Episódios contam histórias reais de jovens que morreram por tiros com armas das
por
Khauan Wood
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16/06/2025 - 12h

Idealizado, produzido, dirigido e apresentado por Khauan Wood, estudante do curso de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o podcast tem o intuito de contar histórias reais de jovens que morreram em decorrência da violência policial do Brasil.

Dados de um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado em abril de 2025, mostram que a taxa de mortalidade de crianças e adolescentes pela PM cresceu 120% entre 2022 e 2024, apenas no estado de São Paulo.

Com uma imersão sonora, o áudio é pensado para ser rápido. Tudo no podcast é pensado para se assemelhar a um tiro. Além disso, conta com músicas que retratam justamente a violência policial no país.

Ficha técnica

  • Idealização, direção e apresentação: Khauan Wood

  • Duração: 5min22seg

  • Orientação: Prof.ª Dra. Anna Flavia Feldmann

 

Na região central da cidade, o número de pessoas vivendo nas ruas aumenta e com ele a perseguição a quem oferece ajuda humanitária
por
Iasmim Silva
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12/06/2025 - 12h

O trabalho voluntário liderado por ONGs (Organizações Não Governamentais) no centro de São Paulo tem mobilizado o apoio popular na tentativa de suprir a lacuna deixada pelo Estado no atendimento à população em situação de rua.

Por outro lado, os projetos têm enfrentado intimidações e ataques da porção conservadorista da atual gestão pública paulistana, apesar das iniciativas serem independentes de financiamento governamental.

A mais recente ocorreu em maio, quando o prefeito Ricardo Nunes vetou as ações da Moradores de Rua e Seus Cães, ONG que presta assistência à população em situação de rua com alimentos, itens de higiene pessoal e cuidados veterinários para os animais de estimação que os acompanham.

Em março desse ano, o vice-prefeito de São Paulo, Coronel Mello Araújo, acusou o padre Júlio Lancelotti, que coordena a Pastoral do Povo de Rua, de fazer um “desserviço” ao oferecer ajuda comunitária no bairro do Belém, na Zona Leste da capital e, ainda, o responsabilizou pela criação de uma “nova Cracolândia”.  

Mello Araújo, Coronel e ex-chefe das Rotas Ostensivas Tobias Aguiar (ROTA), foi indicado pelo ex-Presidente Jair Bolsonaro ao atual prefeito Ricardo Nunes (MDB). Em entrevista ao Portal UOL, gerou críticas ao afirmar que a abordagem policial deve ser diferente em bairros periféricos e em outros de classe alta.

“Perplexo com comentário do vice-prefeito de São Paulo, que me coloca em situação de risco”, disse o padre, em uma postagem nas redes sociais feita após a acusação de Mello Araújo.

Intimidações, incitação de ódio, violência verbal e ameaças explícitas não são novidade para quem oferece ajuda humanitária em São Paulo, alvos frequentes de políticos e civis.

Em entrevista à AGEMT, a Dra. Lígia Bahia, médica sanitarista e doutora em saúde pública, explica que o maior erro da atual gestão é não reconhecer a realidade. “Frequentemente as pessoas em situação de rua são consideradas como um fenômeno indesejado, um transtorno, e não cidadãos com direitos”, diz ela.

Segundo o advogado Eduardo Muylaert, criminalista e especialista em direito público, a tentativa de criminalização se dá de forma velada, por meio de discursos oficiais, ameaças jurídicas e tentativas de associar o trabalho voluntário a “incentivo à permanência nas ruas”. “É uma narrativa perigosa, que transforma o cuidado em crime. Precisamos lembrar: solidariedade não é ilegal. Pelo contrário, é um dever ético e um direito protegido pela Constituição Federal e por tratados internacionais assinados pelo Brasil.”

Apesar das melhorias em acessibilidade, transporte ainda impõe desafios a quem não enxerga
por
Maria Julia Malagutti.
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15/05/2025 - 12h

Pessoas com deficiência visual ainda enfrentam dificuldades significativas no transporte público brasileiro, uma realidade que persiste apesar das tentativas de inclusão e adaptação dos sistemas de transporte. No cotidiano, muitos usuários relatam barreiras no uso de ônibus, trens e metrôs, que comprometem a autonomia e segurança de quem depende do transporte público para se locomover. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 7 milhões de brasileiros com 2 anos ou mais declararam ter muita dificuldade ou não conseguir enxergar de modo algum.

Maria de Souza, 32 anos, é deficiente visual e utiliza o transporte público diariamente para se deslocar ao trabalho. “É um desafio constante. Mesmo com as melhorias, ainda há muitos pontos de falha”, afirma Maria, que vive em São Paulo. “Muitas vezes, o ônibus para no lugar errado, o motorista não avisa a minha parada e eu preciso contar com a boa vontade de estranhos para me ajudar”, complementa. 

Embora a legislação exija adaptações como piso tátil, sinalização sonora e informações visuais nos veículos, muitos desses recursos não são suficientes para garantir a acessibilidade completa. Além disso, o treinamento de motoristas e cobradores não é homogêneo, o que agrava o problema. Para muitas pessoas com deficiência visual, o simples ato de utilizar o transporte público se torna uma luta diária pela autonomia. 

O sistema de transporte em grandes cidades, como São Paulo, possui algumas iniciativas, como os sistemas de áudio nos metrôs e ônibus, mas as falhas ainda são frequentes, especialmente em áreas periféricas ou em horários de menor movimento. “É uma questão de segurança e dignidade. Eu não deveria precisar de ajuda o tempo todo para saber onde estou ou onde descer”, diz Maria. 

A dificuldade de locomoção das pessoas com deficiência visual não se limita apenas à adaptação física dos veículos e pontos de transporte, mas também à falta de conscientização e treinamento adequado de quem opera o sistema. 

O urbanista e pesquisador em mobilidade inclusiva,  Rafael Mendes, destacou a importância de uma abordagem mais integrada para garantir a acessibilidade no transporte público. Segundo ele, "a acessibilidade não pode ser tratada como um item opcional ou complementar; ela deve ser parte central do planejamento urbano e do desenho dos sistemas de transporte". Mendes enfatizou que, além das adaptações físicas, é fundamental investir na formação contínua dos profissionais que atuam no setor, para que compreendam as necessidades específicas dos usuários com deficiência visual e possam oferecer um atendimento mais humanizado e eficaz.

 

Influenciadora é chamada de "homem" por espectadora; confusão gerou vaias, atraso no espetáculo e intervenção policial
por
Carolina Zaterka
Manoella Marinho
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15/04/2025 - 12h

 

Malévola Alves, influenciadora digital e mulher trans, denunciou ter sido vítima de transfobia no Teatro Renault, em São Paulo, no dia 26 de março de 2025, ao ser tratada pelo pronome masculino e chamada de “homem” por uma espectadora. O incidente ocorreu antes do início do musical “Wicked”. Malévola, com mais de 840 mil seguidores, publicou trechos do episódio em suas redes, que rapidamente viralizaram.

Segundo relatos de testemunhas e da própria vítima, a confusão começou quando Malévola esperava uma nota fiscal e a mulher atrás dela mostrou impaciência. As duas trocaram palavras e, ao se afastar, a mulher teria gritado "isso é homem ou mulher?" em sua direção. A vítima então se sentiu ofendida e levou a denúncia à plateia, apontando a espectadora como autora do ataque transfóbico, causando um tumulto que paralisou a plateia.

A reação do público foi de imediato apoio a Malévola, com vaias à agressora e pedidos para que ela fosse retirada do teatro. “A gente não vai começar a assistir a um espetáculo que é extremamente representativo para a diversidade com uma mulher dessa aqui. Não faz o menor sentido”, afirmou um dos espectadores durante o protesto.

Diante da pressão da plateia, a apresentação atrasou cerca de 30 minutos. A mulher acusada acabou saindo do teatro sob escolta policial, levada à  delegacia para realizar um boletim de ocorrência, recebendo aplausos e vaias dos demais presentes. Miguel Filpi, presente no evento, celebrou nas redes sociais: “Justiça foi feita!! Obrigado a todo mundo nessa plateia que fez a união para que isso acontecesse.”

Carlos Cavalcanti, presidente do Instituto Artium (Produtor do musical), pediu desculpas pelo ocorrido antes de dar início ao espetáculo: “Peço desculpas por esse acontecimento e por esse atraso. Tudo o que a gente pode admitir, é bom que a gente admita na vida, mas transfobia em Wicked, não dá”. A atriz Fabi Bang, também se manifestou durante e após o espetáculo: “Transfobia jamais” - uma improvisação durante a música “Popular”.

 

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Fabi Bang, atriz que interpreta Glinda, em apresentação do musical. Foto: Blog Arcanjo/Reprodução

Viviane Milano, identificada como a espectadora acusada, negou as acusações em um pronunciamento, alegando que a confusão na fila da bombonière não foi sobre identidade de gênero, mas sobre uma tentativa de furar fila. Ela afirmou: “Perguntei em voz alta: ‘Era o homem ou a mulher que estava na fila?’”, dizendo que sua pergunta foi mal interpretada.

A produção de Wicked e membros do elenco reiteraram seu compromisso com a diversidade e repudiaram o incidente. A nota oficial da produção destacou: “Nosso espetáculo é e continuará sendo um espaço seguro para todas as pessoas, independentemente de identidade de gênero ou orientação sexual.”

Declaração é realizada 50 anos após a morte do jornalista pela ditadura militar
por
Beatriz Alencar
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25/03/2025 - 12h

O jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 1975, foi declarado, no dia 18 de março, anistiado político post mortem pelo governo. A decisão foi publicada pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) no Diário Oficial e, além do reconhecimento, a decisão incluiu uma reparação mensal permanente para a viúva Clarice Herzog, no valor correspondente ao cargo que o jornalista ocupava antes do assassinato, de diretor do Departamento de Jornalismo da TV Cultura, equivalente a R$ 34.577,89.

Em nota, o Instituto Vladimir Herzog, criado para preservar a memória do jornalista e destacar problemas da sociedade causadas pelo golpe de 1964, celebrou a conquista: “Este importante reconhecimento, que ocorre após 49 anos de luta incansável por memória, verdade, justiça e democracia, liderada por Clarice, é tão mais simbólico, pois, acontece em 2025, marco de  50 anos do assassinato de Vlado. Seguiremos confiantes de que o Estado Brasileiro cumprirá com, além deste, todos os demais pontos resolutivos da Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Herzog”.

O agora anistiado, foi preso, torturado e morto em São Paulo, pela ditadura militar. Em 1975, o jornalista foi convocado pelos militares a prestar depoimento dentro do DOI-Codi sobre uma possível ligação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas nunca mais retornou para a família.  

 

Vladimir Herzog
Foto: Reprodução: Editora Senac / Livro Jornalistas, lançado em dezembro de 1997

 

Apesar disso, a versão oficial da época divulgada pelos militares, foi que Herzog teria se suicidado dentro da cela de confinamento. No entanto, investigações comprovaram que a causa da morte teria sido após o jornalista passar por tratamentos de tortura. Mas foi somente em 2013 que a Justiça de São Paulo determinou uma mudança na causa da morte no atestado de óbito de Herzog. Agora, no documento consta: “morte causada por asfixia mecânica por enforcamento em decorrência de maus tratos sofridos durante interrogatório em dependência do 2º Exército (DOI-Codi)”.

Para o filho do jornalista, Ivo Herzog, esse reconhecimento não aconteceria sem a disposição da família de lutar pela memória do pai. “São quase 50 anos de luta iniciada pela minha mãe na busca da verdade e justiça. Esta reparação concedida agora de alguma forma colabora neste processo de busca pela justiça e poderá ajudar que minha mãe tenha segurança na atual etapa de sua vida”, declarou em entrevista à Agemt.

 

Ivo Herzog
Foto: Ivo Herzog, filho de Vladimir Herzog,  em coletiva de imprensa | Reprodução: Estadão / Fotógrafo: Manoel Marques

 

 

Ivo ainda relata que ainda há muito o que ser conquistado. Em abril de 2024, a Comissão da Anistia concedeu o título de anistiada para Clarice Herzog e o Estado oficializou um pedido de perdão à viúva, em reconhecimento aos anos de perseguição e pela resistência em não aceitar o silenciamento do governo em torno do desaparecimento e assassinato do marido.

“Há 4 pedidos de Anistia na Comissão de Anistia: Meu pai, minha mãe, eu e meu irmão. Só concederam o da minha mãe. Ou seja, o pedido de perdão até este momento somente foi feita para a minha mãe. Estamos cobrando o mais importante pedido de perdão que seria para o que foi feito ao meu pai”, declarou Ivo.

O filho mais velho do casal também diz se orgulhar da luta e das conquistas feitas em nome do pai e acredita que, se pudesse descrever o que Vladimir Herzog acharia de todos os atos feitos em reconhecimento da memória dele, seria orgulho. “Acho que ao longo destes quase 50 anos conseguimos cuidar bem da ‘memória’ dele. E talvez ainda mais  importante, de forma natural a sociedade brasileira trata com muito carinho a história do meu pai. Acho que isto significa realmente muito”, acrescentou.

Mesmo em menor número, elas são as que mais sofrem estando desabrigadas pelas ruas em São Paulo.
por
Antônio Valle
Luísa Ayres
Manuela Dias
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30/03/2023 - 12h

Na maior capital da América Latina, uma das 20 cidades mais ricas do mundo, cerca de 48.261 pessoas se encontram em situação de rua. Para piorar, quase 30% dessas pessoas permanecem marginalizadas há mais de dois anos e cerca de 26% já não sabem o que é ter um teto há um período de mais de meia década.  

Desse total de quase 50 mil pessoas em completa vulnerabilidade social, 17,2% são mulheres. De acordo com o último Censo de 2021 sobre a população em situação de rua, as 3 regiões mais ocupadas por elas em São Paulo são a Sé (5,9%), a Vila Mariana (0,7%) e Santo Amaro (0,6%). 

 

Menor número, maiores vítimas 

Considerando a rua como um cenário predominantemente masculino, as violências, estupros e comportamentos característicos de opressão contra as mulheres, se reproduzem de forma ainda mais acentuada e naturalizada. Portanto, o fato de as mulheres serem o menor número percentual não necessariamente pode ser analisado como um dado positivo, já que a predominância de homens, como em qualquer outro lugar, evidencia os desafios ligados ao machismo e à estrutura patriarcal da sociedade como um todo.       

Para se protegerem, muitas procuram viver em grupos com outras mulheres ou estar com companheiros que possam lhes passar uma maior segurança perante os demais homens por perto. Esse cotidiano se assemelha muito a um dos principais motivos que levam muitas mulheres a viver longe de suas casas: os conflitos familiares (incluindo a violências doméstica e os abusos sexuais).  

“Aqui, uma mulher ajuda a outra”, confirma Samira*, de 20 anos. Há três meses em situação de rua, dorme atualmente na Praça da Sé. Para ela, estar com seu companheiro e pai de suas duas filhas, é um alívio. “Por eu viver na rua, eu já vi muitos casos (de violência). Eu, no meu caso, tenho meu esposo, que me ajuda, me protege. Mas tem muito homem violento né, tipo homem bêbado. Tem muita mulher sozinha que sofre bastante”, explica.  

O segundo maior motivo para o desabrigo de mulheres costuma ser o desemprego, que relacionado, muitas vezes, à dependência econômica que algumas delas possam ter em relação a companheiros abusivos, não lhes permite a fuga para algum outro lar mais seguro. Sem opção, o fim acaba sendo a sobrevivência nas ruas, longe do antigo abusador e perto de novos.  

Fugir: para onde? 

As consequências desse novo cotidiano, marcado ainda pela fome, frio e falta de assistência e acompanhamento médico podem ser diversas, levando ao desenvolvimento de transtornos psicológicos, doenças não tratadas ou identificadas, infecções íntimas, gestações indesejadas e até mesmo ao uso de drogas, sobretudo como alívio do sofrimento e fuga dessa dura realidade.  

Sobre o acesso ao atendimento médico e ao acompanhamento da saúde da mulher, a jovem diz ser uma situação muito difícil, sobretudo por causa da discriminação: “A gente mora na rua aí acha que a gente tem doença”. 

Segundo estudo realizado pela pesquisadora Patrícia Reis Carvalho com cerca de 40 mulheres em situação de rua em Belém, 42% das entrevistadas dizem ter feito uso de drogas durante o período de vivência nas ruas – não necessariamente tendo o uso de substâncias ilícitas como motivo principal para a saída de seus lares.  Esses dados ajudam a descontruir a imagem pejorativa ainda muito presente no imaginário popular de que pessoas que vivem nessas condições - ou melhor, que convivem com a falta delas – sejam todas viciadas, e que estão na rua apenas com o intuito de poder usar drogas.   

Samira*, por exemplo, conta que está na rua pois perdeu seu barraco de madeira durante uma enchente. “Levou tudo que a gente tinha... só deu tempo de a gente pegar as crianças, os documentos e sair, sabe?”. Hoje, vive a difícil realidade de estar desabrigada com uma bebê de 1 ano e outra recém-nascida, internada na UTI da Santa Casa, que após nascer na rua, contraiu sérias infecções.  

Pobreza menstrual 

Outra dificuldade enfrentada por elas, é a pobreza menstrual, um problema que assola cerca de 4 milhões de mulheres que menstruam pelo mundo, conforme aponta a Unicef. No Brasil, um levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Locomotiva, em conjunto com a marca de absorvente Always, mostra que 52% das pessoas que possuem ciclo menstrual, já tiveram que lidar alguma vez na vida com a falta de absorventes, itens de higiene, água tratada para limpeza pessoal ou acesso à banheiros, fatores que caracterizam a condição da pobreza menstrual.   

“Antigamente, vinha bastante doação de absorvente, escova de dente, coisas de higiene... só que agora tá em falta”, conta Samira*, pedindo ajuda. Ela também relata não saber de lugares que distribuam os absorventes de forma gratuita, e que se existem, não são divulgados para as mulheres na mesma situação que a dela.  

Alguns por muitas 

Apesar de não serem a maioria sobrevivendo pelas ruas, as mulheres são as menos acolhidas e ajudadas: enquanto a taxa de acolhimento dos homens chega a 83,2%, a assistência fornecida ao gênero feminino não chega a 17% do total de desabrigadas, também segundo dados do censo de 2021. 

Apesar dessa problemática, muitas organizações, governamentais ou não, desenvolvem projetos de ajuda e acolhimento direcionados à essas mulheres. Uma delas, é a Casa Maria Maria, uma Casa de Apoio e Centro de Acolhida (CAE) localizada na região do Canindé, na zona norte da capital paulista.  

Segundo a Prefeitura de São Paulo, “essa modalidade destina-se a priorizar públicos específicos que requerem atendimento diferenciado, respeitando o gênero. Neste tipo de serviço, as mulheres podem estar acompanhadas ou não de seus filhos”. 

Juliana Ferreira, assistente técnica do Maria Maria, conta que as mulheres abrigadas na casa têm contato com parentes e amigos, saem todos os dias, trabalham, estudam e retornam para o Centro, onde ficam à disposição telefones e wi-fi gratuito. “Elas têm toda autonomia da vida delas. Elas só estão aqui em acolhimento”, garante. 

No entanto, algumas regras precisam ser seguidas: há horário limite para entrada na casa, lista de presença e, caso sejam constatados 4 dias de falta seguidos, as mulheres sofrem desligamento, perdendo sua vaga no abrigo.  

O espaço em si conta com quartos compartilhados para até 20 pessoas, em leitos baixos e altos - e também berços, sala de TV, quintal, lavanderia, espaço com brinquedos para os filhos das moradoras, refeitório que serve até 5 refeições por dia e serviços médicos e sociais quando necessário.  

“Elas que limpam os quartos e banheiros que usam, fazem escala”, explica Juliana, que também garante a permanência dessas mulheres na casa por quanto tempo precisarem e quiserem. Ainda assim, um teto para dormir não resolve todos os problemas que essas mulheres enfrentam no dia a dia. Segundo relatos, havia uma moradora que apesar do abrigo e da alimentação, ainda assim precisava sair de noite, chegando depois do horário, por conta da vida na prostituição.  

Por se tratar de um lar para mulheres e crianças de até 17 anos, homens ou não, todo cuidado é tomado, desde a segurança dessas mulheres em convivência com os meninos quanto com a higiene, por exemplo, para que bactérias da rua não prejudiquem a saúde interna das moradoras e seus filhos. “Essa parte da higiene é imprescindível”, pontua Juliana.  

Quando recebidas pela primeira vez, após o encaminhamento do Centro de Estudo e Serviço Social (CEAS), e também através do SP 156, portal de acolhimento da Prefeitura, essas mulheres são locadas para os abrigos e centros que dispuserem de vagas. Chegando lá, são acolhidas com kit de cama novo e itens de higiene e direcionadas para seus quartos, tendo direito a um armário por pessoa, onde podem guardar seus pertences. No entanto, nem sempre essa é a realidade. 

“Muitas chegam aqui sem nada... Não tem roupa, não tem calçado, não tem nada. Nem documento”, relata a assistente técnica.  

Com cerca de 100 pessoas atendidas todos os dias por mais de 40 funcionários, os desafios internos também são grandes. Apesar da verba destinada pelo próprio governo, Nadia Nicacio, conta que sem as doações, a Casa Maria Maria não conseguiria sobreviver.  

Assim como Samira e as mulheres atendidas na casa administrada por Nádia e Juliana, outras milhares continuam em situação de rua e vulnerabilidade social e seguem dependendo de doações e de centros de acolhimento como este para sobreviver. Para ajudar no acolhimento delas, ligue para o 156 ou contribua com doações para a Casa Maria Maria e demais centros e ONGS que fazem a diferença. 

Infográfico com os dados a cerca das mulheres em situação de rua com base no Censo de 2021 - Reprodução própria

 

O relato de um ex-detento e o que ele espera para o futuro
por
Marcelo Ferreira Victorio
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28/11/2022 - 12h
Parentes de presos aguardam notícias em frente a Cadeia Pú… | Flickr
Foto: Marcelo Camargo/ABr

 

Por Marcelo Ferreira Victorio

“Eu gostava de estudar História, Geografia e jogar bola na escola. Estudei até o 1° ano do ensino médio e depois disso fiz supletivo, não aguentava mais ir todo dia. Na época eu morava com minha mãe, minha avó e minha irmã. Elas não sabiam de muita coisa que eu fazia, só souberam quando fui preso”, conta João (nome fictício), sobre como era sua vida antes de ser preso.

O curto relato é de João, pai de 2 filhos, filho e irmão que preferiu se identificar sem seu nome real por, em suas palavras, “ter medo de não conseguir um emprego fichado e vergonha de saberem o que fez”. “Não desejo nem para o meu pior inimigo o que eu passei na cadeia. É desumano, sabe? Não tinha lugar nem para eu fazer minhas necessidades básicas. A comida era azeda, eu que sempre fui acostumado a comer comida de vó, comida caseira, sei do que eu estou falando”, conta João rindo da situação. “Foram os piores dias da minha vida, não quero passar por isso de novo nunca mais!”, completa.

Com quase 1 milhão de presos, o Brasil ocupa a terceira posição no ranking de mais presidiários no mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos e China, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Para cada 10 juízes no país, 8 são brancos; enquanto para a população carcerária, para cada 3 detentos, 2 são pretos e/ou pardos.

“Eu fui preso por roubo. Roubei dois ou três mil reais de uma pessoa e eu usava o dinheiro para ir em bailes, comprar roupas, tênis e outras coisas que eu não lembro agora. Eu paguei três mil reais por alguns anos na cadeia. Sei que atrasar o lado dos outros é errado, mas passar o que eu passei preso não acho justo, comida zoada e de vez em quando vinha uma maçã”, relata o entrevistado.

A maior parte dos presos hoje faz parte do grupo dos crimes contra o patrimônio, com mais de 300 mil pessoas, o segundo maior grupo é o relacionado às drogas, com pouco mais de 200 mil. A pandemia e o desemprego foram fatores cruciais para o elevado número de presos neste ano vigente.

A família de João foi muito presente enquanto esteve preso, principalmente sua mãe Rosana (nome fictício) “Eu ajudava como podia né? Visitava sempre que podia, levava comida e ia matar a saudade do meu filho. A maioria dos amigos dele não quiseram nem saber de visitá-lo, só um ou outro. Mas mãe é mãe, né? A irmã dele visitava ele em alguns dias também. São nesses momentos que a gente percebe quem está com você e quem não está”.

A vida pós-cárcere não é fácil em nenhuma perspectiva. “Não consigo arrumar um emprego fichado. A empresa vê que eu saí há pouco tempo da cadeia e não me dá oportunidades, eu fiz curso e sei fazer muitas coisas. Eu não entendo esse negócio de ressocialização que eles tanto falam. Eu sei que eu errei, mas já cumpri o que eu tinha que cumprir. Hoje eu trabalho mais com bico né? Entrego panfleto, sou puxador de algumas lojas e às vezes trabalho entregando comida, só que agora eu parei porque estou sem bicicleta”, conta João. “Nem namorada eu consigo, acredita? Uma vez eu mandei meu número para a moça e ela viu todos meus dados no Google e o que eu tinha feito. Na hora eu ri pra caramba com a situação. Imagina, já pensou se eu perdi o amor da minha vida?” completa dando risada da situação vivida.

Há uma falácia entre aqueles que nunca foram até um presídio de que as coisas ocorrem de forma violenta, sem organização. Pela ótica de João, não é assim que as coisas acontecem: “Acho que é normal. Lá tem suas regras, igual aqui fora. Sei que tem gente que fez coisas indefensáveis lá dentro, mas são poucos. Eu procurava ficar mais na minha lá, mas dos que eu tive contato, a maioria estava lá por ter roubado ou traficado. Alguns até diziam que eram inocentes e eu vou te confessar que eu acredito nessas pessoas, sabia? A justiça é injusta algumas vezes”.

Hoje, João quer transformar a vivência que teve em música, busca inspiração em muitos artistas brasileiros no Rap e funk, como: Sabotage, Dexter, Poze do Rodo, MC Kevin e Mano Brown. “Até meus 14 anos meu maior sonho era ser jogador de futebol, jogo bem até hoje, já joguei várias competições de várzea. Hoje meu maior sonho é estourar como músico. Tenho algumas coisas escritas, uma hora se Deus quiser sai uma música. Me inspiro muito nos funkeiros e nos rappers que a gente tem hoje, mas sou meio tímido. Ano que eu estouro, esquece!”, disse João.

O relato é parecido com a realidade de muitas outras pessoas pelo Brasil, num País que deixa de investir em educação e marginaliza cada vez mais uma parcela da população para que se tornem indivíduos violentos. O relato hoje foi de João, mas amanhã pode ser do José, Antônio, Carlos ou Paulo, basta que o Estado te veja como um inimigo.

A insegurança alimentar no Brasil ultrapassou quatro vezes a média global em 2021, fazendo com que cerca de 15,4 milhões de brasileiros estivessem dentro das estatísticas de vulnerabilidade
por
Victoria Leal
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19/11/2022 - 12h

De acordo com um relatório das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) publicado em julho deste ano, o número de brasileiros que passaram a integrar o cenário da insegurança alimentar passou de 60 milhões, dos quais cerca de 15,4 milhões se enquadram na classificação grave.

Uma pesquisa global realizada pela empresa de pesquisa de opinião dos Estados Unidos, Gallup, mostrou que, dentre 120 países (desenvolvidos e em desenvolvimento) a crise de gestão alimentícia do Brasil passou quatro vezes a média global do ano de 2021.

O que é “Insegurança Alimentar”?

Além da fome, pobreza ou da desnutrição, a insegurança alimentar é a condição do indivíduo que não tem acesso regular e consistente a alimentos que satisfaçam suas necessidades, seja dentro da esfera física, social ou econômica. Essa condição diminui a variedade nutricional das refeições e interrompe o padrão tradicional da alimentação.

Esse cenário pode ser categorizado em três níveis:

  • Insegurança Alimentar Leve: quando se tem acesso aos alimentos, mas com a incerteza de sua constância;
  • Insegurança Alimentar Moderada: quando a variedade e qualidade dos alimentos que antes eram consumidos é comprometida, de forma que se tenha uma redução ou corte de refeições;
  • Insegurança Alimentar Grave: quando o indivíduo chega ao estágio de passar fome, não há condições para uma alimentação minimamente nutritiva e há o intervalo de mais de um dia entre as refeições.

Essa circunstância se dá pelo agravamento das condições socioeconômicas causadas pela pandemia, de maneira adicional aos problemas que já eram estruturalmente nocivos para a sociedade, como a fome, a desnutrição, a pobreza e uma série de fatores que ainda hoje impedem a parcela mais vulnerável da sociedade de firmar estabilidade.

Em entrevista, o estudante Pedro Henrique, de 19 anos, afirma que após o início da pandemia, quando a inflação começou a subir mais rápido que o reajuste salarial e a mãe ficou desempregada, um salário-mínimo já havia deixado de ser suficiente: “conforme a nossa renda foi diminuindo, nós fomos deixando de consumir a maior parte dos alimentos que consumíamos antes, a variedade foi de um prato minimamente balanceado para outro que se resumia a arroz com ovo”.

Pedro ainda reforça que os efeitos causados pela insegurança alimentar são muitos e vão desde um sentimento de injustiça até uma apatia com a vida. Vale ressaltar que as pessoas nessas condições convivem com tamanho desamparo ao ponto de distribuírem sua pouca renda em despesas urgentes e que nem sempre conseguem se equipar de insumos básicos para a vida cotidiana, como produtos de limpeza, higiene, roupas e alimentos: “Era extremamente difícil ir dormir, às vezes, com fome, sabendo que o dia seguinte seria igual e que os meus amigos estavam em uma situação melhor que a minha [...] A falta dos produtos de higiene e a falta de comida me davam o sentimento de humilhação”.

Brasil, um copo meio cheio ou vazio?

Por se tratar de um país com condições continentais, o Brasil possui um sistema de “Estoques Reguladores”, que funcionam como reserva de emergência em casos de altas demandas sazonais para que o mercado possa minimizar os efeitos da inflação e incertezas socioeconômicas. Disponível no site da Companhia nacional de abastecimento (CONAB), é possível acessar o portal de transparência da Gestão dos Estoques Públicos e através disso ver a posição, venda, doação, aquisição e remoção das reservas, como também monitorar perdas e armazenamento.

Durante sua atividade política, o ex-presidente Michel Temer propôs acabar com os estoques reguladores e deixar o mercado se autorregular, o que proporcionaria danos irreversíveis aos brasileiros economicamente desamparados, tendo em vista os reflexos da inflação. Entretanto, mesmo com o não cumprimento da proposta, o Brasil se encontrou em uma situação extremamente sensível com o início da pandemia, na qual o número de pessoas em situação de rua aumentou exponencialmente, junto a questões sociais de desamparo populacional.

A voluntária Jô Mainardi, formada em relações públicas, junto a dezenas de outras pessoas, deu sequência a um projeto de iniciativa privada, anterior à pandemia, para ajudar pessoas em situação de rua, entretanto com a COVID-19, Jô e outros colaboradores notaram o aumento do número de pessoas que precisavam de auxílio socioeconômico, então reformularam o projeto de maneira que cada um deles passasse a produzir marmitas em sua própria residência, de acordo com o volume e as condições que pudesse.

“Quando trabalhamos juntos antes da Pandemia, nós nos juntávamos uma vez por semana para cozinhar, isso rendia algo em torno de 150 marmitas. Com o isolamento e cada um cozinhando na sua casa, nós conseguimos juntar ainda mais colaboradores! Conseguimos chegar a uma produção de 4 mil marmitas semanais nesse esquema. Um trabalho de formiguinha, mas que no final ajuda muita gente!”, explica ela, posteriormente a iniciativa se transformou na ONG “O Amor Agradece”, responsável pela distribuição de alimentos, roupas, produtos de higiene e calçados, além de fornecer apoio para famílias carentes que passam pela insegurança alimentar em São Paulo.

Como a sociologia e a psicologia podem explicar o desprezo pela a população em situação de rua
por
Christian Pereira Policeno
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18/11/2022 - 12h

Não é novidade que a sociedade de modo geral, principalmente a brasileira, vive um momento extremamente difícil. Seja por conta do alto índice de desemprego, a alta inflação dos produtos mais básicos no mercado, a violência cada vez mais presente no dia a dia e muitos outros problemas que as pessoas vivem diariamente. Porém, toda vez que estas dificuldades são trazidas à tona, principalmente no período que houve no país recentemente (as eleições), existe um “grupo” de pessoas que sofre ainda mais que a população de modo geral, porém é esquecido historicamente, tanto pelo estado, quanto pela própria sociedade: a população em situação de rua.

Segundo o Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, (plataforma do Programa Transdisciplinar Polos de Cidadania da Universidade Federal de Minas Gerais), em maio de 2022, 184.638 pessoas viviam em situação de rua no Brasil, este número torna-se ainda mais problemático visto que em dezembro de 2021, o número de pessoas nesta condição era de 158.191 pessoas, ou seja, só neste pequeno espaço de tempo, a quantidade de indivíduos nesta condição aumentou em 26.447 pessoas. A capital paulista lidera este ranking de maneira isolada, possuindo ao todo 42.240 pessoas em situação de rua, um número quase quatro vezes maior que a cidade do Rio de Janeiro, que ocupa a segunda colocação, com 10.624 pessoas.

Todavia, apesar dos dados comprovarem que esta dura realidade é muito presente no país, e tem se tornado cada vez maior, a população de modo geral se acostumou com isto, tratando esta situação de uma maneira extremamente comum, fazendo com que as pessoas em situação de rua tornem-se invisíveis perante a sociedade. O pós-doutor em sociologia pela UNICAMP, Michel Netto, trouxe alguns pontos sobre o assunto:

“Sobre a questão do estado, não se pode trazer como apenas uma questão homogênea, ou seja, os diferentes governos que passaram pelo país nos últimos anos, tiveram diferentes formas de lidar com este problema, uns lidando de uma maneira mais correta, outros realizando ações completamente diferentes, tratando a população de rua de maneira completamente incisiva e violenta [...] Além disto, não se pode dizer que a relação da população e do estado é uma questão de causa e efeito, mas sim, existe uma influência por parte do estado nesta situação, além de outras questões”

Michel Nicolau Netto - Foto: ReserchGate
               Michel Nicolau Netto - Foto: ReserchGate

Outrossim, Michel trouxe a visão do Neoliberalismo sobre o assunto, que ajuda a entender a situação:

“A ótica do neoliberalismo, muito citada e estudada por Michel Foucault traz um aspecto muito subjetivo do ser humano, onde o indivíduo é o único responsável por efetuar suas próprias ações, seja no campo econômico, ou em todas as outras maneiras de enxergar o mundo. Isto também reflete em um certo egoísmo do ser humano, que acredita que só as pessoas que estão passando pela situação devem tomar as ações para resolver estes problemas, e é claro, acarreta em um pensamento parecido sobre a população de rua, visto que observando principalmente por um olhar meritocrático, as pessoas podem acreditar que apenas o próprio mérito deve ser o fator de transformação positiva para este grupo”.

Observando o assunto por outra ótica, é possível observar através de dados negativos, como a psicologia pode auxiliar a população a enxergar este assunto de outra maneira. Segundo dados da Fiocruz, e de outras seis universidades, sentimentos frequentes de tristeza e depressão afetavam 40% da população adulta brasileira, e sensação frequente de ansiedade e nervosismo foi relatada por mais de 50% destas pessoas no ano de 2021, estes problemas psicológicos que em suma maioria não são tratados no país, influenciam o pensamento e as atitudes da população com relação as pessoas em situação de rua, conforme explica o estudante de psicologia da PUC-SP, Davi Ruiz:

“Uma sociedade doente mentalmente que não busca olhar pra suas próprias questões mal resolvidas, dificilmente será capaz de olhar para a dor do outro, já que a nossa sociedade contemporânea puxa o indivíduo para olhar apenas para si mesmo”

Davi Ruiz - Foto: Instagram
                       Davi Ruiz - Foto: LinkedIn

Davi também trouxe a questão do neoliberalismo para o assunto:

“O sistema neoliberal capitalista contribui pra um esgotamento mental e para esse egoísmo no qual vivemos atualmente. Neste sistema, que acarreta em uma série de transtornos mentais, tornam o indivíduo voltado apenas para si próprio, tanto por trazer uma grande realização pessoal ao atingir os seus objetivos, como por uma grande frustração por não atingir este mesmo êxito. E a terapia/psicologia podem ser um refúgio extremamente positivo para que o indivíduo possa externalizar estas angústias, tendo um olhar menos egocêntrico sobre a sociedade, e as pessoas em situação de rua, e mais coletivo”.

Desta forma, observando por estes dois aspectos, é possível ao menos ter a ciência de que existem explicações sobre o por que a sociedade lida com esta circunstância de maneira tão egoísta, trazendo a responsabilidade do auxílio as pessoas em situação de rua apenas para ONGS, instituições religiosas, e para o governo. Porém, isto não isenta a população de se omitir tanto em meio a este assunto, visto que mesmo em meio a todas estas condições que colaboram para que as pessoas venham a ser cada vez mais individualistas, ainda é deplorável que a sociedade venha se isentar tanto dessa responsabilidade, e mais do que isso, venha aceitar que a população de rua se mantenha vivendo em situações completamente desumanas.

No dia 2 de outubro de 1992, uma rebelião entre os presos culminou na intervenção policial mais sangrenta que o sistema carcerário no Brasil já assistiu.
por
Laura Celis Brandão
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01/10/2022 - 12h

A Casa de Detenção de São Paulo, conhecida popularmente como Carandiru – por estar localizada nesse bairro da Zona Norte de SP – foi fundada na década de 1920, e por aproximadamente duas décadas foi considerada um sistema prisional modelo, por atender de forma correta as exigências do estado e do sistema carcerário brasileiro. 

A partir de 1940 esse posto foi retirado, marcado principalmente pela superlotação que se instalou no presídio, causando problemas comportamentais nos presos e de segurança no local. A superlotação do presídio foi uma consequência do novo artigo que foi criado para o combate às drogas através da Lei nº 2.848/1940, artigo 281. Através desta lei, foi iniciado um combate ostensivo ao tráfico de entorpecentes, levando a prisão de muitas pessoas de uma vez só. 

O excesso de pessoas na penitenciária fez com que os direitos humanos fossem corrompidos em diversos aspectos, celas abarrotadas de gente, disseminação de doenças (como a AIDS, a tuberculose, leptospirose), e das questões higiênicas no geral. 

“O sistema era caótico, insalubre, tinham muitos ratos que transmitiam leptospirose às pessoas, muita gente com tuberculose, a higiene era precária, os próprios presos que limpavam o presídio, interferiam em conflitos, distribuíam alimentação, e no final, o presídio estava mais na mão dos detentos do que da própria gestão”, disse Sidney Sales, um ex detento que sobreviveu ao massacre. E acrescentou: “tinham celas com 25, 30 pessoas que viviam tumultuadas, uma em cima da outra, mas os detentos tentavam fazer daquele ambiente o melhor possível para se viver, apesar de toda a precariedade instalada”. 

O MASSACRE

Dia 2 de outubro de 1992 foi marcado pelo maior assassinato já existente no sistema carcerário brasileiro. O pavilhão 9 da penitenciária foi invadido por 341 policiais da Tropa de Choque de São Paulo, culminando na morte de 111 pessoas, apesar dos próprios detentos dizerem que foram mais de 250. A invasão da polícia, primeiramente, era para acalmar uma rebelião que havia se instalado após um jogo de futebol que havia acontecido naquele dia, porém, os policiais agiram com violência extrema, ignorando a possibilidade de negociação, e sabendo que os presos estavam desarmados. 

“Eles podiam ter cortado a energia, a alimentação, e podiam ter nos vencido pelo cansaço, mas não, aquilo foi uma carnificina. Eu só tinha visto esse tipo de coisa em filme, no Camboja, no filme de Auschwitz. Nós éramos presos do estado, e pela própria incompetência dele, entraram lá e assassinaram aquelas pessoas.” pontuou Sidney, e acrescentou, “naquele momento, quando eu estava no quinto andar, um rapaz disse: “ó, o pelotão de choque tá invadindo, os caras estão matando”, e eu respondi para ele que não, deviam estar dando tiro de borracha. Quando fui à janela e olhei para baixo, vi eles assassinando mesmo as pessoas”. 

Após os momentos iniciais de terror, os detentos foram obrigados a descer até o pátio da penitenciária e ficarem todos nus, sentados no chão de cabeça baixa. Dizem que alguns detentos foram assassinados nesse momento. “Os policiais mandaram a gente descer e ficar no pátio, e após umas duas horas, ordenaram que ajudassem a carregar os corpos, de dois em dois, nisso, começaram a chegar as ambulâncias, viaturas e carros do IML, para levar aquelas pessoas embora.” afirmou Sidney, e ainda conta: “quando subi ao quinto andar, vi dois policiais que já apontavam uma arma para mim, eu inventei uma história dizendo que pediram para me trancar de volta na cela. Nisso, um dos policiais virou para mim e disse: “vai acontecer um milagre na sua vida. Tá vendo esse molho de chaves? Vou escolher uma e bater no cadeado. Se abrir, você entra, caso contrário nós vamos te executar agora.” Nesse momento eu só ouvi um “clec”, naquele dia eu tive certeza de que não seria assassinado.”

Corredor submerso de sangue após o massacre, na penitenciária do Carandiru. Fonte: Niels Andreas.

Osvaldo Negrini – o perito que investigou o acontecido – pontuou que não houve confronto entre os presos e os policiais, principalmente pela localização dos tiros nos corpos dos detentos, e pelas perfurações de bala que existiam nas paredes das celas. “O próprio Osvaldo Negrini disse que houve uma carnificina, um assassinato e uma crueldade enorme com aquelas pessoas. Ele percebeu que os policiais tinham atirado de fora da cela para dentro, pois tinham perfurações nas paredes”, acrescenta Sidney. 

JULGAMENTO 

Em 8 de março de 1993, 120 policiais foram acusados pelo assassinato de – oficialmente – 111 pessoas. Em 1998, 85 policiais tornaram-se réus, e em 2013, 23 foram condenados a 156 anos de prisão. Porém, em 2016, essas condenações foram anuladas, alegando “impossibilidade de individualizar a conduta dos PMs”. 

Apesar dessas condenações, e da certeza de que o acontecimento foi uma chacina, em agosto desse ano foi aprovado o projeto de lei 2821/21, concedendo anistia aos policiais anteriormente processados.

CONSEQUÊNCIAS 

Como consequências principais do massacre, pode-se listar o sequestro da filha de José Ismael Pedrosa – ex diretor da penitenciária do Carandiru – que aconteceu em abril de 2001, e a fundação do Primeiro Comando da Capital (PCC) em 1993, criado inicialmente para “combater a opressão no sistema carcerário e vingar a morte dos 111 detentos, que acontecera um ano antes”.