Desde o começo da quarentena, estudantes de escolas e universidades públicas sentem dificuldades com o EaD (Educação a Distância), todos foram pegos de surpresa com a nova realidade, e com isto veio os obstáculos, a falta de equipamentos e estrutura por parte dos alunos e professores, e muitos estão saindo prejudicados do ensino remoto. Há vários obstáculos para que o EaD seja de uma boa qualidade
Giovanna Occhiuzzo, 20, estudante de Serviço Social, da Universidade Federal de São Paulo, perdeu um semestre do seu curso, pois a instituição não aderiu ao ensino remoto neste primeiro semestre de 2020. A universidade alega que os alunos irão repor as aulas apenas após a pandemia passar, e a instituição diz aderir ao ensino remoto apenas no dia 3 de agosto.
Com as aulas presenciais suspensas por tempo indeterminado, as instituições precisaram se adaptar ao ensino remoto o mais rápido possível, as aulas não poderiam parar, por isso precisou-se encontrar plataformas vídeo chamada confiáveis. Houve grandes adaptações por parte dos alunos e professores.
Também em uma universidade pública, Yuri Marques, 18, estudante de Odontologia da Universidade Estadual Paulista, diz que os alunos ficaram apenas uma semana parados, mas algumas disciplinas não estão dando certo pois as aulas são práticas e precisam de laboratórios. Segundo ele, “uma parte dos alunos diz estar conseguindo aproveitar bem o conteúdo, já outra parte não consegue aproveitar as aulas, pois enfrentam obstáculos como a falta de internet ou por falta de computadores”.
Na universidade, segue ainda o estudante, eles utilizam o Google Meet, para as aulas ao vivo, Moodle para a postagem de eventuais provas ou trabalhos e de vez em quando utilizam o Google Classroom. Marques, alega ter muitas dificuldades com a EaD (Educação à Distância): “tenho dificuldades para acessar as aulas pois minha mãe utiliza o computador não só para ter aulas, ela também faz uma graduação, mas precisa do computador para ministrar as aulas a distância.”
Já Vitória Santana, 15, que estuda na E.E. Isaltino de Mello, alega que “a EaD não está dando certo, pois a plataforma que a escola utiliza acaba travando bastante pela quantidade de alunos entrando ao mesmo tempo”. A escola teria demorado ainda um mês após o início da quarentena para começar as aulas remotas e para se adaptar.
Muitos alunos nas escolas da rede pública não têm condições financeiras para ter aula remota. Com isto acabam, saindo prejudicados. Vitória conta que a maior dificuldade é a comunicação com os professores, pois são muitos alunos assistindo a aula ao mesmo tempo.
Ana Paula da Silva, professora da rede pública, e de escola Praticar, diz que as diferenças são bem perceptíveis, pois na escola particular a maioria dos alunos tem acesso à aula remota sem problemas, enquanto na escola pública a maioria dos alunos não conseguem ter acesso por falta de recursos.
A professora conta que “não é possível ter certeza se o aluno está mesmo absorvendo o conteúdo passado nas aulas remotas, pois muitas vezes ele pode se distrair no meio da aula”. Ela ainda diz que, mesmo com avaliações online, “não é possível saber se a avaliação está sendo feita com alguma consulta ou até mesmo uma ajuda”.
Com as dificuldades que estão sendo enfrentadas com o EaD, ele pode ser uma ferramenta interessante, apenas quando tudo voltar ao normal, entretanto nada substitui uma aula presencial, talvez em uma situação para que seja utilizado o EaD em determinados pontos e situações, como por exemplo, marcar uma aula extra para alguns alunos e na questão do apoio a um aluno que esteja com dificuldades.
Por Guilherme Tedesco e Henrique Soto
Os esportes eletrônicos, conhecidos como e-sports, são competições de jogos eletrônicos transmitidas para seus fãs ao redor do mundo. Os e-sports englobam quatro grandes partes para que um jogo tenha sucesso e durabilidade: as empresas de e-games, os campeonatos, os jogadores e as plataformas de transmissão ao público. Com esses elementos combinados, a indústria dos games atinge lucros gigantescos, que já passa da casa dos milhões. E tende só a crescer cada vez mais. Ainda mais com o novo modo de vida durante a pandemia do coronavírus.
Um dos poucos mercados que cresceu mais ainda durante a quarentena foi definitivamente o de e-sports. Com mais tempo em casa, as pessoas têm procurado formas de distração e entretenimento. Os que já gostavam dos jogos eletrônicos, mas que não ficavam muito tempo confinados, puderam voltar a seus passatempos. E também aqueles que estão conhecendo esse mundo divertido agora.

“Estamos vivendo um momento de grandes recordes nos e-sports, de audiência e streams. Eu vejo um paralelo com o UFC, que a partir do momento que tem audiência, as pessoas passam a ter interesse em entender aquele mercado, por mais que não conheça.", explica o CEO e Co-Founder da maior plataforma de e-sports da América Latina, a Gamers Club, Yuri “Fly” Uchiyama.
Um dos recordes destacados por Uchiyama foi o de espectadores simultâneos em uma mesma transmissão. No fim de junho, a maior marca pertencia ao Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLOL) com 269 mil espectadores. Porém, na semana posterior, um streamer brasileiro alcançou incríveis 396 mil pessoas simultâneas na plataforma de streaming Twitch. Gaules, o maior streamer brasileiro, transmitia o jogo Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO).
A respeito desse expressivo número de espectadores, Luiz Gustavo Pacete, jornalista e pós-graduado em Inovação, Design e Estratégia pela ESPM, diz que era algo que já tinha chamado a atenção das empresas. “Os grandes eventos, as arenas chamaram muito a atenção principalmente dos anunciantes. Acho que quando você materializa o pessoal acompanhando, mesmo aqueles que não eram a audiência, isso chamou muito a atenção. Era um ativo muito importante para as marcas”. . “E obviamente nesse momento existe a ausência desse cenário das arenas, mas a gente tem recordes e recordes de streamers e audiência”, complementa.
No entanto, os e-sports começaram a ter grande sucesso somente nos últimos anos, mais precisamente a partir da segunda metade da década de 2010. Antigamente os e-sports não tinham vida fácil. Um dos grandes problemas vividos no começo desse mundo, no início dos anos 2000, era a falta de compreensão das marcas e de resultados para as marcas patrocinarem os eventos da época. Isso se dava principalmente pela ausência de formas de comunicação entre os jogadores e o público/audiência. Naquele tempo a transmissão ao vivo era somente por texto em tempo real. Depois veio o áudio. E hoje, com a tecnologia, são transmissões ao vivo com ótima qualidade e muitos profissionais envolvidos, além de diversos empregos disponíveis para esse mercado.
A profissionalização do mundo dos e-games ajudou a aumentar a audiência. Segundo o instituto de pesquisa Newzoo, 13% da população brasileira assiste a vídeos relacionados a esportes eletrônicos. A pesquisa é de 2018 e certamente a porcentagem já cresceu. O aumento da audiência nos últimos anos proporcionou a chegada de marcas não-endêmicas, ou seja, marcas que não possuem nenhuma ligação com os e-games. "Fly" comenta sobre a entrada de marcas nos e-sports. “Isso vai fazer com o e-sport cresça. Todo e-sport precisa de dinheiro e os investimentos e patrocínios são extremamente necessários. Hoje o esporte eletrônico cresce bastante pelo amor das pessoas envolvidas, dos investidores e, agora, com a chegada das marcas”, finaliza.
Atualmente, empresas gigantes patrocinam times, jogadores, empresas e eventos de e-games. Gillette, Netshoes, Unilever, Redbull são alguns exemplos de patrocinadores. O McDonalds decidiu, no final de 2018, encerrar o investimento na liga alemã de futebol para continuar investindo em E-Sports. Times do futebol brasileiro também estão começando a investir nesse mercado.
Luiz Gustavo destaca que uma das principais dificuldades era, e segue sendo, o convencimento dos mais poderosos nas empresas. “A gente sempre falava que o desafio era convencer os tomadores de decisões, mostrar para eles a importância do cenário. Eles até sabiam que o filho ou a filha jogam Fortnite, mas trabalhando em casa esse período e tendo mais contato com os filhos, acho que eles começaram a entender também a força da cultura gamer”.

Para o jornalista colaborador do e-Sportv/Globoesporte.com, Bruno Povoleri, o mercado do e-games se encontra, ao mesmo tempo, consolidado e com espaço para crescer ainda mais. “É um mercado consolidado e promissor ao mesmo tempo, visto que, independentemente do atual patamar, vivemos em um mundo que já é e tende a ser cada vez mais tecnológico”, afirma. Ele complementa falando a respeito do público jovem. “Não é loucura afirmar que, dadas as devidas proporções, o menino que antigamente jogava bola na rua, atualmente passou a preferir os games”.
Em relação a esse desejo atual de boa parte dos jovens de se tornar profissional, Yuri comenta que não é uma jornada fácil e garantida e fala como utilizar o tempo aplicado praticando o jogo. “Liderança, comunicação, pensamento estratégico, networking são algumas habilidades que você pode desenvolver como ‘player’ para ser um profissional melhor no futuro. Para que você possa se divertir, tentar chegar lá como profissional, mas, se não der certo, que você possa aplicar esse tempo usado em outros âmbitos da sua vida. Eu acredito muito que o esporte eletrônico é também uma ferramenta de desenvolvimento pessoal e profissional, assim como qualquer outro esporte.”
Um dos temas que vem chamando atenção no cenário dos e-games é a relação com a música. Recentemente, o rapper Travis Scott, um dos principais cantores da atualidade, lançou sua nova música “The Scotts” em um show exclusivo no jogo Fortnite. Luiz Gustavo destaca a importância dessa relação simbiótica "Eu acho fascinante essa discussão porque essa conexão entre música e games e cultura digital é super importante e é sim uma tendência”. Ademais, o jornalista destaca o potencial comercial dessa parceria. “Isso chama muito atenção das marcas. Não é só sobre games, sobre jogador, é também sobre pessoas que gostam de unir essas duas culturas. Eu vejo como uma tendência e um tema para a gente ficar muito ligado porque vai rolar muitas coisas nos próximos meses”.
Sobre esse tema da relação dos jogos com a música, Bruno Povoleri argumenta que, apesar de ser algo que já acontecia antes, é um caminho que ainda vai ser trilhado nos próximos anos. “A inclusão da música no mundo dos games acontece há um bom tempo, mas com o Fortnite como carro-chefe, isso ganhou ainda mais notoriedade em um passado recente”. O colaborador do e-Sportv ainda discute que a relação é boa para ambas as partes, jogos e música “Essa nova conexão entre os dois segmentos é uma parceria que parece ser essencial para ambos os lados, que tendem a crescer concomitantemente e podem estar criando uma aliança extremamente dominante para o futuro”.
Outro tema que vem sendo muito debatido ultimamente é a questão de machismo no cenário dos jogos eletrônicos. Assim como nossa sociedade, o meio ainda é muito misógino e dominado por homens. Para Luiz Gustavo, é, de fato, algo que precisa ser falado e melhorado. “Precisa existir uma evolução nesse sentido, mas acho que o próprio ecossistema e as próprias comunidades tão vendo a necessidade disso, que não é uma bolha”. O jornalista complementa que isso também é uma demanda das marcas patrocinadoras. “Esse ponto sempre quando pega nas marcas, elas tão sendo muito cobradas por propósito e têm se posicionado muito.[...] Tem uma evolução, ainda precisa melhorar e é um ponto que as marcas ficam muito atentas e sempre questionam”.

A respeito das questões de gênero, Yuri “Fly” comenta que cada empresa possui suas próprias políticas na hora de organizar um campeonato/evento e que não há uma organização comum que cria essas diretrizes. Ele cita a própria empresa como exemplo. “Na Gamers Club, criaram dois tipos de eventos, os gerais e os específicos. Os específicos foram criados de acordo com os pedidos do público, que é chamado de comunidade. Como por exemplo campeonatos universitários e as ligas femininas. Para fomentar alguns cenários específicos, são criadas ligas específicas. Quem joga a liga feminina pode jogar a liga profissional. E no caso da organização da liga feminina os termos são a maneira com que a pessoa se enxerga e se declara”.
Além do sucesso extraordinário nos últimos anos, tanto no Brasil, como no mundo, os e-sports foram um dos únicos mercados que cresceu durante o período de restrições sociais por conta do novo coronavírus. Tido como apenas um momento lúdico para muitos, os jogos eletrônicos são coisa séria para muita gente e movimenta bilhões anualmente. Já consolidados e também com espaço para crescerem mais ainda, os esportes eletrônicos caminham a passos largos para ser o sonho de profissão de muitos jovens no país e um dos gigantes do mercado globalizado.
O Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) aconteceria em novembro desse ano. Mas aí veio a pandemia e tudo mudou. A nova data do vestibular será entre dezembro e janeiro de 2021. No entanto, surge o questionamento se é justo que a prova ocorra. Para Lucas Felipe Guimaraes, estudante na Fundação Bradesco em Osasco, isso é “injusto”. Ele irá prestar o vestibular tentando uma vaga para Arquitetura, focando nas faculdades públicas.
O estudante não se conformou com a manutenção do concurso considerando as diferenças entre o ensino a distância de escolas privadas, para as públicas e defende o cancelamento . “Na minha escola, que é pública, houve a flexibilização do horário, só daí perdemos muita matéria”. Além disso, ele diz que não está conseguindo absorver o conhecimento necessário: “É muito difícil se concentrar mais de uma hora olhando para o celular ou computador e não entrar em alguma rede social, distraindo-se; fora que não tem como aprender física olhando para uma tela”.
Sendo assim, Guimaraes conclui que o melhor seria se houvesse duas provas. “Acredito que ter uma prova para escolas públicas, e outra para as privadas, seria a maneira mais justa diante dessa situação, ou até separar o número de vagas dividindo cinquenta por cento para cada”.

Já Felipe Siufi, estudante do Colégio Pentágono em Alphaville, discorda da opinião do colega. Ele pretende estudar Engenharia de Produção e irá fazer a prova do Enem para tenta entrar na UNICAMP. Dessa forma, Siufi acredita que o adiamento do Enem não conseguirá mudar nada de maneira relevante, “não acho que em um mês os alunos das escolas públicas conseguiriam pegar todo o ensino de cem dias de aula online; então, o adiamento só causaria o esquecimento dos outros de todo o conteúdo”.
Porém, assim como o estudante de Osasco, o futuro engenheiro também acha a qualidade da EAD precária: “É impossível prestar atenção porque você assiste deitado, um ou outro levanta e vê a aula de forma séria”. Junto ao tema, ele falou que nesse tipo de ensino há mais distrações do que se comparar com a aula presencial. “Parar de prestar atenção é muito mais fácil porque se estiver na aula e conversar vão me chamar a atenção, diferentemente do EAD que posso simplesmente desligar, ou entrar na aula e fazer outras coisas”.
Ademais, o estudante do Pentágono diz que pelo estudo ser online as provas que antes eram individuais agora tornaram-se coletivas: “Nos últimos finais de semanas eu tive 3 simulados, toda a sala estava colando, e quem fazia mesmo, pelo menos dava uma verificada para ver se está correto” afirma dando uma risadinha. Portanto, Siufi fala também sobre o seu aproveitamento, “acho que estou em vantagem por estar em escola privada, mas não estou aproveitando, tem gente em escolas públicas que não tem a oportunidade e aproveitariam muito mais que eu”.
Beatris Ponce que está fazendo cursinho no Etapa de Ana Rosa, fala que não achou justo o adiamento da data do Enem, mas que não há outra saída. “Não tem como cancelar e perder um ano, o mínimo era adiar mesmo; e não só por minha causa, mas principalmente por quem estuda em escolas públicas ou não tem acesso à internet”.
Ela deseja entrar na USP para cursar Direito, no entanto, vê grandes desafios devido à improdutividade do estudo a distância: “É muito difícil de se concentrar em casa, além de que eu absorvo menos coisa, pessoalmente você pode tirar dúvida, online é mais superficial”. Outro ponto destacado dela foi que, diferentemente dos estudantes anteriores, Ponce não tem aula ao vivo, “por um lado é bom que posso pausar, mas por outro eu enrolo muito e acúmulo mais coisa”.
Por fim, no caso dela, existe a possibilidade de largar o cursinho, distante da realidade dos alunos que ainda estão na escola e querem também ter o ensino médio completo. Contudo, ela não pensa em largar, “vou continuar no cursinho mesmo se o segundo semestre for EAD porque apesar de ser muito diferente a qualidade da aula, cheguei à conclusão de que muitas pessoas estão desistindo, então ainda tenho chances, vale a pena persistir".
O entregador de aplicativo Renato Sicero, de 31 anos, é um entre os milhares de
entregadores que não pararam de trabalhar por causa da pandemia do novo coronavírus na
grande São Paulo. Há quatro anos Sicero percorre vários quilômetros pela Vila Matias, onde
mora, e pelo bairro do Tatuapé onde há maior demanda de pedidos do aplicativo Rappi.
Mesmo com salário menor, segue fazendo entregas diariamente.
“A demanda aumentou um pouco, mas antes da pandemia as taxas eram melhores, você fazia
10 entregas e já ganhava 100 reais, cento e pouco, hoje pra fazer 100 você tem que fazer
14/15 entrega”, diz Sicero.
O motociclista recordou que duas semanas atrás atendeu uma encomenda de supermercado e
ganhou pelos 6km rodados e os 10kg carregados o valor de R$ 7,50. “Foi bem menos do que
eu recebia antes, a mesma corrida eu ganharia por volta de uns 15 reais”, conta.
Sicero menciona a necessidade de seu trabalho e traça planos para o ano que vem. “Eu
trabalho por necessidade, e minha mulher está desempregada, sabe? Minha renda depende do
aplicativo, eu não tenho serviço físico, e também vou me casar ano que vem aí preciso mais
ainda do dinheiro, ainda não está marcado por causa da pandemia que atrapalhou nossos
planos.”
Já a situação de Hugo Siqueira de 34 anos, morador da Vila Nova York é diferente. Siqueira
trabalha há 2 meses como entregador do Uber Eats e viu na pandemia uma oportunidade de
“tirar um dinheiro a mais”.
“Vi a moto de um amigo encostada em um canto e resolvi fazer uma grana”. Siqueira
trabalha como técnico de radiologia em um laboratório no Tatuapé, e se aproveita da boa
localização para fazer as entregas. “Esse lado aqui da zona leste é onde tá mais pegando as
entregas por causa dos bares, restaurantes e tudo mais. Eu saio do laboratório, já ligo o
aplicativo e vou fazer a correria.”
O entregador revela quanto tem faturado em média nos últimos meses. “Eu estou tirando em
média 60 reais por dia, mas trabalhando bem, trabalho mais ou menos umas 7 horas direto,
sexta por exemplo eu trabalhei das 11 da manhã até as 6 horas da tarde.”
Siqueira também revela ter medo da exposição ao vírus: “eu tomo os cuidados básicos, uso
mascara, sempre passo álcool em gel e também evito o contato direto com o cliente, mas
mesmo assim o medo existe, pelo menos eu moro sozinho, então se eu pegar o vírus não vou
passar pra ninguém.”
Embora more sozinho, Siqueira não deixa de tomar os cuidados em casa. “Eu chego, já deixo
o tênis do lado de fora pra não entrar nada, coloco toda a roupa pra lavar e vou direto tomar
um banho, são essas as precauções que eu tomo.”
Denner Montie, de 41 anos, partilha dos mesmos medos e receios, residente na Vila
Formosa, ele se desloca todos os dias para a região do Tatuapé há mais de 1 ano e meio,
sempre com sua motocicleta e seu baú do Ifood, mas a situação já não é mais a mesma.
Montie diz que tem dias que quase não faz entregas por conta da grande concorrência nessa
pandemia. “Agora com o desemprego muita gente tá trabalhando com o aplicativo, a
concorrência ta grande, hoje mesmo eu só consegui fazer 2 entregas daqui a pouco to indo
embora”.
Entregador Denner Montie. OTÁVIO RODRIGUES PRETO
O entregador é outro que reclama que está trabalhando mais e recebendo menos. “Antes os valores eram bem melhores agora caiu bastante, antes eu tirava 150 reais por dia, hoje com sorte eu tiro 50/60 por dia.”
Em uma pesquisa feita pela Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (Remir Trabalho) ouviu 252 pessoas de 26 cidades entre os dias 13 e 20 de abril por meio de uma pesquisa online. Os dados da pesquisa revelaram que, antes da pandemia 48,7%, dos entregadores recebiam, no máximo, R$ 520,00 semanais. Durante a pandemia, estes passaram a ser 72,8% dos entrevistados.
Apenas 25,4% dos cadastrados nas plataformas de entrega dizem ganhar acima desse valor na quarentena, o equivalente a R$ 2.080 por mês. Antes, eram 49.9%.
Uma doença desconhecida que primeiro circulou por pessoas de classe mais alta, em suas viagens de avião. As primeiras vítimas brasileiras procuraram o Albert Einstein e depois veio a procura pelo SUS, o que gerou comentários como “essa doença só pega em rico”, que deu lugar ao ditado “alegria de pobre dura pouco”. Não demorou para que a pandemia se alinhasse às ordens já estabelecidas: do menor valor à vida de populações em posições de subalternidade. É a lógica da necropolítica.
Necropolítica é um termo cunhado pelo filósofo camaronês Achille Mbembe, em complementação ao conceito de biopolítica do filósofo francês Michel Foucault. De maneira a abranger outros territórios além dos europeus, como as colônias africanas, em que as lógicas de poder mudam. Mbembe estuda a forma como os governos decidem quem vai viver e quem vai morrer, além da maneira como as pessoas vão viver e morrer.

O debate acerca da validade do isolamento vertical, que protagoniza pronunciamentos do Presidente da República, não leva em conta parte da população que não consegue fazer nenhum tipo de isolamento de maneira adequada. Nem mesmo a afirmação da vida em prioridade à economia, faz sentido, quando não há renda para que parte da população se sustente. Pesquisa que utilizou dados do Datasus comprovou, com 95% de confiança, que entre 2012 e 2017, de 29.698 a 33.132 pessoas morreram em decorrência do aumento do desemprego. O estudo foi publicado em 2019 pela revista científica The Lancet Global Health.
O mestre em metafísica e pesquisador da necropolítica, Eliseu Amaro Pessanha, explica que as pessoas em posições de desassistência são as que mais morrem, pois “a subalternidade te coloca em um nível de vulnerabilidade social que a violência, a fome, a educação e a saúde vai sempre prevalecer em um nível de degradação tão grande que torna essa parcela da população sempre vulnerável a qualquer ameaça”, diz ele.
No Brasil, os negros são 32,8% das mortes por Covid-19, apesar de representarem apenas 23,1% das internações por Srag (Síndrome Respiratória Aguda Grave). Os dados de raça/cor passaram a ser divulgados pelo Ministério da Saúde no dia de abril, após pedidos da SBMFC (Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade) e da Coalizão Negra por Direitos.
A doutora em Saúde Pública Emanuelle Góes, explica que nosso país foi estruturado pelo racismo e pela lógica das hierarquias raciais, e que, portanto, tem ações que refletem a necropolítica e o genocídio. Nesta pandemia podemos notar que o Estado tem tomado iniciativas lentas, e por consequência “as pessoas que vão morrer e adoecer, são as pessoas que sempre adoecem e morrem” diz Góes.
As “pessoas que sempre morrem”, morrem por falta de políticas públicas como saneamento básico, saúde preventiva e educação de qualidade. Se isso fosse oferecido a toda a população, surtos de dengue, febre amarela e malária já não seriam mais realidade. Mas continuam sendo, pois “faz parte dos mecanismos da necropolítica manter esse estado de precariedade para parte mais pobre da população”, diz Eliseu.
O governo tem tomado supostas medidas universais, em que considerável parte da população não é contemplada, como é o caso do isolamento social. Segundo Emanuelle, pessoas que vivem em bairros com adensamento populacional, sem saneamento básico e acesso à saúde, além da população carcerária, deveriam ser vistos como grupos prioritários e medidas de proteção específicas deveriam ser pensadas.
Segunda a doutora em Saúde Pública, Laura Camargo Feuerwerker, essas populações já estão com o “corpo debilitado” para enfrentar a doença. Independente de idade ou de doenças crônicas, a falta de assistência e também o desemprego afetam continuamente a saúde dos indivíduos. Ela chama atenção para o fato de que a capacidade instalada nas regiões mais vulneráveis é menor, e as pessoas terão que ser transferidas para outros pontos da cidade. Pesquisa divulgada neste mês pela Rede Nossa São Paulo revela uma distribuição desigual de leitos nas UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) na capital paulista. De acordo com o estudo, três subprefeituras localizadas em regiões mais ricas, concentram 9,3% da população do município e mais de 60% dos leitos públicos de UTI. E em sete subprefeituras localizadas em regiões mais pobres da cidade, que concentram 20% da população, não há nenhum leito.
Laura critica a maneira como algumas medidas vêm sendo tomadas, como é o caso dos abrigos para moradores de rua, que não atendem ao distanciamento recomendado. Pensando em medidas eficazes que deveriam ser tomadas, ela diz que em primeiro lugar é preciso garantir água e comida (não só para os moradores de rua, mas para toda população vulnerável). E sobre o isolamento adequado, ela aponta o uso temporário de hotéis para alojar essas pessoas ou o adequamento de CEUs e escolas para recebê-los.
Discursos de governantes e empresários ressaltam a necropolítica ao desprezar a vida humana em favor da economia, enquanto isso a população alvo passa pelo dilema de “morrer de fome ou ser vítima do Covid-19”, adverte Eliseu. E propõe uma reflexão acerca de um dos discursos do presidente Jair Bolsonaro, em que ele suaviza os efeitos do coronavírus ao dizer que as maiores vítimas serão os idosos, e que para pessoas saudáveis não há riscos. O pesquisador provoca: “agora, imagina o presidente usando no seu discurso os dados das pesquisas mais recentes que demonstram que os negros são as maiores vítimas, como seria a reação da opinião pública? E vamos imaginar um cenário bem catastrófico em que a pandemia comece a exterminar a população indígena principalmente em áreas ameaçadas pelo garimpo e pelo agronegócio, qual vai será a reação da opinião pública?”.
“Esse necroliberalismo só muda o discurso quando os próprios donos do discurso são acometidos pela doença”, conclui Eliseu.