No dia 6 de junho deste ano, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu o show do cantor sertanejo Gusttavo Lima na 16º Festa da Banana, sediado na cidade de Teolândia (BA). O motivo da ação orquestrada pelo presidente do STJ, Humberto Martins, foi a baixa receita do município em relação ao preço do evento, que excedia em 40% o valor investido no setor de saúde.
Sobre o ocorrido, Renato Eliseu Costa, professor e coordenador executivo da especialização em administração pública e gestão governamental da EACH-USP, diz que a instituição "está extrapolando qualquer razoabilidade e qualquer moralidade quando faz um contrato desse tipo; não é que há um impedimento para fazer shows, mas eles têm que fazer um show que corresponda à realidade daquele município”.
Outra polêmica envolvendo o cantor ocorreu na cidade de Conceição do Mato Dentro (MG), na 32º Cavalgada do Jubileu, em que a prefeitura usou a verba destinada para saúde, educação , meio-ambiente e infraestrutura para pagar o cachê de 1,2 milhões de reais de Gusttavo. Em resposta, o município alegou ter usado o tributo dos mineradores, CFEM, e que não há restrições quanto ao uso da verba em eventos. Em contradição com a resposta da prefeitura, o portal da Agência Nacional de Mineração publicou o destino do dinheiro para os setores citados.
O professor explica que o financiamento da cultura no Brasil é apoiado de dois modos, via renúncia fiscal, que são regidos pela lei federal de incentivo à cultura, a lei Rouanet e a audiovisual, em que um empresário faz um aporte de recursos e recebe benefícios, como por exemplo, um abate no imposto de renda. Nessa via, os projetos são aprovados pela pasta da Secretaria Especial da Cultura e seguem normas de critérios de recomendação. Outra possível via é chamada de financiamento direto, em que a Secretaria de Cultura do município utiliza de seu próprio recurso financeiro para arcar com o projeto artístico.
Em entrevista para o Fantástico, Anitta declarou que algumas prefeituras já ofereceram esquema de desvio de verba. "Eu já recebi propostas, eu e meu irmão [seu empresário]. 'Você cobra tanto, aí eu vou e pego um pedaço.' Eu falei não". O pronunciamento da artista gerou questões pertinentes sobre a postura dos municípios e dos cantores sertanejos.
No dia 13 de maio deste ano, no município de Sorriso, em Mato Grosso, Zé Neto (da dupla Zé Neto & Cristiano) criticou a Lei Rouanet e a cantora. “Nós somos artistas que não dependemos de Lei Rouanet. Nosso cachê quem paga é o povo”, disse Zé Neto, declarando, também, que não precisa de tatuagem na região íntima para fazer sucesso, se referindo a Anitta. O cachê do cantor custou 400 mil para que ele integrasse a grade de programação cultural da festa de 36 anos do município de Sorriso.
O discurso do sertanejo desencadeou uma sequência de discussões em torno dos pagamentos de cantores sertanejos renomados, e o assunto logo entrou em alta nas redes sociais como "#CPIdoSertanejo". Como consequência desse cenário, no dia 8 de junho, a Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados aprovou a proposta de realização de uma audiência, com a finalidade de esclarecer o financiamento público de atividades artísticas no Brasil. O Ministério Público está investigando 24 prefeituras: Gaúcha do Norte, Sorriso, Porto Alegre do Norte, Figueirópolis D’Oeste, Nortelândia, Salto do Céu, Alto Taquari, Novo São Joaquim, Nova Mutum, Sapezal, Canarana, Acorizal, Brasnorte, Água Boa, São José do Xingu, Vera, Barra do Garças, Juína, Querência, Bom Jesus do Araguaia, Santa Carmem, Matupá, Nova Canaã do Norte e Novo Horizonte do Norte.
O método de financiamento direto, utilizado pelos sertanejos, é mais propício para desvios públicos, segundo o coordenador Renato Eliseu. Ele diz que, ao contrário da lei Rouanet, a qual passa por duas prestações de contas, o financiamento passa apenas por uma, sendo suscetível a erros. "Em casos como esses shows de grande dispensas, a prefeitura alega e faz o uso da dispensa da licitação, alegando a especificidade daquele show." A especificidade pode ser alegada quando não há uma atração semelhante àquela, e a ação de dispensa da licitação por esse motivo é garantida pela Lei nº 8.666/93.
O especialista traz, também, o conceito de desvio de verba pública. “Não é só aquele recurso que acaba parando na conta de uma pessoa física ou jurídica, o desvio de verba pública é todo aquele recurso não utilizado”. Além disso, acrescenta que o desvio pode ocorrer "desde a construção inadequada do processo de licitação, uma contratação errônea, um pagamento excessivo até a não prestação de contas como determina a lei", não tendo um lugar específico. A pena para esse crime, como prevista na Lei nº 8.429 sobre improbidade administrativa, é de 2 a 12 anos, além do pagamento de multa.
Criada em dezembro de 1991, a lei Federal de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Rouanet, voltou aos debates nos últimos dias após fala do cantor sertanejo Zé Neto, da dupla Zé Neto & Cristiano, durante um show em Sorriso, no Mato Grosso Sul, no dia 13 de maio. No show, Zé Neto disse que “não somos artistas que não dependemos da Lei Rouanet”, pois “nosso cachê quem paga é o povo”, de fato, quem paga é o povo. Durante a fala, o cantor também fez um ataque indireto à cantora Anitta, alegando que não precisam fazer “tatuagem no tob*” para mostrar que está bem ou mal.
A fala do cantor direcionou a atenção da mídia e do público para o uso de verbas públicas para custear os cachês de cantores sertanejos em shows realizados em pequenos municípios do Brasil, e detalhe: sem a utilização da Lei Rouanet.
Começando pelo cachê da dupla a qual Zé Neto faz parte, neste mesmo evento em Sorriso, foi constatado que os sertanejos receberam R$ 400 mil reais para fazer o show.
Não para por aí…
Em 26 de maio, o Ministério Público do Estado de Roraima abriu um procedimento para apurar a contratação do cantor sertanejo Gusttavo Lima para um show na cidade de São Luiz, cidade de 8.232 habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com um cachê de R$800 mil. No dia 27 de maio, foi a vez do MP de Minas Gerais protocolar uma ação para apurar outra apresentação do cantor, desta vez no município de Conceição do Mato Dentro. Para esse evento, Lima foi contratado por R$1,2 milhão. Você não leu errado!
Este valor foi obtido através de recursos de Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM). Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), as receitas compensatórias devem ser revertidas e aplicadas, direta ou indiretamente, em prol da comunidade local em temas voltados para qualidade ambiental, saúde e educação.
Para esse evento, na cidade que tem cerca de 17 mil habitantes segundo o IBGE, outros cantores também foram contratados. Artistas como a dupla Bruno e Marrone (R$520 mil), Israel e Rodolffo (R$310 mil), Di Paulo e Paulino (R$120 mil), João Carreiro (R$100 mil) e Thiago e Jonathan (R$90 mil). Sabe quanto a cidade desembolsou no total ? Isso mesmo, R$2,3 milhões de reais.
Após a polêmica, por meio de nota, a assessoria de imprensa do cantor Gusttavo Lima disse que ele não é responsável por “fiscalizar as contas públicas”. A prefeitura de Mato Dentro cancelou o show previsto para o dia 20 de junho.
Na vaquejada em São Luís, que falamos a pouco, fora o cantor, a prefeitura contratou nomes como Solange Almeida e a dupla César Menotti e Fabiano. No total, o valor que seria gasto pelo município é de R$3 milhões, com os cachês e a estrutura do local.
Na Bahia, o Ministério Público fez um pedido judicial para o cancelamento de outro show, desta vez na cidade de Teolândia, no "Festival da Banana", onde Gusttavo Lima receberia um cachê de R $704 mil reais. Na noite de domingo (05), o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), manteve a decisão de primeira instância, favorável à suspensão do show.
Após todas as polêmicas sobre os cachês milionários dos sertanejos, além de Sorriso, outras 23 prefeituras passaram a ser investigadas no Mato Grosso do Sul.
E como funciona a lei Rouanet ?
Para que um projeto consiga ser aprovado para ser financiado pela Lei Rouanet, é necessário um processo criterioso. Primeiro, os artistas procuram e submetem seus projetos à Secretaria Especial da Cultura, explicando os detalhes e cada gasto.
Após a entrega, a Secretária analisa a proposta, e caso atenda aos critérios, o projeto é submetido a análise da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), que pode dar a homologação, assinada pelo Ministério da Cidadania.
A Lei possui um banco de dados, o que facilita para a população consultar quais são os projetos financiados, os valores e todas as questões que envolvem o patrocínio.
Os artigos 18 e 26, da Instrução Normativa número 5, do Ministério da Cultura, tratam dos projetos que podem ou não pedir financiamento por meio da lei. Os artigos classificam não apenas apresentações de atividades artísticas(cênicas, audiovisuais, visuais, musicais e etc.), mas também serviços, como restauração, reparos, manutenção e preservação de espaços que possam promover a arte. Em caso de cinemas de cidades com menos de 100 mil habitantes, a lei avalia que estes podem virar centros culturais.
A quarta fase desse processo é a busca por um patrocinador. Depois de receber o "ok" da Secretaria, o produtor interessado vai em busca de empresas e/ou pessoas para patrocinar o projeto. Para facilitar essa procura, o governo oferece, em contrapartida aos interessados, dedução de parte ou do total do Imposto de Renda (IR). Na prática funciona assim:
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Projetos baseados no ART. 18 recebem dedução de 100% do valor doado/incentivado. Ou seja, caso doe R$350 mil, esse será o valor deduzido.
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Projetos baseados no ART. 26 obedecem a um abatimento do IR conforme tabela já definida. Em caso de doação de pessoas jurídicas é de 40% do valor, já em caso de patrocínio é 30%. Para pessoas físicas, em caso de doação, é 80% do valor, caso seja patrocínio, 60%.
A diferença entre a doação e patrocínio é que o doador não pode ter seu nome vinculado ao projeto quando ele for exibido ou apresentado, enquanto o patrocinador, com a finalidade promocional e institucional de publicidade.
Detalhe importante: Os cachês de artistas solos na Lei tem o teto, ou seja, valor máximo a ser pago, de R$3 mil.
Passado todo esse processo, você acha que acabou ? Errado. É hora de prestar contas! O produtor precisa explicar e submeter a análise da Secretaria, fotos, registros, notas e etc., de tudo que for realizado. Tudo isso é criteriosamente avaliado pela Secretaria para que possa ser aprovado.
E a destinação de verba direta?
A destinação de verba direta, como realizado pelas prefeituras de pequenos municípios para custear os shows dos cantores sertanejos, não obedece um processo tão criterioso assim e tem menos fases.
Nesses casos, a prefeitura escolhe um artista e negocia e faz um contrato sem licitação, já que há apenas um fornecedor possível (o cantor contatado). Com a contratação, o município costuma arcar com despesas como transporte, hotel, e camarim. Tudo isso fora o cachê. Ou seja, as despesas vão além dos cachês milionários.
E qual o problema ? A questão nessa forma de contratação é de que não há fiscalização específica, ou prestação de contas extras além das contas gerais do município. Com a falta de detalhamento nos pagamentos, é mais fácil de haver irregularidades na contratação ou no pagamento. Os Tribunais de Contas ou o Ministério Público podem questionar os gastos das prefeituras.
Resumindo a ópera
O grande ponto que difere as duas formas de destinação de verbas públicas para a cultura é a transparência e o rigor do processo. Enquanto a Lei Rouanet oferece um processo criterioso, e que podemos acompanhar, a destinação de verba direta pelas prefeituras tem um caminho nebuloso e de difícil acompanhamento.
Devemos lembrar que NÃO é errado o investimento de dinheiro público em projetos de promoção cultural, seja por lei Rouanet ou destinação direta. Por isso, atenção aos políticos e artistas que criticam a lei Rouanet, alegando razões ideológicas e a famosa “mamata”. Desconfie de notícias que não explicam a destinação, e em caso de dúvidas, AGEMT Explica!
As torcidas organizadas são grupos de apaixonados pelo futebol que buscam formas de apoiar sua equipe em conjunto. Porém, a união dos fanáticos vai além da esfera futebolística.
Os coletivos historicamente envolveram-se em disputas relacionadas a causas sociais, como a luta contra o fascismo e a favor da democracia. Afinal, o esporte pode servir como meio de expor esses conflitos e de unir as pessoas em nome de uma causa.
Segundo o coordenador do curso de ciências sociais da PUC-SP e autor do livro “A democracia corinthiana: práticas de liberdade no futebol brasileiro”, José Paulo Florenzano, não é simples definir o fascismo e “hoje se usa muito essa expressão e de uma maneira às vezes excessiva e sem um rigor científico acadêmico”. Para o professor, “você tem a experiência do fascismo clássico na Itália, sobretudo, e depois na Alemanha que se define pela maneira como o estado é capturado por um projeto de poder, autoritário, hierárquico, centrado numa figura populista - isso fica muito bem exemplificado na figura do Mussolini - que procura estabelecer uma relação direta com a sociedade, portanto eliminando as instituições políticas e reprimindo as associações da sociedade”. “Ele se caracteriza sobretudo pela maneira violenta como se impõem na sociedade. Com perseguições, ameaças, torturas, eliminações físicas dos opositores”, conclui Florenzano.
O movimento fascista utilizou o esporte como propaganda em vários momentos da história. Na Alemanha, o Bayern de Munique carregava a suástica em seu emblema durante o governo de Hitler e na Itália a Lazio foi usada por Mussolini da mesma forma - ainda hoje há torcidas abertamente fascistas, mas o clube busca se afastar desse rótulo. Além disso, sintomas desse fascismo, foram sentidos na virada do século, com manifestações racistas e xenofóbicas constantes nos jogos do campeonato italiano. Algo que ainda é presente em estádios do mundo inteiro.
Assim como houve apoiadores, o esporte também participou ativamente na luta contra o fascismo. Durante a segunda guerra mundial, a Ucrânia foi invadida pelos nazistas e logo o futebol parou no país. Jogadores de algumas equipes acabaram trabalhando numa padaria e formaram o F.C. Start como forma de continuar jogando. Eles começaram a acumular vitórias e logo chamou a atenção dos alemães. Eles foram obrigados a jogar duas vezes contra um time formado por membros da força aérea germânica. Com duas vitórias (a segunda partida ficou conhecida como jogo da morte) aquela equipe é lembrada até os dias atuais como símbolo da luta contra o fascismo.
No Brasil, a democracia corintiana foi o movimento que enfrentou a ditadura militar durante os anos 80. O projeto durou dois anos e apoiou o direito de voto para presidente no país, além de modificar a gestão do clube (todo funcionário podia votar sobre decisões do time – com o mesmo peso). José Paulo comentou sobre o significado da democracia corinthiana: “Ter ao lado das forças que combatiam o regime militar uma equipe que simbolicamente, talvez seja a mais importante do país, um clube popular com visibilidade, projeção, engajamento dos atletas no movimento pelas diretas já, amplia a percepção social do quanto a democracia é importante, a ideia de que a democracia não é algo abstrato que está no parlamento, na universidade, no livro dos intelectuais”, foi de uma, “importância extraordinária, um capítulo marcante da história da redemocratização do país”.
O movimento antifascista atualmente pode ser visto em clubes amadores. Esse movimento só cresce, com times e ligas em diversos estados do Brasil. Só em São Paulo são 15 times que se consideram antifascistas. Tais agremiações disputam campeonatos e buscam trazer para a “cena” futebolística ideais contrários à intolerância e autoritarismo. Danilo Heitor, fundador do time antifa “Autônomos”, falou sobre a importância do surgimento desses clubes: “Acredito que no momento que o Brasil atravessa, com o fascismo crescendo nos últimos anos, (jogar em um time antifa) vai para além da questão de tentar construir o futebol da forma como você enxerga o mundo. Mas sim de marcar posição em uma disputa política que se coloca no país”.
Diferente do que acontece nos campos de várzea, o futebol profissional deixa a desejar quando o assunto envolve causas sociais. Clubes e jogadores evitam entrar em assuntos referentes a esse tipo de disputa. É o que afirma o cientista social, “Os clubes estão muito aquém dessa função social [...] No que diz respeito ao combate a essa cultura da intolerância que envolve: xenofobia, racismo, sexismo, homofobia, intolerância religiosa e as múltiplas faces dessa cultura, há uma omissão, para não dizer cumplicidade”. Na visão dele os times deveriam, “promover esse debate nas torcidas e tentar esclarecê-las a respeito do que significa replicar a cultura da intolerância, que pode de repente se voltar contra elas próprias, que estão sendo instrumentalizadas por essa cultura”.
O Bahia tem se posicionado frente a essa realidade. O time nordestino tornou-se pioneiro ao ter um Núcleo de Ações Afirmativas. O projeto está focado em tratar de temas pouco debatidos no ambiente do futebol, como homofobia, racismo, machismo, entre outros.
Mesmo com a indiferença apresentada por muitas agremiações, as torcidas organizadas têm mostrado atitude para lutar pelas causas sociais. Em 2020, os fanáticos deixaram a rivalidade de lado para protestar contra a possibilidade de um novo golpe militar. Renato Daniel, membro da Palmeiras Antifascista falou sobre a criação desse protesto: “o ato das torcidas foi muito simbólico, porque nós vimos alguns grupos de torcedores se organizando para compor altos de direita e pessoas completamente ligadas com ideias de extrema-direita, neonazistas, carecas e afins. A gente viu essa galera se organizando e falamos ‘Mano temos que dar uma resposta’ se eles estão lá usando a camisa do nosso clube, se eles estão se organizando, a gente vai dar a cara também e vai organizar algo maior”. O protesto aconteceu em São Paulo e em mais 15 cidades em maio de 2020. A ação uniu torcidas organizadas de diferentes times em prol da democracia e para dissolver uma manifestação de apoiadores do presidente Bolsonaro que pediam a intervenção militar no país.
O futebol surgiu como prática esportiva e em pouco tempo se tornou entretenimento. Porém, a história e a visibilidade que as instituições esportivas possuem mostra a importância do esporte como meio de combate a intolerância. "O futebol é uma ferramenta política também [...] olhar o futebol como uma ferramenta possível de construir outras relações sociais, construir outras didáticas populares" conclui Danilo.
A popularização de autocratas que almejam ter poder e controle sobre as eleições presidenciais tomando o protagonismo da corrida eleitoral é um fenômeno excêntrico, porém nada inédito. Vivemos um exercício de ilusão onde uma suposta democracia reina, e a corrida é apenas um passatempo, uma vez que, sua vitória já tenha sido previamente concluída. Campanhas de difamação perante os principais veículos de comunicação é o esperado e muito eficazes, quem tem apoio destes veículos tem uma vantagem desigual.
No âmbito digital atual, as oportunidades de comunicação entre cidadãos são vasta. Políticos e partidos são facilmente desvirtuados, especialmente aqueles que tem tendências reformistas e mais inclinadas a esquerda. Com informações relacionadas a eleições emanando mais rápido e mais fácil do que nunca, juntamente com possibilidades de maior diálogo, uma vez que, há um número crescente de partes interessadas.
No entanto, os novos desenvolvimentos tecnológicos também têm demonstrado um impacto cada vez mais disruptivo no debate público, o que evidencia a crescente necessidade de salvar a integridade e credibilidade dos processos eleitorais, bem como o papel dos meios de comunicação durante as eleições. Nesse período de grande importância para a sociedade, a mídia pode tornar um grande mercado eleitoral com práticas de aquisição de dados e marketing direcionado. Prática representada no filme “privacidade hackeada”, onde é evidenciado a coleta de dados sociais de usuários para reformular e reconstruir as informações que eles consumiam, de modo que influencie seu voto nas eleições.
A fragmentação no ambiente de comunicação, juntamente com novas táticas desenvolvidas no financiamento político digital, como campanhas e publicidades, muitas vezes sem transparência, desafia a natureza “livre” e o caráter público de muitas informações durante o processo eleitoral. Enquanto isso, os jornalistas, representantes de uma entidade comunicacional, cuja produção pode capacitar o eleitorado a tomar decisões informadas, estão cada vez mais parciais.
Em título de análise, a reportagem do dia 6 de junho da Folha de São Paulo mostra uma pesquisa com uma manchete que leva a uma confusão do leitor, onde a manchete aponta que uma população de esquerda está mais inclinada a votar no presidente Jair Bolsonaro, quando nos dados apontam que apenas uma minoria muito pequena de uma população de esquerda realmente está com tal intenção de voto. Em contrapartida, de acordo com a pesquisa o ex-presidente Luís Inácio tem uma adesão menor do público de direita.
Tal análise leva a indução de uma falsa imagem do eleitorado, corroborando com uma percepção de uma fraqueza do Partido dos Trabalhadores em se comunicar com o outro lado do espectro político. Apesar de ser subentendido que há um desbalanceamento na cobertura das candidaturas para aqueles que as analisam atenciosamente, grande parte da população não demanda tanto tempo do seu dia em destrinchar todo campo político.
Em pesquisa feita no campus da PUC Monte Alegre, foi anotado dados que fugiam do que se via no início do ano, onde cerca de 47% dos entrevistados relataram que acreditam que a cobertura do Lula na grande mídia tem sido positiva, enquanto 25% de fato falou haver uma cobertura crítica.
Desde a saída do ex-juiz Sérgio Mouro, que era até então o preferido dos principais veículos de comunicação, vem tendo um desamparo dos mesmos. Por um lado, a qualquer deslise eles estão prontos para criticarem arduamente qualquer movimento político dos partidos unidos da esquerda, mas por outro, está tendo uma falta de demais opções desesperadora. Uma procura da terceira via se dá intensamente e sem resultado.
Algo que pode ser notado especialmente na circulação da notícia que uma das medidas propostas pelo candidato é a revogação da reforma trabalhista instituída pelo Michel Temer, teve uma repercussão de fato positiva, vista com bons olhos.
A mídia hegemônica tem tentado lidar com o fato de que, eventualmente, vai acabar numa situação polarizada entre apenas dois candidatos e dificilmente surgirá alguma terceira opção com força o suficiente para fazer fronte com as duas forças, mas ao mesmo tempo, a crítica não se faz menos presente mesmo assim.
Em um edital do Estado de São Paulo no dia 3 de junho, foi esboçado uma posição acusatória diante ex-presidente, apontando como uma força política antidemocrática ao suposto deboche do PSDB, o que foi usado como uma arma nos últimos dias para justificar um voto antipetista.
Como articulado pelo professor José Salvador Faro, historicamente a aristocracia brasileira se põe contra quaisquer movimentos reformistas no país sempre defendendo que estas pautas acabam vindo de personagens sem qualificação para levantar tais pautas e silenciando elas antes de escalarem, e devido a isto foi extremamente difícil para esta aristocracia tão defendida pelo jornal hegemônico aceitar que um operário estava assumindo o cargo.
Este viés de desqualificação da esquerda no geral tem se intensificado, dificilmente é possível ser observado alguma reformista sendo retratado com devido respeito em algum veículo que não seja um alternativo, e quanto mais se aproxima outubro, maior vai ser esta polarização.
Difícil dizer em quem as apostas dos jornais vão cair em um segundo turno, mas a terceira via continua sendo procurada.
Depois de quase dois anos sem aulas presenciais, as escolas estaduais voltaram com suas atividades no começo deste ano. Junto com a volta para as salas de aula, problemáticas que já eram decorrentes no período pós-pandêmico se agravaram ainda mais depois do isolamento social, além de favorecer a inserção de novos problemas para a comunidade acadêmica. A E.E Fernando Gasparian, localizada na região do Campo Limpo na zona sul de São Paulo, foi uma das escolas que sofreu no período de transição entre o EAD e a volta ao presencial. A unidade já enfrentava problemas de estrutura, violência e a insalubridade do ambiente escolar antes da pandemia.
Segundo denúncias de alunos do colégio, o início das aulas foi muito desorganizado. Eles não tiveram aula de história, português e nem de tecnologia por cerca de um mês e meio, o que desmotivou os alunos no que parecia ser um novo começo. Além disso, alegaram a troca constante de docentes de matemática, no intervalo de cinco meses, os alunos tiveram o total de três professores para a disciplina. "Acredito que fomos muito prejudicados, tenho muito contato com estudantes de outras escolas e eles estão muito mais avançados do que nós", alega Fábio (não foram citados sobrenomes dos entrevistados, para preservar suas identidades) de 13 anos e estudante da escola citada. Ele cursa o 8º ano do fundamental e já sente certa disparidade nos sistemas de ensino. O vice-diretor do colégio, Gilmar, admite a falta de docentes: "infelizmente muitas turmas ficam com disciplinas sem professores [..] em termos práticos às vezes não se encontram professores disponíveis para lecionar aulas para as disciplinas"
Rozana, ex-presidente da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) e militante pela educação, acredita que o motivo pelo afastamento de professores nessas escolas é uma série de variáveis, um deles é o modo como as escolas são esquematizadas: "São padrões produzidos numa escola pública: parece uma prisão, são sempre cinzas e com grades. Lugar onde os estudantes não se sentem confortáveis, muito menos estimulado pra tá ali”.
“Sim, a escola tem grades, temos também sistema de monitoramento por câmeras, alarmes, tudo para proteger o ambiente escolar.... Sobre o uso de drogas: Nunca vi nenhum aluno usando. Falar que os professores não ensinam nada é muito genérico, até porque eu leciono nesta unidade escolar, desde 2009” Reponde Gilmar ao comentário. Luiz, aluno de 13 anos, foi questionado se sentia-se seguro na escola com essa configuração: “Não muito, tem muitas brigas, na hora de usar banheiro tem meninos que atrapalham, chutam portas e as sujam, e acaba sendo chato e desconfortável”
A violência é outro ponto que surge na entrevista com os alunos, citam que as brigas são constantes. Larissa, de 13 anos, cita que sente falta de vigilantes e detectores de metais em sua escola. Não é de hoje que as escolas públicas são tidas como violência, é uma pauta antiga que alimenta um arquétipo sobre o ensino público. Rozana acredita que esse esteriótipo violento, vem de uma raiz racista: “Por ser uma escola majoriatoriamente de jovens negros, sempre olham esses jovens como perigosos.” Ela ressalta ainda, que a realidade com qual esse estudantes convivem , fazem com que a violência- tendo em vista a inserção em um ambiente insalubre - seja sua linguagem mais intrínseca.
Segundo os dados do Placon (Plataforma Conviva), sistema em que são registradas as ocorrências escolares, são 108 ocorrências, em média, de agressão física a cada dia letivo nas escolas paulistas. Em comparação com o ano de 2019, o registro de agressões físicas aumentaram 48,5%, de acordo com a Seduc-SP, Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
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O que gera a falta de professores?
De acordo com as informações da Seduc-SP, quatro das aulas do itinerário informativo estão sem professores. Revelado em 8 de abril deste ano, os itinerários formativos do Novo Ensino Médio mostraram que são 44.939 aulas não atribuídas na rede. A falta de professores ocorre pelo aumento das agressões no ambiente escolar, a falta de estrutura, o aumento da carga horária de trabalho combinado com baixos salários e a pausa dos concursos públicos, sendo o último realizado em 2018.
Sobre agressões, a professora da rede estadual há 17 anos, Renata Muniz leciona na PEI- E.E Willian Rodrigues Rebuá e conta sua experiência nessa escola e na anterior, a qual era funcionária antes e durante a pandemia. ”Essa semana eu vi dois casos: uma diretora que foi enforcada e uma professora que foi esfaqueada. A escola que eu estou tem câmera, inclusive na sala, então se acontecer alguma coisa, tem como ver na câmera, mas aonde eu estava não tinha nenhuma, tanto que eu sofri agressão, bateram uma porta em mim [...] e minha amiga foi agredida também, tive que levar ela até a delegacia, inclusive”. A professora contextualizou as agressões, a porta foi empurrada por alunos que ficaram no corredor após ela adentrar a sala de aula, e sua amiga foi arranhada por não olhar o caderno de uma aluna.
Além do ambiente inseguro, Muniz disserta sobre a estrutura das escolas: “A escola anterior era bem precária, a gente foi receber os materiais para o ensino online no ano passado, então em 2020 não tinha material [...] Agora, essa é ótima! Ela é de período integral desde 2012, então foi uma das pioneiras do Estado e recebeu um amparo, um respaldo e a parte financeira. Nós temos dois laboratórios: um seco e outro molhado; então tem aula prática mesmo, eu sou professora de aula prática; a gente tem anfiteatro, todas as salas têm televisão, data show, internet, e é uma escola de período integral de um público, só tem ensino médio na minha escola.”
O governo do estado ampliou o Programa de Ensino Integral (PEI) nos últimos anos, de 394 escolas para 2.050. Diante disso, a professora estadual aponta o problema dessa rápida mudança: “ As escolas viraram PEI de dois períodos, então, de manhã tem o fundamental das 7:00h às 14:00h e a tarde o médio das 14:15h às 21:15h. Eu, por exemplo, saí de uma escola que se tornou PEI desse jeito e fui para minha escola que tem um período só; eu saio às 16:30h e lá eu sairia às 21:15h. Então, teve muitos professores que saíram porque eles não querem a PEI. Onde eu estou tem toda uma estrutura, há uma cobrança muito maior do que em uma escola regular, mas eu tenho a parte física, ao contrário de uma escola que virou PEI de 2021/2022, então os professores saem mesmo.”
Outro fator que contribui para a falta de professores é o baixo salário, o jornal CartaCapital revelou que, em suas pesquisas, há professores recebendo abaixo do que a Lei n. 11.738/2008, do Piso Salarial Profissional Nacional, propõe. Esse fator não é recente. “Eu lembro do meu ensino médio, tinha muita aula vaga por conta da falta de professor. Na época, o problema maior era falta do salário dos professores, e eles paravam de trabalhar porque não recebiam e a condição das escolas eram precárias, e nós começamos uma ocupação por causa do salário dos professores para voltarmos a ter aula. Então, seja qual for o motivo que faça ocorrer essa realidade, é muito grave.” diz Rozana Barroso, de 23 anos.
Como um modo de melhorar o cenário da educação estadual em São Paulo, a secretaria da educação criou, em 2019, o programa CONVIVA SP, além de fazer pesquisas regularmente. O Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar (CONVIVA SP) foi criado com a proposta de criar um ambiente de aprendizagem solidário, colaborativo, acolhedor e seguro nas escolas. Ele é composto por projetos e ações articuladas entre: convivência e colaboração, articulação pedagógica e psicossocial, proteção e saúde, e segurança escolar.