Com a chegada do Coronavírus ao Brasil, um dos setores que mais sofreu com as novas configurações impostas foi o editorial, que anteriormente já vinha enfrentando dificuldades. Entre 2006 e 2019, o mercado viu uma diminuição em 20% da receita, segundo dados da Pesquisa de Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, coordenada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL).
A possível taxação sobre livros proposta pelo governo federal também pode agravar a crise no mercado editorial brasileiro. De acordo com o projeto do ministro da economia, Paulo Guedes, seria criado o imposto de Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), que gera uma taxa de 12% sobre os livros. Em um país em que a leitura não é incentivada e o acesso a livros é dificultado pela desigualdade social, o medo é de que o imposto afaste até mesmo os consumidores do mercado nacional. Desde 2004, a lei Lei do Pis/Pasep proíbe a criação de impostos sobre obras literárias.
Felipe Vale, editor da Editora Aetia, conta como a empresa está enfrentando a crise do mercado, a pandemia e o cenário político. Sendo uma editora de nicho focada em literatura alemã, afro-americana e temas políticos da esquerda revolucionária, viu a diminuição da procura do público acadêmico. “Conforme a administração Weintraub destruía a educação brasileira e cortava todas as verbas possíveis, nosso público perdeu poder de compra. Sentimos a queda na hora. A pandemia só intensificou isso”, afirma o editor.
A situação não afetou apenas as editoras, o que gerou um efeito cascata. Vendedores e revendedores deixaram de repassar as vendas, o que até abril deixou a editora com renda gerada apenas por vendas diretas, freelancer com tradutores e o que vinha da loja virtual. Para Felipe, isso acarretou mudanças de vida: “Eu, que morava em São Paulo com minha esposa, tive que sair da cidade por não conseguir mais pagar aluguel. A editora está funcionando em Londrina/PR e SP/capital agora, por conta disso”. A paralisação de feiras de livros e eventos de contato direto com o público garantem parte substancial da renda de muitas editoras de nicho e editoras ligadas a causas sociais, como a Aetia.
Para driblar a crise, em maio as campanhas de financiamento viraram alternativa de geração de capital. A editora, que conta com três funcionários, viu na utilização da plataforma Catarse.me um meio de pagar as contas mensais e os salários. Neste ano foram três campanhas, a primeira, segundo Felipe, alcançou um resultado satisfatório. Já a segunda teve um sucesso inesperado. “Mas isso se deve mais ao título: uma obra inédita de Marx e Engels, que teve apoio direto do Partido Comunista Brasileiro e inúmeras pessoas que compartilharam o link de boa vontade”, explica. Em setembro foi lançada a terceira, e a expectativa é de que elas possam ocorrer a cada dois meses.

Somada às campanhas, a divulgação nas redes sociais por meio de postagens e boots no Instagram e Facebook - esse último sem o resultado esperado, de acordo com o editor - acentuou a importância do meio digital para a sobrevivência no mercado editorial em tempos de isolamento social. “Antes dávamos mais atenção ao público direto, já que a participação em feiras de livro, assentamentos sem-terra, espaços livres de universidades e shows diversos eram as ocasiões em que vendíamos mais”.
Os acontecimentos dos últimos meses, como os protestos ligados ao movimento “Black Lives Matter” e aqueles contra o fascismo, permitiram o aumento da procura por livros relacionados a esses assuntos. Na editora Aetia, por exemplo, oito títulos contemplam essas temáticas. “Tanto a quarentena, quanto a péssima administração do governo atual e eventos globais anticoloniais e antirrascistas aparentemente fizeram o restante dos ausentes se revoltarem de vez e começar a ler sobre formas de resistência”. Mas a percepção é de que a procura esteja restrita a um público. “Estou falando sobre o público acadêmico, de 19 a 45 anos mais ou menos, que geralmente compra nossos livros. Depois da morte de George Floyd e de João Victor, algumas pessoas passaram a pedir informações e ir atrás de nossos livros de literatura antirracista”, completa.

Para o editor, a situação do mercado está longe de se normalizar. Felipe expõe também o que acontece ao setor lojista, afetado pelo fechamento do comércio. “Os lojistas vão demorar um bocado para se recuperarem: temos distribuição em São Paulo, Maranhão, Bahia, RJ e Paraná, todos são gente próxima e compartilham conosco como está difícil. Alguns já fecharam suas lojas e estão trabalhando remotamente, com vendas online apenas. Isso é uma tristeza”.
O apoio do público em geral às editoras independentes é um dos principais caminhos para se evitar o agravamento dos problemas de um setor já tão desvalorizado no país. “Mas, conversando com colegas de Ponta Grossa/PR, Foz do Iguaçu/PR e São Paulo/SP, gente na mesma situação que nós, constatamos que muitos clientes começaram a apoiar editoras menores com maior afinco. A editora Monstro dos Mares está se mantendo com financiamento de leitores e amigos, por exemplo; isso é bem legal”, finaliza Felipe
Já para Caio Ramos da Editora Faro, a crise das grandes livrarias era uma verdadeira dificuldade, mas que não chegou a envolver os leitores. “As pessoas continuavam lendo e comprando. Porém, o que acontecia é que o grande faturamento de muitas editoras dependia principalmente da Saraiva”, conta ele. O colapso da Saraiva em 2018 levou a editora Faro a se programar para um novo plano de ação que dependesse menos das grandes redes e, sim, procurasse investir em pontos alternativos de mercado.
De acordo com Caio, a procura pelos livros de autoajuda e desenvolvimento pessoal aumentou as vendas de maneira geral, já que os leitores em quarentena passaram a ter muito mais tempo livre para dedicar a seus interesses próprios. A Faro se mostra otimista e já acredita em uma melhora no mercado editorial de forma gradativa: “A venda de livros nas livrarias vem aumentando. Muitas livrarias aprenderam a se reinventar para atender a nova necessidade do mercado, como o atendimento por delivery, por exemplo”.
Diferente do pensamento comum que atribui a culpa aos brasileiros por lerem pouco, a Associação Nacional de Livros (ANL), que promove mensalmente um estudo sobre o comportamento do varejo de livros no Brasil, constatou que a busca por livros vem aumentando ano a ano no país. O que acontece é que o modelo de negócio das livrarias brasileiras está enfrentando transtornos. Em 2018, as duas maiores redes no país, Livraria Cultura e Saraiva, entraram com processo de recuperação judicial, sendo que quatro em cada dez dos livros vendidos no país passam por essas lojas. Essa quebra arrasta toda a cadeia editorial, altamente dependente desse oligopólio que hoje não está mais conseguindo se sustentar.
“Temos que ter claro que o mundo não acabou, não é estático. Tem renovação e adaptação permanente às exigências do consumidor”, disse em entrevista Bernardo Gurbanov, o presidente da ANL. Segundo ele, um dos movimentos que tende a ganhar força é volta da ampliação da rede de pequenas livrarias, visto que estão aparecendo muitas lojas novas ao mesmo tempo em que as novas gerações, interessadas por livros e ambientes culturais, chegam ao mercado de trabalho. “Também podemos pensar no comércio online das próprias editoras que precisam escoar seus produtos. Não digo que sejam estratégias definitivas e nem a salvação da pátria. Mas são saídas, tal como maior participação em eventos literários, feiras, enfim, uma maior aproximação com o consumidor vai ser essencial”, completa.
Com o objetivo de contornar as adversidades causadas pela chegada do COVID-19 no Brasil, muitas editoras estão optando por adiamentos ou lançamentos em e-books não planejados. Segundo a pesquisa feita em abril pela Liga Brasileira de Editoras (LIBRE), com foco na região sudeste, que visa compreender o impacto da pandemia na área financeira das editoras independentes, 81% dessas estão com algum atraso em seus recebimentos fazendo com que 88% das editoras decidissem pelo adiamento dos lançamentos ainda esse ano e 39% escolhessem incluir edições no formato digital que não eram planejadas.
Segundo a pesquisa Conteúdo Digital do Setor Editorial Brasileiro ano-base 2019, conduzida Câmara Brasileira do Livro (CBL) e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), o faturamento de e-books, audiolivros e outros formatos digitais foi de R$ 103 milhões, 140% a mais quando comparado com os resultados de 2016 (com variação de IPCA em 115%. Foram vendidos 4,7 milhões de unidades, 96% delas em formato e-book e 4% em audiolivro. Hoje, ainda de acordo com a pesquisa, os meios digitais representam 4% do mercado editorial, bem como seu faturamento.
Rose Marie Muraro, intelectual tida como representante-mor e pioneira do feminismo no Brasil, expressou em seus trabalhos como a divisão dos sexos foi baseada em processos de dominação, na busca pelo poder e na divisão sexual do trabalho. Para ela, o gênero não é determinado pelo sexo biológico: toda essa designação de gênero se organiza de acordo com uma sociedade patriarcal. A partir dessa divisão, tarefas, vestimentas e comportamentos, entre outros, surgiram as concepções de gênero em nossa sociedade e inconsciente coletivo.
O gênero atribuído ao nascimento, comumente chamado de “sexo biológico”, diz respeito às características biológicas e sexuais que a pessoa tem ao nascer, e incluem cromossomos, genitália, composição hormonal, entre outros. Já a identidade de gênero é uma questão de autopercepção, uma vez que a autoimagem da pessoa é o fator que mais se sobressai ,já que ela se define conforme a sua percepção de si mesma. Uma pessoa pode ser cis ou transgênero; sendo trans, pode identificar-se dentro do gênero binário ou possuir uma identidade não-binária.
As noções de gênero primárias, que contavam somente com a binariedade, foram essenciais para a exclusão e desigualdade não só apenas de indivíduos cisgênero (aqueles que se identificam, em todos os aspectos, com o gênero atribuído), como de indivíduos com opções sexuais não normativas e transgêneros, tais quais não-binários, agêneros e genderfluids. Logo, as pessoas que se consideram não-binárias, ou seja, as que não se identificam com o binarismo de gênero de homem e mulher, concebem uma nova ideia de gênero. Apesar de ser considerado por muitos algo inerente ao ser humano desde seu surgimento, a binariedade é construída a partir do contexto social, histórico e cultural, e esses indivíduos de certa forma se “desprendem” do papel opressor da normatividade de gênero.

Joy se percebeu lésbica e se assumiu à família aos 18 anos, fazendo uma mudança radical na aparência. Hoje, com 20 anos, se assume não-binarie. “Eu não ligo de me chamarem de menino ou menina. E eu fui percebendo isso ao passar do tempo que isso não me incomodava. Eu não sinto nenhum tipo de pressão da sociedade, só que eu não consigo tolerar nenhum tipo de preconceito. ofensa me chamando de menino”.
A discussão sobre a inclusão de pronomes neutros é outra pauta importante para a comunidade NB. A Suécia, por exemplo, incluiu em 2015 o pronome neutro hen ao Dicionário da Academia Sueca, como alternativa aos pronomes hon e han, feminino e masculino, respectivamente. O fato se deu no começo do século XX por conta da popularização do uso, quando parte da comunidade trans no país aderiu à palavra.
Há uma facilidade maior em idiomas como o alemão e sueco, os quais já possuem um pronome neutro - no caso da Alemanha, em 2018 foi incorporado às leis do país a existência de um “terceiro gênero”, o intersex, facilitando também a adaptação das pessoas no uso dos pronomes - e, apesar das opiniões a respeito do uso do pronome ainda variarem bastante, atualmente é possível encontrá-lo em diversos textos acadêmicos e jornalísticos, além de ser usado em situações cotidianas de comunicação entre alguns falantes, desvencilhando-se assim da conotação que carregava anteriormente por ser utilizado apenas por grupos ativistas. Atualmente, há não-bináries que não aceitam serem tratados no feminino ou masculino.
As mudanças na língua portuguesa surgiram primeiramente marcadas por “@”, como tentativa de marcação simultânea de masculino e feminino; logo após, surgiu a tentativa de utilizar “x” para omitir vogais e neutralizar a conjugação de gênero. Embora inclusivas para uns, ambas as grafias se assemelham no sentido de que só podem ocorrer na modalidade escrita, além de dificultarem a utilização de ledores (leitores automáticos para deficientes visuais). Justamente por essas razões houve uma reforma na utilização de pronomes neutros, sugerindo o uso de “e” para omitir a demarcação de gênero masculino/feminino, mas sendo passível de pronúncia em língua oralizada.
Há alguns anos atrás, a possibilidade do uso de pronomes neutros no Brasil era apenas um borrão. E as línguas latinas, por terem a característica gramatical que classifica coisas e pessoas em categorias masculinas e femininas, são especialmente problemáticas. Entretanto, achar que você sabe a identidade de gênero de alguém somente pela aparência não é mais uma realidade.
“Minha família não entende, então eles me chamam de [nome morto]**. Isso é meio incômodo, mas eu me acostumei”, diz Alex, 21 anos. Para ele, que prefere o uso de pronomes masculinos no momento, o conceito de gênero sempre foi confuso. Por meio de um conhecido da comunidade trans, Alex pode se perceber não-binário e, posteriormente, genderfluid. “ E como não-binário, bissexual e negro, ele diz estar ciente do preconceito existente. “Acho que o mais difícil foi perceber o quão diferente eu sou, não porque eu quero ser normal, mas porque ser diferente tem um custo muito alto na sociedade em que a gente vive”. Porém, mesmo com vários desafios, Alex se diz muito melhor se percebendo não-binário uma vez em que pensar apenas a binariedade como identidade de gênero o deixava mal: “Mas eu não mudaria. Agora eu sou mais feliz porque eu sei mais quem eu sou. Eu performo meu eu de acordo com como me sinto, e isso é muito rebelde”.
** "nome morto" é um termo utilizado pela comunidade trans para se referir ao nome e identidade de nascença, anterior à descoberta de gênero.
É de conhecimento público que a pandemia de Sars-CoV-2 trouxe impactos profundos em esfera global, que forçaram alterações na maneira com que a vida era levada corriqueiramente, buscando o isolamento social para a contenção do vírus. Com isso áreas fundamentais em nossas sociedades, dentre essas o trabalho e o estudo, tiveram que passar por alterações para continuarem sendo executadas e tentar manter de alguma forma um vínculo com os compromissos da velha “vida normal”.
Essas mudanças entretanto, não parecem ser tão simples de serem colocadas em prática, e com isso, em algumas áreas, debates sobre como aplicar sua metodologia fora de seus ambientes normais e presenciais se formaram. Em grande parte do país foi adotada a metodologia do EAD, uma modalidade de aula que já existia antes em alguns cursos, mas que foi implementada com a pandemia de forma geral para não prejudicar o andamento dos cursos. Todavia, a ideia que parecia ser genial e salvadora passou a ser questionada e colocada em dúvida.
No Brasil, um dos primeiros problemas apontados foi a forma com que escolas e universidades públicas iriam lidar com essa situação para fornecer o material necessário para todos os alunos e professores envolvidos. Para saber um pouco mais sobre isso entrevistamos a professora Ana Valéria Santos de Lourenço da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), para compreender melhor essa situação e toda essa problemática.
Entrevistada, Ana ressalta que as atitudes de suspensão das atividades presenciais foram tomadas rapidamente, logo com os primeiros casos de covid-19 no país. Perguntada sobre as atividades online, a professora conta que a organização para as atividades ocorrem via computador na casa dos docentes e alunos não foi uma tarefa das mais simples. Ela levanta algumas problemáticas que tiveram que ser superadas, a primeira, e talvez a principal, é a de que o estatuto não permitia a execução das atividades á distância, o que forçou com que as portarias flexibilizassem medidas para neste momento de necessidade abrir uma exceção e continuar o mais cedo possível com as aulas.
Com essas barreiras superadas, diversas reuniões passaram a ser executadas para tentar colocar em prática o projeto da UNIFESP de Atividades Domiciliares Especiais (ADE), a forma pela qual se denomina a metodologia aplicada no momento pela universidade.
Para executar esse plano, conta a professora universitária, foi preciso ter certas preocupações com os alunos de baixa renda na universidade, tomando medidas para possibilitar o acesso às aulas a esses alunos, abrindo editais tanto para oferecer computadores para assistir as aulas, e também um auxílio emergencial para a instalação de redes de internet nas casas de alunos de menor renda. Ainda preocupado com os alunos, foi estabelecido que a as aulas deveriam ser assíncronas, e no caso das atividades síncronas, devem ser gravadas para o posterior acesso de quem não teve a oportunidade de assistir no horário marcado. Outra medida foi mudar o critério de avaliação, por um entendimento dos docentes de que não seria justo dar uma nota neste momento.
Com tudo planejado, o primeiro semestre retornou somente no início de agosto com previsão de fim no mês de novembro, acompanhando o que normalmente seria o segundo semestre, já o segundo semestre está marcado de novembro até março de 2020, sendo planejado que ambos sejam feitos na metodologia à distância.
Vendo o andamento dessa situação Ana fala que a situação demorou a ser resolvida, mas segundo ela “ tomou o tempo necessário para as coisas acontecerem “, perguntada se o método que a situação foi solucionado foi melhor, ela responde que “ foi resolvido da forma para não causar problema a nenhuma das partes.
Aluno estudando via celular-Créditos: USP imagens
De repente, a COVID regressou ao século XXI ganhando um novo nome, Covid-19. A maioria dos brasileiros estava convencida de que a epidemia não atingiria o país, já que no início surgiram casos apenas em lugares isolados da China. Mas esta crença teve fim quando, em fevereiro, foi confirmado o primeiro diagnóstico positivo de coronavírus no Brasil. O paciente, de 61 anos, havia chegado de uma viagem feita à Itália, região bem afetada pela doença. Com a chegada da pandemia, mudanças tiveram que ser feitas. Transições tecnológicas que levariam décadas para serem instituídas voluntariamente foram inseridas em questão de meses, dada a surpresa enfrentada.
Para tentar controlar os casos, foram implantados de início critérios de isolamento e quarentena apenas para pacientes que estavam com suspeita ou confirmação de infecção por coronavírus. Posteriormente, essas medidas foram ampliadas para pacientes de risco, e depois para todos. A Covid-19 transformou vidas, não apenas na modificação do cotidiano, em que não há possibilidades de ir à festas, restaurantes, parques, encontros com a família e amigos, mas também altera mudanças que já estavam em andamento, como a busca por sustentabilidade, tanto por parte da sociedade como por parte das empresas, o trabalho se tornando Home Office, e principalmente, a educação sendo online. Tal cenário afeta estudantes e professores, com consequências tanto acadêmicas quanto psicológicas.
Logo que a quarentena se iniciou, um quadro de incertezas surgiu sobre os alunos, pais e professores. Com as aulas suspensas, começaram os debates sobre como ficaria o ano letivo e a qualidade do aprendizado dos estudantes, e uma das soluções para essa situação foram as aulas online. Diferente da educação à distância (EAD), esse ensino remoto não teve o mesmo planejamento e estrutura para funcionar de forma eficaz. Uma das razões que faz as pessoas optarem, geralmente, pela plataforma do EAD é para economizar tempo e dinheiro. Um dos privilégios, e diferenças, da educação remota é o contato direto com os professores, ainda que virtual. Esses ensinos são distintos e não podem ser confundidos, principalmente porque os estudantes neste momento não tiveram escolha, e não tem o controle de sua aprendizagem.
As diferenças e dificuldades nas redes pública e privada
Com a suspensão das aulas, foi preciso buscar novas alternativas para conseguir cumprir o calendário escolar previsto para 2020. Todos os professores e alunos tiveram que modificar suas vidas, tanto os da rede pública como os do ensino particular. Desde o 1º semestre , eles estão tentando se adaptar e entender como ter um melhor aproveitamento das plataformas digitais. Porém está sendo uma experiência difícil e consequências negativas estão surgindo nessa nova fase.
É evidente que o ensino da rede pública está passando por maiores dificuldades, pois a classe social dos alunos influencia muito no momento do acesso aos novos recursos. O Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação realizou uma pesquisa sobre o uso de tecnologias de informação e comunicação em domicílios brasileiros e mostrou que, em 2018, apenas 9% das famílias das classes D e E possuíam computador em casa. Enquanto a classe A apresenta um número de 98%. A situação gerada pela pandemia reforça a grande desigualdade do Brasil e acarreta complicações no ambiente educacional.
Josiane Bezerra professora de Português, Eletivas e Tecnologias trabalha em duas escolas da rede estadual na periferia da Zona Norte de São Paulo. A professora relata que as aulas foram encerradas no dia 18 de março e que o governo não disponibilizou nenhuma plataforma obrigatória para os professores trabalharem, apenas uma apostila que contém o conteúdo de todas as matérias para os alunos retirarem nas escolas. Dessa forma cada, escola está trabalhando do modo que prefere com os alunos, no caso das escolas de Josiane, os professores estão passando as atividades e os conteúdos por meio do Blog das escolas e das páginas do Facebook. Josiane mantém contato com os alunos de outra forma: “Preferi criar um grupo no WhatsApp com meus alunos do 6º ano, estou passando as atividades por lá, acho que assim fica mais fácil minha comunicação com eles, mas ainda não consegui o contato de todos”, relata.
Segundo ela, uma das escolas colou cartazes informativos no portão e espalhou alguns pela região para que os alunos pudessem saber o que fazer, a outra escola já teve uma comunicação melhor, pois já continha um grupo do diretor com todas as mães, então mandaram as informações por lá. Mas relata que a falta de acesso dos alunos à internet está fazendo com que muitos não participem das aulas, “A situação dos alunos é precária, muitas das famílias são numerosas e tem apenas um celular”. Em relação a essa nova experiência a educadora diz “Não estou achando fácil, fico receosa de passar um tema, uma atividade nova e eles não conseguirem aprender, sei que tem alunos que têm muita dificuldade, sem estar presente com ele fica difícil saber se eles estão com dúvida. A falta do olho no olho faz muita diferença.”
Em relação à rede municipal de ensino, o professor de matemática Clóvis Sá, que trabalha na região da Brasilândia, em São Paulo, relata: “No primeiro momento orientamos os alunos a ficarem em casa, mas estávamos atendendo os que vinham. Muitos acabam indo por conta da alimentação ou porque não têm com quem ficar”. Com o tempo a quantidade de alunos foi diminuindo e a escola fechou. Os alunos ficaram sem aula por quase duas semanas, período em que a Secretaria da Educação mandou orientações e os professores tiveram reuniões por meio de vídeo para organizar os modelos de aula e aprender a utilizar a nova plataforma, além de conhecer o novo material. A prefeitura, ao contrário do estado, definiu a plataforma Google Classroom para todos os professores usarem, além de criar uma apostila contendo atividades e o conteúdo de todas as matérias e enviar por meio do correio na casa de todos os alunos. O professor comenta: “Infelizmente nem todos os alunos estão tendo acesso a este material, pois muitas famílias não atualizaram seus endereços na escola, ou colocaram errado”. Para avisar os alunos e mostrar como entrar no aplicativo foi usado a página do Facebook da escola, um cartaz no portão e os diretores estão fazendo atendimentos por meio do telefone da escola e da internet.
“Os professores estão postando vídeos, atividades na plataforma. E estão ficando conectados no aplicativo no horário de aula, no meu caso das 7:00 às 11:50. Temos que ficar on-line para orientar sobre as atividades e tirar dúvidas dos alunos.”, diz o professor Clovis.
Por fim, o matemático desabafa: “Está sendo uma experiência complicada. Acho que a estrutura criada até que foi rápida, mas ainda não é eficaz, não depende só do professor, ela esbarra na dificuldade de o aluno de ter acesso e também na falta de interesse de muitos”.
Já no colégio particular são perceptíveis muitas diferenças, apesar de também apresentarem dificuldades por ser um processo inesperado, os professores e os alunos contêm um suporte maior. Simone Arcanjo é professora de História e Sociologia em um colégio particular na região da Lapa, em São Paulo, diz que assim que ocorreu a suspensão das aulas o colégio teve uma atitude prudente e cautelosa em procurar uma plataforma digital que seria ideal para todos. A instituição resolveu utilizar o aplicativo Microsoft Teams e a partir da decisão começaram a dar treinamento aos professores para aprenderem a usar, “O colégio já tem uma boa experiência com essa parte de tecnologia e dentro do nosso corpo de colaboradores temos os mentores [professores que trabalham diretamente com projetos ligados a tecnologia] e eles estão sempre nos ajudando, passando dicas e tirando dúvidas” comenta, com a presença dos mentores esse processo acabou sendo mais fácil e a professora afirma estar tendo uma experiência positiva. Os alunos ficaram sabendo do novo modelo de ensino por meio do site da escola e estão tendo aulas ao vivo durante o mesmo período que teriam no presencial. Simone relata “Percebo de uma maneira geral que todos têm acesso a internet e tem dispositivos para usar, por conta disso as aulas estão indo bem, em um dos dias conseguimos até fazer um debate durante a aula de história e funcionou”. As atividades estão sendo produtivas e ela comenta que uma das reclamações feitas pelos alunos é em relação a sobrecarga na internet, por conta de terem outros familiares também utilizando no momento.
Relatos dos estudantes
Ao entrevistar alguns estudantes de instituições distintas pode-se perceber que as experiências não estão sendo positivas, mas sim preocupantes.
O estudante de escola pública Lucas Barreto, de 15 anos, conta como foram os primeiros contatos com o ensino remoto e como sua escola tem procedido “No começo, estava sem computador e deixei de entregar algumas atividades por estar sem acesso” e completa “Cheguei a ficar com notas baixas”. Lucas, como muitos outros, é vítima dessa falta de suporte por parte das escolas “Não estão dando apoio para quem está sem acesso aos computadores, só estão dando um tempo maior para entregar as tarefas”. “Nas aulas presenciais dava para absorver melhor porque eu prestava mais atenção. Aqui [em casa] eu tenho que ficar procurando as atividades [nas plataformas]. Às vezes fico sem foco”. Ele também declara ter receio de como vai ficar sua educação “O ensino remoto não tem tanta qualidade quanto o presencial”.
“Tenho sete matérias, e só uma delas está tendo vídeo aula mesmo, então a professora passa [a vídeo aula] e eu assisto a hora que quiser. O resto dos professores está passando capítulos para lermos” conta a estudante de Estatística, Mariana Bastos de 18 anos. A aluna revela que pensou em trancar o curso quando começou a quarentena e chegou a abandonar duas aulas “São matérias muito importantes pro meu curso, que são Probabilidade 2 e Inferência. Eu optei em trancar porque teria consequências na minha carreira [caso fizesse online], então prefiro estudá-la mais pra frente, no presencial”. Mariana diz que sua experiência tem sido negativa por conta de não conseguir se concentrar no estudo e fala sobre como fazia antes da pandemia “Gostava muito de estudar com os meus amigos, a gente se juntava e tirava dúvida um com o outro, fazíamos uma rodinha de estudo”. Mas destaca como uma consequência positiva, a rotina criada por parte dos educandos.
A estudante do terceiro ano do Ensino Médio, Maria Luísa Montebelo de 16 anos, declara preocupação com a qualidade de seu ensino “Tenho muito esse medo de chegar no final do ano e sentir que não adiantou de nada”. “Acho um absurdo não mudarem a data do ENEM porque muitas pessoas dependem só dessa prova pra entrar em faculdades públicas. Em São Paulo ainda temos um leque de outras universidades públicas, mas essa não é a realidade de todos os estados, então pensando num viés mais social, uma coisa mais justa, seria importante reavaliarem a data para não prejudicar as pessoas” conta a aluna sobre a decisão do MEC de não adiar a prova. “A questão da saúde mental pega bastante, principalmente agora no terceiro ano, que já é meio pesado, com tudo isso que está acontecendo”. Maria Luísa relata que de início foi mais complicado lidar com as aulas online, mas que agora os educandos estão se adaptando melhor e que a escola tem se preocupado e está os ouvindo para fazer melhorias nesse ensino.
Ainda que o cursinho pré-vestibular não seja uma obrigação para os estudantes, é importante considerá-lo, pois muitos desses alunos também estão tendo dificuldades no momento do estudo. Felipe Holler, 18 anos, relata que começou o ano com a expectativa de aproveitar todas suas aulas, estudar muito e conseguir passar em uma faculdade, prestando engenharia de produção. Porém a situação atual está deixando-o preocupado, apesar de seu cursinho dar um bom suporte e disponibilizar muitas aulas online ele comenta “Eu gosto bastante dos vídeos, mas está sendo uma experiência ruim, pois não consigo assistir o mesmo número de aulas que assistiria presencialmente. E isso vai me afetar bastante na hora de fazer o vestibular”, ele relata que em casa é difícil manter a mesma concentração e que tenta se distrair fazendo outras coisas também para não prejudicar sua saúde mental.
Saúde mental
Com a chegada da pandemia e com as aulas online, surgiram também questões em relação a saúde mental dos estudantes em um momento tão sério e complicado como esse. Sabemos que escolas e faculdades já sobrecarregam os alunos de atividades com as aulas regulares, agora, em que todos, ou grande parte da população, está em casa, professores entendem que o tempo se multiplica e acabam passando ainda mais atividades.
Em entrevista com a psicóloga Valéria Zold, ela afirma “Os estudantes estão sofrendo não só com a forma de ensino, mas com a mudança que toda essa situação acarretou, e a forma de aprendizado é mais um fator, porque tem uma sobrecarga que não aconteceria em uma situação rotineira”, a profissional ainda afirma que as aulas online prejudicam a qualidade do ensino na questão de que o professor não consegue perceber se o aluno está acompanhando, se ele [professor] está sendo claro o suficiente ou se é necessário fazer alguma adaptação e se atentar aos alunos que apresentam mais dificuldades, pois está conversando com uma tela e não existe o olho no olho que permite essas percepções.
A psicóloga faz ainda uma observação “Não poder sair de casa é um fator que gera estresse, e ultimamente percebo que tudo fica ligado aos estudos e a cabeça não consegue relaxar”. E sugere algumas saídas para que os estudantes consigam se organizar melhor e para não os afetar tanto mentalmente “É necessário estabelecer uma rotina e colocar nela algumas atividades que esteja ligada a um hobby”.
O pós pandemia
Todas as alterações nas formas de trabalho e estudo, que foram necessárias para que a população pudesse continuar a vida normalmente dentro do possível durante a pandemia do Covid-19, geraram também uma série de dúvidas sobre o futuro. Alguns dizem que as relações de trabalho serão as mais afetadas, mas ocorre também um questionamento sobre a área do ensino.
O projeto de transformar cursos presenciais em EAD acontece há alguns anos e com a chegada do vírus e a impossibilidade de aulas presenciais, a tendência é que esse processo que já estava em andamento se intensifique. Para os professores e estudantes existem muito mais fatores negativos do que positivos, e podemos citar entre eles, o aumento no número de desemprego no país, a queda da qualidade do ensino, a perda de um local adequado para os estudos, o estabelecimento de relações líquidas, entre outros. Transformar os cursos presenciais em EAD seria transformar também a educação em um negócio, visando apenas os lucros e descartando a importância do ensino.
Alguns questionamentos surgem nesse momento: como será o ensino quando a pandemia acabar? Será que acontecerão muitas mudanças definitivas?
Desde o começo da quarentena, estudantes de escolas e universidades públicas sentem dificuldades com o EaD (Educação a Distância), todos foram pegos de surpresa com a nova realidade, e com isto veio os obstáculos, a falta de equipamentos e estrutura por parte dos alunos e professores, e muitos estão saindo prejudicados do ensino remoto. Há vários obstáculos para que o EaD seja de uma boa qualidade
Giovanna Occhiuzzo, 20, estudante de Serviço Social, da Universidade Federal de São Paulo, perdeu um semestre do seu curso, pois a instituição não aderiu ao ensino remoto neste primeiro semestre de 2020. A universidade alega que os alunos irão repor as aulas apenas após a pandemia passar, e a instituição diz aderir ao ensino remoto apenas no dia 3 de agosto.
Com as aulas presenciais suspensas por tempo indeterminado, as instituições precisaram se adaptar ao ensino remoto o mais rápido possível, as aulas não poderiam parar, por isso precisou-se encontrar plataformas vídeo chamada confiáveis. Houve grandes adaptações por parte dos alunos e professores.
Também em uma universidade pública, Yuri Marques, 18, estudante de Odontologia da Universidade Estadual Paulista, diz que os alunos ficaram apenas uma semana parados, mas algumas disciplinas não estão dando certo pois as aulas são práticas e precisam de laboratórios. Segundo ele, “uma parte dos alunos diz estar conseguindo aproveitar bem o conteúdo, já outra parte não consegue aproveitar as aulas, pois enfrentam obstáculos como a falta de internet ou por falta de computadores”.
Na universidade, segue ainda o estudante, eles utilizam o Google Meet, para as aulas ao vivo, Moodle para a postagem de eventuais provas ou trabalhos e de vez em quando utilizam o Google Classroom. Marques, alega ter muitas dificuldades com a EaD (Educação à Distância): “tenho dificuldades para acessar as aulas pois minha mãe utiliza o computador não só para ter aulas, ela também faz uma graduação, mas precisa do computador para ministrar as aulas a distância.”
Já Vitória Santana, 15, que estuda na E.E. Isaltino de Mello, alega que “a EaD não está dando certo, pois a plataforma que a escola utiliza acaba travando bastante pela quantidade de alunos entrando ao mesmo tempo”. A escola teria demorado ainda um mês após o início da quarentena para começar as aulas remotas e para se adaptar.
Muitos alunos nas escolas da rede pública não têm condições financeiras para ter aula remota. Com isto acabam, saindo prejudicados. Vitória conta que a maior dificuldade é a comunicação com os professores, pois são muitos alunos assistindo a aula ao mesmo tempo.
Ana Paula da Silva, professora da rede pública, e de escola Praticar, diz que as diferenças são bem perceptíveis, pois na escola particular a maioria dos alunos tem acesso à aula remota sem problemas, enquanto na escola pública a maioria dos alunos não conseguem ter acesso por falta de recursos.
A professora conta que “não é possível ter certeza se o aluno está mesmo absorvendo o conteúdo passado nas aulas remotas, pois muitas vezes ele pode se distrair no meio da aula”. Ela ainda diz que, mesmo com avaliações online, “não é possível saber se a avaliação está sendo feita com alguma consulta ou até mesmo uma ajuda”.
Com as dificuldades que estão sendo enfrentadas com o EaD, ele pode ser uma ferramenta interessante, apenas quando tudo voltar ao normal, entretanto nada substitui uma aula presencial, talvez em uma situação para que seja utilizado o EaD em determinados pontos e situações, como por exemplo, marcar uma aula extra para alguns alunos e na questão do apoio a um aluno que esteja com dificuldades.