reedição de 2018, 25. O Future Nostalgia, por sua vez, possui 13 faixas, enquanto que o relançamento The Moonlight Edition de 2021 possui 19. 

Bem produzido, o projeto não tem tanto brilho quanto o seu primeiro álbum e principalmente quanto o Future Nostalgia, mas é cativante e refrescante. As letras são interessantes e possuem ganchos excelentes como em "Training Seasons" e "Illusion", e a sonoridade, apesar de algumas vezes ser confusa ao decorrer da jornada de 36 minutos, entrega emoção.

O dia de lançamento contou com 20.5 milhões de streams no Spotify, a quinta maior estreia até então entre as artistas femininas neste ano, revelando a força da artista. Porém, somente "These Walls" entrou no top 50 da plataforma no dia, juntando-se aos três singles "Houdini", "Training Seasons" e "Illusion", entregando as pequenas pontas soltas do álbum.

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Finalista do Prêmio Jabuti, distribui autógrafos e exibe a 3ª edição da trilogia
por
Luenir Gomes Batista
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06/05/2024 - 12h

 

Professor da Pontifícia Católica de São Paulo (PUC-SP), estreou seu novo livro, na quarta-feira (24/04), no anfiteatro do TUCA. O evento contou com a participação de especialistas acadêmicos e de ficção que discutiram sobre a obra e o uso da inteligência artificial nos dias atuais.

O romance de estreia de Fernandes, Os dias da peste, foi publicado pela primeira vez em 2009. A narrativa cyberpunk segue o formato de diário, que conta em primeira pessoa a história do despertar das máquinas na perspectiva de um técnico em informática, o professor universitário Arthur Mattos. Na trama, acompanhamos o protagonista tentando resolver os problemas e entender o que está acontecendo com os computadores, que começarão a seguir alguns comandos que não foram dados, como se adquirissem consciência própria.

Embora a criação de IA seja uma temática recorrente na ficção científica, a obra de Fernandes apresenta suas particularidades que ultrapassam a barreira do ficcional, construindo uma espécie de metanarrativa e metacrítica. Essa característica gera uma grande conversa entre o autor e o leitor sobre um mundo num processo de transformação que em um primeiro momento se mostra sorrateiro e vertiginoso.

Pollyana Ferrari, professora da PUC-SP presente no evento, faz analogia ao livro e conta que um dos problemas da nova geração é a falta do hábito de leitura e que isto se dá pela aceleração, já que a tecnologia nos submete a isso. “Hoje em dia tudo é acelerado, áudio no modo acelerado, série em modo acelerado […] Mas com o livro não é assim, as pessoas não têm mais paciência.” 

Fausto Fawcett, um dos convidados e autor do prefácio do livro, conta sobre a inspiração do autor "Fábio se inspirou num livro sobre a peste que assombrou a Inglaterra em 1666 escrito por Daniel Defoe (o mesmo que escreveu Robinson Crusoé) intitulado Diário do Ano da Peste, publicado em 1722.” 

 

Imagem da capa da 3ª edição de os dias da peste (Reprodução: Editora Desconcerto)

 

Outras edições

Nelson Freiria, comentarista de livros e cultura cyberpunk, relatou que a primeira edição das produções de Fernandes, por ser uma publicação da Tarja Editorial, apresentava o problema das páginas brancas e finas, com grande transparência em algumas condições de luz, podendo ser um inconveniente para alguns leitores, assim como a fragilidade do papel. E acrescentou que o prefácio foi escrito por Adriana Amaral. Já em outras edições, essas características mudaram.

 

  Capa da 1ª trilogia (Reprodução: Editoria Tarja)   Imagem capa da 2ª edição(Reprodução: portfólio do autor)

Na segunda edição, apesar da oportunidade de alterar datas e outros detalhes da trama, como tecnologias e softwares, o autor optou por não mexer em sua obra. No entanto, houve uma mudança no prefácio, que agora conta com as palavras de Fausto Fawcett, conhecido músico carioca e autor de "Santa Clara Poltergeist" (1991). 

Ao final do evento o autor finalizou com autógrafos, e disse “Este livro veio para a complexidade, não para explicar”.

Imagem em auditório da PUC, autor distribui autógrafos ao final do evento (Foto: Lueny)

Sobre o autor

Fábio Fernandes (1966) é jornalista e escritor, doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, onde atualmente ministra o curso de Jornalismo. Seus esforços literários vão além da escrita, já que ele também traduziu vários livros, incluindo obras notáveis ​​como Laranja Mecânica e Bons Presságios. Entre suas criações estão os romances Os Dias da Peste, DE VOLTA À URSS (finalista do Prêmio Jabuti 2020), O amor vai nos separar, Sob pressão e Rio 60 Graus, além das coletâneas de contos Amor: Tem Arqueologia e 16 anos. Além disso, realizou pesquisa de pós-doutorado na ECA-USP sobre narrativas utópicas e atua como líder do grupo de pesquisa interdisciplinar Observatório do Futuro, filiado à PUC-SP.      

Como adquirir o livro 

A obra está  disponível em e-book e físico no Amazon, Kindle e no site Desconcertos editora.

Para mais informações acesse o site: OS DIAS DA PESTE (Volume I da TRILOGIA DA PESTE) – Desconcertos Editora

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A história de centenas de pessoas congelada em um memorial, mostrando suas lutas, seus medos e seus nomes.
por
Nicole Domingos
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25/04/2024 - 12h

 

O Memorial da Resistência é um museu do estado de São Paulo que preserva as repressões políticas, mas além disso esclarece a força e coragem das pessoas que resistiram aos acontecimentos. Contudo, não serve apenas para ensinar como a história ocorreu, em conjunto mostra o que aconteceu, como as marcas nas paredes não ficaram apenas lá, mas foram carregadas por tantas gerações e por todas as pessoas que sofreram naqueles anos. A exposição de longa duração permite esclarecer um pouco sobre como foram os tempos para os que permaneceram em suas celas durante a ditadura.

Localizado no centro de São Paulo, o museu proporciona uma experiência chocante e realista que mexe com todas suas emoções, esclarecendo como as atrocidades cometidas eram de fato um ferimento aos direitos humanos, segundo o Relatório da Comissão da Verdade da Prefeitura de São Paulo, “Pelo menos 50 pessoas foram mortas, sob tortura, entre 1969 e 1975, na sede da Oban e do DOI-Codi de São Paulo, local edificado com a colaboração do então prefeito de São Paulo e apelidado de “sucursal do inferno”. Mas apesar de ser uma energia dolorida, também é possível sentir cada parte das atitudes de resistência e coragem. 

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Foto mostrando como eram as celas e como os nomes eram marcados na parede.
Foto: Nicole Domingos.

É possível notar que todos os nomes que foram escritos nas celas serviam para mostrar que seres humanos estavam lá, lembrar que as marcas que eles deixaram no mundo é tão permanente como as marcas que foram deixadas em cada um deles. A aluna de jornalismo, Nathalia de Moura ficou realmente mexida com a realidade que aparenta ser tão distante para sua geração, “A situação em si é forte e pesada, mas ver aqueles registros nas paredes e estar ali no local em que tudo ocorreu me fez imaginar a realidade daquelas pessoas”.

Com a quantidade de documentos e informações acessíveis no memorial é possível saber que aqueles que estavam presos eram extremamente mal tratados e machucados, recebiam comida uma vez por dia e eram os únicos que se preocupavam com o mínimo de higiene. No banheiro de cada cela havia apenas uma luz bem fraca, em um dos relatos disponíveis nas paredes das celas, foi deixado claro as condições precárias às quais eram submetidos, “Tinha uma piazinha que era pra gente escovar os dentes, banhar o rosto… O chuveiro, na verdade, era um cano que saia água gelada”.

Com isso é possível ver, aquelas pessoas sofreram e passaram por muitas coisas para os dias de hoje serem como são, por mais que as escolas ensinam muito sobre o tópico, nunca vai ser suficiente para mostrar tudo o que realmente foi passado, a história ensina o que não pode ser feito, basta as pessoas quererem entender e fazer uma nova história.

Essa matéria foi produzida como parte integrante das Atividades Extensionistas do curso de Jornalismo da PUC-SP.

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Mostra de longa duração no Memorial da Resistência de São Paulo não deixa que se esqueçam os atos da ditadura militar
por
Vitor Nhoatto
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25/04/2024 - 12h

Localizado em um edifício de arquitetura secular na Santa Ifigênia, centro histórico de São Paulo, um convidativo ambiente anuncia por meio de placas que se está entrando em um lugar carregado de significados. Eis o Memorial da Resistência de São Paulo. Administrado pela prefeitura, o local que serviu como centro carcerário e de tortura durante o regime golpista, hoje é um espaço dedicado a relembrar esse condenável momento da história do Brasil.

Estrutura histórica

Após passar pela bilheteria e adquirir seus ingressos, os quais são gratuitos e também podem ser reservados pelo site do museu, a detalhada e interativa exposição começa. Organizada em quatro módulos, os visitantes têm a oportunidade de ler cartas e escutar depoimentos de pessoas que ali foram confinadas e torturadas, além de poderem entrar nas quatro celas do antigo Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo – Deops/SP, e no corredor onde os presos tomavam banho de sol.

Com a explicativa jornada proporcionada pelos escritos nas paredes da instalação, que remontam desde antes do golpe militar de 1964, até o começo da última década, uma viagem no tempo é possível. Mais adiante a atmosfera pesa e um desconforto pode ser sentido diante dos relatos e dados expostos nas celas de como era viver em um ambiente tão pequeno mas que comportava entre 16 e 18 presos segundo a organização da mostra. “O que mais me impactou nas celas foi o banheiro, que tinha só uma luz bem fraca. Eles viviam praticamente no escuro”, conta Victoria da Silva, estudante de jornalismo.

Parede de cim,ento querimado cinza na cela 2 no Memorial da Resistêmcia de São Paulo com relatos de alguns presos políticos que passaram pelo local
São vários os relatos ao longo da exposição permanente no primeiro andar do Memorial da Resistência - Foto: Vitor Nhoatto

Além disso, nos dois corredores do desativado complexo penitenciário, os sentimentos de quem ali permaneceu por anos são trazidos à tona, como o medo e a esperança. O material audiovisual disponibilizado também impacta ao narrar histórias de figuras que foram torturadas no Deops durante a ditadura militar, e para quem prefere o analógico, cartas e bilhetes de presos estão disponíveis para leitura logo ao lado das entradas das celas.

Local de Memória

Apesar do espaço criado em 2009 ter como objetivo mostrar as atrocidades cometidas pelos militares de forma geral no país e chamar a atenção para a necessidade de valorizar a democracia e os direitos humanos, com relatos de pessoas de vários estados, o foco do local é o papel de São Paulo no regime militar. Como se deram as perseguições e prisões na cidade, e as articulações entre políticos e militares antes, durante e após a ditadura.  

Iniciado oficialmente em 31 de março de 1964 e concretizado em 1 de abril, o golpe militar foi possibilitado perante o apoio, convivência e traição por parte de agentes públicos e atores civis. Segundo o Relatório da Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo, militares instalados na cidade como Amaury Kruel, comandante do II Exército, empresas com sede no estado como Pfizer, Volkswagen e Eucatex, e movimentos civis realizados em São Paulo como A Marcha da Família Com Deus Pela Liberdade, foram ímpares a concretização do golpe, e a exposição trata do papel de destaque paulista.

Parede azul no Memorial da Resistência de São Paulo com uma linha do tempo colorida de 1889 à 2008
Linha do tempo na mostra aborda e explica questões políticas de 1889 à 2008 - Foto:  Reprodução/Memorial da Resistência

Funcionando todos os dias da semana das 10h às 18h, exceto às terças-feiras, o Memorial da Resistência ainda conta com as exposições temporárias Resistências na PUC-SP e Mulheres em Luta, ambas em relação à ditadura militar. De fácil acesso por trem, metrô e ônibus, o museu se  traduz como um farol de luta e memória no centro de São Paulo que grita por aqueles violentados e assassinados por buscarem liberdade, respeito ou qualquer coisa que não fosse a tirania. Um local de reflexão e recordação a respeito de uma época inesquecível que deve ficar no passado.

 

Esta matéria foi produzida como parte integrante das Atividades Extensionistas do curso de Jornalismo da PUC-SP.

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Exposição trata a atuação feminina em busca de justiça e de seus direitos
por
Nathalia de Moura
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25/04/2024 - 12h

No ano em que se completam os 60 anos do Golpe Militar de 1964, um dos períodos mais trágicos da história da política brasileira, o Memorial da Resistência de São Paulo, museu da Secretaria de Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo do Estado de São Paulo organiza uma exposição temporária que mostra o papel das mulheres nesse período. “Mulheres em Luta! Arquivos de Memória Política” conta com a curadoria da pesquisadora Ana Patos e registra através de fotos, frases e depoimentos como foi a atuação das mulheres vítimas da Ditadura e relata a luta da União das Mulheres de São Paulo em busca de seus direitos naquela época.  

Localizado na região central de São Paulo, próximo à Estação da Luz e do Museu da Língua Portuguesa, o Memorial da Resistência inaugura mais uma exposição sobre os tempos da Ditadura Militar, mas sob uma perspectiva diferente desse período. A intenção dessa mostra é focar na figura da mulher em meio a tanta tortura e represália, mostrando a união das mulheres. A busca por seus direitos e as manifestações a favor dos presos políticos mostram a força que esse grupo possuía desde esse tempo. 

Com a vasta opção de arquivos, é possível conhecer e contemplar a história de diversas mulheres. Pode-se destacar a de Inês Etienne Romeu (1942-2015), a única sobrevivente da Casa da Morte de Petrópolis-RJ, um centro clandestino criado pelo Centro de Informações do Exército (CIE) para torturar pessoas contrárias ao regime militar. Através do depoimento de Inês à Comissão Nacional da Verdade (CNV), foi possível saber quem atuava na Casa da Morte. Fica disponível ao visitante da exposição ler sobre cada torturador, cada preso e o que ocorria em determinado lugar. 

Cada espaço possui imagens marcantes, textos e áudios explicativos e até mesmo alguns poemas da sergipana, pensadora negra, poeta e militante Beatriz Nascimento, que retrata bem as formas de resistência à violência e impunidade. 

Poema "Marcas" com letras brancas, de Beatriz Nascimento na parede preta da exposição
Poema de Beatriz Nascimento sobre as marcas da Ditadura. - Reprodução: Nathalia de Moura

Os grupos femininos de militância se tornaram mais fortes em meados dos anos 70. As ideias do Clube de Mães da Zona Sul e as pautas femininas da União de Mulheres de São Paulo conversavam entre si e buscavam, principalmente, moradias dignas, educação e saúde. A força política dessas mulheres se uniu a outras causas, como as da comunidade LGBTQIA+.  

Até hoje, a União de Mulheres de São Paulo segue defendendo e atuando em prol dos direitos femininos. Há 40 anos de sua fundação, a associação preza em chamar atenção aos desafios enfrentados ao longo do tempo, buscando a igualdade entre os gêneros. 

Fotos expostas na exposição sobre as manifestações das mulheres
Mulheres em passeata em busca de seus direitos. - Reprodução: Nathalia de Moura

Segundo o Relatório da Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo, a junção das feministas com os movimentos populares e sociais, dirigidos por mulheres ou com presença massiva dessas em seus quadros, aumentou as reivindicações desses movimentos quando começaram a acrescentar à luta inicial e outras dimensões da luta política, como o debate da dupla jornada de trabalho, da necessidade de socialização do trabalho doméstico, do salário igual para trabalho igual e da transformação da qualidade da relação entre homens e mulheres. 

No tocante ao movimento pela Anistia, também as mulheres foram pioneiras: Therezinha Zerbini, esposa do general Euryale de Jesus Zerbini - transferido forçadamente à reserva em 1964 por ter-se mantido fiel a João Goulart - fundou em São Paulo o Movimento Feminino pela Anistia (MFPA) em 1975. Ela dizia que “a anistia não cai do céu, é uma guerra política” e é justamente o que aquelas filhas, mães e avós lutavam e reivindicavam naqueles anos. 

Foto de mulheres com cartazes e jornais protestando
Manifestantes na Câmara dos Deputados durante a votação da Lei da Anistia. - Reprodução: Nathalia de Moura

A estudante de Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Nicole Domingos relatou que a experiência na exposição foi muito esclarecedora e a fez entender sobre a história e as lutas das mulheres naquele período. “É uma história linda e cheia de dor que podemos sentir como mulher, mas nunca entenderemos o que foi estar lá para chegarmos até aqui”, declarou a estudante.

Foto de uma mulher escrevendo num muro. Ela veste camisa branca e calça preta e está de costas
Foto e trecho do poema da Constituinte feitos pela União das Mulheres exigindo seus direitos. - Reprodução: Nathalia de Moura  

Nicole também cita que ver a participação de diversas mulheres é importante para entendermos que, mesmo não estando nos livros de história, elas estavam na linha de frente. “Digo isso por todas as Marias, Teresas e Joanas que li naquelas paredes. [...] Descobri que sou grata a milhares de mulheres que não sei o nome, mas sei a luta”, finaliza. 

 

Esta matéria foi produzida como parte integrante das Atividades Extensionistas do curso de Jornalismo da PUC-SP. 

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O teatro sinônimo de resistência nacional em meio a ditadura militar no brasil
por
Pedro Bairon
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25/04/2024 - 12h

No ano em que o golpe militar de 1964 completa seis décadas, é momento de relembrar uma série de eventos que foram ocultados do grande público em decorrência da censura imposta diante do regime militar. Com tal data simbólica se aproximando, o Memorial da Resistência, junto com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) trouxeram uma exposição que relembra aos visitantes o papel da luta pela democracia por parte da Universidade paulistana, e atos repugnantes cometidos pelo governo vigente com ela.  

Uma testemunha ocular importantíssima de muitas lutas lideradas pela PUC-SP contra a ditadura, foi o teatro da Universidade – O Teatro Da Universidade Católica (TUCA). Inaugurado em 1965 com a peça “Morte e vida Severina” de João Cabral De Melo Neto, o TUCA permaneceu desde sua criação até a queda de Figueiredo 1985 sendo um palco de diversas lutas libertarias em meio a censura imposta as universidades da época. 

 

  

         Carros blindados invadindo a PUCSP – TV-PUC
         Carros blindados invadindo a PUCSP – TV-PUC  

Em 1968, no ano em que se instaurou o Ato Constitucional Número 5 (AI5) o teatro presenciou Caetano Veloso cantar “É proibido proibir” em um dos momentos mais críticos do regime militar.  Sem mencionar outras peças e discursos de docentes expulsos de outras universidades por ferirem as leis autoritárias do regime ditatorial.  

           

Após uma série de protestos e reivindicações por parte da PUCSP, os militares algum momento reagiria, para tentar silenciar as vozes de alunos e funcionários indignados com a situação do país. Em 1977, 9 anos após o teatro ouvir a voz de Caetano Veloso ecoando “É proibido proibir” a universidade é invadida pelas forças golpistas. Os alunos foram conduzidos a um estacionamento próximo a Universidade, e 80 deles levados presos por violarem as leis ditatoriais. O TUCA também foi invadido nessa incursão a Universidade, contudo não sofreu nenhum grande dano em meio a invasão. 

TUCA IMORTAL: 

                                          Foto dos bombeiros apagando o incêndio no TUCA – pucsp.br
           Foto dos bombeiros apagando o incêndio no TUCA – pucsp.br 

  

Em 1984, um ano antes da queda de João Figueiredo, houve um incêndio no Teatro, sem deixar vítimas pois o fogo se alastrou durante um intervalo entre dois espetáculos carbonizando o teatro por inteiro. Com às investigações constatou-se que as chamas eram resultado de uma falha termoelétrica. Contudo, até hoje acredita-se que o fogo não foi em decorrência de um acidente, mas que na verdade ele teria sido um ataque proposital. No dia em que o TUCA ardeu até quase sua última coluna, os alunos faziam um ato sobre os 7 anos da grande invasão de 1977, e as suspeitas apontam que grupos alinhados ao governo ditatorial teriam se reunido com alunos da própria universidade para realizar tal ato criminoso. Nas palavras do Pós reitor vigente, Padre Edenio Valle: “O incêndio de setembro de 1984 foi um “atentado terrorista que” deu certo". Era o dia do sétimo aniversário da grande invasão. Enquanto na rampa se comemorava a vitória da PUC, um grupo da extrema direita, provavelmente com elementos da própria Universidade, tramou e executou uma manobra bem mais profissional da qual resultou um terceiro incêndio nascido em vários focos simultâneos.”   

O TUCA, presenciou diversos eventos importantíssimos para a história do Brasil. Desde peças que contestavam o regime ditatorial vigente, até invasões e incêndios. E em suas paredes até hoje queimadas, não permite os alunos e professores esqueçam o que aconteceu ali. O local por si só revela a dura e triste realidade da opressão no país que durou mais de 20 anos. Mas também expõe que muitas pessoas não se conformaram caladas com as atrocidades cometidas pela ditadura, ele expõe que muitos se levantaram e lutaram, contra uma realidade barbara e desumana, e assim ele ficará marcado na história.     

 

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Com uma atmosfera tensa, o museu conta com inúmeras exposições de resistência à Ditadura e comove todos os espectadores
por
Victória da Silva
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25/04/2024 - 12h

 

“Pegaram meu bebê para me ameaçar, Rose Nogueira.” é uma das frases presentes nas paredes das celas. O sangue ilustrado nas fotos não é artístico, assim como as grades e as portas de cada sala do Deops, servindo para recordar os dias de tortura sofridos pelos presos na Ditadura.

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A exposição traça uma linha cronológica de acontecimentos mundiais e nacionais, incluindo as resistências contra os atos repugnantes do Regime Militar.  Foto: Reprodução Memorial da Resistência

 

O Memorial da Resistência, criado em 2009 pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, abriga um acervo histórico e muitas apresentações de aspectos diferentes dos 21 anos de Regime Militar no Brasil. 

Há atualmente no local a exposição permanente “Memórias nas celas do Deops/SP” e as temporárias: “Resistências na PUC-SP” e “Mulheres em Luta! Arquivos de memória política”, todas essas agregando um enorme valor à indústria cultural e tornando indeléveis os acontecimentos dessa época.

Entrar nos cárceres do museu e ler a linha cronológica dos fatos ocorridos traz à tona o peso e a tensão vividas na época, evidenciando o período desgastante que atentou contra a democracia, a arte e a liberdade.

Vítor Nhoatto, estudante do 2° semestre de jornalismo da PUC-SP, afirma que toda a visita foi impactante, mas as falas escritas nas paredes o tocaram profundamente: “A parte que mais me chocou foi aquele escrito em que os carcerários sabiam quando os guardas iam até eles ou para levar comida ou para torturar”.

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Frase impactante está estampada na parede de uma das celas. Foto: Victória da Silva.

Rememorar para resistir

A segunda cela existente no memorial mostra dois colchões no chão e suas paredes completamente rabiscadas com nomes de pessoas que sobreviveram ao Regime e acontecimentos que as levaram a ser presas. Essa foi uma maneira eficaz de dar voz a esses cidadãos, já que segundo o Relatório da Comissão da Memória e da Verdade (CMV) da Prefeitura de São Paulo, um fato marcante dos anos de Ditadura foi a indigência de muitos indivíduos que foram presos, morreram, mas sequer foram velados ou tiveram suas mortes notificadas.

De acordo com o documento da CMV: “...o sepultamento como indigente de militantes assassinados e com a identidade conhecida pelos agentes era uma prática comum para impedir sua localização pela família e acobertar os crimes cometidos pela repressão.” Assim, expressar nos muros os nomes de vários sobreviventes foi uma forma de demonstrar mais uma vez a resistência.

TUCA Incendiado

A exposição “Resistências na PUC-SP” conta como a Pontifícia Universidade Católica foi ponto de referência na resistência contra a Ditadura, abrigando exilados, protestando contra a repressão e ainda, promovendo eventos de ciência, cultura e música durante toda a censura vinda do Estado. 

Por esses motivos, a PUC foi invadida por policiais militares no dia 22 de setembro de 1977 e o TUCA, Teatro da Universidade Católica de São Paulo, foi incendiado sete anos depois, no dia 22 de setembro de 1984. Dessa forma, com a ideia de que lembrar é resistir, a exposição deixa indiscutível a participação da comunidade acadêmica na luta contra toda a oposição à democracia, e também manifesta a relevância que a educação tem no combate ao autoritarismo governamental.

Esta matéria foi produzida como parte integrante das Atividades Extensionistas do curso de Jornalismo da PUC-SP. 

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