Realizado no Parque da Juventude, o evento reuniu educadores, pesquisadores e vítimas para reivindicar o reconhecimento do massacre após 33 anos, e fortalecer ação judicial contra o Estado de São Paulo
por
Daniela Cid
Maria Clara Palmeira
|
23/10/2025 - 12h

Quem caminha pela Avenida Cruzeiro do Sul e entra no atual Parque da Juventude, no bairro de Santana, em São Paulo, ao ver uma área aberta com bancos, árvores e até mesmo a estrutura de um circo, talvez não tenha consciência de que ali ocorreu um dos maiores crimes de estado da história do país. O nome “Carandiru” é conhecido nacionalmente através da indústria cinematográfica e por outras entidades que comentam sobre o famoso massacre ocorrido no dia 02 de outubro de 1992, e que hoje permeia a memória coletiva brasileira como uma lenda. 

Imagem da estrutura da antiga casa de detenção com a localização de cada pavilhão. Atualmente nesta área encontra-se o Parque da Juventude e ETEC, local onde aconteceu o evento. Foto: Daniela Cid
Imagem da estrutura da antiga casa de detenção com a localização de cada pavilhão. Atualmente nesta área encontra-se o Parque da Juventude e ETEC, local onde aconteceu o evento. Foto: Daniela Cid/AGEMT

33 anos mais tarde, no mesmo local do ocorrido, acontecia o evento Território Memória Carandiru, protagonizado por sobreviventes do massacre e familiares de vítimas. O evento teve como objetivo fortalecer o processo judicial movido pelo educador e sobrevivente do massacre Maurício Monteiro contra o Estado de São Paulo, buscando indenização e reconhecimento para sobreviventes e famílias, um pedido que já havia sido negado anteriormente por prescrição da ação. O ato também integrou a comunidade carcerária pela luta por memória e reparação: “O evento é significativo para a gente entender que essas mortes que foram provocadas pelo Estado, de pessoas que estavam sob a sua tutela, não resultaram em uma melhora, pelo contrário, tivemos uma propagação do crime, com criação de mais penitenciárias”, explica Maurício Monteiro."

O evento também contou com a presença de Camila Tourinho, Coordenadora do Núcleo Especializado da Situação Carcerária (NESC), Maíra Machado, Coordenadora do Grupo de pesquisa em Direito e Violência do Estado da FGV Direito-SP, Maria Cecília Asperti, Professora do curso de Direito da FGV e Advogada Orientadora do Centro de Assistência Jurídica Saracura (CAJU), Tâmara Nascimento, Coordenadora do centro de Referência de Promoções da Igualdade Racial (CRPIR-Carandiru), Raílda Alvez do AMPARAR e Hamilton Pereira da Silva, Assessor do Gabinete Ministerial do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. 

“Tive filho na FEBEM e no cárcere”, conta Raílda Alvez, “Essas pessoas já foram marcadas para morrer, e essas mesmas pessoas continuam morrendo dentro do sistema prisional. Quantos mais dos nossos vão morrer porque são pobres, pretos e periféricos? (...) São dadas como mortes naturais, essas pessoas são assassinadas o tempo todo nesses espaços de violência”, desabafa. Além da violência sofrida dentro do cárcere, outros temas foram discutidos, como a ineficácia da ressocialização. Edson Pereira, formado em enfermagem e egresso da Casa de Detenção, comenta sobre a dificuldade em encontrar emprego mesmo após 30 anos de cumprimento da pena: “eu sou aprovado na entrevista, mas quando pedem meu documento eles me descartam, inventam umas desculpas”, comenta Edson, “dizem que meu currículo é bom, mas pelo jeito não fala por mim, a ponto de eu conseguir provar que eu sou honesto e que eu quero trabalhar”. 

Estima-se que 3,5 mil tiros de fuzis AR-15 e submetralhadoras tenham sido disparados em apenas 20 minutos no dia 02 de outubro de 1992. A repercussão internacional da época colocou o Brasil nos holofotes e resultou em denúncias à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Até hoje, nenhuma das autoridades competentes foi punida pelo Estado. 

Fotos das 111 vítimas do Massacre do Carandiru no dia 02 de outubro de 1992, no evento de 33 anos do acontecimento. Foto: Daniela Cid
Fotos das 111 vítimas do Massacre do Carandiru no dia 02 de outubro de 1992, no evento de 33 anos do acontecimento. Foto: Daniela Cid/AGEMT

De acordo com o Centro de Assistência Jurídica Saracura da FGV (CAJU), hoje os processos de tortura contra o Estado no Brasil são imprescritíveis. O trabalho em conjunto com o Núcleo Memórias Carandiru é realizado para que o governo brasileiro reconheça o Massacre do Carandiru como uma grave violação de direitos humanos, um ato cruel de tortura. Além disso, os sobreviventes alegam que o número de 111 mortos divulgado pelo Estado não é exato, tendo muitos deles contado mais de 200 no dia seguinte ao acontecimento. 

Presente no evento, Alexandre Carvalho, formado em direito penal, professor e amigo íntimo de Maurício, relata: “O senso comum sobre o Massacre é de que ‘bandido bom é bandido morto’ e de que morreram poucos, mas o que é visto cotidianamente, de fato, é uma busca por justiça”. 

Roda de conversa entre Maurício Monteiro e representantes do CAJU (FGV) sobre imprescritibilidade de processos de tortura. Foto: Maria Mielli
Roda de conversa entre Maurício Monteiro e representantes do CAJU (FGV) sobre imprescritibilidade de processos de tortura. Foto: Maria Mielli/AGEMT

 

Memórias Carandiru: é preciso lembrar para não repetir

O Núcleo Memórias Carandiru é formado pelos educadores Maurício Monteiro, sobrevivente do Massacre no Carandiru, Helen Baum e Walter Luiz, sobreviventes do cárcere, e Nádia Lima, museóloga. O projeto realiza um roteiro quinzenal gratuito pelo Parque da Juventude, onde os educadores apresentam os locais dos pavilhões da antiga casa de detenção relatando suas experiências dentro do cárcere, enquanto os sobreviventes compartilham o que viveram no dia do massacre. Além do roteiro, este núcleo realiza pesquisas de arquivos e casos relacionados ao Massacre do Carandiru em conjunto com grupos de estudos da USP, Unifesp e FGV. O objetivo é oficializar um projeto de memória do Massacre, para que não volte a acontecer. 

Maurício Monteiro em roteiro do Memórias Carandiru, em frente ao local onde ocorreu o Massacre do Carandiru (Antigo pavilhão 9), hoje demolido. Atualmente se tornou um estacionamento de carros. Não há placas de referência histórica no local. Foto: Maria Mielli.
Maurício Monteiro em roteiro do Memórias Carandiru, em frente ao local onde ocorreu o Massacre do Carandiru (Antigo pavilhão 9), hoje demolido. Atualmente se tornou um estacionamento de carros. Não há placas de referência histórica no local. Foto: Maria Mielli/AGEMT

Reflexo da importância deste projeto de memória é o caso de Bruna Castorino Alves, filha de uma das vítimas que obteve arquivos de seu pai graças ao projeto. “Eu era uma criança quando meu pai foi assassinado em 1992. (...) Se hoje eu tenho fotos, e coisas sobre o meu pai é graças ao Maurício, que fez esse projeto maravilhoso, pois desde quando eu me conheço por gente, a única coisa que eu tinha era o atestado de óbito que diz que ele foi morto por bala na Casa de Detenção, no Massacre do Carandiru”, declara Bruna. “Eu, quando era criança, gostava de futebol, mas não entendia o porquê de eu gostar tanto, e hoje eu sei que é porque ele também gostava.” 

O roteiro é gratuito, para realizá-lo basta preencher um formulário de presença através do Instagram @memoriacarandiru para as datas disponíveis.

Confira também a videorreportagem:

 

 

Em vídeos publicados nas redes, a educadora relatou o ocorrido
por
Marcelo Barbosa Prado
|
22/10/2025 - 12h

Após passar em primeiro lugar em um concurso docente para a Universidade de São Paulo (USP), a professora Érica Bispo, de 45 anos, foi surpreendida com a anulação do resultado. Aprovada para lecionar o curso “Literaturas Africanas de Língua Portuguesa”, seis concorrentes brancos alegaram favorecimento da candidata e o Conselho Universitário decidiu aceitar o pedido.

 

Antes de prestar a prova, Érica passou por uma série de problemas de saúde, o que resultou em seu afastamento da vida acadêmica. Ainda enquanto doente, a professora  viu um edital aberto na USP e decidiu que queria voltar a estudar. Foi então que ela prestou o concurso e, sem expectativas, passou no exame em primeiro lugar. “Nem consegui dormir de tanta emoção. Eu tinha sido aprovada para a maior universidade do Brasil”, disse.

Depois de um tempo sem receber notícias sobre a prova, Érica entrou em contato com o apoio acadêmico e foi orientada sobre as etapas de nomeação e posse. Ela começou a acompanhar as reuniões da Congregação da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) pelo YouTube e, durante uma das transmissões, descobriu que havia uma contestação contra o concurso.

A FFLCH chegou a homologar o resultado, mas depois revogou o processo seletivo para a disciplina. Érica iria se mudar do Rio de Janeiro para São Paulo, com o intuito de assumir o cargo e se casar. A anulação do concurso fez com que Érica ficasse doente e com uma infecção, chegando a perder mais de cinco quilos  em um mês, segundo ela, em relato dado à AGEMT. “Nesse contexto, minha vida acadêmica se tornou um escudo e fonte de forças. Organizei dois simpósios temáticos em dois congressos diferentes, além de participar de um congresso este ano. Submeti alguns artigos a revistas acadêmicas e quero concluir mais dois antes do fim do ano”, afirmou.
 

Reprodução: CAELL-USP| Arte postada nas redes sociais pelo Centro Acadêmico de Letras da USP
Arte produzida pelo Centro Acadêmico de Letras em repúdio à anulação do concurso de Érica. Reprodução: CAELL-USP- Instagram

 

Ao todo, 15 candidatos estavam inscritos no processo e as seis pessoas que entraram com recurso alegaram que a professora tinha uma “relação de proximidade com a banca avaliadora”. A acusação referia-se a algumas fotos postadas por Érica nas redes sociais, em que ela frequentava eventos dos quais pessoas da banca também estavam. Na ocasião, Érica estava em um Congresso de literatura africana e publicou a foto com a breve legenda “Entre amigos é muito bom”. Segundo ela, a imagem não comprova amizade com nenhuma das pessoas. 

Além de entrarem  com recurso na USP, esses candidatos também recorreram à justiça. Depois de passar pelo Ministério Público, o órgão entendeu que não havia irregularidades no processo seletivo.

Mesmo após o arquivamento do caso pelo Ministério Público, a FFLCH publicou uma nota nas redes sociais confirmando a abertura de um novo concurso. Enquanto  as inscrições já foram abertas, Érica segue procurando justiça. Em uma sequência de vídeos publicados, via Instagram, na segunda semana de outubro, Érica denunciou o ocorrido e abordou o tratamento que tem recebido por parte da universidade, da imprensa e de coletivos.

Na USP, o curso de letras se pronunciou sobre o acontecimento. O Centro Acadêmico de estudos linguísticos e literários Suely Yumiko, de Letras, emitiu uma nota repudiando a falta de diversidade e divulgando um abaixo-assinado em defesa de Érica. 

A AGEMT entrou em contato com a FFLCH e, em nota, eles alegam que houve diferentes análises antes da decisão. Veja a nota na íntegra:

"
A Erica foi aprovada em primeiro lugar, e a Congregação da FFLCH homologou o resultado, aprovando o relatório da banca examinadora. O processo de contratação da Érica foi iniciado pela FFLCH. Alguns candidatos entraram com recurso, o qual foi indeferido pela Congregação da FFLCH. Os candidatos, então, fizeram recurso junto ao Conselho Universitário, órgão máximo da Universidade. Após análise, a Procuradoria Acadêmica da USP recomendou a anulação do concurso, que foi aprovada pelo Conselho Universitário, que considerou que havia indícios de relações de proximidade da candidata aprovada e indicada com pessoas integrantes da banca. Essa conclusão teve embasamento em postagens em redes sociais em que, além de fotos, havia expressões de amizade. Sendo uma decisão do Conselho Universitário, a FFLCH não tem como reverter a decisão. Informamos também que, no momento da inscrição, houve três candidaturas de pessoas autodeclaradas negras (PPI), que foram deferidas pela banca de heteroidentificação da Faculdade, mas apenas a Erica realizou as provas do concurso, sendo que os demais não compareceram."

A professora acredita que isso é um reflexo do Brasil, que não vê negros em uma posição de professor universitário. “ O país se construiu sobre uma estrutura escravocrata, que, mesmo após a abolição, continuou a definir os lugares sociais que poderiam ser ocupados como negros”.

 

Mortes causadas por policiais a pessoas já rendidas reacende questionamentos sobre a segurança estatal
por
Daniela Vicente Cid
Victoria Ignez
|
11/09/2025 - 12h

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, aponta que o país vive desde 2018 queda nas taxas de mortes violentas intencionais (MVI), reflexo de políticas públicas, prevenção à violência e mudanças no crime organizado. Contudo, 14% das MVI são de autoria policial, resultando em 60.394 vítimas entre 2014 e 2024. Em cidades como Itabaiana (SE), Santos (SP) e São Vicente (SP), a violência policial responde por mais de 60% das mortes. O perfil das vítimas segue concentrado em homens negros mortos por armas de fogo. 

O anuário alerta: “Mesmo diante de reduções gerais nas MVI, o Brasil ainda falha em garantir padrões mínimos de controle institucional da ação policial.” 

Análise produzida a partir dos microdados dos registros policiais e das Secretarias estaduais da Segurança Pública e/ou Defesa Social. Imagem/Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Análise produzida a partir dos microdados dos registros policiais e das Secretarias estaduais da Segurança Pública e/ou Defesa Social. Imagem/Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 

 

Conexões entre agentes do Estado e crime organizado 

O anuário também destaca que a “licença para matar” foi historicamente concedida a quem deveria zelar pela lei. A Operação Escudo, por exemplo, motivou ação da Defensoria Pública e criação de um relatório preliminar após 11 denúncias de violações de direitos humanos, em 2023.  

Outro caso citado pelo anuário é o de Vinicius Gritzbach, morto no aeroporto de Guarulhos por militares a mando do PCC em novembro de 2024, após colaborar com o Ministério Público em denúncias de lavagem de dinheiro e envolvimento de policiais civis em extorsões. 

Em artigo publicado no jornal da USP em 2023, o pesquisador Bruno Paes Manso lembra que episódios como o Massacre do Carandiru colaboraram para a formação do PCC, com o discurso de guerra contra o sistema. Para ele, “o crescimento da violência policial e das prisões, ao invés de fragilizar o crime, disseminou as gangues pelos presídios, que já ultrapassam os 70 grupos” – Comenta, “Longe de promover a ordem e reduzir o crime, portanto, as medidas populistas como as aplicadas no passado recente vêm promovendo o caos.” 

Saúde mental dos policiais 

O anuário também aborda a vitimização de policiais. Entre 2018 e 2024, as mortes em confronto caíram, mas os suicídios aumentaram. Hoje, esta é a principal causa de morte na categoria, seguida por confrontos durante a folga e em serviço. 

Embora a PM registre mais mortes gerais devido à natureza do trabalho, as taxas de suicídio destes são semelhantes às da Polícia Civil. O perfil dos policiais vítimas de homicídios, tanto em confronto, quanto em pausa é majoritariamente de homens negros, de 40 a 44 anos. O documento não detalha os perfis em casos de suicídio. 

Fatores apontados no último anuário e relembrados neste incluem assédio moral intenso, cobrança por metas, endividamento, insegurança jurídica e desgaste pelo contato contínuo com situações de risco. O fácil acesso a armas é um agravante. 

Na Bahia, onde os suicídios de policiais cresceram 66% no último ano, tentativas de entrevista com cadetes revelaram perda de subjetividade pelo receio em falar sobre saúde mental e outros temas como as câmeras de segurança sem autorização superior, com o seguinte argumento: “tudo o que eu tenho, agora pertence ao Estado”. A Bahia também se encontra entre os dez com maior taxa de letalidade policial. 

Proteção contra aqueles que nos protegem 

A nomenclatura de registros para ocorrências de mortes geradas em confrontos com policiais mudou de “resistência seguida de morte” para “morte decorrente de intervenção policial”, buscando mais rigor na investigação. As câmeras corporais, de acordo com o anuário, vêm auxiliando nesse processo, oferecendo dupla garantia: inibir abusos e proteger agentes de acusações infundadas. Elas têm auxiliado na visibilidade dos episódios de execução de suspeitos já rendidos.  

Apesar do incentivo federal, apenas 10 estados contavam com programas de uso de câmeras corporais em funcionamento em 2024. Em São Paulo, o governo retirou a obrigatoriedade da gravação contínua, gerando embates com famílias de vítimas, como foi o caso da Operação Escudo.  

Em maio de 2025, o STF homologou acordo para ampliar o uso das câmeras no estado, porém ainda deixa brechas. O contrato com a Motorola prevê aumento de 25% nos equipamentos, chegando a 15 mil, priorizando unidades de alta e média criticidade. O uso obrigatório vale em operações de grande porte, “comunidades vulneráveis”, ou em resposta a ataques contra policiais. A ativação pode ser feita pelo COPOM ou pelo próprio agente.  

O acordo prevê ainda o desenvolvimento de indicadores para avaliar a efetividade do programa. 

Câmera na farda da PM. Foto/Rovena Rosa/Agência Brasil
Câmera na farda da PM. Foto/Rovena Rosa/Agência Brasil

 

 

 

Tema em alta atravessa diferentes núcleos sociais como trabalho, práticas esportivas e afazeres domésticos
por
Fernando Amaral
Guilbert Inácio
João Paulo Moura
|
06/10/2025 - 12h

O alvorecer do dia começa a despontar no horizonte, e milhares de meninos e meninas acordam para assumir responsabilidades que deveriam ser exclusivas do mundo adulto. Nas cidades, oferecem balas nos semáforos; no campo, ajudam na colheita; em lares da periferia, cuidam dos irmãos menores. Esse dia a dia revela mais do que trabalho precoce, é a adultização forçada. 

De acordo com relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 138 milhões de crianças se encontravam em situação de trabalho infantil em 2024. Dentre elas, 61% dos casos estavam no setor agrícola, e 54 milhões ocupavam cargos de perigo à integridade do menor. 

No Brasil, os dados também são alarmantes. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) do IBGE, em 2023 havia 1,6 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos nessa situação. O número, embora menor do que há vinte anos, ainda apresenta uma dura realidade: 4,2% de toda uma geração que deveria estar apenas estudando, brincando e crescendo sem pressa. Entre eles, 586 mil enfrentam tarefas que colocam sua saúde em risco. 

As desigualdades regionais dão forma ao problema. No Nordeste, 506 mil meninos e meninas ajudam a sustentar suas famílias, seja na roça, seja em atividades informais nas cidades. No Sudeste, os semáforos e camelódromos mostram outra face do mesmo drama. Já no Norte, quase 7% das crianças dessa faixa etária trabalham. A cor da pele também pesa, crianças pretas e pardas, que já são maioria entre os mais jovens, representam 65% de quem trabalha antes da hora. 

A rotina é pesada. Mais de um quinto dos que estão no trabalho infantil enfrentam 40 horas ou mais de serviço por semana, jornada igual à de um adulto. Para os de 16 e 17 anos, quase um terço já vive essa realidade. A escola é um dos pontos mais afetados, enquanto quase todas as crianças brasileiras estão matriculadas, apenas 88% das que trabalham conseguem permanecer estudando. As outras veem a sala de aula ser substituída pelo balcão, pelo campo, pela rua. 

O prejuízo não é só educacional, a infância roubada também deixa marcas emocionais. Muitos aprendem cedo a conviver com a preocupação da falta de comida, com o medo do desemprego dos pais ou com a responsabilidade de cuidar dos irmãos. A pressa em amadurecer elimina o espaço do lúdico, das brincadeiras que ensinam a sonhar. 

Mesmo com a proibição legal para menores de 16 anos, com exceção aos aprendizes a partir de 14, a regra é constantemente rompida. Nas comunidades mais pobres, a urgência da sobrevivência transforma a contribuição das crianças em algo naturalizado, quase obrigatório. Assim, ser criança acaba parecendo um privilégio distante. Cada hora de trabalho antecipado é também uma hora a menos de estudo, de descanso, de prática esportiva, de futuro. 

Responsabilidades no esporte 

Esse cenário também afeta o desempenho esportivo de jovens atletas, que precisam tomar decisões e assumir responsabilidade muito cedo, sendo, em alguns casos, os principais provedores de fonte de renda das famílias. 

A fotografia mostra o atleta Cristian, sentado em um banco de reserva, olhando fixamente em direção à câmera. A foto está em preto e branco
Atualmente, Cristian atua no Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP) / Foto: R7fotografo

Em entrevista a AGEMT, conhecemos Cristian Alves Oliveira, um dos atletas que viveu essa realidade. Hoje em São Paulo, o jovem de 18 anos é originário de Belford Roxo na Baixada Fluminense (RJ) e veio sozinho para a capital paulista por causa de uma oportunidade que surgiu no começo do ano de 2025.  

Cristian chegou a São Paulo para ser o goleiro do Real Cubatense de São Bernardo dos Campos na Taça São Paulo, campeonato amador organizado pela Federação Alternativa de Desporto.  

"Eu só ia disputar esse campeonato e voltar para o Rio, mas, ao decorrer dessa competição, outras oportunidades surgiram: morar aqui e defender o clube que estou hoje. Essa chance surgiu em um momento que eu estava pensado em parar de jogar bola. Então quando recebi essa oportunidade de poder vir para São Paulo e jogar, eu agarrei como se fosse a esperança do meu futuro." Destaca o atleta. 

Presente desde sua infância, o futebol se tornou um objetivo na vida de Cristian quando tinha 15 anos. Em 2022, ele decidiu que queria viver disso, mas não conseguia focar totalmente no esporte, pois tinha que estudar e trabalhar. O goleiro lembra que arrumou seu primeiro emprego com 14 anos, em um Sacolão, para poder ajudar sua família.

"Comecei a trabalhar cedo para poder ajudar em casa e para ter minhas coisas. Eu tinha que dividir o tempo para treinar, trabalhar e estudar. Era uma rotina muito cansativa que eu tinha no Rio e, às vezes, tinha que sacrificar alguma dessas coisas porque atrapalhava um pouco no meu rendimento esportivo, mas eu não podia deixar de trabalhar e ajudar em casa."  

Três anos depois, o atleta está se dedicando só ao futebol. Ele conta que a vida na capital paulista é muito diferente de Belford Roxo, porém ele segue atrás de seu objetivo porque a família depende dele. “É uma rotina muito cansativa, mas é a oportunidade que eu pedia a Deus e ele está me proporcionando. Cheguei em São Paulo em 4 de janeiro e vim sozinho, um grande desafio para mim. Conviver longe da família não é fácil, tem que saber lidar com as emoções, saudades etc., mas sempre tento manter contato com eles porque assim ameniza um pouco as saudades.” 

A história de Cristian mostra um cenário recorrente em nosso país, pois, embora tenhamos diretrizes que regulam a prática esportiva de crianças e jovens como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei Geral do Esporte (Lei 14.597/2023), outros mecanismos sociais inviabilizam a prática esportiva plena. 

Isso leva muitos, ainda novos, a abandonarem seus sonhos. Como exemplo, uma reportagem feita pela Folha de São Paulo em 2024 analisou a trajetória dos atletas que jogaram a Copa São Paulo de Futebol Junior, a copinha, em 2010. Segundo os dados obtidos, 36,9% dos atletas desistiram de tentar a carreira no esporte. 

Esses dados em um dos campeonatos mais importantes de formação de futebolistas são preocupantes. Vale destacar que o futebol é o esporte mais popular no país, ou seja, os dados em outras modalidades, como as olímpicas, devem ser mais críticos. 

O país até tem o programa Bolsa Atleta, que entrou em vigor em 2025 com o objetivo de patrocinar individualmente atletas e para-atletas de alto rendimento em competições nacionais e internacionais de sua modalidade. Contudo a maioria dos esportivas enfrentam inúmeras barreiras socioeconômicas até conseguirem chegar de fato nessas competições de alto rendimento, em que poderão vislumbrar um futuro mais otimista. 

Trabalho doméstico 

Entre as várias faces da adultização forçada, uma das mais silenciosas é a realidade de crianças que assumem tarefas domésticas para que seus pais ou responsáveis possam trabalhar fora. Longe de ser apenas uma “ajuda”, essa dinâmica transfere a elas responsabilidades que ultrapassam os limites da infância, comprometendo seu desenvolvimento emocional, social e até escolar. 

Catia Silene, psicóloga infantil, explica que, ao assumir papéis que não condizem com sua idade, essas crianças podem carregar marcas profundas para a vida adulta. “As crianças sobrecarregadas, com muitas responsabilidades inadequadas para sua idade, podem desenvolver ansiedade, estresse e um sentimento constante de pressão”, afirma.

Segundo ela, isso ocorre porque muitas vezes o esforço não é reconhecido, o que gera “baixa autoestima e a sensação de que nunca são boas o suficiente... é uma independência colocada em um lugar que não é dela”. 

A imagem, em preto e branco, mostra uma menina de costas olhando para uma pia.
Criança realizando tarefa domésticas / Fonte: Gênero e Número 

Em 2023, segundo a PNAD, da população estimada de 38,3 milhões de crianças e adolescentes, 52,6% (cerca de 20,1 milhões) realizavam afazeres domésticos e/ou tarefas de cuidado, sendo 69% de classes baixas e 57% meninas. Em famílias numerosas ou sem condições financeiras de contratar alguém para cuidar dos mais novos, é comum que o filho ou a filha mais velha seja encarregado dessa função. 

A psicóloga alerta que esse modelo pode desorganizar a noção de autoridade dentro do lar. “Às vezes os pais dizem: ‘cuida do seu irmão porque você é mais velho’. Mas esse jovem não tem maturidade para ocupar esse lugar e acaba recorrendo a formas punitivas ou ameaçadoras. Isso confunde quem é cuidado... quando isso se perde dentro da família, a confusão se projeta para a vida em sociedade” explica. 

Esse cenário, além de prejudicar a relação entre irmãos, pode gerar dificuldades sociais futuras. Uma criança que cresce sem referências claras de autoridade tende a apresentar comportamentos desafiadores e resistência a regras, tanto na escola quanto em outros ambientes. Apesar de, em alguns casos, ‘despertar’ um senso precoce de responsabilidade, a adultização no espaço doméstico tira da criança oportunidades essenciais de brincar, conviver com os demais jovens e aprender pela sua própria experiência pessoal. 

O debate sobre adultização infantil revela que, por trás da ideia de “ajuda em casa” ou de “responsabilidade precoce”, existe uma prática que limita direitos e impõe às crianças papéis que não deveriam assumir. Longe de ser um sinal de maturidade, trata-se de um processo que compromete a infância e pode deixar marcas para a vida adulta. 

Mais do que enxergar “pequenos adultos”, é preciso compreender também que se trata de um fenômeno ocasionado por desigualdades de gênero, classe e raça, do qual sobrecarregam as crianças. Encarar essa realidade como uma violação de direitos é um passo essencial para que a infância deixe de ser vista como apenas uma passagem para a vida adulta, mas sim como uma iniciação no mundo, com práticas de aprendizado, inocência e, além de tudo, protegidas. 

Episódios contam histórias reais de jovens que morreram por tiros com armas das
por
Khauan Wood
|
16/06/2025 - 12h

Idealizado, produzido, dirigido e apresentado por Khauan Wood, estudante do curso de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o podcast tem o intuito de contar histórias reais de jovens que morreram em decorrência da violência policial do Brasil.

Dados de um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado em abril de 2025, mostram que a taxa de mortalidade de crianças e adolescentes pela PM cresceu 120% entre 2022 e 2024, apenas no estado de São Paulo.

Com uma imersão sonora, o áudio é pensado para ser rápido. Tudo no podcast é pensado para se assemelhar a um tiro. Além disso, conta com músicas que retratam justamente a violência policial no país.

Ficha técnica

  • Idealização, direção e apresentação: Khauan Wood

  • Duração: 5min22seg

  • Orientação: Prof.ª Dra. Anna Flavia Feldmann

 

A manifestação ocorreu nos dias 15 e 16 de agosto, em Brasília, e contou com pronunciamento do presidente Lula
por
Laura Teixeira
|
23/08/2023 - 12h

A 7° Marcha das Margaridas começou na noite da terça-feira (15) e reuniu mais de 100 mil mulheres do campo, da floresta, da cidade e das águas, em Brasília. A abertura foi acompanhada de representantes dos movimentos sindicais e de ministros do governo federal. O encerramento, no dia seguinte, foi marcado pelo pronunciamento do presidente Lula, que apresentou um plano emergencial de reforma agrária.

Mulheres se direcionam ao Congresso Nacional durante Marcha das Margaridas em 2023.Foto: Hugo Barreto

O tema deste ano foi “Pela reconstrução do Brasil e pelo Bem viver”. Em entrevista à Agência Brasil, a coordenadora-geral da marcha, Mazé Morais, afirmou que a passeata de 2023 foi histórica e renderá bons frutos. As principais demandas foram uma maior participação das mulheres na política; combate ao sexismo, ao racismo e à violência contra a mulher; autonomia econômica; acesso à terra e à educação; produção rural atrelada à agroecologia; segurança alimentar e inclusão digital.

A última edição da marcha foi em 2019, durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro, que confrontou as políticas ambientais e sociais defendidas pelas margaridas. O movimento foi marcado por não ter uma pauta entregue ao governo, mas sim uma plataforma política.

Quando pensado em sua sétima edição, no ano de 2023, houve uma recepção melhor por parte do governo federal. Durante a abertura, a ministra da saúde Nísia Trindade reforçou que as demandas focam na criação de políticas públicas fora das cidades, além da reestruturação do comitê de avaliação de plantas medicinais e fitoterápicas, e da luta contra a violência às mulheres e às crianças nas Unidades Básicas de Saúde.

Outros nomes presentes na manifestação foram Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática; Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas; Luciana Santos, ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação; Margareth Menezes, ministra da Cultura; Ana Moser, ministra do Esporte; e Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, que se emocionou com a homenagem à sua irmã Marielle Franco - ex-vereadora do Rio de Janeiro, assassinada em 2018.

O Pronunciamento de Lula

Ao lado da Primeira-dama Rosângela da Silva, o presidente Lula anunciou uma série de medidas que corroboram com as pautas da Marcha das Margaridas. Em seu discurso, o petista afirmou que o Plano Emergencial de Reforma Agrária irá beneficiar mais de 45 mil famílias com prioridade às mulheres. Além disso, foi assinado o decreto que retoma o pagamento da  Bolsa Verde, um benefício de R$300,00 a R$600,00 para famílias que moram em terrenos que serão protegidos ambientalmente. 

Em relação à violência contra a mulher, foi anunciado o Pacto Nacional de Prevenção ao Feminicídio, com foco em precaver a discriminação de gênero. Por fim, o governo definiu a criação de uma Comissão de Enfrentamento à Violência no Campo (CNEVC) para mediar os embates nos conflitos agrários.

A história da Marcha das Margaridas

Margarida Alves (1933-1983) foi uma sindicalista paraibana e defensora dos direitos humanos, sendo uma das primeiras mulheres a exercer um cargo de direção sindical no país. Durante sua infância, as terras de sua família foram invadidas por latifundiários e, a partir disso, começou a encabeçar mais de cem ações trabalhistas em sua cidade. Ao que tudo indica, o atentado que culminou em seu assasinato, em 12 de agosto de 1983, na Paraíba, foi feito a mando de latifundiários que esperavam silenciar a luta pelo acesso à terra, o que não ocorreu. 

Toda sua história serviu de inspiração para que a Marcha das Margaridas nascesse e se tornasse a maior ação de mulheres na América Latina. Todo ano, no dia 12 de agosto, as mulheres marcham em Brasília para reivindicar direitos que lhe foram negados. A edição deste ano ganhou uma dose extra de esperança, entrando para a história quanto à conquista de espaço político.

Para mais informações basta acessar o site:https://www.marchadasmargaridas.org.br/

 

Comunidade da PUC-SP acompanhou aula magna sobre "Direitos Humanos: política transversal e estruturante para reconstrução do Brasil", na última segunda, no Teatro TUCA
por
Giuliana Barrios Zanin
João Curi
Vitor Nhoatto
|
10/08/2023 - 12h

 

Teatro lotado. Havia estudante de pé, estudante sentado. Plateia diversa, repleta de cores, despreocupados, engravatados, lentes atentas. A espera foi apertando. A multidão congestionava os corredores, a entrada, até que a organização entendeu: "Podem liberar a frente".

Grupo de estudantes amontoados nos corredores e assentos do Teatro Tuca.
Estudantes lotam o Teatro Tuca durante aula magna do ministro Silvio Almeida. (Foto: Marina Laurentino)

"Vocês existem e são muito valiosos para nós!"

Aquela onda de gente vinha, insaciada, pelas trincheiras do teatro. Era costume de guerra, agravada nos últimos quatro anos, no êxito de uma vibração do movimento estudantil. Amontoaram-se em frente ao palco, desenfileirados organizadamente. 

 

As paredes rachadas contam histórias que o presidente do centro acadêmico 22 de Agosto, Carlos Eduardo Pereira Rodrigues, não deixou que pintassem por cima. Em seu discurso de abertura do evento, dedicou cumprimentos a todos os presentes, inclusive aqueles que a história não vai apagar. "Carlos Eduardo Pires Fleury (presente!)", a voz do estudante reverberava na de seus semelhantes. "Cilon Cunha Brum (presente!), José Wilson Lessa (presente!), Luiz Almeida Araújo (presente!) e Maria Augusta Thomaz (presente!)".

 

Os arrepios davam início à aula, com a certeza de que o movimento estudantil estava vivo e atento, esperando as primeiras palavras do ministro. Na sequência, a pró-reitora de Cultura e Relações Comunitárias (ProCRC), Mônica de Melo, reforçou a vitalidade do evento, seguida do discurso de recepção da reitora Maria Amália Pie Abib Andery.

 

“Na minha opinião, não deve haver ministério mais difícil do que esse”, demarca a reitora da PUC-SP. “Se os direitos humanos são um problema é porque ainda não foram garantidos”.

 

Enfim, um ministro 

Finalmente, Silvio Almeida se adianta ao púlpito para suas primeiras palavras. Dali em diante só seria interrompido pelas palmas. O ministro falava aos estudantes como o professor que é, numa sala de aula histórica e com capacidade para mais de 600 pessoas, referindo-se principalmente aos 214 milhões guardados pelo ministério. 

 

“A gente não quer só comida", declara Silvio Almeida. "A gente quer comida, diversão e arte”. 

 

O ministro explicou os deveres de sua pasta sem precisar desenhar. Seu discurso era claro e foi bem recebido no teatro lotado. Firmou-se um espectáculo de promoção da cidadania e, claro, um palanque político.

 

"Não fujam de coisas complexas", incentiva Silvio Almeida. "O mundo é complicado. Difícil é viver com um salário mínimo".

 

Sem fantasia, a visão de mundo do ministro-professor era dura e realista. Sem necessidade de números, reiterou os efeitos da desigualdade, do racismo, da homofobia, da violência contra a mulher, da fome, de fazer política. 

 

"Direitos humanos é disputa, é conflito, é complexidade", reitera o ministro. "Como é que a gente vai explicar que tem gente passando fome num mundo com recursos abundantes?".

 

Houve aceite do pessimismo também. Silvio Almeida entregou-se ao realismo e reconheceu a incompatibilidade do cenário nacional com o roteiro idealizado na Constituição. 

 

"À medida que as desigualdades vão aumentando, as condições de humanidade vão se movimentando também", explica o professor. "A noção de humanidade foi construída inclusive sobre o que não é humano. O racismo nasceu da concepção do que não é humanidade". 

 

Os olhos brilhavam na plateia. O deleite se refletia nas lentes do ministro, que não esperava as palmas cessarem para retomar seu discurso. Erguia-se no púlpito como professor de todos aqueles estudantes, em uma matéria que o país insiste em reprovar. 

 

"É um país que tem um problema muito sério em estabelecer uma cultura democrática", destaca. "A mudança nunca é uma luta individual”.

 

"Se a gente não começar a discutir Direitos Humanos com economia, é só conversa fiada", decreta o ministro. "Não existe economia sem gente. Alguns até queriam, e até tentam".

 

Não faltaram críticas à gestão anterior, ainda que generalizadas e sutis - como se fosse necessário dar nome aos bois. No conforto da ininterrupção, Silvio Almeida apontou o encarceramento em massa e o projeto econômico de genocídio como principais fomentos à concentração de renda no Brasil e no mundo. 

 

"Para viver numa sociedade como a nossa, a gente normaliza o absurdo", lamenta. "Não aceitem isso nunca. É inadmissível que as pessoas tenham fome. Não podemos normalizar o que é historicamente absurdo".

 

Confira a aula magna na íntegra:

 

Trabalho voluntário "Bem da Madrugada" oferece auxílio para moradores do centro de SP.
por
Eduarda Teixeira Basso
|
19/06/2023 - 12h

O trabalho voluntário que ocorre em São Paulo, conta com a ajuda de diversos cursos para ajudar moradores de rua, como estudantes de medicina, odontologia, fotografia, veterinário e psicologia. Algumas vezes ao ano, um grupo se reúne para ajuda-los e distribuir comida, além disso eles também fazem uma barbearia improvisada, cortando cabelo e barba dos moradores de rua. 

 

duda1
Em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, à noite, voluntários e moradores de rua. Autora: Eduarda Basso

 

duda2
Moradores de rua com cobertores e travesseiros, comendo e fumando na frente de uma loja fechada. Autora: Eduarda Basso

 

duda3
Moradora de rua, sentada comendo o alimento fornecido pelos voluntários. Autora: Eduarda Basso
​​​​​​

 

duda3
Morador de rua comendo, com foco no alimento. Autora: Eduarda Basso

 

duda2
Moradores de rua cortando o cabelo no projeto. Autora: Eduarda Basso

 

duda1
Morador de rua cortando cabelo, olhando para o lado. Autora: Eduarda Basso

 

duda1
Homem olhando para baixo e sorrindo em quanto cortam seu cabelo. Autora: Eduarda Basso

 

duda1
Menino olhando para o lado em quanto cortam seu cabelo. Autora: Eduarda Basso

 

duda1
Homem passando a mão do cabelo recentemente cortado pelos voluntários. Autora: Eduarda Basso

 

duda1
Idoso cortando o cabelo no projeto, e voluntário focado no corte. Autora: Eduarda Basso

 

Alunos de Psicologia da PUC-SP expõe trabalho sobre a história e a problemática dos manicômios
por
Ana Luiza Pires
Artur Maciel Rodrigues
|
18/05/2023 - 12h

[Foto:Visitante lendo sobre a exposição. Foto: Ana Luiza Pires]

 

A Liga Acadêmica de Psicologia Social do Trabalho (LAPSIT) montou uma exposição para dar destaque à luta antimanicomial, comemorada no Brasil neste dia 18. 

Organizado no campus Perdizes da PUC-SP, o trabalho ficará exposto até segunda-feira, no primeiro andar do "prédio novo" (entrada da rua Ministro Godói). 

Protestos contra a lógica manicomial ocorrem no Brasil há mais de um século, com autores renomados criticando sua existência e estudos afirmando sua ineficiência. Sua existência, ainda que alterada, surpreende em 2023.

Os manicômios tradicionais se utilizavam de trabalho escravo, tortura psicológica, confinamento solitário, dentre outras práticas cometidas nesses locais. Comumente atribuídos aos "loucos", estes eram indivíduos que fugiam da conjuntura daquele momento, como a comunidade LGBTQIA+, grupos feministas revolucionários, dentre outros.

Durante o fim da década de 1970, esses institutos foram questionados por trabalhadores e sobre a sua moralidade por psicólogos e psiquiatras além de ex-pacientes e o movimento antimanicomial surgiu. Com o encontro dos Trabalhadores da Saúde Mental e a primeira Conferência Nacional de Saúde Mental em 1987, em Brasília, a data, 18 de maio, foi dita como o "dia da luta Antimanicomial"

Complementando o debate acerca do tema, nesta sexta-feira, 19, o CAPSI promoverá uma mesa com a questão: “Por que a luta antimanicomial deve ser uma luta anticapitalista?”. O evento está marcado para às 13h30. 

https://www.instagram.com/p/CsT8wKVOAw4/?igshid=MTc4MmM1YmI2Ng== 

Para Dora Affonso, membro da LAPSIT, apesar da história de resistência, o tema não é discutido como deveria e a exposição traz isso à tona. Com indicações de filmes e livros, a montagem é dinâmica e conta com a apresentação de fotografias representando a loucura, feitas pelos próprios alunos do curso de Psicologia.

Mesmo em menor número, elas são as que mais sofrem estando desabrigadas pelas ruas em São Paulo.
por
Antônio Valle
Luísa Ayres
Manuela Dias
|
30/03/2023 - 12h

Na maior capital da América Latina, uma das 20 cidades mais ricas do mundo, cerca de 48.261 pessoas se encontram em situação de rua. Para piorar, quase 30% dessas pessoas permanecem marginalizadas há mais de dois anos e cerca de 26% já não sabem o que é ter um teto há um período de mais de meia década.  

Desse total de quase 50 mil pessoas em completa vulnerabilidade social, 17,2% são mulheres. De acordo com o último Censo de 2021 sobre a população em situação de rua, as 3 regiões mais ocupadas por elas em São Paulo são a Sé (5,9%), a Vila Mariana (0,7%) e Santo Amaro (0,6%). 

 

Menor número, maiores vítimas 

Considerando a rua como um cenário predominantemente masculino, as violências, estupros e comportamentos característicos de opressão contra as mulheres, se reproduzem de forma ainda mais acentuada e naturalizada. Portanto, o fato de as mulheres serem o menor número percentual não necessariamente pode ser analisado como um dado positivo, já que a predominância de homens, como em qualquer outro lugar, evidencia os desafios ligados ao machismo e à estrutura patriarcal da sociedade como um todo.       

Para se protegerem, muitas procuram viver em grupos com outras mulheres ou estar com companheiros que possam lhes passar uma maior segurança perante os demais homens por perto. Esse cotidiano se assemelha muito a um dos principais motivos que levam muitas mulheres a viver longe de suas casas: os conflitos familiares (incluindo a violências doméstica e os abusos sexuais).  

“Aqui, uma mulher ajuda a outra”, confirma Samira*, de 20 anos. Há três meses em situação de rua, dorme atualmente na Praça da Sé. Para ela, estar com seu companheiro e pai de suas duas filhas, é um alívio. “Por eu viver na rua, eu já vi muitos casos (de violência). Eu, no meu caso, tenho meu esposo, que me ajuda, me protege. Mas tem muito homem violento né, tipo homem bêbado. Tem muita mulher sozinha que sofre bastante”, explica.  

O segundo maior motivo para o desabrigo de mulheres costuma ser o desemprego, que relacionado, muitas vezes, à dependência econômica que algumas delas possam ter em relação a companheiros abusivos, não lhes permite a fuga para algum outro lar mais seguro. Sem opção, o fim acaba sendo a sobrevivência nas ruas, longe do antigo abusador e perto de novos.  

Fugir: para onde? 

As consequências desse novo cotidiano, marcado ainda pela fome, frio e falta de assistência e acompanhamento médico podem ser diversas, levando ao desenvolvimento de transtornos psicológicos, doenças não tratadas ou identificadas, infecções íntimas, gestações indesejadas e até mesmo ao uso de drogas, sobretudo como alívio do sofrimento e fuga dessa dura realidade.  

Sobre o acesso ao atendimento médico e ao acompanhamento da saúde da mulher, a jovem diz ser uma situação muito difícil, sobretudo por causa da discriminação: “A gente mora na rua aí acha que a gente tem doença”. 

Segundo estudo realizado pela pesquisadora Patrícia Reis Carvalho com cerca de 40 mulheres em situação de rua em Belém, 42% das entrevistadas dizem ter feito uso de drogas durante o período de vivência nas ruas – não necessariamente tendo o uso de substâncias ilícitas como motivo principal para a saída de seus lares.  Esses dados ajudam a descontruir a imagem pejorativa ainda muito presente no imaginário popular de que pessoas que vivem nessas condições - ou melhor, que convivem com a falta delas – sejam todas viciadas, e que estão na rua apenas com o intuito de poder usar drogas.   

Samira*, por exemplo, conta que está na rua pois perdeu seu barraco de madeira durante uma enchente. “Levou tudo que a gente tinha... só deu tempo de a gente pegar as crianças, os documentos e sair, sabe?”. Hoje, vive a difícil realidade de estar desabrigada com uma bebê de 1 ano e outra recém-nascida, internada na UTI da Santa Casa, que após nascer na rua, contraiu sérias infecções.  

Pobreza menstrual 

Outra dificuldade enfrentada por elas, é a pobreza menstrual, um problema que assola cerca de 4 milhões de mulheres que menstruam pelo mundo, conforme aponta a Unicef. No Brasil, um levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Locomotiva, em conjunto com a marca de absorvente Always, mostra que 52% das pessoas que possuem ciclo menstrual, já tiveram que lidar alguma vez na vida com a falta de absorventes, itens de higiene, água tratada para limpeza pessoal ou acesso à banheiros, fatores que caracterizam a condição da pobreza menstrual.   

“Antigamente, vinha bastante doação de absorvente, escova de dente, coisas de higiene... só que agora tá em falta”, conta Samira*, pedindo ajuda. Ela também relata não saber de lugares que distribuam os absorventes de forma gratuita, e que se existem, não são divulgados para as mulheres na mesma situação que a dela.  

Alguns por muitas 

Apesar de não serem a maioria sobrevivendo pelas ruas, as mulheres são as menos acolhidas e ajudadas: enquanto a taxa de acolhimento dos homens chega a 83,2%, a assistência fornecida ao gênero feminino não chega a 17% do total de desabrigadas, também segundo dados do censo de 2021. 

Apesar dessa problemática, muitas organizações, governamentais ou não, desenvolvem projetos de ajuda e acolhimento direcionados à essas mulheres. Uma delas, é a Casa Maria Maria, uma Casa de Apoio e Centro de Acolhida (CAE) localizada na região do Canindé, na zona norte da capital paulista.  

Segundo a Prefeitura de São Paulo, “essa modalidade destina-se a priorizar públicos específicos que requerem atendimento diferenciado, respeitando o gênero. Neste tipo de serviço, as mulheres podem estar acompanhadas ou não de seus filhos”. 

Juliana Ferreira, assistente técnica do Maria Maria, conta que as mulheres abrigadas na casa têm contato com parentes e amigos, saem todos os dias, trabalham, estudam e retornam para o Centro, onde ficam à disposição telefones e wi-fi gratuito. “Elas têm toda autonomia da vida delas. Elas só estão aqui em acolhimento”, garante. 

No entanto, algumas regras precisam ser seguidas: há horário limite para entrada na casa, lista de presença e, caso sejam constatados 4 dias de falta seguidos, as mulheres sofrem desligamento, perdendo sua vaga no abrigo.  

O espaço em si conta com quartos compartilhados para até 20 pessoas, em leitos baixos e altos - e também berços, sala de TV, quintal, lavanderia, espaço com brinquedos para os filhos das moradoras, refeitório que serve até 5 refeições por dia e serviços médicos e sociais quando necessário.  

“Elas que limpam os quartos e banheiros que usam, fazem escala”, explica Juliana, que também garante a permanência dessas mulheres na casa por quanto tempo precisarem e quiserem. Ainda assim, um teto para dormir não resolve todos os problemas que essas mulheres enfrentam no dia a dia. Segundo relatos, havia uma moradora que apesar do abrigo e da alimentação, ainda assim precisava sair de noite, chegando depois do horário, por conta da vida na prostituição.  

Por se tratar de um lar para mulheres e crianças de até 17 anos, homens ou não, todo cuidado é tomado, desde a segurança dessas mulheres em convivência com os meninos quanto com a higiene, por exemplo, para que bactérias da rua não prejudiquem a saúde interna das moradoras e seus filhos. “Essa parte da higiene é imprescindível”, pontua Juliana.  

Quando recebidas pela primeira vez, após o encaminhamento do Centro de Estudo e Serviço Social (CEAS), e também através do SP 156, portal de acolhimento da Prefeitura, essas mulheres são locadas para os abrigos e centros que dispuserem de vagas. Chegando lá, são acolhidas com kit de cama novo e itens de higiene e direcionadas para seus quartos, tendo direito a um armário por pessoa, onde podem guardar seus pertences. No entanto, nem sempre essa é a realidade. 

“Muitas chegam aqui sem nada... Não tem roupa, não tem calçado, não tem nada. Nem documento”, relata a assistente técnica.  

Com cerca de 100 pessoas atendidas todos os dias por mais de 40 funcionários, os desafios internos também são grandes. Apesar da verba destinada pelo próprio governo, Nadia Nicacio, conta que sem as doações, a Casa Maria Maria não conseguiria sobreviver.  

Assim como Samira e as mulheres atendidas na casa administrada por Nádia e Juliana, outras milhares continuam em situação de rua e vulnerabilidade social e seguem dependendo de doações e de centros de acolhimento como este para sobreviver. Para ajudar no acolhimento delas, ligue para o 156 ou contribua com doações para a Casa Maria Maria e demais centros e ONGS que fazem a diferença. 

Infográfico com os dados a cerca das mulheres em situação de rua com base no Censo de 2021 - Reprodução própria