O número de refugiados no Brasil vem crescendo a cada ano. Só no ano de 2018, segundo a Agência da ONU Para Refugiados (ACNUR) foram relatadas 80 mil solicitações de reconhecimento de condição de refugiado no Brasil. Os grupos de maior número entre as solicitações são os venezuelanos (61.681), que saíram do país devido à crise humanitária, e os haitianos (7.030), cujo fluxo de migração se intensificou após o terremoto que atingiu o país em 2010.
A lei brasileira considera refugiado todo indivíduo que está fora de seu país de origem devido a guerras, terremotos, miséria e questões relacionadas a conflitos de raça, religião, perseguição política, entre outros motivos que violam seus direitos humanos. Isso pode acontecer, por exemplo, quando a vida, liberdade ou integridade física da pessoa corria sério risco no seu país.
Para que o imigrante seja reconhecido como refugiado, é necessário enviar uma solicitação para o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE). O processo de reconhecimento, que antes era mais burocrático e mais demorado, atualmente é feito no site do Ministério da Justiça, a partir do preenchimento do formulário que pode ser feito ainda no país de origem. Todas as etapas podem ser acompanhadas pela internet, mas para o processo começar a tramitar, o solicitante deverá comparecer pessoalmente a uma unidade da polícia federal.
Dentre a população refugiada reconhecida no Brasil, segundo o censo da ACNUR de 2018, a maioria se concentra nas faixas etárias de 30 a 59 anos (41,80%), seguido de pessoas com idade entre 18 a 29 anos (38,58%). Do total, 34% são mulheres e 66% são homens, ressaltando os sírios, os congoleses como nacionalidades em maior quantidade (respectivamente 55% e 21%).
Em janeiro de 2020, o Brasil tornou-se o país com maior número de refugiados venezuelanos reconhecidos na América Latina, cerca de 17 mil pessoas se beneficiaram da aplicação facilitada no processo de reconhecimento, segundo a Agência da ONU para Refugiados. As autoridades brasileiras estimam que cerca de 264 mil venezuelanos vivem atualmente no país. Uma média de 500 venezuelanos continua a atravessar a fronteira com o Brasil todos os dias, principalmente para o estado de Roraima.
Apesar de em grande quantidade, apenas 215 municípios têm algum tipo de serviço especializado de atenção a essa população. As maiores dificuldades encontradas por pessoas refugiadas são a adaptação com o mercado de trabalho, com o aprendizado do idioma, o preconceito e a xenofobia, educação (muitos possuem diplomas em seus países de origem que não são aceitos aqui no Brasil), moradia e saúde.
Covid-19 e o amparo aos refugiados
Diante de um quadro de crise em escala global, como o que acontece este ano com a pandemia da Covid-19, essa população de migrantes e refugiados, que já se encontram em extrema vulnerabilidade, conta com o apoio de poucas instituições voltadas especialmente para suas necessidades. Este é o caso da Missão Paz, uma instituição filantrópica de apoio e acolhimento a imigrantes e refugiados, com uma das sedes na cidade de São Paulo, como conta o padre Paolo Parise.
Nascido e criado na Itália, Parise atua desde 2010 na Missão Paz, atualmente como um dos diretores, e explica que esta instituição está ligada a uma congregação da Igreja Católica chamada Scalabrinianos, que atua com imigrantes e refugiados em 34 países do mundo. “Na região do Glicério - município do estado de São Paulo-, a obra se iniciou nos anos 30 e atualmente está presente em Manaus, Rio de Janeiro, Cuiabá, Brasília, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Foz do Iguaçu, Corumbá e outros lugares.”
Sua estrutura atual conta com a Casa do Migrante, um abrigo com capacidade de 110 indivíduos que são acolhidos com alimentação, material de higiene pessoal, roupas, aulas de português, acompanhamento de assistentes sociais e apoio psicológico; e o Centro Pastoral e de Mediação dos Migrantes (CPMM) que oferece atendimento e serviços voltados aos imigrantes, quanto aos seguintes temas: documentação e jurídico; trabalho, capacitação e cidadania; saúde; serviço social; família e comunidade. “Além disso, temos a área de pesquisa em parceria com a revista Travessia, que é o Centro de Estudos Migratórios (CEM), uma biblioteca especializada em migração e a WebRadio Migrantes”, completa Pe. Paolo.

De acordo com o diretor, o maior desafio enfrentado pela instituição, durante a pandemia, foi com a saúde dos refugiados, principalmente pela impossibilidade de viver a quarentena isoladamente, já que muitos vivem em ocupações ou em lugares com muitas pessoas concentradas. Ele ainda denunciou que, dentre tantas vítimas da Covid-19 em São Paulo, um dos grupos mais afetados foi o de imigrantes bolivianos, “muitos foram contaminados e muitos morreram”.
Diante de instabilidades políticas e econômicas, atualmente, sírios e venezuelanos são as principais nacionalidades afetadas que solicitam entrada no país. O que ratifica o Pe. Parise, “Falando pela Missão Paz, se você utiliza o termo ‘refugiados’, o maior grupo neste momento é de venezuelanos, sejam os que foram acolhidos pela missão paz, sejam os que estão entrando no Brasil. E depois encontramos outros grupos como da República Democrática do Congo. Mas se falamos de imigrantes, temos Colombianos, Bolivianos, Paraguaios, Peruanos, Angolanos e de outros países que estão recorrendo ao Brasil.”
Mesmo com mudanças críticas, no cenário jurídico e político brasileiro, para que esta população seja recebida no país e tenha seus direitos respeitados, ainda não se pode falar em auxílio do governo ou medidas diretas de apoio a refugiados e imigrantes.
Paolo relembra a criação de leis que têm beneficiado a população no Brasil. Uma delas é a lei municipal Nº 16.478 de 2016, onde o Prefeito do Município de São Paulo, Fernando Haddad, instituiu a Política Municipal para a População Imigrante que garantia a esses o acesso a direitos sociais e aos serviços públicos, o respeito à diversidade e à interculturalidade, impedia a violação de direitos e fomentava a participação social; e a outra é a lei federal Nº13.445 de 2017, ou a nova Lei de Migração, que substitui o Estatuto do Estrangeiro e define os direitos e deveres do migrante e do visitante, regula a sua entrada e estada no País e estabelece princípios e diretrizes para as políticas públicas para o emigrante.
A Missão Paz se mantém através de projetos e dinheiro injetado pela congregação da Igreja Católica. “Neste momento, a Missão Paz não recebe apoio financeiro nem do município, nem do estado e nem do Governo Federal”, relata Parise. Durante a pandemia receberam ajuda da sociedade civil, “[A Instituição] Conseguiu muitas doações de pessoas físicas, de instituições, de campanhas, fosse em dinheiro, em cestas básicas ou kits de higiene pessoal”, e com 200 cestas básicas, por mês, da Prefeitura de São Paulo. Também receberam ajuda com testes de COVID em nível municipal.
A instituição filantrópica ainda conta com a ajuda de vários parceiros, como explica seu diretor “na área de incidências políticas, por exemplo, nós atuamos com a ONG Conectas Direitos Humanos, temos na área de refugiados um projeto com a ACNUR, estamos preparando outro com a OIM (Organização Internacional para as Migrações) e temos algumas ações com a Cruz Vermelha”.
Desde o começo do ano, já atenderam por volta de 7 mil imigrantes e refugiados, e, hoje em dia, tem por volta de 40 pessoas na Casa, o que representa ⅓ da capacidade total. Além disso, entregam de 50 a 60 cestas básicas a refugiados, diariamente, e ao redor de 60 a 70 que vão, por dia, procurar os serviços do CPMM. “Outras ações incluíram a disponibilização de atendimentos online, de aulas de português a atendimentos jurídicos, psicológicos ou serviços sociais, além de ajudar a completar aluguel, água ou luz daqueles que precisam da ajuda da instituiçã”, fala Padre Paolo.
Todo esse esforço e dedicação da instituição foi feito, sempre, visando seguir as normas de segurança e as indicações da OMS (Organização Mundial da Saúde). Foram fornecidos a seus funcionários e a população migrante e de refugiados álcool para higienizar as mãos, máscaras e demais equipamentos e serviços de proteção e higiene.
Como qualquer outro país o Brasil também enfrenta diversos problemas sociais, um destes problemas é a exclusão de deficientes. Segundo levantamento do IBGE de 2010 o país tem 46 milhões de pessoas que declaram ter algum tipo de deficiência, este número equivale a 24% da população.
Este grupo da sociedade enfrenta barreiras todos os dias e são excluídos de atividades básicas do dia a dia, como em atividades escolares. O diretor de patrimônio da Associação dos Policiais Militares Portadores de Deficiência do Estado de São Paulo (APMDFESP) e cabo da polícia militar reformado Alexandre Miragaia de Araújo acredita que a sociedade em que vivemos está longe de ser inclusiva e que não podemos confundir a boa vontade de poucas pessoas com a tão sonhada inclusão “A exclusão já começa na infância com as súplicas de pais por uma vaga em escolas”.
O também policial militar reformado e hoje presidente da Associação dos Policiais Militares Portadores de Deficiência do Estado de São Paulo (APMDFESP) Antônio Figueiredo Sobrinho, acredita que aos poucos a sociedade está caminhando para uma maior inclusão, principalmente no trabalho já que existem os sistemas de cota, mas que ainda estamos longe de atingirmos a inclusão total.
A sociedade infelizmente ainda enxerga os deficientes como incapazes e diferentes, muitas empresas preferem pagar a multa por não cumprir a lei de cotas do que contratar alguém que se declara deficiente. Na escola é a mesma coisa, as instituições não colocam seus alunos deficientes em eventos por julgarem que a criança é incapaz de se misturar.
Para Araújo e Figueiredo o poder financeiro ainda é um fator determinante da inclusão, ele que proporciona maior qualidade de vida, viabiliza a mobilidade e facilita o acesso a informações.
A falta de sensibilidade para o assunto também reflete na mídia. Araújo acha que a quantidade de reportagens sobre o assunto está se tornando constante, mas que ainda vemos uma quantidade enorme de ONGs e políticos serem representantes do assunto ao invés dos próprios deficientes que superam seus limites todo dia “Não nos sentimos representados por toda essa gama de pessoas”.
Figueiredo por outro lado acredita que os conteúdos das matérias são sempre superficiais “Falam de maneira que o conteúdo seja para beneficiar outros”, para ele esta minoria da sociedade ainda não tem crédito de valor.
O pouco interesse da sociedade sobre o assunto é uma realidade triste do Brasil, difícil vermos planos de governo que incluam medidas que irão beneficiar este grupo além de cotas. Há poucas medidas para a mobilidade nas ruas e estabelecimentos, o que dificulta o acesso e mantém as barreiras do preconceito. Araújo acredita que existe uma preocupação dos governantes, mas não se vê como programa de relevância “Não tem uma formatação de Leis com nossa realidade e ficamos na dependência de ações isoladas”.
Já Figueiredo acredita que a história está mudando e que não irá demorar muito para eles serem incluídos como pessoas normais na sociedade.
A luta pela inclusão é de todos nós e devemos cada vez mais nos preocupar em ter uma sociedade onde todos são vistos e tratados como iguais. O Brasil ainda tem uma grande caminhada e ela é agenda de todos.
A pandemia pegou toda a população mundial de surpresa e logo mostrou à que veio. Se não apenas para mostrar como somos tão frágeis diante de um organismo ínfimo – Mas com um poder destrutivo voraz – deixou escancarado as diferenças de classe e a fragilidade dos sistemas econômicos. Em meados de março, com o primeiro caso de COVID-19 em São Paulo, iniciou-se uma corrida por suprimentos, o que causou o desabastecimento de algumas redes de supermercado. Ao longo das semanas seguintes, foi visto que a histeria foi exagerada.
Mas será mesmo?
Na periferia de São Paulo (Sapopemba), comerciantes sentiram o impacto ocasionado pela pandemia de maneira singular. Por serem de pequeno porte, sem estrutura para manterem estoques de emergência e sem poder para realizar a reposição perante as grandes redes de supermercado. “Em março e abril as vendas foram surpreendente, nunca, nos 26 anos que mantenho meu mercado, houve uma busca tão grande por alimentos não perecíveis (Arroz, feijão, farinhas), diferentemente do que era mostrado na TV, não tivemos tanta busca por produtos de higiene pessoal” - Carlos Alberto (65), proprietário de um mercado no Jd. Elba.
Outro grande problema relatado, foi que nos meses seguintes, houve um aumento no valor, justamente nos itens da cesta básica (Arroz, feijão, óleo), e dessa forma, um malabarismo para minimizar o valor do repasse desse aumento ao consumidor foi realizado. “Aqui na região, as pessoas são mais simples, muitos idosos e crianças, mães solteiras, muitos desempregados que vivem de bico ou de favor. Vejo a dificuldade que tem para vir comprar o básico. Me corta o coração, mas também não posso deixar de pagar meus funcionários, as contas de meu comercio. Por isso, nos últimos meses, tenho trabalhado no limite do limite do repasse do reajuste dos valores. Tenho tentado ser o mais patriota o possível, como pediu o presidente, mas com todos os encargos e impostos, é impossível” – Carlos Alberto.
Outra situação muito comum nessa região foram as maneiras de driblar possíveis fiscalizações de descumprimento de manter comércios não essenciais fechados. Foi muito comum encontrar salões de cabelereiro, restaurantes, bares, bazares e todos os tipos de comércios com as portas abertas ou semiabertas. Alair Jorge (25) mantem um salão de cabelereiro, de onde vem seu sustento, da esposa Jussara (23), dona de casa e seus quatro filhos. “Já tenho uma clientela fiel, que marcam horário pelo Zap (WhatsApp) e não poderia deixá-los na mão, além do mais, é daqui que tiro meu sustento. O auxílio emergencial do governo veio em uma hora boa, mas se eu deixasse de atender quem me chamasse no zap, com certeza esse iria buscar por outro cabelereiro.”
Ao ser questionado sobre uma possível fiscalização, Alair diz: “Mano, aqui é favela, os caras da prefeitura só aparecem por aqui de quatro em quatro anos, para pedir voto.”
Diferente de regiões centrais, comerciantes periféricos tiveram suas dificuldades durante a pandemia, mas também tiveram que se adequar para manter seus comércios em funcionamento.
Em meio a uma pandemia que têm colocado em risco a existência de comunidades isoladas, ações do STF (Supremo Tribunal Federal), como a votação da tese do Marco Temporal, que dificulta a demarcação de terras, e o aumento do desmatamento, as candidaturas indígenas cresceram 28% em relação às eleições de 2016. Sendo assim, a etnia deixou de ser a menos representada em cargos eletivos, com 2.177 candidaturas, segundo a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).
De acordo com a APIB, o aumento da população indígena na participação das eleições municipais é concomitante ao aumento dos ataques aos seus direitos em meio a pandemia de Covid-19. Segundo dados atualizados no dia 30 de outubro, foram 32.446 casos confirmados e 866 óbitos por Covid-19 entre os povos indígenas, que enfrentam, além da pandemia, desde escassez de água, como é o caso da comunidade Avá Guarani, no Paraná, até uma estrada irregular que avança por Terra Indígena no estado do Maranhão.
Os representantes indígenas nas eleições deste ano vêm com uma pauta em comum: a retomada da demarcação dos territórios. Para Chirley Pankará, primeira indígena co Deputada Estadual em São Paulo, a demarcação de terras é uma das maiores causas e lutas. Segundo a co Deputada, só assim é possível haver políticas públicas voltadas para atender as necessidades indígenas, além de, também ressaltar que, mesmo em contextos urbanos, a demarcação é importante devido à ancestralidade e história do povo.
Essa conquista de espaço no poder poder público têm ganhado forças com o surgimento de alguns nomes nos últimos tempos, como o de Sônia Guajajara, vice do candidato a presidência, Guilherme Boulos, nas eleições de 2018. Porém, apesar da visibilidade e credibilidade que isso tem gerado, de acordo com a co Deputada, as dificuldades nas eleições são muitas para quem é indígena, principalmente pela falta de apoio financeiro.
Para incentivar e dar suporte às candidaturas, a APIB lançou a Campanha Indígena, de caráter suprapartidário, um mês antes do primeiro turno das eleições municipais. A Articulação alega que as candidaturas e as defesas dos direitos indígenas são mais importantes do que o partido ao qual o candidato está filiado.
Candidatura coletiva
Oficialmente, não é possível haver um mandato de mais de uma pessoa, mas, desde 2018, as candidaturas coletivas têm ganhado espaço nas eleições. Ela acontece por meio de campanhas eleitorais, quando integrantes de um mesmo partido fazem um acordo para conseguir votos coletivamente. Caso o representante seja eleito, todo o grupo que faz parte da candidatura coletiva terá participação nos assuntos que permeiam a câmara.
Em 2018, São Paulo e Pernambuco foram os primeiros estados a elegerem um mandato coletivo, caso da co Deputada Chirley Pankará, da Bancada Ativista. Segundo a eleita, as candidaturas coletivas abrem caminho para grupos minoritários.
Nas eleições municipais deste ano, apenas em São Paulo há pelo menos 34 chapas únicas com mais de um participantes, principalmente vindos de partidos de esquerda, coletivos da periferia, movimentos sociais e indígenas.
Marco Temporal
Sendo defendido principalmente por ruralistas e setores interessados na exploração de terras, o marco temporal é uma tese que se associa a pauta de demarcações de terras indígenas, visto que restringe essa possibilidade.
Com a aprovação dessa tese pelo STF, os povos indígenas teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data em que foi promulgada a atual Constituição Brasileira, ou que, nesse mesmo dia estivessem sob disputa física ou judicial comprovada. Porém, antes dessa Constituição, povos indígenas eram tutelados pelo Estado e não tinham autonomia para, judicialmente, lutar pelos seus direitos.
O julgamento do Marco Temporal havia sido incluído na pauta do dia 28 de outubro de 2020, sendo retirado dois dias depois e, atualmente, está sem data prevista.
Com a chegada do Coronavírus ao Brasil, um dos setores que mais sofreu com as novas configurações impostas foi o editorial, que anteriormente já vinha enfrentando dificuldades. Entre 2006 e 2019, o mercado viu uma diminuição em 20% da receita, segundo dados da Pesquisa de Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, coordenada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL).
A possível taxação sobre livros proposta pelo governo federal também pode agravar a crise no mercado editorial brasileiro. De acordo com o projeto do ministro da economia, Paulo Guedes, seria criado o imposto de Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), que gera uma taxa de 12% sobre os livros. Em um país em que a leitura não é incentivada e o acesso a livros é dificultado pela desigualdade social, o medo é de que o imposto afaste até mesmo os consumidores do mercado nacional. Desde 2004, a lei Lei do Pis/Pasep proíbe a criação de impostos sobre obras literárias.
Felipe Vale, editor da Editora Aetia, conta como a empresa está enfrentando a crise do mercado, a pandemia e o cenário político. Sendo uma editora de nicho focada em literatura alemã, afro-americana e temas políticos da esquerda revolucionária, viu a diminuição da procura do público acadêmico. “Conforme a administração Weintraub destruía a educação brasileira e cortava todas as verbas possíveis, nosso público perdeu poder de compra. Sentimos a queda na hora. A pandemia só intensificou isso”, afirma o editor.
A situação não afetou apenas as editoras, o que gerou um efeito cascata. Vendedores e revendedores deixaram de repassar as vendas, o que até abril deixou a editora com renda gerada apenas por vendas diretas, freelancer com tradutores e o que vinha da loja virtual. Para Felipe, isso acarretou mudanças de vida: “Eu, que morava em São Paulo com minha esposa, tive que sair da cidade por não conseguir mais pagar aluguel. A editora está funcionando em Londrina/PR e SP/capital agora, por conta disso”. A paralisação de feiras de livros e eventos de contato direto com o público garantem parte substancial da renda de muitas editoras de nicho e editoras ligadas a causas sociais, como a Aetia.
Para driblar a crise, em maio as campanhas de financiamento viraram alternativa de geração de capital. A editora, que conta com três funcionários, viu na utilização da plataforma Catarse.me um meio de pagar as contas mensais e os salários. Neste ano foram três campanhas, a primeira, segundo Felipe, alcançou um resultado satisfatório. Já a segunda teve um sucesso inesperado. “Mas isso se deve mais ao título: uma obra inédita de Marx e Engels, que teve apoio direto do Partido Comunista Brasileiro e inúmeras pessoas que compartilharam o link de boa vontade”, explica. Em setembro foi lançada a terceira, e a expectativa é de que elas possam ocorrer a cada dois meses.

Somada às campanhas, a divulgação nas redes sociais por meio de postagens e boots no Instagram e Facebook - esse último sem o resultado esperado, de acordo com o editor - acentuou a importância do meio digital para a sobrevivência no mercado editorial em tempos de isolamento social. “Antes dávamos mais atenção ao público direto, já que a participação em feiras de livro, assentamentos sem-terra, espaços livres de universidades e shows diversos eram as ocasiões em que vendíamos mais”.
Os acontecimentos dos últimos meses, como os protestos ligados ao movimento “Black Lives Matter” e aqueles contra o fascismo, permitiram o aumento da procura por livros relacionados a esses assuntos. Na editora Aetia, por exemplo, oito títulos contemplam essas temáticas. “Tanto a quarentena, quanto a péssima administração do governo atual e eventos globais anticoloniais e antirrascistas aparentemente fizeram o restante dos ausentes se revoltarem de vez e começar a ler sobre formas de resistência”. Mas a percepção é de que a procura esteja restrita a um público. “Estou falando sobre o público acadêmico, de 19 a 45 anos mais ou menos, que geralmente compra nossos livros. Depois da morte de George Floyd e de João Victor, algumas pessoas passaram a pedir informações e ir atrás de nossos livros de literatura antirracista”, completa.

Para o editor, a situação do mercado está longe de se normalizar. Felipe expõe também o que acontece ao setor lojista, afetado pelo fechamento do comércio. “Os lojistas vão demorar um bocado para se recuperarem: temos distribuição em São Paulo, Maranhão, Bahia, RJ e Paraná, todos são gente próxima e compartilham conosco como está difícil. Alguns já fecharam suas lojas e estão trabalhando remotamente, com vendas online apenas. Isso é uma tristeza”.
O apoio do público em geral às editoras independentes é um dos principais caminhos para se evitar o agravamento dos problemas de um setor já tão desvalorizado no país. “Mas, conversando com colegas de Ponta Grossa/PR, Foz do Iguaçu/PR e São Paulo/SP, gente na mesma situação que nós, constatamos que muitos clientes começaram a apoiar editoras menores com maior afinco. A editora Monstro dos Mares está se mantendo com financiamento de leitores e amigos, por exemplo; isso é bem legal”, finaliza Felipe
Já para Caio Ramos da Editora Faro, a crise das grandes livrarias era uma verdadeira dificuldade, mas que não chegou a envolver os leitores. “As pessoas continuavam lendo e comprando. Porém, o que acontecia é que o grande faturamento de muitas editoras dependia principalmente da Saraiva”, conta ele. O colapso da Saraiva em 2018 levou a editora Faro a se programar para um novo plano de ação que dependesse menos das grandes redes e, sim, procurasse investir em pontos alternativos de mercado.
De acordo com Caio, a procura pelos livros de autoajuda e desenvolvimento pessoal aumentou as vendas de maneira geral, já que os leitores em quarentena passaram a ter muito mais tempo livre para dedicar a seus interesses próprios. A Faro se mostra otimista e já acredita em uma melhora no mercado editorial de forma gradativa: “A venda de livros nas livrarias vem aumentando. Muitas livrarias aprenderam a se reinventar para atender a nova necessidade do mercado, como o atendimento por delivery, por exemplo”.
Diferente do pensamento comum que atribui a culpa aos brasileiros por lerem pouco, a Associação Nacional de Livros (ANL), que promove mensalmente um estudo sobre o comportamento do varejo de livros no Brasil, constatou que a busca por livros vem aumentando ano a ano no país. O que acontece é que o modelo de negócio das livrarias brasileiras está enfrentando transtornos. Em 2018, as duas maiores redes no país, Livraria Cultura e Saraiva, entraram com processo de recuperação judicial, sendo que quatro em cada dez dos livros vendidos no país passam por essas lojas. Essa quebra arrasta toda a cadeia editorial, altamente dependente desse oligopólio que hoje não está mais conseguindo se sustentar.
“Temos que ter claro que o mundo não acabou, não é estático. Tem renovação e adaptação permanente às exigências do consumidor”, disse em entrevista Bernardo Gurbanov, o presidente da ANL. Segundo ele, um dos movimentos que tende a ganhar força é volta da ampliação da rede de pequenas livrarias, visto que estão aparecendo muitas lojas novas ao mesmo tempo em que as novas gerações, interessadas por livros e ambientes culturais, chegam ao mercado de trabalho. “Também podemos pensar no comércio online das próprias editoras que precisam escoar seus produtos. Não digo que sejam estratégias definitivas e nem a salvação da pátria. Mas são saídas, tal como maior participação em eventos literários, feiras, enfim, uma maior aproximação com o consumidor vai ser essencial”, completa.
Com o objetivo de contornar as adversidades causadas pela chegada do COVID-19 no Brasil, muitas editoras estão optando por adiamentos ou lançamentos em e-books não planejados. Segundo a pesquisa feita em abril pela Liga Brasileira de Editoras (LIBRE), com foco na região sudeste, que visa compreender o impacto da pandemia na área financeira das editoras independentes, 81% dessas estão com algum atraso em seus recebimentos fazendo com que 88% das editoras decidissem pelo adiamento dos lançamentos ainda esse ano e 39% escolhessem incluir edições no formato digital que não eram planejadas.
Segundo a pesquisa Conteúdo Digital do Setor Editorial Brasileiro ano-base 2019, conduzida Câmara Brasileira do Livro (CBL) e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), o faturamento de e-books, audiolivros e outros formatos digitais foi de R$ 103 milhões, 140% a mais quando comparado com os resultados de 2016 (com variação de IPCA em 115%. Foram vendidos 4,7 milhões de unidades, 96% delas em formato e-book e 4% em audiolivro. Hoje, ainda de acordo com a pesquisa, os meios digitais representam 4% do mercado editorial, bem como seu faturamento.