
Nascida em Santos, litoral paulista, Valéria Muller Ramos Bolsonaro saiu de sua cidade natal aos 3 anos de idade. Desde então, morou em São Paulo, Porto Alegre e atualmente reside em Campinas. Muller formou-se em Biologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e atuou na Rede Municipal por 32 anos como professora da Educação Infantil e do EJA (Educação de Jovens e Adultos).
“Essa é a pergunta que eu mais respondo. Eu sou uma parente agregada, sou esposa de um primo distante do ex-presidente”, afirmou Valéria Bolsonaro, do Partido Liberal (PL), Deputada Estadual por São Paulo, reeleita em 2022 com mais de 113 mil votos. “Além do sobrenome, eu sou muito bolsonarista”, completou em entrevista para o Estadão.
TRAJETÓRIA POLÍTICA
Sua carreira política se iniciou em 2016, quando se filiou ao Partido Social Cristão (PSC), do qual o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro fazia parte na época. “Me ligaram e me convidaram para ser filiada ao partido. Eu me filiei e fiz campanha para vereadora”, contou em entrevista ao programa de rádio Pânico, da Jovem Pan, em junho de 2022.
A parlamentar explicou que o convite foi motivado pelo sobrenome em comum com Jair, que já estava em seu 7° mandato na Câmara dos Deputados. Valéria afirma que sua campanha de estréia foi pequena e totalizou cerca de 700 votos, o que não foi suficiente para elegê-la.
Em 2018, com o anúncio da candidatura oficial de Bolsonaro à presidência pelo Partido Social Liberal (PSL), Valéria lançou-se candidata à deputada estadual pelo mesmo partido. Ainda em entrevista ao Pânico, Muller explicou que a ideia era ganhar notoriedade na sua cidade e promover a campanha para Bolsonaro.
Findada a apuração, no domingo de eleição do dia 28 de outubro de 2018, Valéria Bolsonaro foi eleita à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo com mais de 54 mil votos. Valéria definiu sua eleição como um “acidente de percurso” e relembrou sua reação ao resultado: “foi o maior susto!”.
A deputada contou, em entrevista a Paulo Leoni, da Band Campinas, que sua campanha eleitoral se baseou na “nova forma de fazer política”, pelas redes sociais. Valéria publicava, em seu canal do Youtube, vídeos em que explicitava seus posicionamentos atrelados aos defendidos por Jair Bolsonaro no mesmo período. O repúdio à ideologia de gênero e o apoio ao armamento foram temas escolhidos.

“Eu aconselho, isso aqui é uma maravilha, faz muito bem para nossa segurança”, afirmou Valéria durante uma aula de tiro, filmada e compartilhada em seu canal.
A PARLAMENTAR EM ATIVIDADE
A atuação de Valéria Bolsonaro contempla áreas como educação, saúde, assistência social e políticas públicas para mulheres. A deputada também é líder da Frente Parlamentar de Apoio de Combate ao Câncer. No Programa Café no Parlamento, com Sílvia Garcia, da Alesp, Valéria destacou que a frente promove campanhas preventivas e de suporte médico, informacional e emocional aos diagnosticados.
A Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência e Doenças Raras também é coordenada pela deputada. Em entrevista ao Movimento Muda Pedreira, a parlamentar afirmou que seu foco de atuação é a capacitação das áreas da Saúde, Educação e Assistência Social para o suporte efetivo às pessoas com deficiências e suas famílias. Ela é autora do Projeto de Lei 670/2020 que altera a Lei 17.158/2019 e institui a Política Estadual de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA), aprovado em abril de 2021.

Valéria Bolsonaro foi eleita presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Mulheres em abril de 2023. “Pela primeira vez, um governador do Estado teve a sensibilidade de fazer uma secretaria estadual de políticas públicas para as mulheres”, disse a dirigente recém-eleita. A comissão deve se dedicar, especialmente, à proteção dos direitos femininos e ao combate à violência de gênero.
Quanto às demandas da pasta Educação, a parlamentar defende a “escola sem ideologia”. A conservadora justifica seu posicionamento criticando a atuação da esquerda nas universidades e a define como “formadora de militantes”.
“A Unicamp é uma desgraça, principalmente, na área de Humanas. Eu não pude permitir que a minha filha fizesse faculdade em Campinas”, afirmou em entrevista ao Pânico. A Deputada Estadual faz parte da autoria do Projeto de Lei n° 245/2019 que proíbe a “ideologia de gênero” nas instituições de ensino do Estado.
BOLSONARO NO NOME, NA CABEÇA E NO CORAÇÃO
Em entrevista a Sérgio Ewerton, da Rede Alesp, em 29 de junho de 2020, Valéria Bolsonaro explicitou seu apoio à flexibilização do isolamento social. “É necessário porque o número de empresas pedindo falência já é absurdo e estamos em torno de 100 mil desempregados. Se não voltarmos a fazer com que a economia volte a girar, corremos um grave risco de termos um problema muito mais sério do que o vírus a longo prazo”, defendeu a parlamentar.
No dia seguinte à publicação da entrevista no canal da Assembleia Legislativa de São Paulo, o consórcio de veículos de imprensa junto às secretarias estaduais de Saúde informou que o número de óbitos pelo Coronavírus era superior a 59.600 e o estado de São Paulo se destacava pelo maior índice de mortes em todo o país.
“Se a população não se levantar e começar exigir de volta a nossa democracia, nós vamos acabar ficando todos trancados em casa, sem emprego e passando fome”, declarou a Deputada Estadual no vídeo “Artigo Institucional”, disponível em seu canal no Youtube.

Valéria Bolsonaro também publicou, no dia 30 de julho de 2020, em seu canal um vídeo em defesa do uso da Cloroquina no tratamento do Covid-19. A deputada parabenizou os prefeitos Marcus Soliva, de Guaratinguetá, Partido Social Cristão (PSC) e Everton Sodário, na época então prefeito de Mirandópolis pelo Partido Social Liberal (PSL) pela promoção de decretos que determinavam que a rede de Saúde de suas cidades teriam acesso à Cloroquina, o que contrariava as orientações do Governo do Estado de São Paulo.
“Esse medicamento tem trazido resultados excelentes para as pessoas acometidas pela Covid-19”, declarou a Deputada em vídeo. Na contramão, a Fundação Oswaldo Cruz de Manaus conduziu um estudo para avaliar a utilização da Cloroquina no tratamento da doença. "O intuito era justamente checar se as dosagens eram seguras. O trabalho de Manaus foi realmente demonstrar que essa dose era tóxica, perigosa e não deveria ser usada", afirmou Natália Pasternak, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, ao jornal Brasil de Fato, em abril de 2020.
Após a aprovação da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet pelo Senado, a Deputada Estadual expressou sua indignação em um vídeo publicado em seu canal do Youtube. “Como é que pode um artigo desse? O que é fake news? Quem é que vai definir o que é fake news ou não? Quem é que vai punir? Punir como?”. Valéria afirmou que a lei aprovada promovia a perseguição ideológica por parte do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. A bolsonarista insistiu: “agora querem calar a nossa boca”.
“EMPODERAMENTO? EU NÃO SEI O QUE É ESSA MELECA!”
Em julho de 2020, a mobilização online “Mulheres Derrubam Bolsonaro” se popularizou entre as figuras femininas da esquerda e suas apoiadoras. O movimento reuniu mulheres que reconheciam o governo de extrema-direita como símbolo do machismo. Valéria Bolsonaro, em seu canal, expressou sua opinião e se dirigiu às políticas esquerdistas: “como esse governo pode ser considerado machista? O primeiro governo que tem o maior número de mulheres, tanto dentro da Alesp, quanto do Governo Federal. Continuem gritando, já que gritar é a única coisa que vocês sabem fazer”.
Durante a entrevista na Jovem Pan, Valéria negou a agressividade dos homens na política brasileira: “Quando um homem é agressivo, você é agressiva igual e responde na mesma moeda”. A deputada acrescentou que a defesa dos direitos das mulheres e a proteção às parlamentares depende do espectro político. “É um teatro dentro da Alesp”, afirmou se referindo à ideia de falsa luta conjunta. “Empoderamento? Eu não sei o que é essa “meleca” até hoje”.
Durante uma reunião da Comissão dos Direitos das Mulheres, no dia 8 de setembro deste ano, a parlamentar bolsonarista usou a expressão racista “denegrir” (como sinônimo equivocado de “difamar”) para denunciar a deputada negra Mônica Seixas (PSOL). Segundo Valéria, a esquerdista cometeu crimes de “injúria e difamação” ao atribuir o termo “token” à secretária negra de Políticas para Mulher, Sonaira Fernandes.
“É muito comum pessoas brancas colocarem pessoas negras em postos de chefia, mas não permitir que elas trabalhem. Ter representação não significa ter representatividade”, explicou Seixas à GloboNews. A representação será julgada pelo Conselho de Ética da Alesp.
O acesso à água potável e saneamento básico é um direito essencial, fundamental e universal, vital à vida humana com dignidade e reconhecido pela ONU como “condição para o gozo pleno da vida e dos demais direitos humanos” (Resolução 64/A/RES/64/292, de 28.07.2010). Mesmo assim, Mary Maia agricultora e moradora da Chapada do Apodi, divisa do Ceará e Rio Grande do Norte, vive com duas cisternas de água, reservatório que faz a captação e armazenamento da água da chuva, instaladas em seu quintal.
Assim como Mary, os moradores da região enfrentam o semiárido brasileiro com as mesmas condições. Eles fazem parte dos 15,8% da população, aproximadamente 33 milhões de indivíduos, que não têm livre acesso à água potável no Brasil, conforme informações recentes do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento).
Apesar de enfrentarem a precariedade hídrica, os habitantes do município de Tabuleiro do Norte, localizado na Chapada do Apodi, acordam todos os dias sob a segunda maior reserva de água subterrânea do estado, a Bacia Potiguar. Enquanto o agronegócio usufrui do direito universal para plantar algodão e soja, com a falta de acesso ao aquífero e nenhuma assistência do governo para mudar a situação, a única opção de Mary é utilizar duas cisternas para uso próprio e irrigação da sua pequena plantação.
“Nesse quintal não tem água diariamente”, expõe a agricultora ao relatar as dificuldades de morar no local. “Não tem esse ditado, água é vida? E água é vida mesmo, o que a gente pode fazer sem água? Pra gente aguar um pé de planta falta, porque eu só tenho duas cisternas com água. Se aqui tivesse um poço eu tinha tudo isso aqui (quintal) cheio de fruta.”

Assim como tantos outros pequenos agricultores, a vida de Mary é o seu quintal produtivo. Com a renda da família estando diretamente ligada à agricultura, ela diz que se vê refém da disponibilidade hídrica. “Quando tem água a gente consegue mais coisa, quando não tem as bichinhas (plantação) murcham e morrem,” expõe.
Também moradora da Chapada, a cozinheira Joana Bezerra reforça a denúncia da falta de água. “A nossa luta é a água, que não tem. A maioria não tem condições de furar poços e quem tem condições de fazer isso pela gente não faz, não resolvem o problema. As empresas têm água à vontade, por que nós não tem?”
Na casa onde Joana mora com o esposo, o acesso a água só é possível através de um poço de água no quintal. Consciente do seu privilégio por ter um fácil acesso ao recurso, a agricultora sabe que nem todos têm as mesmas condições. “O que poderia mudar é se tivesse água o bastante, o suficiente para todos, não é só para mim porque eu tenho um pocinho aqui no meu quintal, mas é pouca coisa. A gente quer é coisa pra comunidade, vizinhos, irmãos. É isso. É água.”

Conhecida como a alma do agronegócio do Ceará e um dos principais focos da fruticultura do Brasil, a Chapada do Apodi é vista, segundo o mapeamento feito pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), como um paraíso natural devido ao seu solo fértil e grande disponibilidade de água, fator que não passou despercebido pela política agrária brasileira.

Em 1987, com a intenção de incentivar o agronegócio de frutas para exportação, através do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), o Estado brasileiro construiu um perímetro irrigado na região. Na teoria, isso poderia representar uma grande mudança para os moradores da Chapada, mas na prática a função dessa água nunca foi cumprir os direitos humanos.
Aline Maia, técnica da Cáritas de Limoeiro do Norte, explica as complicações que os agricultores enfrentam. “Essa é uma região que envolve muitas complexidades, estamos num território que a gente tem água e as comunidades não acessam essa água. Historicamente elas resistem aqui buscando alternativas e estratégias.”
“A grande dificuldade é a própria falta de apoio do Estado. Você não tem água. Nós estamos debaixo da segunda maior reserva hídrica subterrânea, que é o aquífero Jandaíra-Açu, a segunda maior reserva de água subterrânea no Estado do Ceará, e as famílias daqui não têm acesso a essa água. O acesso é por meio de carro pipa. A agroecologia precisa de água, como é que você vai viver no semiárido, produzir como camponeses e camponesas se você não tem água”, crítica.
“A falta de água tem sido um dos principais desafios, injustiça hídrica como a gente costuma dizer.”

ACESSO A ÁGUA NO BRASIL
A precariedade hídrica enfrentada pelos moradores da Chapado do Apodi, é um caso entre tantos outros da realidade brasileira que mostram a fragilidade no cumprimento da resolução da Organização das Nações Unidas (ONU), assinada em 28 de julho de 2010. Apesar de apresentar uma grande disponibilidade hídrica, a distribuição no Brasil é desigual.
Segundo o estudo “Avanços do Novo Marco Legal do Saneamento Básico no Brasil - 2023 (SNIS 2021)” realizado pelo Instituto Trata Brasil, divulgado em 2023, em colaboração com a GO Associados, a maior parte da população que não tem acesso a água potável está concentrada nas regiões Norte e Nordeste do país, assim como nas periferias das grandes cidades. Os dados comparam a disponibilidade hídrica das cidades do país, onde 99,07% dos brasileiros das 20 melhores cidades têm acesso a redes de água potável, enquanto somente 82,52% da população das 20 piores têm esse serviço.

Além disso, durante o levantamento de dados, foi constatado que mais de 1.100 dos 5.568 municípios do país averiguados, não apresentaram a documentação imposta pela legislação que comprova a capacidade econômico-financeira das empresas de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário de cumprir as exigências legislativas.
Ao divulgar os resultados da pesquisa, a presidente do Instituto Trata Brasil, Luana Siewert Pretto, devido à disparidade de investimento em saneamento básico, apontou a existência de dois “Brasis”. “Se a gente for avaliar a região Sudeste, há uma média de investimento bastante grande, e mais de 90% da população já tem acesso a água”, declara.
“Falta priorização dos governantes em relação ao tema do saneamento básico. Às vezes a gente ainda vê a política de que obra embaixo da terra não é interessante”, afirma Luana Pretto.
Outro fator agravante na distribuição de água no país é a precariedade na gestão hídrica. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), a irrigação corresponde ao consumo de 72%, à medida que as populações urbanas e rurais representam 10%, conforme um balanço sobre o consumo brasileiro feito em 2021.

Ainda conforme a FAO, o agronegócio é o setor que mais precisa de medidas de redução do consumo, uma vez que aproximadamente 60% de toda água usada na irrigação é desperdiçada. Pesquisas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária no Mato Grosso (Incra), apontam que um único pivô, sistema muito utilizado por grandes empresas na agricultura irrigada, chega a desperdiçar um milhão de litros por hectare (10 mil metros quadrados) em somente um dia.
Durante a 21ª Semana Mundial da Água, Achim Steiner, chefe do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas, informou que, sem gerar nenhum impacto, somente 10% da atividade de irrigação mundial é necessária para garantir o abastecimento de toda população. “Sistemas agrícolas que respeitam os ecossistemas não apenas provêm comida, fibra e produtos animais, eles também geram serviços como mitigação de enchentes, recarga de aquíferos, controle de erosão e são habitats para plantas, aves, peixes e outras espécies”, disse.
UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL E UNIVERSAL
Há treze anos atrás, a ONU instituiu que o livre acesso à água potável e o saneamento básico é um dos direitos humanos fundamentais, o Comitê das Nações Unidas para os Direitos Econômicos afirma que: “O direito humano à água prevê que todos tenham água suficiente, segura, aceitável, fisicamente acessível e a preços razoáveis para usos pessoais e domésticos.”
Mesmo o Estado brasileiro não assegurando a acessibilidade hídrica universal da população, existem medidas que procuram diminuir drasticamente o número de pessoas sem saneamento básico no país. O novo Marco Legal do Saneamento, versão atualizada da Lei nº11.445/2007, tem o propósito de atender 99% dos brasileiros com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgotos até o final de 2023.
Para João Amorim, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), é necessária uma política pública para melhorar a distribuição hídrica no Brasil. “Tem que haver uma política pública permanente, perene, de acesso descentralizado de acesso à água (distribuição por meio de sistemas de abastecimento), saneamento, tratamento. Uma política pública ampla com recursos financeiros garantidos no Orçamento Geral da União que deve ser acompanhada de uma mudança de prática dos gestores locais e da participação social, cobrando, acompanhando, orientando, exigindo água pra todas as famílias urbanas e rurais, de todos os biomas e territórios,” alega.
“Água é vida, alimento, soberania, segurança alimentar, autonomia, liberdade.
Água pra plantar, cuidar, colher, cozinhar, beneficiar alimentos e consumir.
Água pra criar animais, produzir ração, sementes, comida farta, sadia e diversificada.”
Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de Jornalismo da PUC-SP.
Segundo o Conselho Nacional da Justiça (CNJ), até novembro de 2022, 112 casos relacionados ao tema foram contabilizados. Durante 1 ano e 3 meses de análise, foram registrados 7 casos de violência política de gênero por mês no país.
Apesar das mulheres representarem 53% do eleitorado brasileiro, os candidatos a cargos políticos ainda são predominantemente homens (66%), e os números pioram quando se fala sobre candidatas eleitas (18%) e reeleitas (14%), o que leva a essa discrepância?
O que é a violência política de gênero? Segundo a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, é considerado como crime todo ato que tenha como finalidade humilhar, excluir, limitar seu acesso ou obrigar mulheres a tomar alguma decisão. Como afirma o órgão em sua página da internet, essas violações são um dos motivos para a pouca representação feminina em ambientes políticos.
Os ataques podem se dar fisicamente, verbalmente ou pela web, o processo, assim como outras agressões feitas a mulheres ocorre de forma gradativa e pode ocasionar em morte das vítimas. A Secretaria da Mulher divide a violência em três tipos: candidatas, eleitas e práticas invisíveis. Serem excluídas ou constantemente interrompidas em debates, fazer com que a mulher pareça louca, roubar suas ideias, ameaças e violação de sua privacidade, são alguns dos crimes qualificados como violência política de gênero, que podem ser encontrados dentro do site da Câmara dos Deputados, assim como canais de denúncias.
Histórico no Brasil
As mulheres começaram na política brasileira tardiamente, devido à forte presença do patriarcado no país, onde as mulheres deveriam cuidar da casa enquanto seus maridos faziam o papel de sustentar o lar.
A luta pela participação feminina no âmbito político se iniciou no final do século XIX, com as mulheres da elite que tinham oportunidade de estudar fora do Brasil. Direito conquistado apenas em 1879, que buscaram ativamente a conquista do direito ao sufrágio feminino, que foi conquistado em 1932.
Apesar disto, para que pudessem exercer, tinham que obter autorização dos seus maridos e caso fossem solteiras ou viúvas, terem renda própria, todos estes requisitos dificultavam o voto e só foram retirados em 1934, entretanto com o Estado Novo, elas só puderam votar plenamente em 1946.
A primeira mulher a exercer um cargo político ocorreu em 1928 no Rio Grande do Norte, com 60% dos votos Alzira Soriano foi eleita prefeita da cidade de Lages, entretanto apesar de ter uma família influente, ela teve seus votos cassados após um ano de mandato, as alegações foram de ilegitimidade da emenda do estado.

No final do século XX, a participação das mulheres começou a se intensificar, durante a ditadura elas criaram grupos para discutir a atividade política e suas condições dentro dela. Em 1985 foi criado o Conselho Nacional do Direito das Mulheres, dois anos depois as mesmas participaram da elaboração da Constituição de 1988, tendo 80% das suas reivindicações aceitas. Um ano após a elaboração da constituinte, as mulheres surgiram pela primeira vez como candidatas a presidência, entretanto foi apenas em 2010 que uma foi eleita. Dilma Vana Roussef se torna a primeira e única presidente mulher na história da república brasileira, até o início do segundo mandato de Dilma (2015), apenas sete mulheres se candidataram ao cargo.
Em entrevista, a professora doutora em Ciências Sociais e especialista em Política e Comunicação, Rosemary Segurado, observou que “a ação política sempre foi uma exclusividade dos homens, então nós vemos que, mesmo que no Brasil a mulher tenha o direito de votar desde 1932, esse é um processo ainda muito longo para que essa representação tenha algo próximo a paridade.”
No Brasil, existe uma cultura machista e autoritária, muito forte, segundo a doutora em Ciências Sociais, Segurado, isso é resquício de uma história de hiatos democráticos. Como ela explica, o período mais longo de democracia do Brasil não tem nem 40 anos, isso cria uma cultura política, que é machista, misógina e autoritária, que emprega muitas vezes o ódio contra as mulheres.
Casos
“Quando a gente fala de violência de gênero, a gente deveria colocar no plural, sobre formas diferentes de violência e que elas ocorrem por um simples fato, somos mulheres.” Relata Rosemary Segurado.
As mulheres têm grande importância dentro do mercado de trabalho, entretanto quando olhamos para cargos de liderança, essa expressividade populacional e no mercado não se reflete. Ou seja, a violência política é apenas uma parte de um problema que envolve vários aspectos da sociedade. “O processo de falta de mulheres no parlamento é parte de uma cultura política machista, que expressa o machismo e misoginia presentes na sociedade” diz Segurado

Em 2016, a primeira e única mulher a alcançar a presidência no país, sofre impeachment um ano após o início de seu segundo mandato, a alegação é de crime de responsabilidade. sete anos depois do ocorrido, ela tem seu caso de improbidade administrativa arquivado, devido à falta de fundamentação das acusações.
De acordo com a especialista em política, o fato de a Dilma ter perdido o seu mandato, mesmo que depois de 7 anos não houve provas contundentes de seu crime, era pelo fato de ela ser mulher e ainda progressista, ou seja, “Tira-la era atacar todos esses setores e segmentos, para impedir que o exemplo dela fosse seguido por outras mulheres. Apesar disso sua presença foi muito importante para que outras mulheres pudessem se ver como possíveis representantes, independente do cargo.”
Outro caso notório foi o da vereadora do Rio, Marielle Franco (PSOL) morta em março de 2018. Após o ocorrido, várias mensagens falsas circularam a internet com o intuito de desqualificar e difamar a imagem da política e ativista, fazendo com que a família sofresse duplamente, uma vez pela morte e outra pela deturpação da reputação da Marielle.
Entre as notícias ilegítimas estão: que ela era ex-esposa de um traficante e que foi eleita pelo comando vermelho, ambas foram endossadas por políticos. O PSOL, partido a quem a vereadora pertencia, informou na época que entraria com um processo contra a desembargadora e o deputado que compartilharam as fake News como se fossem verídicas, o G1 reuniu as principais notícias e as desmitificou.
Apesar dos casos que são apresentados nessa reportagem, somente em 2021 foi criada uma lei que enquadra a violência política como crime para garantir maior segurança as mulheres para que elas exerçam seus cargos.
O fato de não escutar o que uma mulher tem a dizer, por si só já é uma violência, interromper seu discurso ou repetir o que ela já havia falado também. Porque isso a coloca em uma posição de descrédito, esse bloqueio da sua presença em qualquer nível de institucionalidade, reforça uma cultura machista, de que lugar de política não é para mulher, que ela não tem inteligência suficiente para ocupar o cargo que ela se qualificou para estar.
Um exemplo dessa cultura, é o debate que se está tendo agora para que uma mulher negra assuma a vaga da Ministra Rosa Weber para o STF. É possível ver vários comentários falando que não se deve escolher alguém pela cor da pele, dizendo de forma indireta, que mulheres negras, não tem competência para assumir o cargo, visto que entre 11 ministros, não existe um que seja negro atualmente, se a cor não é um fator de escolha, deveria haver maior representatividade no STF.
A professora em Ciências Sociais reforça que a violência contra mulher começa em casa, é normalizada na mesma, minando a confiança dela e dificultando ainda mais sua chegada a cargos de liderança. "É, importantíssimo lembrar, que isso ocorre em todas as classes sociais e níveis de escolaridade, ou seja, é uma questão da sociedade, e não de um segmento social” relata.
Como agir
Ao ser vítima de violência política de gênero, a mulher deve ligar para o 180 e fazer sua denúncia, será encaminhada aos órgãos competentes e também fornece informações sobre o direito das mulheres, a ligação é gratuita e funciona 24 horas. Outra forma de buscar ajuda é entrar em contato com o fale conosco da Câmara dos Deputados, funciona todos os dias e a qualquer horário.
A presença de mulheres na mídia ajuda a pautar debates importantes no combate à violência política, como quais são os espaços que as mulheres têm para exercer a política, principalmente quando são mães e precisam fazer duplas, ou triplas jornadas.
A mídia tem um papel social de proporcionar discussões em cima de fatos específicos, como a revogação da lei de legítima defesa da honra, e mostrar situações de outros países, para ampliar o senso crítico da sociedade e promover mudanças.
Em relação à política, é necessário criar ambientes paras que as crianças possam exercer alguma atividade enquanto a mãe trabalha, ampliar as ações afirmativas e aumentar as leis que criminalizam de forma clara e severa, a violência política.
Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de Jornalismo da PUC-SP

Nas eleições de 2022, Andréa Werner foi eleita deputada estadual de São Paulo pelo Partido Social Brasileiro (PSB). Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), tornou-se ativista dos direitos das pessoas com autismo após receber o diagnóstico do seu filho Théo.
Quem é Andrea Werner antes da política?
Andréa é formada em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Em meados de 2001, mudou-se para São Paulo, cidade onde conheceu o seu marido e teve o filho, em razão do estágio que conseguiu como trainee da Unilever.
Em entrevista à Agência Maurício Tragtenberg (AGEMT), a militante comenta sobre a infância ‘com o pé no chão’. “Me mudei várias vezes de cidade”. Foi para Divinópolis, Governador Valadares, e BH, onde se formou. Ela desabafa como sua adolescência foi difícil. “Não me encaixa em nenhum grupo”.
No primeiro trimestre de 2023, a mãe de Theo recebeu o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) e conseguiu compreender melhor o seu passado. “ Uma pessoa completamente diferente de quem eu sou hoje”, complementa Werner.
O que a motivou a buscar ajuda psicológica foi a confirmação do diagnóstico de autismo de Théo, em 2010. Então, numa tentativa de compartilhar suas experiências como mãe de um autista, criou o blog “Lagarta Vira Pupa”, referência a um desenho que o filho amava. Sua voz ganhou apoio de outras mães e da comunidade brasileira do autismo. A jornalista discute sobre temas estigmatizados de uma forma simples, como o reconhecimento e a aceitação do autismo pelos familiares.
Entre 2016 e 2017, Andréa lançou dois livros, “Lagarta Vira Pupa: A vida e os aprendizados ao lado de um lindo garotinho autista” e "Meu amigo faz iiiii". Mas, segundo a deputada, escrever não preenchia o senso de justiça social carregado em seu peito e tampouco resolvia a desigualdade no Brasil. “Foi essa falta de me conformar com as coisas que me trouxe para a política.”, afirma Werner.
“Nos últimos anos, procurei parlamentares diversas vezes para apoiar e acolher pessoas com deficiência e suas famílias e sequer recebi atenção. Nunca havia espaço na agenda, até mesmo para resolver os casos mais graves. Essa causa, a nossa causa, não é prioridade na Alesp. Só vira prioridade para alguns na época da eleição.”, destaca Andréa em seu site oficial.
Andréa política
Em 2018, a mineira se candidatou à deputada federal pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), mas não garantiu sua entrada ao Congresso. Nas eleições de 2022, ela foi eleita como deputada estadual.
No primeiro ano de mandato, a deputada está ativa em alguns projetos de leis. Entre eles:
• Vedou a clausura da Lei dos Planos de Saúde que aprovava a rescisão unilateral de contrato de convênios durante a internação ou tratamento de alguns pacientes. A partir de agora, os planos precisam cobrir o cuidado dos beneficiários pelo menos até o fim do tratamento;
• Alterou a Política Estadual de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, incluindo pessoas com TDAH ao direito de acompanhamento psicológico em escolas;
• Foi contra a “Educação Especial”, decretada ainda no governo Bolsonaro, que apoia a separação por salas de pessoas com deficiência e neurodivergentes, que impedia a socialização e o convívio entre os jovens em escolas regulares.
Em seu 1.º projeto de lei aprovado na Alesp, Andréa se comprometeu a lutar pela voz de pessoas com deficiências e neurodivergências. No Projeto estão prevista algumas medidas, como:
• Garantia de que os alunos terão direito a acompanhante especializado;
• Imposição de multa a quem rejeitar matrícula de alunos com deficiência;
• Proibição da limitação de alunos com deficiência por sala.
A vida após o diagnóstico
Andréa compartilhou publicamente o diagnóstico de autismo ainda no primeiro semestre de 2023. Foram seis meses de avaliações psicológicas e um relatório de 29 páginas. Ela conta que recebeu apoio de colegas, mas que poucas pessoas falaram sobre o assunto. “Eles precisam de tempo para se acostumar e compreender o que é ter uma colega deputada autista”, relata a parlamentar do Gabinete da Inclusão.
Para ela, muitos de seus sintomas faziam referência ao Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), mas outros não encaixavam em nada. “O diagnóstico (de autismo) foi bom para eu entender coisas que sempre foram muito difíceis para mim.”
A deputada menciona também a dificuldade da medicina tradicional em diagnosticar principalmente mulheres, e utiliza de exemplo a própria experiência e de suas seguidoras, que enviam mensagens dizendo que os médicos sequer consideram uma avaliação neurológica porque ‘se comunicam muito bem’.
Andréa explica que a comunicação vai além da expressão verbal: “Não é só falar bem. É entender a troca, o assunto apropriado e a expressão facial do outro. É muito tenso ser uma pessoa que não consegue ler situações sociais de uma forma natural. Gera muita angústia. Mas hoje é normal: Eu sou uma mulher autista.”
No gabinete
Sobre a agenda de trabalho na Assembleia Legislativa, Andréa comenta que, desde o primeiro momento, foi muito bem recepcionada na casa pelos funcionários e outros parlamentares.
Em seu gabinete, a deputada põe em prática tudo aquilo que defende em seu ativismo social: a inclusão, a sensibilidade e a adequação do mercado de trabalho para pessoas autistas. O quadro de funcionários conta com pessoas diagnosticadas com TEA, TDAH e bipolaridade, toda a projeção e organização do espaço é pensado para tornar o dia a dia mais confortável para os trabalhadores.
O ambiente de trabalho possui luzes baixas e lâmpadas amareladas, que o tornam mais aconchegante e menos prejudicial para a fotofobia presente na sensibilidade sensorial autista. No cartão de contato dos funcionários é possível sentir o relevo tátil da escrita em braille.

Uma de suas pautas é repensar as formas de convenções sociais exigidas pelo mercado de trabalho, que exclui pessoas autistas por como se relacionam. “Eu já sofri muito no mercado com minha personalidade. Eu converso com todo mundo, mas é difícil para mim manter o sorriso social”, recorda. Assim, Andréa mostra respeito pelos limites dela mesma e de seus funcionários, a partir de ações que visem ajudar e deixar o âmbito profissional acolhedor.
“Metamorfose Ambulante” é como Andréa se define diante das transformações e que vive no momento. “Quando eu dei o nome do meu instituto de “Lagarta Vira Pupa”, eu achava que a lagarta era o meu filho e eu pensava que ele havia se fechado para o mundo em uma pupa e que ele podia ‘mudar’ com a terapia. Mas ele não precisa. Ele é lindo do jeito que ele é. Quem entrou na pupa, na verdade, fui eu. A lagarta nunca foi o Théo, sempre foi eu”.

Fonte: perfil no Instagram oficial da deputada
Estudantes integrantes do MUP (Movimento por uma Unidade Popular) realizaram uma assembleia aberta na prainha da PUC-SP, no dia 29/09, com o objetivo de denunciar a aprovação da deliberação 3/2023 do CONSAD, destinada aos próximos professores contratados, a qual traz mudanças que prejudicam principalmente professores negros e pardos que podem receber os primeiros salários já com uma diminuição de 20% do valor acrescido hora-aula na base de cálculo do fator de trabalho docente. Isso é, um profissional que recebe um salário de três mil reais, passará a ganhar apenas mil e quinhentos, 50% a menos. A relação com a causa racial acontece pois a Pontifícia Universidade Católica adotou recentemente uma política afirmativa de cotas, que busca chegar a porcentagem de 37% de docentes negros e pardos contratados no total de seu quadro. Sendo assim, a desigualdade racial entre professores negros e brancos pode ser agravada pela diferença de salário no exercício de uma mesma função dentro da instituição.