No primeiro domingo de março (10), ocorreu a 96ª edição do Oscar. A premiação é o reduto dos maiores filmes do ano de 2023, e encerra a disputa anual na corrida do cinema. Oppenheimer, filme de Nolan, emplacou como Melhor Filme, levando o diretor junto em Melhor direção. Mas nem tudo que brilha é ouro.
Tendo em vista que a premiação é muito mais do que apenas um “reconhecimento” da indústria para as melhores obras, é importante lembrar como a ela é, na verdade, um aviso para o mercado publicitário. E se a estatueta de Melhor Filme é um aviso coletivo, a de Melhor Direção é um aviso individual.
A verdade é que a vitória de Oppenheimer pouco fala sobre a obra em si. Ela é um aviso para a indústria: guerra, Estados Unidos e masculinidade dão certo. E Nolan, por mais que se destaque em obras anteriores, como Interestelar e A Origem, não deveria ser um exemplo de “prêmio DiCaprio”: ainda há tempo de ganhar com outros longas.
Ao analisar obras um pouco mais antigas, como Túmulo dos Vagalumes e Gen Pés Descalços, exibidos há 30 anos, e que tratam da perspectiva civil japonesa sobre a Segunda Guerra, é possível notar a tendência mercadológica da premiação com o filme. Oppenheimer é uma tentativa de retomada do brilho americano que Rambo entregou ao mainstream de presente, e que vende muito bem.
Um bom exemplo da situação é o fatídico Oscar de 2010, que concedeu a estatueta de Melhor Filme a Guerra ao Terror, deixando para trás dois filmes que valem uma análise mais detalhada: Avatar e Bastardos Inglórios.
O primeiro, sucesso de bilheteria, não emplacou por motivos óbvios: não adianta funcionar com o público, o prêmio vai ao filme que deveria ser um “modelo” para os próximos. É possível comparar a derrota de Avatar, na época, com a não-indicação de Barbie: a Academia não se importa muito com o que o público quer, mas com o que ele deveria querer.
A derrota do segundo, Bastardos Inglórios, dirigido por Quentin Tarantino, é de um estudo um pouco mais detalhado, no entanto. Vale lembrar que em 2008, os Estados Unidos passavam por uma crise econômica. O país do “orgulho capitalista” afundava. O público precisava de um filme “cereja do bolo”: algo que levantasse a moral estadunidense.
E é nesse tipo de momento que as dores do público americano devem ser acalentadas: o 11 de setembro ainda era ferida aberta no imaginário popular. Logo, nada melhor do que um filme sobre a invasão ao Iraque. Guerra ao Terror levantou a bandeira americana de “superação” que o público deveria querer. O resultado? 2011 foi o ano de lançamento do pupilo americano da Marvel: Capitão América. A guerra voltou ao mainstream.
É certo, no entanto, que a temática do americano “dono do mundo” vem sumindo aos poucos, e é aí que mora a cartada final da premiação: quer ganhar? Copie o que dá certo e venda.
Retomando uma última vez o tópico mercadológico do Oscar, é interessante a análise sobre O Menino e a Garça, de Miyazaki. É a segunda vez que o diretor ganha a premiação e se recusa receber o prêmio. A primeira ocorreu em 2003, ano da invasão ao Iraque. Miyazaki condenou a invasão, se recusou a ir ao evento, e deixou Cameron Diaz de braços vazios.
Vale analisar então por que a premiação escolheu este, ao invés de Homem Aranha: Através do Aranhaverso. O primeiro tópico é que a Academia normalmente decide não premiar filmes sem final: se Homem Aranha tivesse sido o último da trilogia das animações, o debate seria outro. Mas existe outro ponto nisso, que é o aviso da Academia com relação ao amor pela animação tradicional. O aviso, dessa vez, vai ao mainstream, que anda escondendo a Inteligência Artificial na porta dos fundos. Quantidade não é qualidade, e a produção fordista dos desenhos atuais não agrada.
Colocando uma lupa sob as outras categorias também, é um pouco contraditório ver o Oscar de Melhor Atriz indo à Emma Stone e o de Melhor Atriz Coadjuvante à Da’Vine. A verdade é que Yorgos, que emplacou Pobres Criaturas em outras categorias mais irrisórias, como maquiagem, logo sofrerá a sina de Scorsese, DiCaprio, e tantos outros: não ganhou quando deveria, e corre contra o tempo.
O espírito jovem de Pobres Criaturas e de Os Rejeitados não passa de uma brisa na tempestade que é o Oscar, isso é fato. Mas, muito além da vitória de Oppenheimer, a derrota de Pobres Criaturas tem a dizer também.
Pobres Criaturas não ter ganhado é, na verdade, um pouco óbvio: a obra não tem aquele formato quadrado que se espera de uma comédia, e decai nos olhos de Hollywood com a duração das cenas de sexo. É fato que entre as prováveis 20 ou 30 cenas sexuais que rolam no longa, a monotonia da sexualização que vemos em filmes como Blonde e o recente Ferrari não acontece: o que incomoda a crítica não é o sexo, mas a falta de sensualidade em Emma Stone.
A derrota de Lily Gladstone, portanto, é o aviso da vez na categoria de Melhor Atriz. A Academia não está preparada para “coroar” uma mulher indígena. Emma, apesar da brilhante atuação, foi o tapa-buraco perfeito.
A conclusão a que se chega é que, independente do gosto do público, a escolha do Oscar é uma montagem muito bem pensada sobre como a indústria cinematográfica deve andar: o que vende, quem vende, como vender e de qual forma. Oppenheimer é, portanto, apenas mais um dos acasos da Academia.
Na última sexta-feira (08), o intérprete carioca desembarcou em São Paulo, mais especificamente, no Tucarena, após uma temporada de sucesso no Rio de Janeiro, no Teatro Poeira, para apresentar o espetáculo “Todas as Coisas Maravilhosas”, sob direção de Fernando Philbert.
A trama se concentra em um garoto de sete anos que, ao notar que sua mãe está lutando contra a depressão, cria uma lista e enumera tudo o que, aos seus olhos, é maravilhoso. Seu objetivo é ajudá-la a reencontrar a alegria de viver. Conforme ele cresce, acaba sendo confrontado com os impactos que o estado mental de sua mãe teve sobre ele, refletindo sobre como isso o afetou.
A interação entre ator e espectador se mostra bastante evidente, e é justamente através dessa conexão que a performance evolui. Embora possa parecer um monólogo, a presença de Kiko somada à disposição da plateia em engajar-se na experiência, compõem e complementam as cenas, fazendo com que o ator improvise em diversos momentos.
O espetáculo aborda temáticas desafiadoras e complexas, com muita delicadeza e de forma sutil, ao mesmo tempo que incorpora nuances de humor, às vezes em um sentido até autodepreciativo, e que enriquecem a narrativa ao longo de seus setenta minutos.
É necessário enaltecer o trabalho magistral de Kiko, que, apesar de sua estatura não muito alta, expande sua presença quando pisa no teatro de arena. Sua habilidade extraordinária em retratar todos os gestos e maneirismos de uma criança é impressionante, mesmo estando encapsulado num corpo de homem adulto.
Por um lado, entrega uma performance que emociona, e por outro, arranca gargalhadas do público, e isso acontece quase que simultaneamente.
“Todas as Coisas Maravilhosas” merece ser vista e revista. Dificilmente você entra na sessão e sai do mesmo jeito. A sensação é quase como estar em uma sessão de terapia - daquelas que te balançam e te arrebatam.
Como a divulgação ‘’boca a boca’’ é sempre a mais eficaz, prestigiem este espetáculo e o divulguem. Mais pessoas merecem vivenciar essa experiência transformadora.
Para se programar: de quinta a sábado, às 21h, aos domingos, às 18h. Os ingressos estão disponíveis para vendas online e presenciais, tanto no aplicativo do Sympla como na bilheteria do teatro. Alunos da PUC-SP, inclusive, têm direito a um preço exclusivo, basta se identificar com os dados solicitados.
A 96ª edição do Oscar aconteceu no domingo (10), em Los Angeles, no Dolby Theatre. O evento contou com a apresentação de Jimmy Kimmel, Jessica Lange, Sally Field, Danny DeVito, Arnold Schwarzenegger e Nicolas Cage. No Brasil, a transmissão aconteceu pelo canal de TV fechada, TNT, e pelo streaming MAX (antiga HBO), com tradução simultânea feita por Robert Greathouse e comentários de Ana Furtado, Aline Diniz e Andréia Horta.
Os filmes com mais indicações durante a noite foram: Oppenheimer, liderando com 13 nomeações, Pobres Criaturas e Assassinos da Lua das Flores com 11 e Barbie com 8.
A começar pela categoria de Melhor Filme, os indicados foram: Ficção Americana, Anatomia de Uma Queda, Barbie, Os Rejeitados, Assassinos da Lua das Flores, Maestro, Oppenheimer, Vidas Passadas, Pobres Criaturas e Zona de Interesse.
O vencedor da categoria foi Oppenheimer, que já vinha carimbando como vencedora em quase todas as premiações anteriores, SAG (sigla para Screen Actors Guild), BAFTA (British Academy Film Awards), Critics Choice e Globo de Ouro.
O ator Al Pacino chamou atenção nas redes sociais, pois enquanto apresentava os indicados da categoria de Melhor Filme, o ator foi direto ao ponto, dando a vitória para o longa de Nolan, sem firulas. A quebra da tradição deixou os espectadores surpresos.
Os concorrentes à estatueta de Melhor Ator eram: Bradley Cooper por ‘’Maestro’’, Colman Domingo por ‘’Rustin’’, Paul Giamatti por ‘’Os Rejeitados’’, Cillian Murphy por ‘’Oppenheimer’’ e Jeffrey Wright por ‘’Ficção Americana’’.
O vencedor foi Cillian Murphy, que interpretou Robert Oppenheimer, coroando mais uma vitória para o ator na temporada de premiações.
Em Melhor Atriz, as indicadas foram: Annette Bening por ‘’NYAD’’, Lily Gladstone por ‘’Assassinos da Lua das Flores’’, Sandra Hüller por ‘’Anatomia de Uma Queda’’, Carey Mulligan por ‘’Maestro’’ e Emma Stone por ‘’Pobres Criaturas’’.
A vencedora foi Emma Stone. A atriz recebeu o seu segundo Oscar pelo papel de ‘’Bella Baxter’’ em Pobres Criaturas.
Lily Gladstone era uma forte candidata à estatueta por ter levado previamente o SAG (Screen Actors Guild) e o Globo de Ouro por sua atuação como ‘’Mollie Burkhart’’.
Em entrevista para a revista The New Yorker, ela disse: "é circunstancial que eu seja a primeira, mas certamente não serei a última. Se eu ‘chutei a porta’, eu vou apenas tentar continuar aqui e deixá-la aberta para todos os outros".
Se por um lado a categoria de Melhor Ator Coadjuvante ficou com Robert Downey Jr, por sua atuação em Oppenheimer, contra os indicados Sterling K. Brown (Ficção Americana), Robert de Niro (Assassinos da Lua das Flores), Robert Downey Jr. (Oppenheimer), Ryan Gosling (Barbie) e Mark Ruffalo (Pobres Criaturas), por outro, a de Melhor Atriz Coadjuvante foi para Da'Vine Joy Randolph, por Os Rejeitados. A estatueta não fugiu muito do roteiro já previsto em premiações anteriores na temporada. Da’Vine concorreu contra Emily Blunt (Oppenheimer), Danielle Brooks (A Cor Púrpura), America Ferrera (Barbie), Jodie Foster (NYAD), Da'Vine Joy Randolph (Os Rejeitados).
Em Melhor Direção, a competição parecia já ter sido decidida em premiações anteriores: Christopher Nolan (Oppenheimer) foi o vencedor da noite nesta categoria, contra Justine Triet (Anatomia de Uma Queda), Martin Scorsese (Assassinos da Lua das Flores), Yorgos Lanthimos (Pobres Criaturas) e Jonathan Glazer (Zona de Interesse).
Apesar da filmografia do diretor não ser pequena, este é seu primeiro Oscar. Nolan conseguiu construir uma narrativa em Oppenheimer que crie pequenos momentos de tensão, fazendo com que o espectador tenha toda a atenção voltada para a linha do tempo, e não só mergulhe no enredo principal da criação da bomba atômica, mas também na trajetória política de Robert Oppenheimer.
Na categoria de Melhor Filme Internacional, tivemos os longas: Io Capitano (Itália), Dias Perfeitos (Japão), A Sociedade da Neve (Espanha), The Teacher’s Lounge (Alemanha) e Zona de Interesse (Reino Unido), sendo Zona de Interesse o vencedor.
Em seu discurso, o diretor, Jonathan Glazer, defendeu o povo palestino e pediu pelo cessar-fogo em Gaza.
Em Melhor Roteiro Original, o filme Anatomia de Uma Queda ganhou de Os Rejeitados, Maestro, Segredos de um Escândalo e Vidas Passadas. E em Melhor Roteiro Adaptado, foi a vez de Ficção Americana levar o prêmio para casa.
Para Melhor Fotografia, os votantes da Academia escolheram Oppenheimer, mais uma vez. Os outros filmes indicados eram: El Conde, Assassinos da Lua das Flores, Maestro e Pobres Criaturas.
Na categoria de Melhor Montagem, entre Anatomia de Uma Queda, Os Rejeitados, Assassinos da Lua das Flores, Oppenheimer e Pobres Criaturas, o vencedor foi Oppenheimer.
Zona de Interesse levou a estatueta de Melhor Som, após muitas críticas positivas. O que Jonathan Glazer fez com nossos ouvidos durante o longa-metragem foi impressionante, a qualidade do instrumental que escutamos o tempo todo era capaz de nos teletransportar para a atmosfera do horror da Segunda Guerra Mundial.
Os indicados eram: Resistência, Maestro, Missão Impossível - Acerto de Contas Parte 1 e Oppenheimer.
Em Melhores Efeitos Visuais, Resistência, Godzilla Minus One, Guardiões da Galáxia Vol.3, Missão Impossível - Acerto de Contas Parte 1 e Napoleão disputavam pelo prêmio, mas o Godzilla Minus One foi o ganhador, provando que é possível fazer um bom filme com apenas 15 milhões de dólares de orçamento, valor bem inferior se comparado à outras produções indicadas. Essa foi a primeira vez, em 70 anos de franquia, que o filme japonês foi premiado.
Na categoria de Melhor Design de Produção estavam: Barbie, Assassinos da Lua das Flores, Napoleão e Oppenheimer, mas quem subiu no palco foi Pobres Criaturas.
Pobres Criaturas também ganhou em Melhor Cabelo e Maquiagem. O ator Willem Dafoe comentou em entrevistas que o processo da maquiagem para entrar no personagem demorava cerca de seis horas. Emma, por sua vez, revelou que usava um mix de extensões no cabelo, e sua maquiagem ou era “nada” ou tinha cores arroxeadas (para simular hematomas), verdes (para as veias que saltavam, de forma sutil) e rosas (para uma cor de saúde na pele). Pobres Criaturas levou também Melhor Figurino.
A figurinista Holly Waddington se inspirou na era vitoriana para criar os visuais de Bella Baxter, mas deixou de lado os espartilhos. Segundo ela, “se a intenção era fazer um filme feminista, colocá-la vestindo a peça só reforçaria ainda mais o estereótipo que todos conhecem do corpo da mulher visto de um jeito totalmente idealizado”. Com silhuetas bem ajustadas, roupas disruptivas, coloridas e exageradas, Holly fez com que o prêmio não pudesse pertencer a mais ninguém, se não a Pobres Criaturas.
Nas categorias de Melhor Trilha Sonora Original, a música instrumental de Ludwig Göransson fez Oppenheimer ganhar de Ficção Americana, Indiana Jones e a Relíquia do Destino, Assassinos da Lua das Flores e Pobres Criaturas; e em Melhor Canção Original, foi a vez de ‘’What Was I Made For’’ de Billie Eilish (que se tornou a pessoa mais jovem a ter duas estatuetas) para Barbie, que disputava com ‘’I’m Just Ken’’ do mesmo filme, ‘’The Fire Inside’’ de Flamin’ Hot: O Sabor que Mudou a História, ‘’It Never Went Away’’ de American Symphony e ‘’Wahzhazhe’’ (A Song For My People) de Assassinos da Lua das Flores.
O Menino e a Garça, Elementos, Nimona, Meu Amigo Robô, Homem Aranha: Além do Aranhaverso, estavam em Melhor Animação em Longa-Metragem. O Menino e a Garça, de Hayao Miyasaki, foi o vencedor nesta categoria.
O último Oscar do diretor foi há 21 anos, com ‘’A Viagem de Chihiro’’ (2001). No ano de 2003, ele também se recusou a ir presencialmente receber o prêmio, pois no passado, chegou a ir na contramão com atitudes dos Estados Unidos relacionadas à invasão do país no território do Iraque.
E War Is Over! Inspired by the Music of John & Yoko ganhou em Melhor Animação em Curta-Metragem, em que concorria com: Letter to a Pig, Ninety-Five Senses, Our Uniform, Pachyderme.
Em Melhor Curta-Metragem em Live Action, A Incrível História de Henry Sugar levou a estatueta. Os outros indicados foram The After, Invincible, Knight of Fortune, Red, White and Blue.
Esse foi o primeiro Oscar do diretor Wes Anderson em sua carreira.
A categoria Documentário contemplava duas categorias:
- Longa-Metragem, com 20 Dias em Mariupol sendo o vencedor, contra Bobi Wine: The People's President, The Eternal Memory, Four Daughters, To Kill a Tiger.
- Curta-Metragem, com A Última Loja de Reparações recebendo o prêmio contra: O ABC da Proibição de Livros, The Barber of Little Rock, Island in Between,Ni Nai & Wài Pó (Grandma & Grandma).
Houveram performances de canções de filmes indicados, com a de Ryan Gosling em destaque. Ele cantou a música-tema de seu personagem, ‘’I’m Just Ken’’, com a participação de Slash na guitarra.
Messi, o cachorro ator de Anatomia de Uma Queda, também marcou presença na cerimônia, mesmo após boatos nas redes sociais de que não compareceria. Tudo começou depois que o portal The Hollywood Reporter relatou que alguns estúdios de filmes indicados alegavam que a presença de Messi poderia ter aberto algum tipo de vantagem sobre o longa, ofuscando os outros atores humanos, durante o almoço dos indicados. Porém sua participação foi permitida, além de ter “roubado a cena”, ao aparecer “aplaudindo” Robert Downey Jr., por meio de uma edição gravada antecipadamente.
Ryan Gosling and the cast of "Barbie" perform "I'm Just Ken" at the #Oscars. https://t.co/UNgGySGz3r pic.twitter.com/00hd0Jw8cy
— Variety (@Variety) March 11, 2024
CURIOSIDADE: eles gravaram as cenas do messi antes da premiação para nao estressar o dog 🥰 #Oscars pic.twitter.com/cfH1NWHbwq
— @babevivis) March 11, 2024
Oppenheimer e Pobres Criaturas foram os mais premiados da noite, com sete e três estatuetas, respectivamente
Lançado em 2022, o livro Infocracia analisa as relações sociais e democráticas da era da tecnologia. Byung-Chul Han une em sua obra aspectos da política digital, da sociedade e da maneira em que a própria informação é manipulada nesse momento. Em cinco partes, o autor consegue analisar e descrever as questões em torno de cada situação em que as redes sociais e a tecnologia incidem na liberdade e na capacidade de gerir informações. “O sujeito submisso do regime de informação não é nem dócil, nem obediente. Ao contrário, supõe-se livre, autêntico e criativo. Produz-se e se performa”, enfatiza o autor. No primeiro capítulo, Han faz uma análise profunda da maneira como a sociedade começou a lidar com a liberdade. O mundo sempre viveu momentos de lutas constantes por liberdade, e finalmente na era da internet, ele “alcançou”. Pelo menos, é o que se parece.
Mas, a liberdade que as redes sociais costumam propagar faz parte de um modelo diferente. O autor compara o regime de informação com o regime disciplinar de Foucault, em que a sociedade não teria liberdade de se livrar da vigia. Mas, na sociedade da informação essa vigilância se desfaz em redes abertas, ou seja, nas redes sociais. A visibilidade é produzida então, pela conexão e não mais pelo isolamento.
A tecnologia funciona através de bases de dados, assim como as redes sociais, o que se torna uma grande ironia. A sensação de liberdade que se tem ao usar a internet, gera dados e só aumenta mais a vigilância. “Nos regimes de informação, as pessoas não se sentem, além disso, vigiadas, mas livres. Paradoxalmente, é o sentimento de liberdade que assegura a dominação. [...] A dominação se faz no momento em que liberdade e vigilância coincidem.”
Os influenciadores são hoje, o maior exemplo dessa dominação digital que Han frisa. Eles são adorados, tem fãs como se fossem donos de verdades e de identidades que todos gostariam de ter. A autenticidade no capitalismo moderno não existe mais. Todos querem ter a roupa de fulano, o mesmo cabelo de ciclano e a vida de beltrano, mas ainda sim, acreditam que isso é liberdade. Outra questão que pode ser relacionada com essa análise é a das recompensas digitais. Os usuários das redes anseiam por recompensas e por isso continuam alimentando sua necessidade. Por exemplo, quando uma foto é publicada no Instagram o usuário costuma receber likes por ela e assim, continua publicando para receber cada vez mais likes e seguidores. Mas por que esse tipo de recompensa só funciona na vida digital?
É simples. Ninguém é 100% verdadeiro no ambiente digital, os usuários mostram o que querem que seus seguidores vejam e achem que são na vida real. E talvez por decepção ou por não querer se decepcionar, criam a vida “perfeita” em um ambiente que não é nada verdadeiro. E assim, criam uma era do egoísmo, do ego inflado e da individualidade. No capítulo “O fim da ação comunicativa”, Han ainda problematiza essa questão da autopropaganda. “Levam igualmente a perda de empatia. Hoje, cada um presta homenagem ao culto de si mesmo. Cada um performa e se produz”. Ele usa o termo “tribos digitais”, para caracterizar esses grupos que criam uma falsa noção de identidade e liberdade e os espalham nas redes.
Mas tudo isso está atrelado a facilidade de criar e de espalhar as informações. Há uma crise da verdade quando toda e qualquer informação pode ser divulgada e assim, hoje, ela já chega nas pessoas com o pré conceito de desconfiança fundamental, termo que Han usa para explicar.
E não dá para esquecer que a crise da verdade é uma crise da sociedade. Ela gera diversos conflitos em uma democracia e acaba impedindo que seja feita da maneira correta e como tudo no cenário atual, se torna uma mercadoria. Como o autor explica, estamos presos em uma caverna digital, com muitas informações, mas sem verdade ou interpretação do que acontece. Tudo vira fútil no mundo digital e o que foi criado para facilitar e conectar pessoas, está individualizando e separando-as. Parece que na internet não há mais tempo para conversas sinceras ou exposições de verdades nuas e cruas. Quem se mostra realmente, é martirizado, leva uma enxurrada de comentários negativos que são frutos da toxicidade cultivada nos ambientes virtuais.
Isso deixa cada vez mais claro que a sociedade virtual quer continuar mantendo a mentira, a falsa vida e a falsa felicidade, porque se não existe na vida real, pode ser forjada em um ambiente que aceita esse tipo de “falsa liberdade”. Mas talvez, ainda falte pouco tempo para que as pessoas percebam que a liberdade das redes não é real, ela se esconde atrás de dados e informações roubadas de cada usuário e cada personalidade, que acaba sendo perdida no mundo real.
A digitalização cada vez mais intensa vivida nos dias atuais está presente em todas as esferas da vida e ajudou a inaugurar o capitalismo da informação, uma nova era em que são usados algoritmos por grandes empresas e companhias através de bases de dados; o importante é trabalhar através dos conceitos de informação. Essa interferência digital, que no início era tratada por muitos como algo meramente restrito ao ambiente virtual, tomou proporções enormes e atualmente já atinge o mundo off-line com consequências perigosas na política e nos processos de relacionamento dentro de uma sociedade.
No livro ‘Infocracia: Digitalização e a Crise da Democracia’ (Ed. Vozes, 2022), o autor e filósofo sul-coreano Byung-Chul Han traz como tema central a tese de que a maioria dos aspectos da digitalização vivida nos tempos de hoje ao redor do mundo ameaçam em muito as democracias como sistema político dominante no planeta. Han estudou Filosofia na Universidade de Friburgo e Teologia em Munique e escreveu diversas obras a respeito das relações entre as sociedades contemporâneas e o trabalho, as novas tecnologias, as dinâmicas sociais e o poder na era da pós-modernidade.
Percebe-se que o autor trata a questão da imersão digital relacionada aos problemas do sistema capitalista com uma visão extremamente pessimista e negativa. Inclusive, Han traz argumentos para rebater autores que encaram o tema com mais positividade, com teses como a de que a acessibilidade à internet pode conectar os cidadãos globais em favor de uma sociedade mais unida e eficiente.
O autor diz que tanto o conceito de inserção global quanto a imaginada formação de um coletivo consciente não passam de uma ilusão dos sonhadores. Na realidade, o que mais se enxergaria é a divisão de usuários em ‘enxames digitais’ que se comportam de maneiras radicais e promovem a organização de grupos em bolhas, quase impossibilitando o cruzamento de informações e opiniões distintas.
Quando essas informações de fato são apresentadas a grupos virtuais fechados, elas são rapidamente rebatidas com narrativas decoradas ou são simplesmente ignoradas. Isso se dá devido ao domínio da subjetividade na digitalização: fake news, chamadas sensacionalistas e frases ou falas retiradas de contexto motivam essa ruptura de um determinado grupo com uma grande parcela da sociedade que está ‘do outro lado’.
Esse comportamento é facilmente enxergado nos dias de hoje em grupos de Facebook ou WhatsApp, especialmente em épocas turbulentas da sociedade como períodos eleitorais ou debates sobre novas leis. Nos comentários de notícias, reportagens e até mesmo colunas opinativas, o que se vê são comentários odiosos, falácias repetidas quase que de maneira robótica e muito pouco de fato acrescentado ao debate. Outro ponto de crítica do autor é em relação a propagação de conteúdos cada vez mais rápidos e fragmentados; a atenção é dispersa e o foco é retirado por uma quantidade imensa de informações que chegam de todos os lados sem serem desenvolvidas da maneira adequada; o cérebro humano se habilita a receber muito conteúdo, mas não a interpretá-lo e parar para entendê-lo. A paciência de ler sobre algum determinado assunto por mais de um minuto já não se faz presente.
Esse fato é facilmente exemplificado pela ascensão do TikTok, aplicativo de vídeos curtos e sucintos que, muitas vezes, tenta resumir um assunto extremamente complexo a uma opinião de minutos ou até mesmo segundos. Filmes também são recortados e exibidos em forma de trechos no aplicativo, e o usuário sente que sabe de tudo quando, na verdade, não sabe muito sobre nada. O autor compara a época atual com as críticas feitas na época do domínio da televisão. Han reforça que, apesar da TV criar conflitos midiáticos e resumir muitos assuntos complexos a exposições visuais, ela não produzia notícias ou discursos confusos e falsos e não exercia tantas técnicas de dominação do espectador.
A grande manobra dos produtores e coletores digitais é passar uma falsa sensação de liberdade ao usuário, que se parar para se atentar vai perceber que não consegue mais sobreviver sem esse ciclo de informações e interações digitais. ‘Infocracia: Digitalização e a Crise da Democracia’ traz um alerta forte sobre as possibilidades bem perigosas que a digitalização e a imersão virtual da maneira que estão sendo feitas podem trazer para a humanidade em futuros a curto, médio e longo prazo. Muitas das estruturas que sustentam a base do sistema democrático podem estar em xeque com essa supervalorização do capitalismo de informação; os usuários devem tomar cuidado com o conteúdo que acessam, compartilham e replicam nas redes, além de buscar se informar e debater por outras plataformas e em bolhas diferentes da sua.