A retirada aconteceu depois de Kimmel criticar Donald Trump, em um comentário sobre a morte do influenciador e ativista conservador Charlie Kirk. O caso reacendeu o debate sobre censura
por
Matheus Henrique
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06/10/2025 - 12h

O apresentador estadunidense Jimmy Kimmel teve seu programa retirado do ar, após criticar o presidente Donald Trump, no dia 15 de setembro, durante a repercussão da morte do influenciador e ativista conservador Charlie Kirk. Ele questionou a reação do líder norte-americano e sugeriu que Tyler Robinson, autor do atentado que vitimou Kirk, seria republicano e trumpista.
 


Kimmel iniciou seu monólogo afirmando que o fim de semana havia trazido mais uma cena vergonhosa ao comentar a tentativa do movimento conservador MAGA, sigla para “Make America Great Again”, de se desvincular do acusado: "A gangue do MAGA está tentando desesperadamente caracterizar o garoto que assassinou Charlie Kirk como algo diferente de um deles, e faz tudo o que pode para ganhar pontos políticos com isso.” 

Ele comentou também sobre a reação inusitada de Trump quando um repórter perguntou como ele estava lidando com a morte de Kirk. O presidente respondeu que estava muito bem e começou a falar sobre a construção de um novo salão de baile na Casa Branca. O apresentador ironizou a situação e disse que essa não é a forma de um adulto lamentar a morte de alguém de quem dizia ser amigo. 

A emissora se posicionou sobre o caso e afirmou que os comentários foram ofensivos, optando por suspender o programa. Nas redes sociais, o presidente comemorou a suspensão e aproveitou para pedir o cancelamento de outros programas que criticam a sua gestão. 
 

trump
Grande notícia para os Estados Unidos: a ABC finalmente teve a coragem de fazer o que precisava ser feito. Kimmel não tem NENHUM talento e tem uma audiência pior que a do [Stephen] Colbert, se é que isso é possível. Agora restam Jimmy [Fallon] e Seth [Meyers], dois completos perdedores, na mentirosa NBC. A audiência deles também é horrível. Faça isso, NBC!!! Presidente Donald Trump - Reprodução: Truth Social

A suspensão repercutiu também entre os Democratas. Barack Obama, ex-presidente dos Estados Unidos, acusou o governo de censura, enquanto o senador pelo Estado de Vermont, Bernie Sanders, classificou o caso como mais um episódio de autoritarismo da gestão Trump. Ambos insistiram que o atual presidente busca calar vozes críticas. 

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Depois de anos reclamando sobre a cultura do cancelamento, a atual administração levou isso a um novo e perigoso nível ao ameaçar rotineiramente com ações regulatórias contra empresas de mídia, a menos que silenciem ou demitam repórteres dos quais não gostam. -  Reprodução: X
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O autoritarismo é isso: o governo silenciando vozes dissidentes. Colbert. Kimmel. Um processo de 15 bilhões de dólares contra o New York Times. Muita gente lutou e morreu para defender a liberdade. Não vamos deixar que Trump a tire de nós. - Reprodução: X 

O apresentador voltou ao ar no dia 23 de setembro. Em seu discurso, esclareceu que nunca teve a intenção de menosprezar o assassinato de um jovem e aproveitou para provocar Trump novamente: “Ele fez o possível para me cancelar, mas, em vez disso, obrigou milhões de pessoas a assistir ao programa. O tiro saiu pela culatra. Talvez agora ele tenha que divulgar os arquivos de Epstein para nos distrair disso.”

Kimmel ainda comentou sobre a decisão de que conteúdos jornalísticos terão de ser submetidos à análise antes da publicação: "Pete Hegseth [Secretário de Defesa dos Estados Unidos], anunciou uma nova política que exige que jornalistas com credenciais de imprensa do Pentágono assinem um termo de compromisso, prometendo não divulgar informações que não tenham sido explicitamente autorizadas. Eles querem escolher as notícias." 

Neste ano, a emissora americana CBS anunciou o encerramento do programa The Late Show, apresentado por Stephen Colbert. A suspeita é de que as recorrentes críticas feitas pelo apresentador a Donald Trump tenham motivado a decisão.

Plataformas digitais se transformam em arenas decisivas para formação de opinião e mobilização eleitoral
por
Luisa Nelli Nobrega Monteagudo Laravia
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28/09/2025 - 12h

Uma das medidas mais importantes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi a determinação de que é proibido contratar influenciadores digitais para divulgar campanhas nas eleições municipais. Essa decisão visa reprimir a prática de campanhas eleitorais ocultas, que muitas vezes se disfarçam de conteúdos orgânicos, dificultando a fiscalização e a transparência.

No entanto, essa proibição levanta questões complexas. “O grande desafio é definir quem é, de fato, um influenciador digital”, explica Marcos Silva, especialista em marketing político com mais de 15 anos de experiência no setor. “Muitos usuários têm milhares de seguidores e grande influência, mas não são formalmente contratados para fazer propaganda. Como diferenciar uma manifestação espontânea de uma campanha paga? Essa linha é tênue e exige uma fiscalização muito apurada.”

O TSE, por sua vez, esclarece que a livre manifestação de opinião dos influenciadores continua permitida, desde que não haja pagamento ou qualquer tipo de contrato para promoção eleitoral. Ou seja, um influenciador pode expressar seu apoio ou crítica a candidatos, mas não pode ser remunerado para isso.

Combate à desinformação e conteúdos manipulados

Outro ponto crucial nas novas regras eleitorais é o combate a conteúdos fabricados, manipulados ou as chamadas tecnologias de falsificação profunda. O TSE  estabeleceu que o descumprimento das normas relacionadas a esses conteúdos configura abuso do poder político, o que pode resultar na cassação do registro ou do mandato do candidato beneficiado.

“Vivemos uma era em que a tecnologia permite criar vídeos e áudios falsos com altíssima qualidade, capazes de enganar até mesmo especialistas”, alerta Silva. “Por isso, a Justiça Eleitoral está atenta e tem adotado medidas rigorosas para coibir essas práticas, que ameaçam a integridade do processo democrático.”

Transparência e responsabilidade das plataformas digitais

Além das regras para candidatos e influenciadores, o TSE impôs obrigações às plataformas digitais. Os provedores devem manter um repositório em tempo real dos anúncios políticos, detalhando o conteúdo e os gastos envolvidos. Além disso, devem disponibilizar uma ferramenta de consulta pública para que qualquer cidadão possa acessar essas informações.

Essa medida pretende aumentar a transparência das campanhas eleitorais no ambiente digital, permitindo que a sociedade e os órgãos fiscalizadores acompanhem de perto o uso dos recursos e a veiculação das mensagens políticas.

Outro ponto importante é a responsabilidade das plataformas na remoção de conteúdos relacionados a atos antidemocráticos, informações falsas, ameaças à Justiça Eleitoral e discurso de ódio. “As redes sociais não são mais apenas espaços neutros de comunicação”, destaca Silva. “Elas têm um papel ativo na moderação do conteúdo e na garantia de um ambiente saudável para o debate político.”

A Geração Z e o novo cenário eleitoral

Um fator que torna o cenário ainda mais dinâmico é o protagonismo crescente da Geração Z, jovens nascidos entre meados da década de 1990 e o início dos anos 2010, que estão habituados a consumir e interagir nas redes sociais desde muito cedo. Essa geração terá maior espaço e peso nas próximas eleições presidenciais, influenciando diretamente os resultados.

“Os jovens da Geração Z são nativos digitais, crescem conectados e têm uma relação muito natural com as redes sociais”, observa Marcos Silva. “Eles buscam informações rápidas, conteúdos visuais e interativos, e tendem a valorizar autenticidade e engajamento real. Isso muda a forma como as campanhas precisam ser estruturadas para alcançá-los.”

Além do mais, a Geração Z costuma ser mais crítica e engajada em causas sociais, o que pode refletir em maior participação política e em demandas por transparência e ética nas campanhas. “Entender esse público é fundamental para que os candidatos consigam dialogar de forma eficaz e responsável”, completa Silva.

O desafio da fiscalização e o papel do eleitor

Apesar das medidas adotadas, o desafio da fiscalização permanece enorme. A velocidade com que as informações circulam nas redes sociais, a multiplicidade de canais e a criatividade dos agentes que produzem conteúdos ilegais dificultam a atuação da Justiça Eleitoral.

“É fundamental que o eleitor também esteja atento e crítico”, reforça Marcos Silva. “A educação midiática é uma ferramenta poderosa para que as pessoas saibam identificar notícias falsas, reconhecer campanhas ocultas e participar de forma consciente do processo eleitoral.”

As próximas eleições presidenciais serão um teste importante para a capacidade do Brasil de adaptar seu sistema eleitoral às novas dinâmicas digitais. A proibição da contratação de influenciadores digitais para campanhas, o combate a conteúdos manipulados, a transparência exigida das plataformas e a responsabilidade na moderação de conteúdos são passos essenciais para preservar a democracia e garantir que o voto seja informado e livre de manipulações. Contudo, é preciso reconhecer que essas medidas ainda não garantem uma proteção ampla e efetiva para toda a sociedade civil, que depende também de maior engajamento, educação e ferramentas para enfrentar os desafios do ambiente digital.

Além disso, o protagonismo da Geração Z nas urnas reforça a necessidade de estratégias eleitorais que dialoguem com as novas formas de comunicação e participação política, tornando o processo mais dinâmico e representativo.

 “A tecnologia é uma ferramenta poderosa, mas seu uso deve estar alinhado aos princípios democráticos”, destaca Marcos Silva.

A proposta determinava a necessidade de autorização do Legislativo para processos contra parlamentares
por
Marcelo Barbosa Prado
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24/09/2025 - 12h

Em votação unânime no Senado, a CCJ enterrou a proposta da PEC da blindagem, nesta quarta-feira (24). A proposta, aprovada na Câmara e alvo de protestos massivos em 27 capitais no último domingo, previa que deputados e senadores só poderiam ser investigados com a autorização das mesas diretoras das casas, após votação em plenário, como voto secreto em casa de aplicação de penas aos parlamentares. 

Em entrevista à AGEMT, o professor de Direito e processo penal Tédney Moreira, do IBMEC, no Distrito Federal, analisa que a PEC vai de encontro aos valores garantidos pela própria constituição. “Ela dificulta a responsabilização criminal de mandatários, violando, de certo modo, o sistema de freios e contrapesos da Constituição Federal e da própria noção de moralidade, que deve refletir-se na organização do Estado.”

Os dois partidos com maiores números de votos a favor foram o PL, de Jair Bolsonaro, que contou com 82 votos e o União Brasil, com 52 votos. No total, a PEC foi aprovada na Câmara com 344 votos favoráveis e 133 contrários. Entre as principais legendas que foram unanimes contra o projeto destacam-se o PSOL, o PCdoB, o Rede e o Partido Novo. Nomes como os dos deputados Nikolas Ferreira, o deputado Adilson Barroso, Alberto Fraga, Daniel Freitas, Gustavo Gayer e Helio Lopes votaram a favor da PEC. Nikolas declarou: “Se algum deputado cometer crime, ele vai para a cadeia sim. Porém, ele vai ter que passar por essa casa antes”.

A Emenda, caso fosse aprovada efetivamente, poderia tornar acusações contra parlamentares mais burocrática. Ela propunha que os políticos do parlamento não poderiam ser processados por crimes, a não ser que a Câmara ou o Senado aprovassem. 

Em casos de flagrante e crimes inafiançáveis, como tortura e racismo, os parlamentares poderiam decidir em até 24h sobre a prisão, autorizando ou não. Além disso, haveria uma mudança nas medidas cautelares, em que os deputados e senadores só poderiam ser alvos se elas fossem expedidas pelo Supremo Tribunal Federal, não podendo ter julgamento em instâncias inferiores da Justiça. Nos casos envolvendo presidentes de partidos, com representação no Congresso, eles seriam julgados exclusivamente no STF. Para o Moreira, a aprovação dessa PEC iria demonstrar baixa representatividade popular nas instituições do Estado. “Isso alimentaria o descontentamento com o sistema político contemporâneo e reforçaria a noção de oligarquias em pleno seio da democracia”, diz.


                                   MOBILIZAÇÃO POPULAR





No domingo (21), o Brasil teve manifestações em todos os estados. Em São Paulo, por exemplo, houve 42,4 mil pessoas na Avenida Paulista, de acordo com o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). A insatisfação ficou evidente.  Após a repercussão negativa, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado arquivou a proposta no Congresso.

Reprodução: Artur Maciel-AGEMT | Multidão manifestando com placas na mão
Manifestação na Av. Paulista reuniu 42 mil pessoas contra a PEC da Blindagem.. Foto: Artur Maciel/Agemt

 

Número de parlamentares ligados à pauta tem crescido.
por
Marcela Rocha
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18/09/2025 - 12h

Nas últimas eleições, de 2024, um detalhe chamou atenção: diversos candidatos a cargos municipais tiveram como bandeira a causa animal. Segundo levantamento realizado pela Folha de S. Paulo, candidatos com palavras de afirmação identitária como “pet”, “defensor”, “protetor” e derivados somaram 494 candidaturas em todo o país para os cargos de vereança (491) e vice-prefeitura (3).

Do total analisado, sobressaíram os partidos de centro, com 204 candidatos, seguidos por 198 candidatos de partidos de direita e apenas 92 candidatos da esquerda. Os critérios para a classificação ideológica  foram definidos pelo GPS partidário da Folha. Neste cenário, foram considerados “centro” partidos como Avante, Mobiliza e MDB, de “direita” os partidos como PL, União Brasil, Republicanos, Novo e PRTB, e de esquerda o PSOL, PT, PDT, Rede e PV

cachorros em situação de vulnerabilidade atrás de grades
Cães em abrigo esperando por adoção. | Foto: Adobe Stock

A causa animal é um dos temas mais difíceis de serem abordados. Isso ocorre porque não há relação de direito dos animais previsto na Constituição brasileira de 1988, sendo a legislação específica baseada no Artigo 225, que dispõe sobre a proteção da fauna e flora, vedando práticas de crueldade e risco a funções ecológicas. Nesse contexto, apesar de avanços recentes, como a discussão a respeito do reconhecimento de animais como seres sencientes e da ampliação da proteção de animais domésticos para além de “cão e gato” (como prevê a Lei Sansão), o direito dos animais acaba limitado ao crime de maus-tratos, dificultando a tipificação e a aplicação de penas para outras práticas.

Essa realidade limitada do sistema jurídico cria condições para que o tema seja tratado sobretudo a partir de abordagens sensacionalistas. Nas redes sociais de parlamentares que levantam a bandeira, é comum o compartilhamento de vídeos e fotos de animais em situação de extrema vulnerabilidade, feridos, sujos e acuados, sendo utilizados para provocar comoção e sensibilidade nos seguidores e em outros usuários a partir da evidência de maus-tratos.

Segundo Igor Siqueira, especialista em gestão de comunicação e marketing, as postagens de temas sensíveis representam uma tática de marketing político e digital utilizada pela assessoria dos parlamentares. “É muito comum [esse tipo de conteúdo] em casos de resgate de animais. Mostram o animal muito sensível e vulnerável. Essas cenas geram engajamento nas redes porque as pessoas se interessam em entender o que aconteceu e querem ajudar.”

Normalmente, os parlamentares eleitos abordam o tema da causa animal desde a época da campanha política, antes de as eleições ocorrerem. Os vídeos e fotos explícitas ajudam no engajamento durante a campanha e promovem o candidato para além da sua “bolha” eleitoral. Mas, quando a câmera é desligada e o vídeo postado, não se sabe a legitimidade das ações e o destino desses animais. Em um caso recente na cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul, Paula Lopes, ex-secretária de Bem-Estar Animal conhecida como “protetora”, está sendo investigada após denúncia anônima de maus-tratos contra os animais resgatados.

Nomeada em janeiro de 2025, Paula publica vídeos resgatando animais das ruas e pedindo doações para cuidados veterinários, alimentação e acolhimento. Os conteúdos são postados em uma página do Instagram de nome “Instituto Paula Lopes”, mas, apesar das postagens de cuidado, a suspeita é que tenham sido abatidos 240 cães em oito meses sob ordens da secretária. Foram encontrados, ainda, 14 animais mortos em um freezer da sede da Secretaria e 20 gatos doentes em situação insalubre e sem alimentação adequada. De acordo com a polícia, os felinos estavam presos em um contêiner. Paula Lopes foi indicada ao cargo na prefeitura pelo deputado federal Luciano Zucco, do Partido Liberal (PL).

Em uma postagem pública de formato Reels no Instagram, Tiago Dominguez,  médico veterinário e ativista pelo direito dos animais em Capão da Canoa (RS), afirmou que “além de ser muito triste (o caso) é muito simbólico que essa política esteja alicerçada na direita gaúcha e no Brasil”, se referindo ao fato de que Paula foi indicada por Zucco, que está sendo cotado a futuro candidato a governador pelo Rio Grande do Sul. O veterinário continuou: “a gente tem que se perguntar quantos políticos hipócritas se utilizam da pauta animal para adquirir capital político sem fazer o debate mínimo, como por exemplo a saúde mental dos protetores, dentre tantas outras questões”.

 

Penas para os acusados consolidam responsabilidade em cadeia; defesa anuncia recursos e Congresso testa anistia
por
Carolina Zaterka
Davi Rezende
Luiza Zaccano
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16/09/2025 - 12h

 

A Primeira Turma do Tribunal Federal (STF) finalizou nessa quinta-feira (11) o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e sete aliados por tentativa de golpe de Estado, associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado contra o patrimônio da união, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. A decisão marca a primeira condenação de um ex-presidente por crimes contra o Estado Democrático de Direito. 

A turma fixou para Bolsonaro 27 anos e 3 meses de prisão, com aplicação de 124 dias-multa, no valor de dois salários mínimos cada, e registrou a redução legal pela idade do réu (maior de 70 anos), após debate sobre capacidade econômica e gravidade dos fatos. No voto condutor, Moraes sustentou que Bolsonaro “instrumentalizou o aparato institucional” após derrota em 2022, integrando um plano de ruptura da ordem democrática. A defesa reagiu com “profunda discordância” e anunciou recursos. 

Ex-presidente, Jair Messias Bolsonaro, cumprimentando o tenente-coronel Mauro Cid em interrogatório no Supremo Tribunal Federal
Mauro Cid e Jair Bolsonaro em interrogatório no STF - Foto: Ton Molina/STF

 

Entre os aliados, o ex-ministro e general Walter Braga Netto recebeu 26 anos de prisão em regime fechado, com 100 dias-multa, em que o colegiado atribuiu-lhe papel central na engrenagem político-militar do plano. O ex-ministro da Justiça Anderson Torres foi condenado a 24 anos em regime fechado e 100 dias-multa, com determinação adicional de perda do cargo de delegado da PF após o trânsito em julgado. O ex-diretor da Abin e deputado federal Alexandre Ramagem foi sentenciado a 16 anos, 1 mês e 15 dias em regime fechado, assim como determinou a perda do mandato, a ser formalizada pela Mesa da Câmara.

O ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, foi condenado a 24 anos em regime fechado e 100 dias-multa; o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI), general Augusto Heleno, a 21 anos em regime fechado e 84 dias-multa; e o ex-ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, a 19 anos em regime fechado e 84 dias-multa. Em todos os casos, foi reconhecida a participação no conjunto de cinco crimes. São eles: tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. 

Ex-ajudante de ordens e colaborador, Mauro Cid foi o único a receber reprimenda branda: 2 anos em regime aberto, com manutenção integral dos benefícios da delação. A defesa já peticionou pela extinção da punibilidade, alegando que o tempo de prisão preventiva abatido pelo acordo zeraria o saldo, um pedido que ainda depende de decisão.

Bolsonaro deve prosseguir em prisão preventiva domiciliar até a finalização do processo iniciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR). O próximo passo processual é a publicação do acórdão, documento que reúne os votos e fundamentos do julgamento, que ocorrerá após a homologação da ata do julgamento, marcada para o dia 23 de setembro. O STF possui o prazo legal de até 60 dias, mas a expectativa é de que ocorra em menos tempo. A partir da publicação, abre-se o prazo de cinco dias para que a defesa de Bolsonaro e dos demais réus apresentem embargos de declaração. Esse recurso, mesmo que importante, tem a função restrita de apontar contradições e omissões do texto da decisão final, o que raramente altera o resultado final. Já a hipótese de embargos infringentes, recurso que poderia levar o caso ao plenário, não é viável, uma vez que o resultado teve apenas um voto contrário e seriam necessários dois.

Após o trânsito em julgado, o STF poderá expedir mandado de prisão e dar início à execução das penas. No caso de Bolsonaro, a lei prevê regime fechado, já que a pena ultrapassa 8 anos. Contudo, a defesa deve insistir em alternativas como a prisão domiciliar, sustentada por sua idade e fragilidade na saúde. Os outros sete réus seguem o mesmo percurso processual. Cada um poderá interpor embargos de declaração e aguardar o trânsito em julgado. Aqueles que receberam penas menores podem iniciar o cumprimento em regime semiaberto ou aberto, com possibilidade de progressão conforme a lei.

Ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia, em sessão do julgamento da trama golpista.
Voto de Cármen Lúcia foi decisivo para formar maioria em condenação de Bolsonaro - Foto: Victor Piemonte/STF

 

Com a definição da condenação de Bolsonaro, os apoiadores do ex-presidente intensificaram os pedidos pelo andamento do projeto de anistia. Após as manifestações na Avenida Paulista, em São Paulo, no dia 7 de setembro, o governador Tarcísio de Freitas expressou apoio ao perdão dos condenados, em acusação à chamada “ditadura da toga”, em referência às sentenças de Alexandre de Moraes. Entretanto, para o ministro, crimes contra a democracia não podem ser anistiados.

No Senado Federal, o presidente Davi Alcolumbre defende um projeto alternativo ao proposto pelos aliados do ex-presidente, em que Bolsonaro e os demais condenados não receberiam anistia total, mas sim teriam suas penas reformuladas em uma nova proposta. Na Câmara dos Deputados, Hugo Motta tem sido pressionado pela oposição, afirmando então que ainda não decidiu sobre colocar em votação uma proposta de perdão geral. Para o governo, os esforços são para impedir a sequência de qualquer forma de anistia aos condenados, com Lula demonstrando preocupação caso o projeto avance no Congresso.

Bolsonaro é o primeiro ex-presidente no Brasil a ser condenado por tentativa de golpe de Estado, e esse fato se reflete na política internacional. No mesmo dia da sentença, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou estar surpreso e insatisfeito com a decisão do STF: “Eu sempre achei ele muito íntegro, muito excepcional. Acho que é uma coisa terrível para o Brasil", completou. O republicano ainda comparou o processo com o caso que o acusou pela invasão ao Capitólio, em 2021, após a eleição de Joe Biden: “É muito parecido com o que tentaram fazer comigo, mas não conseguiram de jeito nenhum”, afirmou Trump.

O presidente dos Estados Unidos disse que não pretende aplicar mais nenhuma nova sanção ao Brasil em decorrência da condenação de Bolsonaro, entretanto, o secretário de Estado, Marco Rubio, afirmou que o país irá responder apropriadamente ao que ele chama de  “caça às bruxas". “As perseguições políticas do violador de direitos humanos, Alexandre de Moraes, continuam”, disse em publicação na rede social X.

De acordo com a lei da ficha limpa, após o cumprimento de sua pena, Bolsonaro será inelegível por mais 8 anos, o que lhe permitiria candidatar-se somente a partir de 2060. Dentro das possibilidades, a figura mais representativa de sucessão ao ex-presidente é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que já retornou a Brasília para se reunir com partidos aliados e discutir projetos de anistia. 

Bolsonaristas, motivados pelos resultados das eleições, invadiram a Capital e tentaram golpe
por
Artur dos Santos
Fernanda Querne
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11/01/2023 - 12h

No último domingo (8), eleitores de Jair Bolsonaro marcharam em direção à Esplanada na capital federal e invadiram o Planalto, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso inspirados pela invasão ao Capitólio que ocorreu nos Estados Unidos no dia 6 de janeiro de 2021. Funcionários dos gabinetes do Palácio receberam a ordem de se esconder em casa e não iniciar qualquer tipo de discussão política, de acordo com fonte ouvida pela AGEMT.

A invasão deixou para trás vidros quebrados; móveis revirados; obras de arte danificadas; patrimônios públicos destruídos, sem contar casos em que os invasores defecaram dentro de gabinetes. Durante as horas de invasão, foi possível observar a ausência de forças policiais na contenção da caminhada dos vândalos à Praça dos Três Poderes. Enquanto uns acampavam, outros vieram de ônibus. O Distrito Federal (DF) foi palco do radicalismo premeditado, mas os protagonistas arcarão com as consequências. 

Ainda na segunda-feira (9), não havia sido realizada uma varredura total nos locais invadidos e depredados, mas a ordem dada aos funcionários era para que voltassem ao trabalho normalmente. Durante a invasão, foram aconselhados a se esconder em casa e não iniciar qualquer discussão de cunho político. 

Segundo um funcionário de um dos gabinetes do Palácio, ao qual será resguardado o direito de anonimato, o clima lá dentro no dia seguinte às invasões era de “tristeza de verdade”, enquanto fora do Palácio havia um clima constante de medo. Afirmou que havia uma grande possibilidade da chamada de telefone estar sendo monitorada por motivos de segurança e disse que os invasores não haviam entrado na sala do atual Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e em alguns anexos de difícil acesso. 

Segundo a fonte, um grande incômodo foi ver funcionárias terceirizadas “pretas e periféricas limpando a sujeira feita por brancos”.

O atual presidente acusou de "barbárie" os atos extremistas realizados em Brasília. Exigiu respeito às instituições que fortalecem a democracia. Se referiu aos culpados como fascistas, abomináveis e vândalos. O petista seguiu um viés de punição aos responsáveis pelo terrorismo - dos invasores até os financiadores. Alegou que a Polícia Militar do DF agiu de “má fé” durante a invasão. 

Durante a invasão, o atual presidente decretou intervenção federal no Distrito Federal, à qual apontou como interventor Ricardo Cappelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça, até o dia 31 de janeiro. Já a AGU (Advocacia- Geral da União), não só pediu ao STF a prisão do Anderson Torres, o ex-ministro da Justiça do Bolsonaro, mas também conseguiu a sua exoneração. Coincidentemente, tanto o Jair quanto Anderson, acompanharam os crimes fora do Brasil, nos Estados Unidos.

Resposta de figuras políticas ao atentado

No twitter, o ex-candidato à presidência pelo Partido Liberal (PL) admitiu o como as depredações e invasões de prédios públicos fogem à regra de manifestações pacíficas. Contudo, comparou o terrorismo dos seus apoiadores com os atos da esquerda de 2013 e 2017.   

O atual Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira do Progressistas, tuitou que está à disposição de todos os chefes de poderes para uma reunião a qual demonstrará a união dos Três Poderes pela democracia. 

A ministra do STF Rosa Weber afirmou que a Corte não se intimidará por atos criminosos e de delinquentes. Os golpistas pró- Bolsonaro arrancaram a porta do armário do ministro Alexandre de Moraes.  

O ministro Alexandre de Moraes afastou o governador do DF, Ibaneis Rocha. Determinou também a dissolução dos acampamentos em 24 horas. A atual governante é a vice, Celina Leão - Partido Progressista (PP).

Manifestação no MASP 

A Agência Maurício Tragtenberg cobriu as manifestações pró-democracia realizadas na Avenida Paulista, no dia seguinte aos atos golpistas.  Ao som de "SEM ANISTIA", os protestantes reivindicaram punições à altura dos crimes cometidos, e principalmente, a responsabilização do ex-presidente Bolsonaro por eles. Os movimentos sociais, Centros Acadêmicos, partidos políticos, torcidas organizadas, entre outros, uniram esforços contra o terrorismo do dia anterior. 

A AGEMT conseguiu uma exclusiva com o deputado federal do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Guilherme Boulos. O parlamentar opinou sobre os atos antidemocráticos: "Foi uma tentativa de golpe de Estado, tem que ser punido exemplarmente. Vamos pra cima deles".  

 

Brasileiros de todos os cantos escolheram a capital nacional para dar adeus a 2022 e olá ao terceiro mandato presidencial do petista
por
Bianca Novais
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03/01/2023 - 12h

Nova York, Paris, Sydney e Rio de Janeiro são alguns dos lugares mais procurados para as celebrações de Ano Novo. Em 2022, Brasília entrou nesta lista – pelo menos, entre os brasileiros.

A cerimônia de posse do presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT), neste domingo, foi a última realizada no dia 1º de janeiro, de acordo com a Emenda Constitucional 111/21, aprovada em setembro de 2022. A Emenda dispõe, entre outros tópicos eleitorais, que o empossamento do presidente eleito a partir de 2026 acontecerá em 5 de janeiro.

Essa mudança minimiza o conflito de agenda das festividades de fim de ano, não só para líderes de Estado e comitivas internacionais convidadas, mas para a parte mais interessada: a população.

Dezenas de milhares de pessoas se deslocaram de todo o Brasil para participarem do rito político na Esplanada de Ministérios e na Praça dos Três Poderes. Muitos em caravanas, com organizações políticas ou independentemente.

Foi o caso de três jovens paulistanos que planejaram a viagem antes mesmo do resultado das eleições. “Em janeiro [de 2022] nós começamos a planejar e em agosto compramos as passagens”, conta Vithor Reis, 26 anos, profissional de música, sobre como ele e as amigas Isabelle Scarpini, 26, farmacêutica, e Ananda Pires, 27, publicitária, decidiram ir a Brasília.

 

Faixa com os dizeres "a democracia é o maior patrimônio de um povo" estendida no gramado da Esplanada dos Ministérios. Foto: Isabelle Scarpini.
Faixa com os dizeres "a democracia é o maior patrimônio de um povo" estendida no gramado da Esplanada dos Ministérios. Foto: Isabelle Scarpini.

 

Apesar da aposta, os três relatam que estavam com medo até aterrissarem na capital, na quinta-feira, 29. “Eu passei os últimos quatro anos com medo, principalmente por ser uma pessoa LGBT, então não sabia o que esperar quando a gente chegasse. Nós até vimos pessoas com a camisa do Brasil, claramente bolsonaristas, mas não teve contato nem provocação”, esclarece Reis. Além disso, enfatiza que se sentiu bastante seguro devido à estrutura de policiamento na cidade. “Muitos policiais, até snipers. O clima era de paz e celebração”, complementa a farmacêutica.

Toda a cerimônia foi emocionante para eles. Scarpini conta que cresceu vendo sua mãe ser politicamente ativa, então o interesse é natural. “Eu estive também na recepção do Lula no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, depois que foi solto de sua prisão política”. Uma de suas preocupações era de um possível atentado contra a vida do novo presidente antes da posse, mas se acalmou ao se reunir com os outros convidados trajados de vermelho: “não vi uma briga, não ouvi uma ofensa”.

A expressão de renovação para Pires não era só resultado do Réveillon. Logo no dia 1º já sentia mudanças. “Foi muito emocionante cantar o Hino Nacional com alegria de novo, porque até ano passado podia nos causar... repulsa. É muito bom ter orgulho de novo”.

Durante o discurso após receber a faixa presidencial de representantes do povo brasileiro, Lula se emocionou ao falar da fome e da extrema pobreza que voltaram a assolar o país. Apesar de ter muitos desafios parecidos com os que enfrentou em seus primeiros mandatos, o Chefe de Estado fez questão de deixar claro que está focado no futuro – assim batizado o festival de música que seguiu a posse.

Ananda Pires ressalta uma frase do discurso: “Que a alegria de hoje seja a matéria-prima da luta de amanhã e de todos os dias que virão”. Sua expectativa de futuro tem como referência a época entre 2003 e 2014, que inclui parte do governo Dilma. “Espero que a inflação e todas as outras variáveis econômicas sejam pelo menos atenuadas, para que a nossa geração possa colher os frutos do nosso trabalho como os nossos pais colheram nos dois primeiros mandatos do Lula.”

 

Lula, em primeiro plano, em breve discurso no palco do Festival do Futuro. Ao fundo, a primeira-dama Janja e o vice-presidente Geraldo Alckmin. Foto: Isabelle Scarpini.
Lula, em primeiro plano, em breve discurso no palco do Festival do Futuro. Ao fundo, a primeira-dama Janja e o vice-presidente Geraldo Alckmin. Foto: Isabelle Scarpini.

 

Já Reis está empolgado com a nova estrutura ministerial. Mencionou o Ministério dos Povos Indígenas, das Mulheres, dos Direitos Humanos, da Igualdade Racial e o retorno das pastas de Cultura e Esporte. Para Scarpini, o protagonismo é da Educação: “Minha expectativa é de grandes investimentos na educação, principalmente para as crianças que foram afetadas pelos dois anos de pandemia. Eu acredito que o caminho para a gente ter o país que a gente quer é pela educação.”

Medo agora é receio. Para os três, a mudança de governo é só o início do trabalho. Pires diz que o antipetismo midiático ainda está vivo e vai ser um grande obstáculo durante os próximos quatro anos. Na mesma temática, Vithor Reis se preocupa em como Lula vai governar e dialogar com a sólida e extremista população bolsonarista. Já Isabelle Scarpini, como gato escaldado, acredita que o maior ponto de atenção deve ser com falsos aliados e movimentações golpistas nos bastidores.

Com os pés no chão, as duas palavras de ordem do grupo foram esperança e alívio. “Esperança é de que as coisas vão melhorar, com a participação popular de novo”, desabafou Reis. “Agora nós vamos ser ouvidos sem ruídos”, completa Pires.

 

Isabelle Scarpini, Vithor Reis e Ananda Pires na Esplanada dos Ministérios para a posse de Lula. Foto: Luiz Ferreira.
Isabelle Scarpini, Vithor Reis e Ananda Pires na Esplanada dos Ministérios para a posse de Lula. Foto: Luiz Ferreira.
Psicóloga fala sobre a saúde mental de quem se priva de compartilhar seus posicionamentos
por
Mayara Neudl
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19/11/2022 - 12h

A partir de 2018, a polarização política disparou no Brasil e, com isso, os pequenos círculos sociais também foram afetados, como a família, por exemplo. Tanto no ano eleitoral anterior, como no auge da pandemia em 2020 e até mesmo agora em 2022, os relatos de discussões e desavenças familiares, tanto presenciais, quanto pela internet, no Facebook, postagens nos stories do Instagram e, principalmente, em grupos do Whatsapp, foram muitos. Desde memes na internet sobre as festas de natal com brigas agora com cunho político, até desabafos pessoais com amigos e em sessões de terapia expõe esse tipo de situação.


Um estudo do InterLab e da Rede Conhecimento revelou que 50% dos 2.018 brasileiros entrevistados, não falam sobre política com a família para não brigar. Segundo a psicóloga Leticia Innocencio pós graduada em psicologia analítica junguiana, as causas dessa escolha podem ser como essas pessoas são tratadas quando expõem suas opiniões. "Se são silenciadas, se são tratadas como "loucas", se tiram sarro, se não prestam atenção ou não dão importância para o que falam, pode fazer com que não sintam mais segurança para abordar o tema.”, diz a profissional.


As consequências, porém, de uma convivência dessa maneira podem ser altamente prejudiciais para a saúde mental do indivíduo que se vê privado. “Quando a pessoa passa a evitar um assunto com a família, pode levar ela a evitar outros também, a não querer se abrir mais tanto com essa família e começar a guardar as coisas pra ela.”, conforme Leticia. Isso pode levar a pessoa a somatizar suas angústias, consequentemente pode trazer inseguranças, receios, medo de expor suas opiniões, baixa autoestima, ansiedade e até mesmo uma depressão, pelo fato de não estar colocando para fora o que ela pensa e sente sobre determinado assunto.


Até a visão sobre si mesmo podem ser afetadas. “Gradualmente, atinge a autoestima da pessoa, ela pode duvidar da importância e relevância dos seus pensamentos e opiniões, até achar que não é tão inteligente também.”

A desesperança que assolou o país por 4 anos
por
Mayara Neudl
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18/11/2022 - 12h

O termo “depressão cívica” foi usado por Benedetto Croce, filósofo, historiador e político italiano para falar sobre o facismo em seu país natal e revivido esse ano pelo professor Eduardo Guerreiro Losso em um artigo na Revista Cult. Essa depressão não é a patológica, mas, sim, uma que paira sobre a sociedade; seja a dos conscientemente deprimidos, a dos apoiadores do Governo que a causa e promove, ou então, a dos indiferentes — igualmente afetados.

 

Os seres humanos, sendo os seres sociáveis que são, têm a saúde mental diretamente influenciada pelo ambiente histórico e político que são e estão inseridos; e a garantia de necessidades básicas para sobrevivência é imprescindível para o bem-estar.

 

A sobrecarga de pensamentos relativos à escassez de recursos vivida, a qual indica também menos tempo para descanso e lazer, gera ansiedade e estresse cíclico. A piora constante de condições de vida para a população leva à falta de esperança no futuro, e Christian Dunker sugere a associação da pressão liberal de produtividade ao cansaço mental e exaustão — que gera não só improdutividade, como também o próprio caráter depressivo.

 

Segundo o psicólogo Thiago Ribeiro Pereira de Lira, formado pela PUC-SP, especializado  em saúde coletiva e atenção primária e integrante do Núcleo de ações em saúde do trabalhador, uma sociedade que passa por um processo de precarização das suas condições de vida é com frequência uma sociedade mais violenta. “A vivência de episódios violentos, assim como o próprio medo dessa possibilidade, afeta de forma muito negativa nossa subjetividade. Causa traumas que só são superados com muito trabalho interno, nos afastam de dimensões importantes da vida, nos fragilizam de inúmeras formas.”, diz o especialista.

 

A descrença no funcionamento das instituições por uma sequência de preconceitos, atrocidades, crimes e impunidade no Governo Bolsonaro, fez com que quem acompanhava as notícias, ficasse cada vez mais triste, e muitos, inclusive, escolheram não vê-la mais, como mostrou o relatório anual sobre o consumo de notícias em todo o mundo do Reuters Institute for the Study of Journalism, da Universidade de Oxford, publicado em junho deste ano. Nele, foi revelado que dos 54% brasileiros entrevistados que dizem evitar propositalmente os noticiários, entre aqueles que se identificam com a esquerda, 57% do total afirmam que as notícias afetam seu humor para pior.

 

Os cidadãos mais conscientes a respeito da importância dos direitos democráticos, ou até mesmo mais atentos a essas ameaças, sofrem de forma mais significativa do que aqueles que não se atentam a isso, conforme Thiago. “Para se sofrer de ansiedade com a possibilidade de fechamento de um regime, há de ser relevante estar atento aos sinais desse fechamento, assim como suas implicações. Lutar contra essa ansiedade é sem dúvida um desafio enorme, uma vez que elementos dessa fonte de angústia se encontram em uma multitude de locais no tecido social.”

 

Felizmente, nas urnas a esperança venceu o medo.

 

No governo Bolsonaro, os números de assentamentos ficam entre os menores da história e a titulação de terras é utilizada como estratégia política
por
Gabriela Figueiredo Rios
Luana Galeno
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18/11/2022 - 12h
Foto: Pablo Vergara
6º Congresso do MST em Brasília, 2014 | Foto: Pablo Vergara

“Com a titulação, nós trazemos as pessoas humildes do campo, que outrora integravam o MST, para o nosso lado”; “Cada vez mais, eles são cidadãos e trabalham lado a lado com fazendeiros em suas propriedades” - Jair Bolsonaro, maio de 2022, Feira Nacional da Soja (Fenasoja).

Desde os primórdios, o país que todos chamam de Brasil carece da posse de suas terras, na verdade, nem se intitularia assim caso não tivesse sido tomado e dominado a força. Seria mais original, como seu povo. O legado brasileiro na questão agrária diz respeito à concentração exacerbada de terras nas mãos de um punhado de proprietários. Primeiro dos latifundiários e, atualmente, do agronegócio. Nunca sendo de domínio do seu povo, o solo do país tropical serve seus frutos ao exterior.

Segundo definição que consta em lei, a política de reforma agrária objetiva a redistribuição de imóveis rurais que não cumprem função social, ou seja, não produzem ou exploram a terra economicamente para promover bem-estar social.

A titulação de terras é apenas uma forma de promover a reforma, sendo estas: a concessão de uso, que permite o uso e exploração de forma provisória, os títulos de domínio, que gratuitamente e de forma definitiva, transfere parcela ou lote ao beneficiário por dez anos, e as concessões de direito de uso real, que de forma gratuita, definitiva, individual ou coletiva, transfere o direito de uso do imóvel ao beneficiário.

O governo Bolsonaro, desde as eleições de 2018, carrega nas entrelinhas um discurso contrário a reforma agrária. Nos primeiros meses do mandato, Jair suspende a política - que consta na Constituição de 1988, conforme documento enviado às superintendências regionais do INCRA em 27 de março de 2019, o qual afirma que o evento se dá por redução de gastos. Além disso, o presidente publicou em 20 de novembro de 2020 o decreto nº 10.252, que exonerou e dispensou funcionários do INCRA, extinguindo cargos e funções do instituto.

Entre 2019 e 2022, Bolsonaro entregou mais de 360 mil títulos de terras pelo programa ‘Titula Brasil’. A ampla titulação de terras esvazia a reforma quando vem sem garantias de crédito e desenvolvimento, como garantido na lei, e sem acompanhamento das políticas de assentamento e decretos que aumentam a distribuição de terras, e é o que aconteceu.

Segundo dados do INCRA, o atual governo foi um dos que menos assentou famílias, contando apenas com 9.228 e zerou o número de decretos de desapropriação – estes servem para adquirir terras que devem ser destinadas à reforma agrária.

O presidente deixa claro que o processo de titulação só está acontecendo porque é contra ocupações – as chama de invasões – e precisa “trazer as pessoas humildes que integram o MST para o lado dele”.

 “Você não ouve mais falar em MST. No governo de Fernando Henrique era uma invasão por dia. No nosso governo são quatro por ano. Além de darmos título de terra para mais de 360 mil assentados, que deixaram de integrar o MST e passaram a ficar do lado do bem” - Jair Bolsonaro, em conversa com apoiadores, em 13 de julho.

Em entrevista exclusiva à AGEMT, Fabiano Giroto, filho de assentado e coordenador do Armazém do Campo de São Paulo – ponto de venda das produções do MST – aponta que “querer dar o título da terra é um problema porque algumas pessoas podem começar a aglomerar essas terras de novo e esse não é objetivo. A terra da reforma agrária tem que ser do governo e de uso do povo”.

O coordenador ainda explica as dificuldades de destinar os alimentos da agricultura familiar aos programas institucionais, que sofreram cortes no atual governo, como o PNAE, em que a legislação determina a compra de alimentos advindos da reforma agrária. Os cortes representam o desinteresse do Estado em apoiar economicamente os trabalhadores rurais e viabilizar o que é produzido nas terras populares.

“[...] acontece que em certas localidades onde o governo bolsonarista é mais forte, acabam não realizando [a compra de alimentos] e isso é lei, comprar 30% da agricultura familiar, esse alimento vem de cooperativas, são merenda escolar orgânica” afirma Giroto.

Mesmo a agricultura familiar abastecendo a maior parte das mesas brasileiras, correspondendo a 70% dos alimentos segundo o IBGE, e os maiores representantes do trabalho, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, promovendo uma força tarefa para distribuir comida gratuita na pandemia, o atual governo insistiu em limitar o apoio de mantimento à política que estrutura esses grupos. O presidente expressa sua posição contrária ao MST quando apoia a criminalização da imagem do movimento ao chamá-los de invasores - se referindo às ocupações - e “canalhas, vagabundos” quando os responsabiliza pelos ataques sofridos pelo seu povo em suas próprias terras.

O MST carrega o grito pela reforma agrária e direitos básicos no campo nas costas, em seu primeiro congresso nacional apontaram que não há democracia sem reforma agrária e firmaram seu lema “terra para quem nela trabalha”.

Reprodução: Brasil de Fato
Camponeses ocupam fazenda em disputa há mais de 20 anos no Tocantins, 2019 | Reprodução: Brasil de Fato 

Números e casos: o histórico da reforma e violência no campo

A reforma nunca foi, de fato, feita no Brasil ou uma prioridade para seus líderes, mas muda de cenário ao longo de cada governo. Segundo dados do INCRA, os governos que mais assentaram famílias foram os de FHC e Luiz Inácio Lula da Silva, com 540.704 e 614.088 respectivamente. Os números caem nos cinco anos de mandato completos de Dilma, com 133.689, e chegam a 11.831 no governo Temer.

A partir do mandato de Temer, principalmente, se assiste uma guinada nas ações voltadas para política da reforma. O governo não só a paralisou, como demonstrou apoio às grandes propriedades, desmontando o Ministério de Desenvolvimento Agrário e titulando assentamentos mais antigos. Muitas ocupações passaram a ser retiradas, o que resultou no aumento da violência no campo. 70 pessoas chegaram a ser assassinadas em 2017, segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

No governo Jair, as maiores preocupações quanto ao cenário de violência no campo tem sido a flexibilização do porte de armas. Para se ter ideia, o monitoramento da CPT aponta que a pistolagem responde por 40% dos casos de violência letal no campo em 2022, sendo que o número de 25 assassinatos derivados de conflitos nos primeiros seis meses deste ano, já supera o total de 20 mortes em todo ano de 2020.

Em entrevista exclusiva à AGEMT, o professor José Arbex, de jornalismo da PUC de São Paulo, docente da Escola Nacional Florestan Fernandes e conhecido por denunciar práticas terroristas ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), apontou que “O governo Bolsonaro evidentemente piorou isso tudo [casos de violência] com a política dele de liberar a violência no campo, distribuir armas, liberar campos de garimpo na Amazônia, isso tudo implicou numa violência no campo sem precedentes, com os povos originários sendo ameaçados de extinção e os trabalhadores do campo estão sendo atacados com bandos armados e com a conivência do governo federal”.

            Como evidência, se arrasta há anos a situação de cerca de 400 mil camponeses de Timbira, que aguardam há décadas o processo de desapropriação e titulação pelo INCRA de 14 mil hectares de terra, nos quais vivem há gerações. A população vive assombrada há tempos por madeireiros ilegais e rivais, como representa o caso do braço agropecuário do setor de alimentos da Maratá, tomando suas terras a tiros e fogo, reportado pelo The Intercept Brasil.

            Que a reforma agrária nunca foi uma prioridade no Brasil, é fato, entretanto, nos últimos anos tem-se presenciado não só a promoção da sua guinada, mas a repressão dos grupos sociais e dos que vivenciam a necessidade da reforma. O cenário se agrava quando a conivência do Estado entra em cena. A questão que nunca se calou é: quais serão os próximos capítulos?

“Quem tinha que tá preso são as lideranças do MST, que provocaram esse episódio. Esses canalhas, esses vagabundos! Os policiais reagiram para não morrerem trucidados por armas brancas desses bandidos do MST” 

– Jair Bolsonaro em entrevista na visita de pré-campanha, na curva do S, em Eldorado dos Carajás, onde morreram 19 trabalhadores sem-terra baleados por policiais militares.