Evento continua sua evolução com mais atrações e marcas patrocinadoras, mesmo com menos montadoras
por
Vítor Nhoatto
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18/06/2025 - 12h

 

Em sua quarta edição, ocorrida entre os dias 12 e 15 de junho, o Festival Interlagos Edição Carros se consolidou no setor. Realizada no autódromo de mesmo nome, na zona sul de São Paulo, contou com lançamentos de Ford, Honda e GWM. Além disso, nomes como IZA e Ferrugem animaram os amantes das quatro rodas.

Ao todo, estiveram presentes 18 marcas de automóveis, contando Omoda e Jaecoo como marcas separadas. A quantia diminuiu em relação à edição de 2024, que teve 19. Este ano, marcas como Chevrolet e Renault não compareceram. Mas ao andar pelos boxes da pista e no gramado que recebe os festivais Lollapalooza e The Town, a diferença é imperceptível. 

Se por um lado havia uma fabricante a menos, o número de stands de marcas patrocinadoras aumentou e chamava bastante a atenção. Desde casas de apostas até plataformas de venda de produtos online, com direito a uma estátua de leão que atraia as câmeras dos celulares. Completava o cenário a roda gigante popular nos eventos musicais que ali ocorrem, mas que não estava disponível para passeio.

No quesito alimentação, havia um número grande de opções, com uma dezena de food trucks e quiosques para petiscos e um restaurante com buffet também. Ponto importante é a falta de bebedouros pelo complexo, obrigando a todos a comprarem água, mesmo com os shows musicais que pedem por estações de hidratação.

Já em relação à organização do evento, mesmo com as obras aparentemente incessantes em Interlagos, com tapumes e entulhos em alguns locais, estavam menos intrusivas no campo de visão do espectador que as edições passadas. A sinalização continuou precária, com muitas pessoas perguntando para seguranças como descer para a área dos boxes e para o meio da pista, onde as grandes marcas ficavam.

Baseado no conceito de experiência automotor, o formato das edições anteriores foi mantido. Diferente de um Salão do Automóvel tradicional, os interessados poderiam andar na pista por R$593 com o ingresso Drive Pass, e também negociar com representantes de concessionárias a compra dos carros expostos e testados.

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Era possível ainda se sujar na lama, e nem precisava pagar mais pelo Drive Pass, com o Street Pass de R$107 já era suficiente. Foto: Vítor Nhoatto

Tudo isso faz do festival um exemplo atraente financeiramente para as marcas e emocionalmente para o público. Em Portugal, isso acontece de forma parecida com o ECAR Show e, na Espanha, com o Automobile Barcelona, por exemplo. Mas é só no Brasil que uma pista de corridas todo pode ser explorada. Além disso, para diminuir os custos, a edição Carros aconteceu apenas duas semanas depois da edição Motos, reaproveitando a estrutura e agilizando o processo para as montadoras, segundo a organização do evento. 

Palco de lançamentos 

Mesmo sem Volkswagen e o novo Tera, e a Chevrolet tendo optado por lançar os facelift de Onix e Tracker em julho em evento fechado, grandes revelações tomaram Interlagos. No quesito modelo inédito não houve nenhum caso por parte das montadoras tradicionais, limitadas a reestilizações e apresentações ao público de carros já mostrados em solo brasileiro.

Dessa vez presente somente com a Abarth, o conglomerado Stellantis aproveitou o ambiente de corrida que a marca do escorpião evoca e mostrou o renovado Pulse. Seguindo as atualizações da versão não envenenada da Fiat, ganhou nova grade frontal e teto panorâmico, além de banco do motorista com ajuste elétrico para o esportivo. Ficaram de fora, no entanto, novos assistentes de condução como leitor de placas de trânsito e piloto automático adaptativo, disponíveis em veículos mais baratos que os R$157.990 anunciados.

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Por trás do Pulse de hoje, o Abarth 600 dos anos 1960, exposto também pela marca em Interlagos. Foto: Vítor Nhoatto

Ainda em relação às europeias, a Volvo esteve presente novamente, inclusive reaproveitando muitos dos EX30 amarelos da edição passada. Falando nele, que não oferece mais a cor citada, ganhou uma nova versão em território brasileiro, a Cross Country. Apresentada em fevereiro na Europa, chega aqui como topo da gama por R$314.950. Se diferencia das demais pelas caixas de roda e proteções na frente e atrás em plástico preto, além de estrear um novo sistema de propulsão, com  tração integral e 428 cavalos, e indo de 0 a 100km/h em apenas 3,7 segundos.

Também foram mostrados ao público o XC90 atualizado, lançado em 2015, que ganhou sobrevida após a decisão da sueca de prolongar o ciclo dos seus modelos a combustão até uma maior maturação do mercado de elétricos. E ao lado dele estava também o recém lançado no Brasil, o novo EX90, antes tido como sucessor do irmão e agora como complemento e modelo topo de gama da marca. 

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De alguma forma a eletrificação chega para o cliente Volvo, seja com o elétrico EX30 ao fundo ou com o híbrido plug-in XC90 dourado à direita. Foto: Vítor Nhoatto

Mudando de continente, a Honda aproveitou a ocasião para apresentar o facelift do Civic e do HR-V. Ambos receberam mudanças sutis na grade dianteira e parachoques, além de novas lanternas traseiras e desenho de rodas para o segundo. No interior, o sistema multimídia do sedã ganhou novas funcionalidades e o console central do SUV foi alterado levemente para facilitar o acesso ao carregador por indução. Os preços não foram divulgados, no entanto. 

A conterrânea Mitsubishi estava presente novamente, mas diferente da edição 2024 trouxe modelos realmente novos em sua linha, apesar de nenhuma revelação no evento. Lançado no país há poucos meses, a nova geração da picape Triton estava presente e o destaque do stand foi o novo Outlander, anunciado no mês passado. Agora híbrido plug-in, se coloca como modelo mais tecnológico da marca no Brasil, mas custa quase R$400 mil. 

Novidade este ano no festival, a Hyundai também não trouxe novidades, mas aproveitou para mostrar para os consumidores o recém-lançado Kona, o SUV de oito lugares Palisade e o eletrônico Ioniq 5. Os modelos marcam uma nova fase da divisão de importados da coreana no país, administrada pela CAOA e separada da HMB que fabrica os modelos HB20 e Creta. 

Por fim, a estadunidense Ford levou a Interlagos a linha Tremor de suas picapes Maverick, Ranger e F-150, reforçando o apelo off-road da marca com direito a um segundo stand só para elas próxima à pista off-road. Já dentro dos boxes, a reestilização do seu segundo modelo mais importante no país hoje, o Territory, foi revelada.

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Além da mudança estética que tenta alinhar o Territory a linguagem visual da marca, também conta com novo design para as rodas.Foto: Vítor Nhoatto

Atrás apenas da Ranger em vendas e popularidade, é rival de modelos best-sellers como os Jeep Compass e Toyota Corolla Cross, SUVs médios. Com uma frente toda remodelada, mais arredondada e passível de julgamentos, mudou a cor dos estofados internos mas manteve o seu preço de R$215 mil. Importado da China, pretende crescer na categoria com a estratégia, custando menos que os dois concorrentes citados em versões equivalentes.

Ascensão chinesa continua 

Falando mais sobre a potência asiática, se nenhuma surpresa veio por parte das montadoras já estabelecidas, mais uma vez as chinesas ocuparam em todos os sentidos Interlagos, e tiveram destaque. Com revelações importantes e presentes na pista e no barro, elas focaram em mostrar qualidade e potencial tecnológico irreverente.  

Veteranas do Festival, BYD e GWM foram desta vez por caminhos distintos, com a primeira sem lançamentos no mercado de fato, mas trabalhando fortemente o imaginário da marca no Brasil. No stand o ato principal foi o supercarro elétrico YangWang U9, chamando todas as atenções com o seu vermelho vivo e asa traseira enorme. Além disso, era impossível não reparar o carro “dançando”, demonstrando a suspensão independente sofisticada do modelo que consegue saltar e andar somente com três rodas.

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Ao lado de Dolphin Mini e King, U9 roubava os olhares com seus 1.300 cavalos elétricos. Foto: Vítor Nhoatto

Do lado de fora quem brilhava era o também elétrico YangWang U8, agora sob o formato SUV. Capaz de girar no próprio eixo e flutuar, corria pela pista e chamava atenção pelo porte de cerca de cinco metros de comprimento e design singular. Nada foi falado sobre a possível comercialização de ambos no Brasil, o que não era esperado, mas sim as onomatopeias e expressões de surpresa que eles provocam.

Já em relação ao rival GWM, a estratégia foi repetir o que fez em 2024: apresentar novos modelos. A picape híbrida Poer e o SUV Tank 9 foram as estrelas da vez, com a primeira já tendo aparecido em evento com o vice-presidente Geraldo Alckmin na futura fábrica da empresa no Brasil. No caso do segundo, promete complementar a linha Tank após a chegada do Tank 300, na edição passada revelado, e agora ocupando a pista off-road e as ruas também. 

Cenário similar ocorreu no stand da Omoda & Jaecoo, marcas do grupo Chery que em 2024 debutaram em Interlagos e agora já contam com cerca de 50 lojas pelo país. Foram apresentados a versão híbrida do Omoda 5, vendido aqui até então somente como elétrico sob o nome E5, e o inédito Omoda 7, um híbrido plug-in para rivalizar com BYD Song Plus e o GWM Haval H6. Ambos tem previsão de lançamento até final do ano.

Porém, o destaque da mostra foi a novata GAC, que chegou ao mercado brasileiro oficialmente no mês passado já com 33 lojas e cinco modelos. Estilizada sob o slogan Go and Change, vá e mude em português, é o acrônimo para Guangzhou Automobile Group, e se pronuncia “gê á cê”. 

Com um dos maiores estandes da edição, o mesmo que a também estreante chinesa Neta usou no ano passado, era um dos mais movimentados também. O centro das atenções era o elétrico Hyptec  HT com suas portas traseiras “asa de gaivota”, ao estilo do rival Tesla Model X. Custando a partir de R$299.990, é o modelo topo de gama da marca à venda aqui, e promete agitar o mercado dos SUVs elétricos grandes, com uma cabine extremamente luxuosa.

Mais ao fundo estava o também elétrico e SUV, Aion V, com uma pegada mais quadrada e prática. Com porte de GWM Haval H6, tela para o ajuste do ar condicionado no banco de trás, massagem nos dianteiros e até 602 km de autonomia segundo o ciclo chinês NDEC, custa a partir de R$214.990, mesmo preço que o rival híbrido. A MPV (Multi Purpose Vehicle) Aion Y e o sedã Aion ES completavam a linha elétrica.

E apostando também nos híbridos, o SUV GS4 marcou presença, rival direto do supracitado H6 e do recém atualizado BYD Song Plus. A partir de R$189.990 é tido pela marca como o modelo com maior potencial de vendas, e aposta em um design ousado cheio de vincos e quinas, além de qualidade, conforto e tecnologia por um preço mais acessível que modelos menores como o Toyota Corolla Cross inclusive.

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Espaço da GAC remetia a conforto, natureza e um estilo de vida novo, como proposto pela marca. Foto: Vítor Nhoatto

Vale notar, no entanto, que apesar de todo o apelo high tech, nenhum dos modelos conta com leitor de placas de trânsito e detector de fadiga, presentes nos rivais da GWM e BYD. Além disso, o sedã Aion ES, com a mira para o BYD King, não possui nenhum assistente de condução e acabamento digno de Fiat Mobi por R$170 mil. Só o tempo dirá se a estratégia será efetiva ou desaparecerá em um ano como a Neta.

Museu a céu aberto

Ao lado da imersão chinesa a nostalgia tomava conta no segundo espaço da Honda no evento. Entrando era possível admirar o Civic Type-R, o mais potente já feito e vendido por quase meio milhão no Brasil. De frente a ele estava o primeiro Civic fabricado no Brasil, parecendo que havia saído da loja em 1997.  

E como um espaço de memória da japonesa pedia, um tributo a parceria de Ayrton Senna e a marca levou ao festival itens exclusivos do ídolo brasileiro. Acompanhado do capacete usado por ele estava exposto um exemplar 1992 do Honda NSX, esportivo que contou com a participação do piloto no desenvolvimento e que é lembrado pelos fãs por isso. Os entusiastas das pistas ainda puderam ver de perto o primeiro Honda que ganhou na Fórmula Indy.

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História não se compra e contra isso as chinesas não podem lutar. Foto: Vítor Nhoatto

Não necessariamente só de antiguidades que se faz um museu, mas também obras de arte, como abrigava um pavilhão mais adiante. Nele os interessados podiam fazer tatuagens no estúdio presente enquanto admiravam os dois carros mais caros do Brasil. 

No seu tom azul vibrante de lançamento, o superesportivo Bugatti Chiron estava sempre rodeado de câmeras, queixos caídos e pessoas de todas as idades. Com 1.500 cavalos, estima-se que custe cerca de R$40 milhões e é o único exemplar em solo brasileiro. E acompanhando o francês estava o Pagani Utopia, feito artesanalmente e em apenas 99 unidades. O único exemplar no país é branco e possui faixas azuis e vermelhas, importado por cerca de R$60 milhões.  

Estavam mais ao fundo ainda uma Porsche Taycan e uma Mercedes G-Class, que torcem pelos pescoços pelas ruas, mas se contentavam em ser apenas os figurantes do espaço desta vez. Falando na alemã, pela primeira vez esteve no evento, com um stand discreto no gramado e apenas quatro modelos, mas que estavam quase sempre rodeados de interessados. Ao lado também estavam as novatas no evento, BMW e Mini, com seus últimos modelos, mas sem novidades.

De volta ao prédio, Lexus e Toyota repetiam a estratégia das alemãs, sem alardes, e para completar o mundo das exclusividades, um cercado contava com um Rolls Royce Ghost, um McLaren GT, alguns Mitsubishi Lancer Evolution e até mesmo uma Tesla Cybertruck. Se não fosse o suficiente, no andar de cima empresas de acessórios e produtos automotivos em geral trouxeram Nissan GT-R, Ford Mustang e mesmo Ferrari. Lembrando que se fosse de desejo, por  R$1.970 à R$3.950 era possível pilotar máquinas como essas com o ingresso Sport Pass.

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Seja criança ou não, entusiasta ou leigo, muitos modelos chamavam atenção de todo mundo que passava por Interlagos. Foto: Vítor Nhoatto

Para completar a experiência no fim da noite, ainda aconteceram shows de cantores a lá Lollapalooza em pleno mês de junho. No dia 13 se apresentaram Seu Jorge e IZA, seguidos da dupla Maiara e Maraisa no dia seguinte, e Diogo Nogueira e Ferrugem no domingo (15). 

A Prefeitura de São Paulo anunciou em abril deste ano que renovou o contrato com a organização do evento para edições anuais até 2028, comprovando o sucesso do formato. Mesmo que o Salão do Automóvel de São Paulo volte depois de sete anos em novembro, como foi anunciado, o espaço do Festival Interlagos é só dele, e parece mais que nunca robusto e consolidado pelas marcas, governo e também pelo público. 

Caso de racismo gerou revolta no Interior da Bahia.
por
Victória Ignez
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29/05/2025 - 12h

No vilarejo paradisíaco de Caraíva, no sul da Bahia, a alegria e a tranquilidade foram rompidas por uma tragédia que abalou moradores e visitantes: a morte de Victor Cerqueira, o Vitinho, de 22 anos, durante uma operação da Polícia Militar no dia 10 de maio de 2025. 

Luiza Bonfim, entrevistada

Caraíva, conhecida por suas paisagens naturais, ruas de areia e forte presença de cultura tradicional, também abriga uma população local que enfrenta desafios históricos como a falta de infraestrutura, serviços públicos básicos e segurança. Nesse cenário, a morte de um jovem querido pela comunidade acendeu um debate mais amplo sobre violência policial e desigualdade social. Descrito por amigos e conhecidos como um “menino de luz”, Vitinho era figura presente no cotidiano da vila. Sempre sorridente, prestativo e trabalhador, atuava em pousadas da região e também prestava serviços à vila, como a coleta de lixo. No momento da operação, ele exercia sua função: aguardava hóspedes de uma pousada à beira do rio, ponto tradicional de travessia no povoado. 

Segundo testemunhas, a Polícia Militar realizava uma operação na área quando rendeu Vitinho, algemou-o e o levou sob custódia. No dia seguinte, seu corpo foi encontrado no Instituto Médico Legal (IML). A informação de sua morte causou choque e revolta entre moradores, empresários locais e turistas frequentes. “A gente sempre via o Vitinho por aqui. Eu não o conhecia pessoalmente, mas meus amigos eram muito próximos dele. Todos dizem a mesma coisa: ele era um menino trabalhador, responsável, que espalhava alegria por onde passava”, relata Luiza Bomfim, jovem que frequenta a vila e acompanhou de perto os desdobramentos do caso. 

A versão oficial da polícia afirma que Vitinho teria envolvimento com o tráfico de drogas, mas moradores contestam essa narrativa. Há indícios de que ele tenha sido confundido com outro homem chamado Vitor, ligado a um grupo criminoso da região e também morto na mesma operação. Esse possível erro de identificação levanta questionamentos sobre a condução da ação policial e o uso excessivo da força por parte dos agentes envolvidos. 

Até o momento, o caso está em investigação, e não há informações sobre a responsabilização dos policiais. A ausência de transparência gera temor e frustração. Familiares, amigos e moradores pedem justiça e exigem esclarecimentos. Em protestos silenciosos e publicações nas redes sociais, o nome de Vitinho passou a representar mais do que um jovem injustiçado: tornou-se símbolo de uma comunidade que clama por respeito, verdade e responsabilidade. 

 

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Moradores e trabalhadores reclamam da falta de sossego quando chove
por
Maria Mielli
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15/05/2025 - 12h

 

Em dias de chuva, seja ela intensa ou não, os moradores da grande São Paulo já se preparam para o pior: alagamentos e/ou falta de luz. Na Rua Arnaldo Cintra, no bairro Vila Moreira — próximo ao Parque São Jorge— as coisas não são diferentes. Não se sabe exatamente quando isso começou, mas faz muitos anos que os moradores dos condomínios Vivace Park e Vivace Club, são vítimas de alagamentos constantes que impedem a entrada e saída dos moradores da região. Na área em que hoje estão estes condomínios, antigamente passava o córrego popularmente conhecido como do Maranhão.

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Rua Arnaldo Cintra alagada após um dia de chuva em São Paulo. Foto: Arquivo pessoal de moradores do condomínio.
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“Quem chega não entra e quem tá aqui dentro não sai” exclama dona Valderes, moradora do Park há 7 anos. Quando questionada sobre o início dessa dor de cabeça, ela responde que sempre foi assim e que todos os moradores reclamam desse empecilho. Ela também diz que os próprios moradores, juntamente com a síndica do prédio, reuniram-se para tentar resolver esse problema. O projeto idealizado visaria fazer a manutenção correta do córrego e diminuir, por meio da macrodrenagem, os riscos de alagamento. A Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras de São Paulo, SIURB, informou que não consta nos seus arquivos a retificação do córrego. Segundo eles, por conta da falta de propostas apresentadas pelas empresas, a licitação foi considerada “deserta”. 

O problema da região não afeta somente os moradores, mas toda a área próxima à Marginal Tietê. Alan Richard, frentista no posto em frente aos condomínios, conta que durante um ano e 5 meses de trabalho, já enfrentou as enchentes mais de 20 vezes. Destaca também que essa situação prejudica toda a logística do dia-a-dia. “Atrapalha porque as pessoas que moram nos apartamentos não conseguem entrar, aí eles ficam tudo (sic) aqui, ocupando espaço…aí para de abastecer e para tudo aqui”. E finaliza: “Algo não tá certo”.

 

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Acidentes em 2024 e 2025 com carros de luxo levantam alerta sobre imprudência nas pistas e ineficiência de autoridades
por
Daniella Ramos
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26/04/2025 - 12h

O atropelamento das jovens Isabelli Helena de Lima Costa e Isabela Priel Regis, ambas de 18 anos, em São Caetano do Sul, no ABC Paulista, é o caso mais recente de acidente de trânsito envolvendo carros de luxo, em 10 de abril. As duas mulheres foram arremessadas a 50 metros de distância com o impacto da batida causada pelo estudante de direito Brendo dos Santos Sampaio, de 26 anos. Testemunhas apontaram que a rapidez do Honda Civic era devido um possível “racha”. 

O infrator tem sete multas de trânsito por excesso de velocidade, o que dificulta sua defesa, que tenta se utilizar do fato de que o farol estava aberto para ele para diminuir a culpa do acusado. 

 

“É importante que o culpado indenize a família, as autoridades apreendam a carteira e preste serviço social para suavizar e reparar o dano, conforme o código penal. Não se sabe quanto vale uma vida, mas é importante indenizar como uma forma de desculpa e se recuperar dessa violação e evidentemente não repetir mais isso”, afirma o advogado e doutor em Processo Civil Coletivo, Francisco da Silva Caseiro Neto, sobre casos de atropelamentos fatais. 

 

Em Julho de 2024 houve o caso de Igor Sauceda, que responde por homicídio triplamente qualificado ao agir com a intenção de matar, por motivo fútil, utilizando meio cruel e sem dar chance de defesa à vítima. Sauceda perseguiu e atropelou, com seu carro da marca Porsche, avaliado em R$483 mil, o motociclista Pedro Kaique Ventura Figueiredo após uma discussão no trânsito, na qual o atingiu por trás a 102 km/h, quando o permitido na via era de 50 km/h. O motorista permanece preso desde o dia do acidente, aguardando a audiência para saber se irá a júri popular. O Ministério Público pede indenização a ser paga aos familiares da vítima, principalmente porque sua esposa estava grávida na data do crime. 


 

Porsche de Igor Sauceda após acidente. Foto: Reprodução/TV Globo.
Porsche de Igor Sauceda após acidente. Foto: Reprodução/TV Globo.

 

“É inadmissível que casos como esses aconteçam, além do desrespeito no trânsito cometido por pessoas que têm um capital financeiro e se acham melhores que os outros, violando o direito de ir e vir das pessoas no espaço público ao agredir e matar”, comenta a doutora em Sociologia Urbana, Dulce Maria Tourinho Baptista. 


 

Em março do mesmo ano, um dos acidentes de maior proporção midiática foi o caso de Fernando Sastre, que bateu com seu automóvel, também da marca Porsche, a 156 km/h na traseira de um carro de aplicativo, que era dirigido por Ornaldo da Silva Viana, quando o máximo permitido na via era 50 km/h. Ele morreu no hospital por traumatismos múltiplos. 

 

Carros de Sastre e Ornaldo após colisão. Foto: Reprodução/CBN.
Carros de Sastre e Ornaldo após colisão. Foto: Reprodução/CBN.


 

O empresário saiu do local acompanhado de sua mãe dizendo que iria ao hospital, mas os policiais não o encontraram lá, deixando de fazer o teste de bafômetro, que seria essencial para a investigação. Após 40 horas do ocorrido, o condutor do carro de luxo se apresentou no 30º Distrito Policial do Tatuapé, sendo preso preventivamente. Até o momento, o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Justiça de São Paulo já negaram, ao total, sete vezes seu pedido de responder em liberdade a indiciação por homicídio por dolo eventual, lesão corporal e fuga do local. A data do júri popular ainda não foi marcada, pois a defesa ainda pode recorrer às instâncias superiores contra esta decisão, visto que seus advogados tentam mudar o crime para culposo (sem intenção de matar), para que seja julgado por um juiz. 


 

“É dever das autoridades se aprimorarem para não deixar a pessoa ir embora, agindo com eficiência”, diz Francisco Caseiro. 

 

Outro caso é o de Vitor Belarmino, que tinha cinco pessoas dentro de seu carro da marca BMW e atropelou Fabio Toshiro Kikuta. O fisioterapeuta de 42 anos estava saindo de um hotel após guardar no local objetos de seu casamento, que acabara de acontecer. Vitor está foragido até hoje e se tornou réu por homicídio, já as pessoas no carro respondem por omissão de socorro. 

 

Vitor Belarmino com seu carro antes do acidente. Foto: Reprodução/Rede social de Vitor Belarmino.
Vitor Belarmino com seu carro antes do acidente. Foto: Reprodução/Rede social de Vitor Belarmino.

 

A última atualização do caso ocorreu no dia 11 de abril, em que o réu, ainda foragido, participou da audiência por vídeo sendo negado o pedido de defesa e mantida a prisão pela juíza Alessandra da Rocha Lima Roidis, que argumentou que nada enfraquece a informação dos autos de que possivelmente o acusado estaria conduzindo o veículo acima da velocidade permitida. Mesmo Vitor dizendo em entrevista à Record, no dia 06 de Abril ao programa Domingo Espetacular, que está “preso em casa”, a corporação informou ao veículo que agentes seguem em diligências para localizá-lo e capturá-lo, indicando que as buscas para prendê-lo não são eficazes. 

 

 

“É uma pena que os representantes da ordem [policiais, juízes, guardas de trânsito] pagos por nós, pelo público, resolvam privilegiar determinados grupos, como é o caso dos proprietários de carros potentes”, afirma Dulce Maria.


 

Todos esses casos têm em comum a imprudência dos motoristas, a falta de educação de trânsito e a falha das autoridades em não autuar de maneira eficiente aqueles que cometem infrações colocando a vida da população em risco. 

A ineficiência das autoridades fica nítida nos casos de Vitor Belarmino, já que era possível rastrear o endereço de IP (Internet Protocol) do computador que Belarmino fez a videoconferência para definir sua localização, mediante ordem judicial, e de Fernando Sastre, que os policiais o trataram com menos rigidez, permitindo que ele não fizesse o teste de bafômetro e que fosse ao hospital sem o acompanhamento de oficiais.

Já os casos de Brendo dos Santos Sampaio e Igor Sauceda ficam evidenciados pela demora da Justiça em julgá-los mesmo com provas contundentes e mortes brutais, além de uma defesa fraca que se utiliza de argumentos facilmente contestáveis pela legislação de trânsito. 

Segundo o InfoSiga, site que registra fatalidades no trânsito do estado de São Paulo, ao menos 900 óbitos por acidentes ocorreram em 2025, sendo 186 deles de pedestres como Isabelli, Isabela e Fabio, 386 de motociclistas como Pedro e 186 por automóveis como Ornaldo. Segundo um levantamento do UOL de agosto de 2024, ao menos 50 pessoas foram mortas por acidentes envolvendo carros de luxo no ano, tendo em média um óbito a cada quatro dias.

 

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Comércio de rua gera renda aos colaboradores e mantém viva uma tradição paulistana
por
Nathalia de Moura
Victória da Silva
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27/03/2025 - 12h

As feiras livres paulistanas já ocupam seus espaços pela cidade há anos. Gerando rendimento para muitos feirantes e possuindo uma variedade de produtos para a população, elas são essenciais para a geração de empregos. Com um público diverso, elas também são tradicionais no estado de São Paulo e dão a oportunidade de conhecer diferentes culturas e pessoas. Segundo a Prefeitura de São Paulo, por meio das secretarias de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), a primeira feira livre oficial aconteceu em 1914, através de um ato do então prefeito Washington Luiz Pereira de Souza. A ação surgiu para legitimar uma prática que já acontecia na cidade, mas de forma informal. Na ocasião, cerca de 26 feirantes estiveram no Largo General Osório, na região da Santa Ifigênia. Mais tarde, em 1915, outra feira se instalou, dessa vez no Largo do Arouche, e teve a presença de 116 feirantes.

As feiras não possuem um público-alvo e esse é seu diferencial. É possível ver crianças, jovens, idosos, famílias, moradores locais e até turistas usufruindo a multiplicidade de mercadorias que existem. Em sua grande maioria, pessoas da classe média e da classe trabalhadora são as que mais frequentam as feiras. Muitos também aproveitam para comprar legumes, verduras e frutas frescas, além de conhecer a cultura local.

São Paulo tem registrado cerca de 968 feiras livres e com a expansão desse comércio tão tradicional, a movimentação financeira gira em torno de R$ 2 bilhões por ano, incluindo a venda de até mesmo peças artesanais. Além disso, mais de 70 mil empregos, diretos e indiretos, são gerados.

Em Guarulhos, por exemplo, Quitéria Maria Luize, de 62 anos, vende condimentos e temperos em quatro feiras de bairros diferentes (Jardim Cumbica, Jardim Maria Dirce, Parque Alvorada e Parque Jurema), sendo essa sua única fonte de renda. “Ela é toda a minha renda, de onde eu tiro o sustento. Criei toda a minha família trabalhando com esses temperos. E começando lá de baixo, não comecei lá em cima”, diz Quitéria em entrevista à AGEMT. 

A feirante afirma que antes de estabelecer seu comércio nas feiras, ela iniciou vendendo temperos pelas ruas com um carrinho de pedreiro: “peguei esses temperinhos emprestados que a minha tia já vendia, saí nas portas, batendo palma e contando minha história”.

 

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Diversos condimentos são comercializados na barraca de Dona Quitéria. Foto: Victória da Silva

Vendedor das mais diversas frutas, Queiroz - como é conhecido e gosta de ser chamado - é feirante por tradição. Seu pai e seu avô participaram de feiras livres e passaram o negócio para ele, que vive disso até hoje, aos seus 60 anos. “O meu avô começou na feira em 1945, ele tinha uma chácara, colhia e vendia. Aqui em Guarulhos não tinha nada, mas já tinha a feira”, informa.

“A feira é patrimônio do Estado de São Paulo” afirma o vendedor, defendendo a existência dela como crucial para a vida dos paulistas e paulistanos. Queiroz diz que as feiras são tão importantes quanto os mercados, já que foi por meio desse comércio que eles passaram a existir: “Até o leite era vendido na feira. A feira era uma festa!", relembra QQueiroz. 

 

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Barraca de frutas do seu Queiroz. Foto: Victória da Silva.

Quem trabalha ou frequenta as feiras falam delas com muito carinho e cuidado. Além disso, os feirantes e moradores também podem ajudar na fiscalização das feiras. Caso identifiquem alguma irregularidade, eles podem acionar as subprefeituras para checarem, pois elas são responsáveis pelo monitoramento. Já a organização e a supervisão são feitas pela Prefeitura por meio da SMDHC e da Executiva de Segurança Alimentar e Nutricional e de Abastecimento (SESANA).

Marcos Antonio da Silva é vendedor de ovos na feira do Jardim Cumbica há 10 anos, mas, diferente de Quitéria, durante os dias úteis trabalha em outra profissão: motorista de caminhão. O caminhoneiro de 52 anos diz que o comércio feirante é uma ótima forma de conseguir renda extra aos finais de semana. Contudo, as mudanças econômicas do país em 2025 fizeram as vendas caírem. “A feira me distrai muito. Aqui tem muita gente boa, atendo bem os clientes, tenho muitos, eles gostam do meu trabalho, eu gosto deles, mas a venda deu uma caída, subiu o preço do ovo, subiu o café, subiu o alho, subiram muitas coisas”, finaliza.

Ir à feira é um evento. Vemos diversas cores e sentimos vários cheiros e sabores. Mas as feiras livres possuem mais do que frutas, temperos e artesanatos. Elas apresentam histórias de vida e ali, amizades e novas experiências podem ser compartilhadas. 

As covereadoras Dafne Sena e Samara Sosthenes relatam as dificuldades em serem mulheres que representam pautas minoritárias na Câmara Municipal de São Paulo
por
Evelyn Fagundes, Gabriela Costa e Malu Marinho
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08/05/2021 - 12h
A covereadora Samara posa para foto
Samara Sosthenes, covereadora pelo PSOL em São Paulo. — Foto: Divulgação

“Era um momento tão ruim que, para mim, a única saída era a morte, o suicídio”, confessa Samara Sosthenes, atual covereadora do mandato coletivo “Quilombo Periférico”, ao relembrar de sua vida há dois anos atrás. A sua vontade de permanecer viva só retornou quando ela viu Robeyoncé Lima, co-deputada estadual de Pernambuco e Erica Malunguinho, deputada estadual de São Paulo, serem eleitas como mulheres trans, em seus respectivos cargos, e viu o potencial de mudança que as minorias na política possuem. “Hoje, eu estou tendo a oportunidade de legislar com essas pessoas e eu penso que não posso morrer porque é a minha vez de fazer essa diferença. Enxergar mulheres como eu se elegendo e atuando daquele jeito salvou a minha vida”, diz.

Em 2015, Samara Sosthenes foi morar, por necessidade financeira, em uma ocupação do MTST, no extremo sul da capital paulista. Dentro desse contexto, ela começou a conviver com diferentes histórias e a entender a questão da luta por moradia no país. Quando iniciou seus estudos na Uneafro Brasil, da qual hoje é coordenadora de um núcleo da Luz, ela também teve contato com os problemas da educação brasileira atual. “Todo meu aprendizado político foi fruto do meu contato com os movimentos sociais, sejam eles por moradia, por educação ou pelos direitos das mulheres. Tudo o que eu sei é por conta deles.”

Assim como Samara, Dafne Sena, covereadora da “Bancada Feminista” pelo PSOL, aliou-se à política na cidade de São Paulo, mas com foco na causa ambiental. "Eu me organizei, me filiei ao partido quando mudei para São Paulo, há uns seis ou sete anos. Sempre estive organizada nos movimentos ambientais e em várias outras iniciativas aqui na cidade, como pela igualdade de gênero".

Mesmo antes de participar assiduamente dos movimentos sociais, a covereadora já discutia política em casa, com sua mãe e seus avós. Além disso, Dafne é adepta ao veganismo:  “já fazem uns bons anos que sou vegana, sempre estive junto aos ativistas, nesse movimento que aqui no Brasil a gente chama de 'veganismo popular', uma proposta ligada à agroecologia e reforma agrária, contrapondo a vertente liberal, que se alia ao próprio mercado e ao agronegócio."

covereadora Dafne sena
Dafne Sena,  parlamentar pela Bancada Feminista do PSOL em São Paulo. - Foto: Reprodução.

A política ainda é demasiadamente masculina, o que traz a tona, a cada dia, a dificuldade de ser mulher dentro da câmara: "estar nesses espaços, no Brasil de sempre — mas principalmente no de hoje em dia — é um enfrentamento constante". Permanecer nesses ambientes é fortalecer a resistência e ultrapassar obstáculos diários, "se ficarmos presos em estereótipos nunca vamos entender de fato a luta que é necessária, pois, no momento em que estamos, a ideia de 'passar a boiada' significa a destruição absoluta das nossas condições de vida."

Sobre esses estereótipos, Dafne revelou ser muito difícil tentar alcançar as expectativas colocadas em uma mulher eleita. Geralmente, elas rondam em torno da própria falta de representatividade, já que, como não há muitos integrantes de minorias dentro da política, é sobre os poucos existentes que recai a responsabilidade de expor essas demandas. “A cada pauta adicionada na nossa luta, também acrescentamos mais elementos do que as pessoas esperam que a gente seja e que nunca vamos conseguir atender”.

Além disso, também existem os ideais criados pelos adversários políticos e as dificuldades que são enfrentadas para garantir que determinadas ações sejam realizadas. “É um movimento de muita auto reflexão, às vezes, mas principalmente um movimento de tentar permanecer nesses espaços apesar de todas as contradições e todos os elementos que são colocados como obstáculos”.

Dafne Sena, ao centro da foto, em ato de solidariedade pelo caso da modelo Mari Ferrer. - Foto: Reprodução
Dafne Sena, ao centro da foto, em ato de solidariedade pelo caso da modelo Mari Ferrer. - Foto: Reprodução 

Da mesma maneira que Dafne enfrenta dificuldade por ser mulher dentro da política, Samara também sofreu não apenas por ser uma mulher negra, mas também por ser trans. Na madrugada do dia 31 de janeiro, a covereadora afirmou que um vizinho ouviu barulhos de disparos na frente de sua casa, uma situação parecida com o que ocorreu com as vereadoras Erika Hilton e Carolina Iara”, ambas mulheres trans. A Polícia Civil teria concluído que não houve atentado nem no caso de Iara, nem de Sosthenes e, durante o andamento das investigações, ambas tiveram que andar acompanhadas de seguranças particulares. 

Samara ainda reiterou que, desde a morte de Marielle Franco, os ataques a todo tipo de minorias na política têm aumentado intensamente e que, provavelmente, são causados por conta do crescimento da representatividade dentro da política e são mais direcionados a lideranças femininas, pretas e periféricas. “Nossos corpos na política são novidade e eles sabem o efeito que causamos: a política está mudando, mas isso também causa uma reação do outro lado; o lado branco, sexista, cisgênero, acompanhado por bancadas do boi, da bala e da Bíblia. Então esses ataques vêm por conta do medo, porque a única maneira que eles sabem responder é com a violência.” 

Apesar de todas as dificuldades enfrentadas, principalmente no contexto pandêmico, Dafne afirma continuar na luta, se apegando à imagens de um futuro melhor. “É exaustivo sim, cansa. Tem épocas de profunda desesperança, mas eu entendo isso como uma tarefa histórica. Sinto que perdemos a solidariedade intergeracional, o entendimento de que as mudanças que queremos ver no mundo não necessariamente vão acontecer enquanto eu estou nele, mas acontecerão enquanto outras mulheres estiverem, aquelas que virão depois de mim”, revela.

Esse pensamento de fazer um trabalho que vai além de si é o que manteve Samara viva há dois anos e ainda é o que a sustenta nessa luta. “Acredito muito no poder da representatividade, porque do mesmo jeito que me espelhei em diversas mulheres como eu, muitas pessoas vêm me dizer que sou uma inspiração. Eu me sinto muito lisonjeada, mas também muito pressionada, porque a gente pensa “quem sou eu para servir de inspiração?”, mas só o fato de estarmos vivos, resistindo e lutando já é motivo de inspiração suficiente.” afirma esperançosa, Samara Sosthenes.

 

Medidas preventivas como a do ‘fique em casa’, é um insulto para quem não tem uma
por
Danilo Zelic
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20/04/2021 - 12h

Logo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a situação sanitária global como pandêmica, no dia 11 de março de 2020, a primeira medida anunciada para evitar a contaminação de Covid-19 foi a do ‘fique em casa’. Conforme estudo produzido em junho de 2020, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a estimativa do número de pessoas em situação de rua no Brasil é de 221.869, um crescimento de 140% desde 2012. Diante dos entraves que a crise trouxe nas questões socioeconômicas da população, especialmente aos mais vulneráveis, a tendência é de um crescimento da população de rua, segundo Jorge Broide, psicanalista e professor de psicologia da PUC-SP. “As pessoas estão perdendo suas casas, toda essa miséria e a crise social aumentando, a população de rua aumenta”.

Circulando pela região central da capital paulista, é evidente a grande quantidade de pessoas morando nas ruas. De acordo com pesquisa realizada em 2019, pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo em parceria com a Qualitest, o total da população em situação de rua é de 24.344, contabilizando 12.651 pessoas em situação de ‘rua’, conhecido também como ‘calçada’, e 11.693 na condição de ‘acolhido’. Desse total, 83,7% se identificam pelo sexo masculino e 14,8% pelo feminino. Se consideram pardos 35%,  brancos 21%, pretos 16% e indígenas e amarelas somam 2%. Das 32 subprefeituras da cidade, Sé e Mooca, que se localizam na Zona Central, somam 65,01% do total de pessoas morando na rua, respectivamente, 45,38% e 19,63%.

Quando se pediu que as pessoas ficassem em casa, Darcy Costa, coordenador do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), exigiu do poder público medidas emergenciais “como acesso à água potável para lavar as mãos, instalação de banheiros ao redor da cidade, kits com máscaras, sabonete e álcool em gel". Essas medidas visavam um único propósito, “evitar a devastação da população em situação de rua”.

Depois de um ano do atual cenário, Costa relata os principais problemas que se agravaram a respeito das políticas públicas adotadas. “Centros de acolhimento começaram a superlotar, [estão com] um número [de usuários] acima da sua capacidade em todos os serviços, inclusive até aqueles que foram abertos; banheiros públicos fechados; diminuição de pontos de distribuição de alimentos”.

Darcy Costa, coordenador do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) - Foto: Reprodução Facebook do MNPR
Darcy Costa, coordenador do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) - Foto: Reprodução Facebook do MNPR

Em junho do ano passado, a gestão de Bruno Covas (PSDB) registrou 28 óbitos e 289 infecções pela covid-19. Já o MNPR, no mesmo período, contabilizou 40 óbitos pela doença. Para o coordenador, o número oficial é baixo devido a uma “subnotificação”, ao passo que “a prefeitura, a secretaria de saúde e a assistência social se negam a apresentar esses dados”.

Em relação a situação dos equipamentos para a população de rua, constata que “estão com os leitos lotados e uma fila de espera para acessá-los”. “A gente sabe de casos, de ambulância saindo com dois, três dentro dos centros de atendimento, indo para os hospitais e essas pessoas não voltam mais”. Lembra do Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População em Situação de Rua, Comitê PopRua, que segundo ele, “ficou um ano desativado”. “Brigamos durante um ano para poder retomar esse GT (Grupo de Trabalho), que jamais deveria ter sido desativado”.

No dia 12 de fevereiro de 2021, a prefeitura de São Paulo anunciou a vacinação para pessoas em situação de rua acima de 60 anos. O coordenador do MNPR relata que foi uma demanda apresentada pelo Conselho Nacional de Saúde ao Ministério da Saúde. Em um primeiro momento, o ministério colocou a população de rua na 16º posição para a vacinação, indo na contramão no que dizia o MNPR, “que era colocar a população de rua como um grupo prioritário, como os quilombolas e os indígenas”.

Por conta do decreto que prioriza a vacinação de pessoas acima de 60 anos, o MNPR conseguiu viabilizar a vacinação para a população de rua. Para Costa, “já é uma vitória” a vacinação dessas pessoas, mas que “um negacionismo muito resistente em não admitir as medidas cabíveis, por parte do governo federal”, além da “pressão que os governadores vêm sofrendo por parte do empresariado”, dificulta a contenção da crise. Ressalta também a falta de um calendário claro “para a vacinação da população, muito menos para a população em situação de rua”.

Ação do MNPR na região da cracolândia - Foto: reprodução Facebook MNPR
Ação do MNPR na região da cracolândia - Foto: Reprodução Facebook MNPR

Na opinião de Broide, “fazer política pública, abrangente e séria”, é o que falta para amenizar a situação em que estamos. “Construir espaços onde as pessoas que estão na rua possam elaborar e construir projetos de vida. E o cuidado sanitário e a questão da moradia, evidentemente”. Costa, no entanto, lembra de ações executadas pelo terceiro setor, que diante “da falta de vontade política [da prefeitura], cai sobre as ONGs”. Sobre isso, ele nota que se enquadra dentro de um “contexto de caridade”, mas alerta que esse contexto “acaba assumindo prerrogativas que deveriam ser garantidas pelo governo”. “Isso já está na Constituição, têm leis, são eles que recebem os impostos. Não que a sociedade civil não possa ter as suas iniciativas, mas isso não pode ficar à mercê de ações paliativas”.

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Decisão que vai contra o pedido da associação de moradores Viva Pacaembu foi tomada pela juíza Maria Gabriella Pavlópoulos em 25 de janeiro, ainda cabe recurso.
por
Eduardo Moura
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16/04/2021 - 12h

Em 2019 o complexo esportivo do Pacaembu, que pertence a prefeitura de São Paulo, foi concedido para a iniciativa privada através de uma concessão de 35 anos para a concessionária Allegra, no valor de R $752.409.974,07 a serem pagos durante esse período. A primeira parcela no valor de R $79,2 milhões, já foi paga pela concessionária.

A concessão do complexo esportivo do Pacaembu, inclui os seguintes itens:

  • estádio de futebol;

  • piscina olímpica aquecida, com arquibancada para 2,5 mil pessoas;

  • ginásio poliesportivo coberto com capacidade 2.500 espectadores;

  • ginásio de tênis com piso de saibro e capacidade para 800 pessoas;

  • quadra externa de tênis com arquibancada para 1,5 mil pessoas;

  • quadra poliesportiva externa com iluminação;

  • três pistas de cooper, com 500, 600 e 860 metros;

  • duas salas de ginástica;

A Praça Charles Miller e o Museu do Futebol não fazem parte da concessão e permanecem sob comando da administração pública.

O embate entre a prefeitura de São Paulo e a associação de moradores do bairro, Viva Pacaembu, acontece desde o início da gestão Dória na prefeitura de São Paulo em 2016, quando o então Prefeito colocou o projeto de concessão do complexo esportivo do Pacaembu como prioridade na agenda da secretaria de desestatização do município. O motivo alegado pela secretaria de desestatização para a concessão do complexo esportivo é a queda de rendimentos devido à significativa diminuição de eventos esportivos no complexo, principalmente os jogos de futebol. Com as arenas de Palmeiras e Corinthians em plena atividade, o estádio deixou de ter uma média anual de 75 jogos para uma média de 30 jogos por mês em 2017. Isso porque Palmeiras e Corinthians, principalmente, eram os clubes que mais utilizavam o estádio para as suas partidas.

A associação Viva Pacaembu é muito engajada e ativa em toda e qualquer decisão tomada em relação ao bairro e durante todo esse período vem contestando diversas ações no projeto de concessão.

Uma das questões apontadas pela associação dos moradores é a utilização do complexo esportivo do Pacaembu pela população. A Viva Pacaembu cobra para que o uso do complexo continue gratuito e com acesso livre a todos. Em contato com o Secretário Executivo de Projetos Estratégicos, Alexis Galias de Souza Vargas, ele assegura que a utilização do complexo esportivo para toda a população paulistana, está prevista no contrato da concessão e deverá ser cumprida rigorosamente.

Outra questão apontada pela a associação é a demolição do Tobogã para a construção de um prédio que contará com lojas, restaurantes e até um hotel. No lugar onde fica hoje o tobogã, entre 1940 e 1970, ficava a concha acústica, utilizada para eventos musicais. Somente no final da década de 1960, com o aumento significativo do público nos jogos de futebol, é que o tobogã foi construído, aumentando a capacidade do estádio em 10 mil lugares. O estádio então passaria a ter a capacidade de público de 37 mil pessoas. A associação dos moradores na época, também foi contra a demolição da concha acústica e a construção do tobogã.

Em janeiro deste ano o juiz Alberto Alonso Muñoz da 13 Vara de Fazenda Pública, concedeu uma liminar que proibia a demolição do tobogã. Porém tanto a demolição do tobogã quanto o pedido de anulação da concessão do complexo esportivo do Pacaembu, foram negados Pela juíza Maria Gabriella Pavlópoulos, também da 13 Vara, alegando que o tobogã não faz parte do patrimônio tombado do estádio e que na época da construção do tobogã em 1970, também tiveram críticas em relação a descaracterização da arquitetura do estádio com a construção do tobogã. 

Confira a entrevista feita com o Secretário Executivo de Projetos Estratégicos, Alexis Galias de Souza Vargas, contando um pouco mais sobre o projeto de concessão do complexo do Pacaembu no link abaixo:

 

 

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Em novo livro o pesquisador traz detalhes sobre a milícia brasileira e a relação desses grupos com a morte da vereadora Marielle Franco
por
Artur Ferreira, Gabriela Neves e Natasha Meneguelli
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09/12/2020 - 12h

O jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), Bruno Paes Manso, acaba de lançar seu novo livro “A república das milícias: Dos esquadrões da morte à era Bolsonaro”.

Na obra ele explica diversos aspectos das pessoas que entram para a milícia, a construção desses grupos e seus embates no estado do Rio de Janeiro. Além isso, conta detalhes das investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco.

Em entrevista, o pesquisador afirmou que a política brasileira foi o nosso Martin Luther King ao lutar e mostrar para a população das comunidades cariocas que o futuro poderia ser diferente e menos violento. Principalmente, para os jovens que não deveriam se render ao sistema do crime organizado.

Bruno também fala do envolvimento da família do atual Presidente da República com  milicianos e da guerra aos excluídos da sociedade: “O Bolsonaro disse isso na televisão, a solução pro Brasil é uma guerra civil […] Essa guerra ao crime, essa guerra aos bandidos, é guerra aos negros, aos pobres, às pessoas que são vistas como perigosas”, afirma o pesquisador.

Além deste livro, o jornalista também escreveu “A guerra: A ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil” (Todavia, 2018), em parceria com a pesquisadora Camila Nunes Dias.

 

Confira a entrevista na íntegra:

Artur, Gabriela e Natasha: Bruno, acho importante pontuar para o leitor sobre quem é o miliciano, qual o perfil de alguém que entra para a milícia e o que difere do tráfico? E necessariamente todo miliciano é um policial?

Bruno Paes Manso: Quando começaram as milícias, esse modelo miliciano, por volta dos anos 2000, eram policiais, ex-policiais, e pessoas ligadas à segurança privada, os chamados penteados, que eram pessoas que circulavam nesse mercado de proteção, de segurança, tanto público como privado. Na polícia militar, civil, exército, corpo de bombeiros, como na segurança privada, que também é imensa. Um dos que eu entrevisto no primeiro capítulo, inclusive, tentou ser policial, não conseguiu, ele entrou no setor de segurança privada e foi para as milícias. Com o tempo isso vai mudando um pouco, principalmente quando tem uma série de prisões. Os grupos começam a brigar, a matar entre si, o que começa a mudar mais esse perfil, e pessoas ligadas aos territórios que as milícias dominam passam a entrar, sendo policial ou não. Mas sempre a conivência dos batalhões e das delegacias é importante. Mesmo não sendo policial, existe um modelo de negócio que inclui a participação da sociedade, a parceria, de membros da segurança pública nos territórios.

AGN: Outro ponto que é crucial para entender esse cenário que nasceu no Rio de Janeiro é o modelo de negócio da milícia. Se existem registros de milicianos que também traficam drogas, então qual é a diferença entre o tráfico e a milícia?

B: A polícia começa a ganhar muito dinheiro com tráfico. Primeiro nos anos 80, porque o tráfico de drogas é um negócio muito rentável, que gera muito lucro. A partir do momento que o cartel de Cali passa a exportar cocaína na América do Sul pelo Rio de Janeiro, São Paulo, num mercado interno importante aqui no Brasil, mas também no corredor de exportação, essa commodity passa a fazer parte da cultura urbana nessas cidades. Os grupos de tráfico começam a ganhar muito dinheiro, principalmente por conta da venda do varejo, da droga, e tudo o mais. Com o passar do tempo a polícia descobre formas de também lucrar com isso, tanto com a venda de armas, no Rio isso é bem importante, como no desvio de munições para esses armamentos. E com as operações de guerra, eles passam também para o modelo de policiamento no Rio, ao contrário dos demais estados, em São Paulo também não é assim, de invasões a morros, para supostamente fragilizar o tráfico. Mas muitas vezes eles pegam droga e arma para vender no mercado paralelo, e para chantagear e extorquir os traficantes, no pedido de arrego, que é justamente pra evitar que certos grupos sejam mais ou menos visados. Uma espécie de leilão. No caso da polícia civil, também muito próxima dos jogos de azar, das máquinas de caça níquel, que é um tipo de parceria que rende muito dinheiro para eles. Isso começa a mudar a partir dos anos 2000 quando ao invés de chantagear os criminosos eles começam a protagonizar o crime e dominar os territórios, para extorquir os moradores com taxa de proteção, de segurança, os comerciantes vendendo terrenos em áreas protegidas, imóveis em áreas irregulares, mercado de gás, de internet e tudo isso que a gente vai conhecer. Desde o kit churrasco até o cigarro do Paraguai. Tudo vira receita nesses territórios dominados pelos grupos milicianos, e aí o tráfico de drogas entra nessa também. Eles passam a organizar mais essa fonte de receita, nesses territórios que eles dominam. E é o tráfico de drogas principalmente, com uma parceria do TCP, Terceiro Comando Puro.

AGN: As características da milícia, ela vai se assemelhar com outros grupos criminosos ao redor do mundo? No contexto da América Latina. Você citou o próprio cartel de Cali, o cartel de Medellín. Também surgem grupos paramilitares na Colômbia nessa mesma época. Esses grupos têm comparações com outros ou eles são muito únicos do contexto carioca.

B: Eles são muito próprios do contexto carioca, mas é possível fazer alguns paralelos, porque eles ganham legitimidade e apoio da população por se venderem como o inimigo atual do tráfico de drogas. No caso da Colômbia e do México os grupos paramilitares passaram a ter influência nos governos como oposição e como exército inimigo dos cartéis.  Como uma forma de você enfrentar os cartéis. No caso do Rio também, as milícias têm esse discurso. Essa autodefesa comunitária feita pela polícia, os policiais moradores dos bairros que eles passaram a controlar. Sempre com essa justificativa de que o tráfico de drogas é um problema que eles vão ajudar a livrar a população. E assim também que eles vão se infiltrando no governo, no Ministério Público, na justiça, tem uma aceitação maior das instituições do estado que tem uma dificuldade maior em lidar com o tráfico. Então esse paralelo é possível.

AGN: É importante também citar que no livro, no início, você fala da relação do tráfico com a consolidação da milícia. Em um momento do livro, você usa um conceito criado por traficantes que era o de apelidar a milícia de o “Comando Azul”. Essa simbologia de nomes mostra o que dá visão que o tráfico possui da milícia? A relação entre ambos é sempre de conflito?

B: No caso do Terceiro Comando Puro com as milícias não, eles são próximos. Mas tem, não fui eu que chamei, circulou, os policiais, os jornalistas de lá, que apelidaram de “Comando Azul” em determinado momento. Por causa da cor das fardas da Polícia, já o Comando Vermelho, o nome surgiu também em 1979 quando a Falange Vermelha surge também pela imprensa com uma conotação meio ligada aos grupos guerrilheiros, porque eles tinham trocado informação, conversas em Ilha Grande com outros grupos, então os delegados apelidaram de Comando Vermelho, Falange Vermelha. No caso do Terceiro Comando a cor é verde. Mas é interessante – o ADA [Amigos dos Amigos] é amarelo, porque tem alguns aspectos simbólicos que são interessantes porque no fundo eles, apesar dessa rivalidade muito profunda e violenta que existe, eles são muito parecidos na essência. A principal diferença são os paramilitares, que usam farda. Basicamente a diferença é essa, são igualmente violentos e criminosos. Uma tirania violenta que quer ficar rica por meio da venda de drogas, impondo o terror para tentar estabelecer o seu poder territorial.

AGN: E Bruno, entrando principalmente na linha narrativa do livro, você primeiro começa com a entrevista com o Lobo que você dá o apelido pra esse esse miliciano, esse ex-miliciano, [Bruno confirma a informação]. E você vai explicando que existe um conceito de justiça nessas comunidades, e que não é só no Rio de Janeiro, aqui em São Paulo também, a gente muito por conta do contexto do PCC. E lá você vai explicando esse contexto, citando episódios da vida do Lobo. E você poderia explicar o que leva o jovem a crer que entrando no grupo que gera violência, ele vai ter paz, vai ter ordem na comunidade dele.

B: O que levou 60 milhões de pessoas a votarem em um candidato que durante 27 anos defendeu a morte e a violência paramilitar contra bandidos? A gente não está mais falando de justiceiros localizados territorialmente nas periferias, como eram nos anos 80, como aconteceu na Baixada Fluminense. A gente tá falando agora de um país, que apesar de ao longo da história, e se imaginou que com o passar e o fortalecimento das instituições democráticas iria mudar, que iria ter um processo civilizatório que diminuísse a violência, os homicídios e a violência policial, a gente chega em 2018 elegendo o grande apologista dos justiceiros. O cara que falava que os grupos de extermínio da Bahia tinham que ser importados pro rio, o filho tentava legalizar as milícias, ele falava que no Carandiru tinha morrido pouca gente, tinha que morrer mais de mil presos, ele sempre foi um apologista dessa violência paramilitar. Por quê? Por que as pessoas engolem isso e por que isso persiste há tanto tempo? Eu venho entrevistando homicidas, né, e depois eu pesquisei o PCC, é uma coisa que é muito presente em territórios ou em sociedades com instituições políticas e demonstrativas frágeis, é uma constante sensação de vulnerabilidade e a crença de que o resgate da autoridade só pode ser feito por meio da violência. Então o homicídio e a violência nesses casos eles não são um problema em si, nesses casos é uma solução para o problema da ameaça de desordem, da ameaça de caos. Isso é muito forte. Eu lembro uma vez que eu fui fazer uma palestra nos Céus, Centros de Educação Unificados, tinham várias professoras, era um ambiente que eu imaginava muito amigável. Estava o Suplicy nessa conversa, tinha um rapper do Hip hop, e eu falando dos direitos humanos, uma audiência muito grande. E de repente uma senhora levantou, quando acabou a palestra, levantou a mão e perguntou: “olha, é o seguinte, meu filho foi assassinado em um roubo aqui na periferia e você tá falando de direito humanos. Eu queria saber o que você fala pra uma mãe como eu que perdeu o filho dela assassinado por um ladrão”? E a audiência inteira começou a bater palma, e eu fiquei com cara de otário no palco, é muito difícil eu falar e responder nessa situação. Mas é como se ela estivesse falando, “falar é fácil, mas se a gente não matar o ladrão, se você ficar defendendo o ladrão, a situação não se resolve”. Você desconstruir essa crença pra pessoa que vive uma imprevisibilidade cotidiana, uma violência, assaltado no ponto de ônibus. Esse tipo de ação covarde dos ladrões, e essa sensação de vulnerabilidade, ela acaba demandando algum tipo de solução, e o homicídio passou ao longo do tempo a seduzir as pessoas que acreditavam equivocadamente que isso podia ser uma solução para o problema. E a gente não conseguiu desconstruir isso, até achava que estava conseguindo, a Nova República vinha avançando e a democracia se fortalecendo. E a gente chega em 2018, com o grande defensor dessa forma de enxergar as coisas, sendo eleito presidente do Brasil com 60 milhões de votos.

AGN: E Bruno, ainda dentro esse imaginário popular de justiça e de “o bandido bom é o bandido morto”, essa mensagem acaba aparecendo também. Você vai falar de uma das milícias mais importantes nesse contexto, que é a Liga da Justiça. E eu como uma pessoa que cresceu vendo desenhos animados de Batman, Superman, Mulher Maravilha, lendo quadrinhos e queria saber isso de você, como foi analisar alguém que usa o símbolo do Batman e é um executor dependendo da situação...

B: É engraçado! Não, super legal essa sua pergunta! Primeira vez que me fazem, e eu tô dando muita entrevista, ela é boa! Não deixa de ser interessante que o Batman é um justiceiro, é um vigilante, ele tem toda uma moralidade própria, ele não deixa de ser um representante dessa ideia de vigilante, porque é numa cidade, Gotham, em que você não acredita em ninguém, não acredita no governo, na polícia, nas instituições, então o Batman que tem uma moralidade, o herói, super da elite tradicional de Gotham City, um cara muito bem educado, que tem esse lado sombrio e essa busca por justiça. E ao mesmo tempo ele não ultrapassa certos limites, ele evita matar, tem uma nobreza também. E, você sabe que um dos primeiros matadores e a Liga da Justiça ela surgiu porque tinha um policial matador que chamava “Batman”, e tinha um outro policial que as pessoas apelidaram de “Robin” e ele era um cara muito famoso na Liga da Justiça, e muito violento, inclusive, e por causa disso se ganhou o apelido. O Jerônimo e o Natalino, que eram dois dos chefes, me contaram e disseram que não era nada disso a história, e que na verdade eles ganharam esse nome porque quando eles eram candidatos a vereador eles saíam com esses trios elétricos para fazer campanha nas comunidades, nas favelas, tipo essas charangas com super herói, para atrair as crianças, pra fazer festa, e eles me disseram que era por causa disso. Mas, tem essa outra versão, que era por causa do Batman, que era super violento e tinha um parceiro que chamava Robin. O primeiro livro que eu escrevi, quando eu comecei a entrevistar os homicidas, quando eu comecei essa pesquisa 20 anos atrás, esse livro foi lançado em 2005, se chama o “Homem X”. E ele partia de uma entrevista que eu fiz com vários matadores, mas um deles, eu perguntei, “não vou poder usar o seu nome, você tá me contando sobre vários homicídios que você cometeu, então como é que eu posso te chamar”? E ele sugeriu “Wolverine”, “me chama de Wolverine”. E eu o entrevistei em 99, o X-Men não era muito conhecido ainda, tava começando, tinha o desenho na Record, e era por isso que ele sugeriu, não tinha o filme, não tinha toda essa franquia, tinha os quadrinhos, óbvio, mas não toda a franquia ainda que se tornaria popular. E eu achei uma metáfora super legal, por isso inclusive que eu usei o Homem X eu fiz referência a esse apelido, que ele se enxergava. E ele já tinha matado mais de 40 pessoas, já tinha perdido a conta, entrevistei ele porque eles praticavam chacinas, numa época que tinham 100 chacinas por ano em São Paulo, e chacinas é quando tem mais de três pessoas mortas, então era uma cena caótica. E eles ficavam matando entre si, porque tinham vinganças que começavam a acontecer a partir do momento em que um amigo deles era morto, eles iam lá e matavam o que matou o amigo, e o amigo do que morreu matava, então eles ficavam 10 anos se matando. Às vezes entrava uma terceira quebrada, e o “Zé povinho”, que era a galera que morava no bairro mas que não fazia parte em absoluto desse cenário, a não ser como mãe, prima e tal, mas estavam completamente de fora, eles eram o Zé povinho pra quem eles estavam pouco se lixando. Então um deles chegou a me descrever um tiroteio num parquinho de diversão num domingo a noite e ele me contou: “e tal pessoa correu pra lá e eu atirei”, mas eu falei, “esse parque tava vazio?” “Não, tinha gente”, e eu falei “p*rra, você só tá me contando dos caras, mas alguém morreu, alguém foi vítima de bala perdida”?! E aí, esse X-Men ou esse Wolverine, de alguma forma a disposição para matar, fazia com que ele se enxergasse como um super herói mesmo, porque de fato é um super poder, é quase uma evolução da espécie você ter a disposição pra atirar em alguém, pra matar alguém, você passa a ser um ex-humano, praticamente, e você ganha um super poder que quem não tá disposto a matar não tem. E ele só se importava com os outros ex-humanos, e eles ficavam nesse universo. E o Zé povinho, que eram os frágeis, os pouco poderosos, não tinham muita importância nessa lógica, nessa dinâmica, nesse universo masculino, da guerra e da segurança pública, e do medo, e no fundo é a tônica do que vai ser esses conflitos em diferentes níveis, em diferentes tipos de organização, mas sempre com pessoas se enxergando nessa guerra, nesse conflito, e eles tão pouco se lixando pro resto.

AGN: Outro ponto importante é o cinema, o que ele já retratou essa relação, você cita no livro o lançamento do “Cidade de Deus”, e você acabou de descrever um pouco da história do filme, que é esse ciclo de vingança, pode falar o que mudou nesse período? Você cita também a morte de Tim Lopes, que converge na mesma situação.

B: Cidade de Deus é um filme muito importante, tanto o filme quanto o livro do Paulo Lins, que inclusive escreveu na quarta capa do livro, sou “fanzaço” do livro, do Lins que é uma grande figura, do filme e do Meirelles também. O filme foi um divisor de água no cinema brasileiro, mas eles falam de um período do final dos anos 70, que no livro eu também descrevo, a partir da testemunha do Ailton Batata, que deu o testemunho pra Alba Zaluar em 2017. Alba Zaluar era uma orientadora, professora, uma antropóloga, que morreu no ano passado e que era orientadora do Paulo Lins quando ele começou a fazer o trabalho de campo na cidade de Deus, e era final dos anos 70, começo dos 80, quando a cocaína ainda estava começando a chegar, a venda de drogas ainda era pouco importante. Os ladrões de Caxangá, de casa, eram os principais criminosos do bairro, muito poucos, mas que já eram muito temidos. Mas, ao mesmo tempo o imaginário das pessoas, do medo e do fato de aquele bairro ter negros, pobres e pessoas perigosas, isso sempre foi a tônica da cidade e da violência da cidade. Esse medo, resultado do racismo estrutural histórico, um dos problemas raciais que a gente vive, os estigmas e tudo mais, justificava contra esses bairros uma ação violenta pela polícia nesses bairros, um abuso em todos os sentidos, de invasão de casa, de moradores, de esculachos constantes. As polícias passam, diante desse medo grande e muito profundo, enraizado, histórico e estrutural, a lidar com esses bairros como lugares onde vivem os inimigos, e passam a mandar, constantemente, tropas do exército para matá-los, prendê-los, e é quem vive nesses lugares passa a se enxergar como inimigo da cidade, é um drama grande, ainda mais que a maioria ainda tem que trabalhar. É muito disso que as facções vão usar pra seduzir a molecada que vivem nesses bairros, de “olha, o estado e o sistema te odeiam, eles querem te matar ou te trancafiar, te jogar numa jaula, vamos bater de frente contra esse sistema, você morre antes dos 25 ou você é preso, mas não vamos abaixar a cabeça”. Então, a gente começa a construir esses jihadistas típicos das periferias e dos grandes centros brasileiros. Pessoas que preferem morrer antes dos 25 anos mas que não querem baixar a cabeça pra esse sistema que os quer humilhar. Tudo isso é muito triste, é muito cruel, a gente produz isso, a gente acha que tá solucionando as coisas e tá criando problemas piores.

AGN: E, Bruno, acho importante pontuar isso também, que você fala no livro algumas vezes que o jovem vê a escolha na milícia, vê a escolha no tráfico e pouco lembra de viver de acordo com a lei, e achar outra maneira. E vão ter personagens na história do Rio que vão querer ver de outra maneira, achar outra solução e você cita a Marielle, uma pessoa que vai fazer uma carreira acadêmica, uma pessoa que vai militar contra isso, tem uma origem humilde e vai ser vítima disso [a violência]. Você pode contar como foi investigar o caso e contar isso, falar dos assassinos e dessa relação política.

B: Eu só acho o seguinte, eu não acho que poucos jovens vão pra esse lado. Respeitam as leis e muitos vão pro crime, mas, o que acontece, quando a gente é adolescente, principalmente homem porque isso tá muito ligado a masculinidade, você tem identidades a serem escolhidas e traçadas para virar adulto. E, o que o crime passou a usar para seduzir a molecada foi justamente esse discurso antissistema de: “olha, o seu pai decidiu abaixar a cabeça pro sistema, decidiu pegar ônibus e foi humilhado pela polícia e morreu como um tiozinho, zé ninguém e você pode ser o cara! Bater de frente! Você morre atirando porque esse sistema só quer te ferrar, só quer te fuder. Então vamos bater de frente com esse sistema, fazer uma carreira no crime porque pelo menos a gente mantém a honra”. E quando o garoto tá formando sua identidade, a gente tá disputando com esse discurso, e a gente tá tentando falar que isso é uma grande ilusão, pode ser sedutor, mas, as pessoas que foram seduzidas por ele e hoje estão com 40 anos, 45 anos, e estão presos. Porque tem um monte de gente querendo matá-lo, ele não tem nenhum amigo, não tem mulher, não tem filho, ou se tem ele precisou pisar na bola e ser egoísta. Porque é uma vida egoísta. Então é uma escolha de alguém que precisa abrir mão de alguém de vários laços sociais pra seguir um caminho material e egoísta, na essência. Então, quando o cara entrou na onda assim, quando ele estava no embalo e ele vive aqueles 4, 5 anos se achando o X-Men ele tá se achando, ele tá curtindo ainda, mas, ele começa a perceber que é uma puta de uma roubada. E todos que eu converso e que conseguiram sobreviver falam isso “se eu pudesse eu saia, se eu pudesse falar pra alguém não entra, é uma puta de uma roubada”! Só que a gente não consegue mostrar e não consegue ganhar muitas vezes essa molecada, e como é que a gente ganha? É abrindo portas, abrindo janelas, pela cultura, pela arte, pela construção de um estado que garanta uma certa sensação de segurança, que permita falar de amor, de solidariedade, com muito mais participação das mulheres. E a Marielle, acima de tudo, era essa voz feminina das periferias, ela era essa voz que vinha com esse discurso “olha, gente vocês estão errados, isso é um discurso masculino equivocado, a guerra não leva a nada, a violência não leva a nada”. E esse era um dos motes dela “quantas pessoas vão ter que morrer até que essa guerra acabe”? Ela tinha inclusive o lema da campanha “Ubuntu”, que vem da África do Sul, do Mandela, do 15º, quando o Mandela é eleito presidente no pós-apartheid e propõe uma solução política e revê a história do Apartheid e fazer uma espécie de “Comissão da Verdade” e falar dos problemas do que aconteceu, mas, não pra haver um grande racha da sociedade, mas, pra propor pra partir pela política e caminhar pra frente. Então, ela tinha muita essa visão conciliatória, essa visão ao mesmo tempo muito corajosa de uma mulher e de chega da guerra, a solução é a política. E ela era a representante desse discurso antiguerra, né, e por isso que eu acho que ela é tão significativa, ela representa tanto. E ela foi o “nosso Martin Luther King” simbolicamente de tudo que ela representava, num momento muito especial, pouco antes da eleição do Bolsonaro, ela era anti-mensagem do Bolsonaro, era outro tipo de visão.

AGN: E Bruno, ainda nessa estrutura política, nessa estrutura de incentivo a jogar milhares de jovens nesse cenário, você disse que teve um espanto ao analisar profundamente. Você citou que viu a estrutura da milícia e do tráfico se compararem por fuzis, pela quantidade de fuzis que eles tinham. E você como alguém que veio do contexto paulista, e tinha mais essa análise do PCC e desse contexto que a gente tinha em São Paulo, e como você vê essa estrutura, as diferenças entre cada uma, e você poderia citar outros espantos que te gerou essa investigação no Rio?

B: Lá no Rio tem muitos fuzis, e foi muito recorrente eu ouvir isso dos traficantes, e das pessoas que estão envolvidos nessa cena, essa comparação: “no meu morro tem 400 fuzis” ou “quando eu era chefe tinha 100 fuzis”, “as milícias tem 800 fuzis”, e todo poder criminal sendo medido por fuzis. Então, a compra, essa guerra fria, essa corrida quente e fria, mas, essa corrida armamentista faz parte da cena do Rio. O mercado de fuzis é estrutural pro problema da cidade. E, também como a polícia está completamente envolvida nessa cena e como acaba sendo protagonista dessa cena e tal. Aqui em São Paulo ainda existe essa divisão de “crime e polícia”, por mais que a polícia também tenha seus esquemas e também mate, e tenha vários problemas e muitas vezes, principalmente pós-Bolsonaro, você vê que tem uma série de notícias de negócios de policiais em algumas quebradas vendendo terreno, vendendo gás, será que é um princípio de milícia? Sempre na iminência de perder o controle da polícia. E, isso de fato acontece pela violência da polícia de São Paulo você corre esse risco, mas, ainda não, os próprios oficiais da polícia conseguiram por enquanto zelar, mas, estão sempre aí na iminência “será que perde o controle, será que não perde”? Mas, no Rio não, no Rio já foi, já foi embora, e precisa reinventar a polícia, porque a situação é muito complicada.

AGN: Bruno, aproveitando que a gente já falou da Marielle, eu queria falar mais desse contexto político. No livro, você relata a questão do Bolsonaro, a família Bolsonaro, com as milícias e queria que você comentasse um pouquinho se essa relação deles, política – temos aí um presidente eleito, é uma forma de institucionalizar a milícia e de levar ela para outros lugares do Brasil, você também citou um pouco agora de São Paulo.

B: Eu acho que apesar da milícia estar infiltrada na instituição, ela se caracteriza por ser paramilitar, e você ter um presidente que seja um defensor das milícias ou políticos que defendam essa violência paramilitar é o melhor dos mundos para eles, porque eles ganham dinheiro no mercado informal. Então, se eles virarem “Estado” eles entram pra formalidade e até perdem a característica que permite que eles fiquem ricos, que é justamente organizar e negociar no mercado ilegal, tanto armas, munições e tudo isso. Mas, você ter amigos “costas quentes”, e parceiros costas quentes, quando você consegue ter políticos simpatizantes é o melhor dos mundos, você consegue eleger pessoas, e manter essas pessoas no poder eles vão ficar fortes. E é algo que a gente tem visto com a eleição do Bolsonaro e o crescimento da violência policial no Brasil inteiro, foram 3 anos de recordes seguidos. O modelo de negócios do Rio já é uma fonte de inspiração pra outras ideias, para serem reinventados em outros estados, de acordo com as histórias e com as oportunidades criminais do estado. Agora, quem sabe, isso é um pesadelo de 4 anos que nós estamos vivendo e nas próximas eleições isso acabe? Eu acho que, enfim, a gente teve aí 33 anos de Nova República relativamente civilizada, uma democracia que com todos os problemas se manteve, um país que progrediu no ponto de vista civilizacional e cidadão e tal. Mas, que a gente entrou nessa imensa depressão coletiva em 2018 por uma série de problemas políticos, econômicos, fiscais e tal e que elegeu Voldemort, falando em personagens, né. E achou que o Voldemort era a solução, ou o Capitão Feio da minha época de Mônica e Cebolinha. Então, “vamos escolher o vilão para governar já que os heróis não conseguiram”.

AGN: E Bruno, e essa questão da pandemia e a família Bolsonaro estar envolvida com a milícia, você acha que eles continuam [juntos] ali ideologicamente ou mudou alguma coisa nesse contexto atual?

B: Não, eu acho que o Bolsonaro se tem assim uma grande qualidade, me parece assim quanto a isso não se pode negar, é a honestidade de falar tudo que ele pensa, inclusive coisas que os próprios militares sempre tiveram vergonha de assumir nos porões, como a tortura e o assassinato. O Bolsonaro defendia o pau de arara numa bancada do Congresso, em uma CPI do Banco Central ele falou que tinha que colocar no pau de arara o ex-presidente do Banco Central porque aí ele ia começar a falar, e defendia a tortura em plena sessão oficial de CPI. Defende assassinatos, defende guerra civil, ele sempre defendeu e foi um apologista da violência paramilitar e sempre desacreditou a constituição de 1988, tanto ele como uma série de pessoas no Exército inspiradas e norteadas pelo Carlos Brilhante Ustra, além de ser um dos principais combatentes e torturadores dos portões da Ditadura Militar, foi um dos ideólogos importantes desse grupo que dizia que a Nova República era a grande derrota do Regime Militar e dos militares, porque tinha colocado guerrilheiros nos postos de comando. E o grande desafio do Exército era vencer a batalha ideológica que eles estavam perdendo pros comunistas e esquerdistas que estavam nas universidades, nas escolas, nas artes, em todos os campos culturais, eles perderam a batalha da cultura, depois vai dialogar com Olavo de Carvalho e com esse loucões que a gente vai conhecer agora nos tempos de hoje, que antes pareciam figuras que a gente dava risada e viviam sozinhas no mundo, e que não ameaçavam e por algum motivo isso a criar uma força quase, voltando a falar do Voldemort, uma Sonserina se articulando e o “mundo das sombras” vindo à tona. Esqueci o que você tinha perguntado, e você vê, vou divagando e vou fugindo da sua pergunta.

AGN: Da questão da pandemia e se mudou alguma coisa.

B: Então, ou seja, eu tô dizendo tudo isso pra dizer que eles são muito convictos dessas bobagens todas e dessas teorias conspiratórias. Eles acham que eles são os vilões e eles são os mocinhos! E a gente votou neles. Votou nos caras que queriam destruir o Brasil, diziam que tinham que matar 30 mil pessoas, o Bolsonaro disse isso na televisão, a solução pro Brasil é uma guerra civil, “enquanto não morrerem 30 mil pessoas ou menos isso aqui não tem jeito”, é uma pessoa que despreza as pessoas que vivem no Brasil! Essa guerra ao crime, essa guerra aos bandidos, é guerra aos negros, aos pobres, as pessoas que são vistas como perigosas! Isso é uma coisa evidentemente racista! Isso é autodestrutivo, é uma pessoa que odeia os brasileiros. Isso é muito triste, a gente fazer essa escolha suicida, escolher o vilão, pra mandar na gente, né, e inverter as coisas, e ele justifica essa guerra dizendo que os vilões são os “outros” que não concordam com ele. E por alguma forma ou maneira, um motivo, que espero que passageiro e talvez muito veiculado a tristeza, muito veiculada ao desespero, a crise que houve em 2018 a tudo isso.

AGN: E, Bruno, indo para a reta final da nossa conversa que foi um prazer e nós gostamos muito de tirar essas dúvidas e bater esse papo, eu preciso fazer uma das perguntas que eu mais queria fazer para você que é ainda no imaginário popular e de “a gente eleger o vilão”, uma coisa que eu também cresci vendo foram os filmes de Máfia, como Scarface, Poderoso Chefão, entre outros clássicos do cinema. E você narra de uma forma muito cinematográfica, o que me lembra Tropa de Elite e Cidade de Deus, e você narra a prisão do Queiroz e fala que na sala em que ele estava quando foi preso havia um cartaz do AI-5 [Ato Institucional Número 5], e um boneco do Tony Montana do filme Scarface. O que o imaginário de um miliciano que tinha tanta influência tanto no governo quanto fora, mostra sobre o Brasil e sobre nós, e sobre o que este país está virando?

B: Precisa dizer alguma coisa?! Não precisa! O cara tinha um boneco do Tony Montana na lareira, assim o que mais?! Ele está dizendo o escárnio! Qualquer coisa que eu disser não vai chegar aos pés da imagem! As pessoas muito claramente podem tirar suas próprias conclusões, não há o que eu diga. O que eu disser vai atrapalhar, porque é muito forte a cena.

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Em meio a pandemia da Covid-19 e conflitos incessantes ao redor do mundo, entenda esse grupo e conheça a uma das instituições que lhes presta apoio no Brasil
por
Marina Daquanno Testi e Thayná Alves
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08/12/2020 - 12h

 

 

     

        O número de refugiados no Brasil vem crescendo a cada ano. Só no ano de 2018, segundo a Agência da ONU Para Refugiados (ACNUR) foram relatadas 80 mil solicitações de reconhecimento de condição de refugiado no Brasil. Os grupos de maior número entre as solicitações são os venezuelanos (61.681), que saíram do país devido à crise humanitária, e os haitianos (7.030), cujo fluxo de migração se intensificou após o terremoto que atingiu o país em 2010.  

        A lei brasileira considera refugiado todo indivíduo que está fora de seu país de origem devido a guerras, terremotos, miséria e questões relacionadas a conflitos de raça, religião, perseguição política, entre outros motivos que violam seus direitos humanos. Isso pode acontecer, por exemplo, quando a vida, liberdade ou integridade física da pessoa corria sério risco no seu país.

        Para que o imigrante seja reconhecido como refugiado, é necessário enviar uma solicitação para o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE). O processo de reconhecimento, que antes era mais burocrático e mais demorado, atualmente é feito no site do Ministério da Justiça, a partir do preenchimento do formulário que pode ser feito ainda no país de origem. Todas as etapas podem ser acompanhadas pela internet, mas para o processo começar a tramitar, o solicitante deverá comparecer pessoalmente a uma unidade da polícia federal. 

        Dentre a população refugiada reconhecida no Brasil, segundo o censo da ACNUR de 2018, a maioria se concentra nas faixas etárias de 30 a 59 anos (41,80%), seguido de pessoas com idade entre 18 a 29 anos (38,58%). Do total, 34% são mulheres e 66% são homens, ressaltando os sírios, os congoleses como nacionalidades em maior quantidade (respectivamente 55% e 21%). 

         Em janeiro de 2020, o Brasil tornou-se o país com maior número de refugiados venezuelanos reconhecidos na América Latina, cerca de 17 mil pessoas se beneficiaram da aplicação facilitada no processo de reconhecimento, segundo a  Agência da ONU para Refugiados. As autoridades brasileiras estimam que cerca de 264 mil venezuelanos vivem atualmente no país. Uma média de 500 venezuelanos continua a atravessar a fronteira com o Brasil todos os dias, principalmente para o estado de Roraima.

         Apesar de em grande quantidade, apenas 215 municípios têm algum tipo de serviço especializado de atenção a essa população. As maiores dificuldades encontradas por pessoas refugiadas são a adaptação com o mercado de trabalho, com o aprendizado do idioma, o preconceito e a xenofobia, educação (muitos possuem diplomas em seus países de origem que não são aceitos aqui no Brasil), moradia e saúde. 

 

Covid-19 e o amparo aos refugiados

 

        Diante de um quadro de crise em escala global, como o que acontece este ano com a pandemia da Covid-19, essa população de migrantes e refugiados, que já se encontram em extrema vulnerabilidade, conta com o apoio de poucas instituições voltadas especialmente para suas necessidades. Este é o caso da Missão Paz, uma instituição filantrópica de apoio e acolhimento a imigrantes e refugiados, com uma das sedes na cidade de São Paulo, como conta o padre Paolo Parise.

        Nascido e criado na Itália, Parise atua desde 2010 na Missão Paz, atualmente como um dos diretores, e explica que esta instituição está ligada a uma congregação da Igreja Católica chamada Scalabrinianos, que atua com imigrantes e refugiados em 34 países do mundo. “Na região do Glicério - município do estado de São Paulo-, a obra se iniciou nos anos 30 e atualmente está presente em Manaus, Rio de Janeiro, Cuiabá, Brasília, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Foz do Iguaçu, Corumbá e outros lugares.”

        Sua estrutura atual conta com a Casa do Migrante, um abrigo com capacidade de 110 indivíduos que são acolhidos com alimentação, material de higiene pessoal, roupas, aulas de português, acompanhamento de assistentes sociais e apoio psicológico; e o Centro Pastoral e de Mediação dos Migrantes (CPMM) que oferece atendimento e serviços voltados aos imigrantes, quanto aos seguintes temas: documentação e jurídico; trabalho, capacitação e cidadania; saúde; serviço social; família e comunidade. “Além disso, temos a área de pesquisa em parceria com a revista Travessia, que é o Centro de Estudos Migratórios (CEM), uma biblioteca especializada em migração e a WebRadio Migrantes”, completa Pe. Paolo.

Fonte: Site da instituição Missão Paz - Casa do Migrante
Fonte: Site da instituição Missão Paz - Crianças brincam na Casa do Migrante

        De acordo com o diretor, o maior desafio enfrentado pela instituição, durante a pandemia, foi com a saúde dos refugiados, principalmente pela impossibilidade de viver a quarentena isoladamente, já que muitos vivem em ocupações ou em lugares com muitas pessoas concentradas. Ele ainda denunciou que, dentre tantas vítimas da Covid-19 em São Paulo, um dos grupos mais afetados foi o de imigrantes bolivianos, “muitos foram contaminados e muitos morreram”.

        Diante de instabilidades políticas e econômicas, atualmente, sírios e venezuelanos são as principais nacionalidades afetadas que solicitam entrada no país. O que ratifica o Pe. Parise, “Falando pela Missão Paz, se você utiliza o termo ‘refugiados’, o maior grupo neste momento é de venezuelanos, sejam os que foram acolhidos pela missão paz, sejam os que estão entrando no Brasil. E depois encontramos outros grupos como da República Democrática do Congo. Mas se falamos de imigrantes, temos Colombianos, Bolivianos, Paraguaios, Peruanos, Angolanos e de outros países que estão recorrendo ao Brasil.”

        Mesmo com mudanças críticas, no cenário jurídico e político brasileiro, para que esta população seja recebida no país e tenha seus direitos respeitados, ainda não se pode falar em auxílio do governo ou medidas diretas de apoio a refugiados e imigrantes. 

        Paolo relembra a criação de leis que têm beneficiado a população no Brasil. Uma delas é a lei municipal Nº 16.478 de 2016, onde o Prefeito do Município de São Paulo, Fernando Haddad, instituiu a Política Municipal para a População Imigrante que garantia a esses o acesso a direitos sociais e aos serviços públicos, o respeito à diversidade e à interculturalidade, impedia a violação de direitos e fomentava a participação social; e a outra é a lei federal Nº13.445 de 2017, ou a nova Lei de Migração, que substitui o Estatuto do Estrangeiro e define os direitos e deveres do migrante e do visitante, regula a sua entrada e estada no País e estabelece princípios e diretrizes para as políticas públicas para o emigrante.

        A Missão Paz se mantém através de projetos e dinheiro injetado pela congregação da Igreja Católica. “Neste momento, a Missão Paz não recebe apoio financeiro nem do município, nem do estado e nem do Governo Federal”, relata Parise. Durante a pandemia receberam ajuda da sociedade civil, “[A Instituição] Conseguiu muitas doações de pessoas físicas, de instituições, de campanhas, fosse em dinheiro, em cestas básicas ou kits de higiene pessoal”, e com 200 cestas básicas, por mês, da Prefeitura de São Paulo. Também receberam ajuda com testes de COVID em nível municipal. 

         A instituição filantrópica ainda conta com a ajuda de vários parceiros, como explica seu diretor “na área de incidências políticas, por exemplo, nós atuamos com a ONG Conectas Direitos Humanos, temos na área de refugiados um projeto com a ACNUR, estamos preparando outro com a OIM (Organização Internacional para as Migrações) e temos algumas ações com a Cruz Vermelha”. 

        Desde o começo do ano, já atenderam por volta de 7 mil imigrantes e refugiados, e, hoje em dia, tem por volta de 40 pessoas na Casa, o que representa ⅓ da capacidade total. Além disso, entregam de 50 a 60 cestas básicas a refugiados, diariamente, e ao redor de 60 a 70 que vão, por dia, procurar os serviços do CPMM. “Outras ações incluíram a disponibilização de atendimentos online, de aulas de português a atendimentos jurídicos, psicológicos ou serviços sociais, além de ajudar a completar aluguel, água ou luz daqueles que precisam da ajuda da instituiçã”, fala Padre Paolo. 

        Todo esse esforço e dedicação da instituição foi feito, sempre, visando seguir as normas de segurança e as indicações da OMS (Organização Mundial da Saúde). Foram fornecidos a seus funcionários e a população migrante e de refugiados álcool para higienizar as mãos, máscaras e demais equipamentos e serviços de proteção e higiene.