O Software da Poda quer monitorar as condições das árvores pelos bairros de São Paulo
por
Julia Sena
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03/11/2025 - 12h

Por Julia Sena

 

No bairro da Vila dos Remédios, na zona oeste de São Paulo, seu Francisco, de 68 anos, já se acostumou com o barulho de galhos batendo contra os fios de energia nos dias de vento forte. Diz que na rua, quando chove, já sabe que vai faltar luz. Ele já fez inúmeros pedidos de poda à prefeitura, mas as respostas, quando vêm, demoram meses. A cena se repete em muitos bairros da cidade, árvores plantadas há décadas, sem planejamento e monitoramento. Além de crescidas demais, raízes que invadem calçadas, rompem fios e danificam tubulações. A falta de gestão eficiente da arborização urbana torna-se ao mesmo tempo um problema de segurança e um desafio ambiental. Foi diante desse cenário que um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo desenvolveu o projeto Poda, uma iniciativa que usa inteligência artificial e softwares de modelagem ecológica para apoiar o poder público na tomada de decisões sobre o manejo de árvores nas cidades.

A iniciativa nasceu dentro do Instituto de Biociências da USP, sob coordenação do professor Marcos Buckeridge, especialista em fisiologia vegetal e diretor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (INCT Bioetanol). A ideia surgiu de uma pergunta simples sobre se seria possível usar dados científicos para prever quais árvores precisam de poda antes que se tornem um risco. Para ele, o manejo das árvores urbanas ainda é muito reativo, a poda acontece depois que o problema aparece. O que se pretende é criar um sistema preventivo, capaz de indicar quando e onde agir, usando informações sobre o crescimento das espécies, o clima e as condições do solo.

O sistema desenvolvido pela equipe combina imagens de satélite, modelos de crescimento vegetal e dados climáticos locais. A partir disso, os pesquisadores conseguem estimar o ritmo de desenvolvimento das árvores e identificar áreas de risco, como regiões onde há alta densidade de copas próximas à rede elétrica.

Um dos diferenciais do projeto é a criação de modelos preditivos que consideram o impacto das mudanças climáticas no comportamento das árvores. Com o aumento das temperaturas e das chuvas intensas, algumas espécies têm crescido mais rápido e de forma desordenada, o que aumenta a chance de quedas e rompimentos. O software já permite prever o comportamento das árvores ao longo do tempo. Isso ajuda o poder público a planejar melhor as podas e reduzir custos com emergências.

A proposta da Poda é tornar a arborização urbana mais sustentável e integrada à rotina das prefeituras. O sistema já foi testado em áreas piloto de São Paulo e pode, futuramente, ser adaptado a outras cidades brasileiras. E o objetivo não é apenas tecnológico, mas também social,. pois o que está em jogo quando se pensa em árvores é preciso considerar sombras, em conforto térmico, em qualidade do ar. Mas se não houver manejo, esses benefícios se perdem.

De volta à Vila dos Remédios, seu Francisco ouve falar do projeto com esperança. Ele considera que se tiver um jeito de a Prefeitura saber antes que a árvore vai cair, já ajuda muito, porque esperar cair em cima do carro ninguém quer.

A equipe da USP também trabalha em uma interface pública, que permitirá aos cidadãos acompanhar o mapeamento das árvores de suas regiões e reportar problemas diretamente pelo sistema. Assim, o ciclo se completa: da denúncia à prevenção, com base em dados e participação popular. “Cuidar das árvores é cuidar das pessoas”, resume Buckeridge. E agora, com a ajuda da ciência é possível fazer isso de maneira mais inteligente.



 

Lugares que focavam em atividades de lazer e contemplação da natureza estão sendo transformados em shoppings a céu aberto
por
Victória da Silva
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31/10/2025 - 12h

Por Victória da Silva

 

Na Zona Sul da capital paulista, o Parque Ibirapuera é bastante frequentado por pessoas que não se restringem a residentes da cidade. Miriam Santos, sorridente e carismática, frequenta regularmente o local em períodos de descanso e, acompanhada por Andre Bressa, sente as mudanças causadas pela iniciativa privada que invade o espaço público e o torna um tanto quanto diferente do habitual. Miriam trabalhou durante 48 anos na mesma empresa e agora, aposentada, encontra no parque um refúgio no meio da selva de pedra, diz que o lugar já não é mais para todos os tipos de pessoas. Atualmente, com a grande quantidade de carrinhos de sorvetes sofisticados e o aumento do preço de lanches, ela mostra a mochila que Andre carrega com bolsas térmicas cheias de garrafas de água e alimentos para quando necessário. Bressa, que é pintor e trabalha em feiras livres, demonstra certa curiosidade sobre a quantidade de propagandas e publicidades que estão sendo distribuídas por todo o parque após a concessão. Ele atenta para um anúncio da tinta Suvinil, algo nunca visto antes em anos de visita ao local.

O Parque Ibirapuera não foi privatizado, já que sua propriedade continua sendo do município, mas foi concedido à iniciativa privada em 2020 para a concessionária Urbia, que vai comandá-lo durante os próximos 30 anos. Não só o Ibirapuera, mas os parques Villa-Lobos e Cândido Portinari também estão sob concessão, lidando com as mudanças. Há também projetos de concessão para outras regiões, principalmente na Zona Leste, no Parque Ecológico do Tietê, Parque Vila Jacuí e Parque Maria Cristina Hellmeister de Abreu.

No Parque da Água Branca, localizado em Perdizes, Andre relembra o episódio em que a concessionária, Reserva Novos Parques Urbanos S.A, instalou um showroom de carros da Peugeot que foi desmontado após ser considerado ilegal e gerar vários protestos. O pintor destaca como os espaços estão sendo utilizados para promover eventos de nichos mais elitizados e o quão evidente isso se tornou após o controle da e empresas. Além disso, ele observa que as lojas e restaurantes distribuídos, além dos eventos, shows e festivais realizados são majoritariamente frequentados por pessoas brancas, repercutindo uma desigualdade racial dentro dos parques que anteriormente não eram exclusivos de determinada raça ou classe.

Outros visitantes como Beatriz e sua mãe Alessandra, que costumam andar de bicicleta pela pista do local, se depararam com o alto preço de produtos simples, como a água. A garota relata que o preço da garrafa é o que mais a incomoda e sua mãe complementa contando que todos os produtos ficaram caros, incluindo os alugueis das bicicletas em que 1 hora com o veículo custa 18 reais.

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Concedido à iniciativa privada em outubro de 2020, Ibirapuera enfrenta alta no preço de produtos e instalação de unidades comerciais. Foto: Victória da Silva

Em maio deste ano, o Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para investigar a Prefeitura e a concessionária Urbia por uso e segregação de espaços públicos para fins particulares. Na época, o promotor Silvio Marques manifestou sua indignação contando que a empresa estava transformando o Ibirapuera em um “verdadeiro shopping center”. Também segundo o inquérito do MP, a Urbia promove um "loteamento" com a instalação de lojas, construção de grandes edifícios, comércio de bens e serviços e o uso remunerado de diversos espaços, com redução do espaço livre para uso gratuito da população. A investigação revela a crescente tensão entre o discurso de modernização via parcerias público-privadas.

Os radialistas, Viviane e Everton, que semanalmente vão ao parque para praticar exercícios e corrida, relembram a instalação da Casa Centauro que foi retirada após as muitas denúncias. Diferentemente, o casal não vê problemas nas mudanças que a concessionária promove e afirma que não sentiu tantas diferenças. No entanto, o mau planejamento dos serviços é um fator levantado pelos dois. Ele afirma que os espaços livres estão sempre lotados, dividindo-se entre pessoas que vão para passear e outras que praticam algum esporte. Apesar de admirada com a quantidade de novos serviços e possibilidades dentro do parque, a mulher faz uma dura crítica à falta de segurança, já que, para ela, a concessionária deveria investir em questões como essa.

Para além dos fatores levantados, taxas para corredores e para assessorias esportivas também são alvos de revolta. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) autorizou, em julho deste ano, a aplicação de tarifas pensando no uso do espaço do parque para atividades esportivas. Mais do que discutir contratos e taxas, está em jogo o compromisso de preservar os espaços públicos como lugares de encontro, lazer e diversidade, e não como territórios delimitados pelo poder de consumo. A garantia que espaços públicos não se convertam em mercados restritos permanece aos órgãos municipais e a população que frequenta os ambientes precisa lidar com a frequente disputa que acontece desde 2024.

Gratuidade do transporte público no Brasil é possível, e joga luz nos gastos das famílias com a locomoção e exclusão social
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Vítor Nhoatto
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24/10/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

É de manhã, por volta das sete, e o começo do dia para milhões de brasileiros em um ponto lotado. As dezenas de pessoas tentando se colocar fora do sol escaldante da cidade, com rostos franzidos e olhos apertados toda vez que um ônibus passa, torcendo para que seja o seu. E decepcionadamente dispostos, pagam por algo que deveria ser universal, e poderia, mas é na verdade um peso desproporcional e impede o acesso a outros direitos.

Mas nos últimos meses uma luz no fim do túnel, ou melhor, um letreiro iluminado no ônibus com o destino desejado voltou a ser discutido. A chamada Tarifa Zero do transporte público no País está em análise pelo Governo Federal, e o presidente Lula solicitou estudos para a viabilidade do projeto, que envolve questões políticas e relativa falta de esperança pelo povo.

O público no meio da avenida é desse jeito, já apático diante do barulho do motor diesel e dos corpos todos em contato na condução do dia a dia. Para Josefa Sueli, só Sueli pede ela, e cerca de 10 milhões de pessoas só na capital paulista segundo a SPTrans, é exatamente nesse cenário que o ir e vir acontece. Trabalhadora doméstica há mais de 30 anos e pernambucana arretada, conta que pelo menos quatro vezes por semana desembolsa R$5,80 no ônibus da EMTU azul e vermelho até a estação em Osasco ou a Lapa aqui na capital, e mais R$5,20 no trem ou R$5,00 no ônibus agora da SPTrans. Fato é que como milhões de outros brasileiros, o gasto só na ida passa dos dez reais, e o tempo nessa brincadeira urbana não é menor que duas horas. 

Pessoas com mochila nas costas que atrapalham a passagem, condução que não chega no intervalo que era para chegar. Olhos nervosos mirando o relógio na tela do celular que seguram com uma mão, enquanto a outra suada se segura nas próprias pessoas ao redor… não há espaço para encontrar as barras de suporte. E lá se foram as duas horas. Sueli chega então na casa do dia perto das nove da manhã, e com R$11 a menos na conta. Entre vassouradas e esfregadas, continua comentando sobre episódios que só o transporte coletivo pode proporcionar. Mas depois de uma janela que não pôde abrir, uma encarada de lá e um empurrão de cá, a constatação que mesmo assim ainda gasta um absurdo só para chegar até os lugares, em vida e dinheiro.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o gasto com transporte das famílias só não é maior que habitação e alimentação, sugando até 20% do salário por mês. No caso da Sueli, que perde a mesma quantia na volta, lá se foram pelo menos R$350 no mês, só indo e vindo do trabalho quatro dias na semana.

Recentemente tendo passado por uma suspeita de câncer de intestino, ela conta feliz que não tem a doença, e todo final de semana sai para comemorar a vida. Às vezes com o filho, que mora na zona leste de São Paulo, há mais de duas horas de distância, outras com a irmã e com as amigas em algum bar, se ela não conseguiu um ingresso para um show de algum cantor sertanejo que tanto gosta.  E tudo isso ela faz de ônibus e metrô na maioria das vezes, salva as pouquíssimas vezes que sobra algo para o Uber, mas enfim, também meio de locomoção. Fazendo então seus “passeios” obrigatórios no transporte ultrapassarem o gasto de 400 reais. 

Não precisava nem ser totalmente de graça aos olhos dela, que já viveram muitas histórias, e suas mãos calejadas que agarram as barras no ônibus e metrô tanto quanto o esfregão. Ela suspira enquanto levanta o seu óculos e indaga que algumas patroas ajudam com a condução, mas é um dinheiro que podia gastar com tantas outras coisas. 

Comprar um saco de arroz e feijão a mais, uma guloseima para a companheira de quatro patas, Bela, uma ida na Villa Country ou no Centro de Tradições Nordestinas (CTN). Uma quantia que faria a economia girar. Segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), nas cidades com gratuidade universal, o número de empregos aumentou 3,2% e o de empresas 7,5%, sem falar da redução em 4,2% das emissões de poluentes pela diminuição de carros. 

Mas ela ainda se lembra da parte da sua família que vive em Pernambuco e dos conhecidos de lá. Cada real a mais faz a diferença para quem não tem o que ela tem. Um litro de leite, uma ida no posto que não pode fazer por causa da passagem, destaca.

Uma realidade para milhões de brasileiros que têm os seus direitos básicos negados também pelo transporte, um outro direito que consta na Constituição de 1988. O artigo 5º prevê direito à livre locomoção, e o artigo 6º o direito ao transporte, mas que são segregados e traduzidos como ferramenta de desigualdade social na prática.

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Transporte público é o meio de acessar os outros direitos além de simples meio de locomoção  - Foto: Vítor Nhoatto

De olhos na cidade

De volta ao ônibus, agora à tarde, mesmo que de pé ou sentado, é engraçado ver a vida passando pela janela. Os olhos dos CLTs, dos estudantes, dos trabalhadores informais como a Sueli olham para a cidade lotada de trânsito… quando não estão cochilando de cansaço com a cabeça encostada tremendo no vidro. Sobre essa questão, o mestre em economia pela universidade de São Paulo (USP), e mais que isso, militante da área, Antônio Carlos de Moraes destaca como isso é enorme e importante. Não se trata apenas de algo eleitoreiro e de apelo popular, destaca ele, mas algo que realmente muda a vida das pessoas. 

O modelo atual do transporte se baseia no ganho por passageiro, então quanto mais cheia for a linha, quanto mais empurrões e reclamações a Sueli tiver para contar na ida e vinda do trabalho, dentista, mercado, médico, bar, mais rentável ela se torna. Nisso tudo o número de carros aumenta para quem pode, tal qual o de acidentes, congestionamento e poluição, além das pessoas que deixam de acessar lugares pelo preço cada vez mais alto das tarifas. 

Com um sistema público nacional de transporte coletivo a história seria muito diferente, como enfatiza Antonio, lembrando de suas vivências e não de números que só interessam a economistas. Ele destaca que todos arcam com os prejuízos da troca do ônibus pelo carro, mas são os mais pobres que pagam o preço na pele, com cada vez menos para gastos básicos como alimentação, e abrindo mão de ir e vir compulsoriamente pelo orçamento que não fecha. 

Falando em sistema, tramita na Câmara o Marco Legal do Transporte Público, que visa estabelecer diretrizes nacionais sobre a contratação de empresas, regras, fiscalização e fontes de financiamento. Isso pode aumentar ainda mais a quantidade de cidades que adotam a Tarifa Zero de algum jeito, hoje o Brasil é o país com o maior número do mundo, com 170 municípios. E mais que isso, ele pressiona e possibilita a reparação histórica que seria um Sistema Único de Saúde (SUS) do transporte público. Poder ir e vir seria garantido, mais pessoas iriam à escola, ao médico, ao museu, ao mercado… e prefeririam o coletivo ao individual. 

Porém, quem iria então pagar a conta? Essa é a principal pergunta de Roseli Rodrigues, passageira de ônibus não por opção. Com um semblante preocupado, atrasada para o trabalho na Avenida Doutor Arnaldo enquanto espera no ponto da Rua Guaicurus, reclama do preço da gratuidade lembrando que de domingo, quando é de graça, o ônibus nunca chega.  Passando a mão pelo rosto em sinal de aflição e cinco reais no bolso ardendo para sair dali quando o número certo aparecer no letreiro no horizonte, destaca que é contra a gratuidade se a qualidade piorar. 

Mas em seguida, lembra que seria ótimo poder ir ao mercado com 200 reais a mais, valor que gasta em média por mês, já que prefere não ter 6% descontado do seu salário com Vale-Transporte (VT). Nos domingos, Roseli destaca ainda, que sempre que pode opta pelo carro de aplicativo devido a demora do ônibus e a lotação do metrô. 

Em exclusividade à CNN Brasil, segundo o presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Vander Costa, o custo anual da gratuidade universal de ônibus, trem e metrô custaria R$90 bilhões. Quantia, no entanto, que como destaca Antonio, pode se tornar realidade sem colocar as contas públicas em risco. Ele destaca que a solução não é tirar de outras áreas essenciais nem criar impostos novos para o povo, mas sim, por exemplo, tributar super ricos. Uma decisão política que precisa ser bancada além de calculada para dar certo. 

No caso das empresas, ele lembra como elas se beneficiam diretamente das obras de infraestrutura voltadas ao transporte, apontando para os prédios em construção ao redor com destaque para o outdoor que grita “more perto da futura linha-6 laranja do metrô”. É mais que justo que elas contribuam para o transporte, portanto, sem falar da diminuição do trânsito e melhora no rendimento dos funcionários, defende.  Além disso, o ônibus que não chega aos domingos para levar Roseli, ou a lotação de todo dia que pega na Guaicurus, e que faz jus a esse apelido, deixaria de ser o modelo de negócios praticado. Com a criação de regras e diretrizes tal qual o Marco Legal propõe, e a Frente Parlamentar - Tarifa Zero, as empresas em acordo iriam receber verba independente da quantidade de passageiros pagantes. Assim, não sendo benéficas economicamente a superlotação e qualidade ruim.

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Os públicos no ônibus são diversos, mas a necessidade de se locomover é universal - Foto: Vítor Nhoatto

E agora já está quase escuro lá no céu, e o fluxo de volta para casa começou. A fila no ponto de Roseli está dando a volta no quarteirão, tão longa quanto essa discussão. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a pasta quer apresentar os estudos de viabilidade ainda em 2025, mas os embates políticos e ideológicos são tão intensos quanto os pisões e esbarradas no corredor cansado do transporte coletivo. 

Avisos dizem, “cuidado degrau” no ônibus, e “atenção com o vão” nos trilhos, mas o verdadeiro foco deve ser nas ações políticas das próximas estações dessa história. Inegável programa de redistribuição de renda, esses 90 bilhões são um investimento e devolução de direitos a milhões de brasileiros, desde que passem a ser vistos assim. Mas enfim, até lá a vida não para, e agora tenho que ir que esse é o meu ônibus. 

Voluntários se reúnem quinzenalmente para apoiar pessoas em situação de vulnerabilidade na capital paulista
por
FABIANA CAMINHA
JOÃO VICTOR ESPOSO GUIMARÃES
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25/09/2025 - 12h

Domingo, 7h da manhã. Enquanto a cidade ainda desperta, a fila já contorna os fundos do Shopping da Lapa, zona oeste de São Paulo. Essa cena se repete a cada 15 dias. Antes mesmo da chegada dos voluntários do Ondas de Amor, quem deseja receber os kits já sabe onde se posicionar. Pessoas com mobilidade reduzida são prioridade. Todos aguardam organizados quando chega o primeiro carro carregado com os itens que serão distribuídos. 

 

Pessoas em situação de vulnerabilidade formam fila para receber kits entregues por voluntários na Lapa
Pessoas em situação de vulnerabilidade formam fila para receber kits entregues por voluntários na Lapa. ​​​​Foto: João Victor Esposo Guimarães/Agemt

Criado em 2019, o grupo distribui, a cada ação, cerca de 180 kits de café da manhã, além de água e itens de higiene, como sabonetes, absorventes e papel higiênico. Ocasionalmente, também são oferecidos produtos adicionais, como escovas e pasta de dente, aparelhos de barbear e desodorantes.

Em dias frios, a entrega inclui cobertores e toucas de lã. Além de suprir necessidades básicas, a iniciativa oferece também mensagens de acolhimento inspiradas na doutrina espírita a quem quiser ouvir.

A ideia nasceu de uma dinâmica com adolescentes em um centro espírita da Vila Romana, bairro da zona oeste. Desafiados a elaborar um projeto de caridade, os jovens sugeriram o nome Ondas de Amor e propuseram oferecer não apenas alimentos básicos, mas itens que consideravam “gostosos”, como sanduíches, bolachas recheadas, doces e achocolatado. O projeto não foi adiante com os adolescentes, mas duas das educadoras, Marildes Esposo e Valéria Vareta, decidiram colocá-lo em prática.

No início, as limitações eram grandes. Somente cerca de 20 kits eram distribuídos, por falta de recursos e voluntários. Com o tempo, a ação ganhou força. Nem mesmo a pandemia interrompeu o trabalho. Com adaptações, máscaras, luvas e distanciamento, o Ondas manteve as distribuições em um período em que a vulnerabilidade de quem vive nas ruas se agravou.

 

Voluntários incluem mensagens de fé junto com os kits distribuídos.
Voluntários incluem mensagens de fé junto com os kits distribuídos. Foto: João Victor Esposo Guimarães/Agemt

Hoje, aproximadamente 130 kits são entregues na Lapa e o restante é oferecido nos arredores da Avenida General Olímpio da Silveira, sob o Minhocão. Nessa segunda etapa, os voluntários percorrem as barracas, chamando as pessoas pelo nome e demonstrando os vínculos construídos ao longo dos últimos anos.

O senhor José, em situação de rua, é um exemplo dessa relação. Há anos recebe os kits do grupo sob o viaduto e, a pedido dele, o projeto passou a incluir livros, dispostos de forma acessível a qualquer interessado. Sempre que possível, são distribuídos sacos de rações para animais e quando há doações de roupas e calçados, esses itens também são entregues a quem precisar.

Livros doados são organizados para distribuição durante a ação voluntária.
Livros doados são organizados para distribuição durante a ação voluntária. Foto: João Victor Esposo Guimarães/Agemt

Mas a atuação do grupo vai além da entrega de alimentos, livros e vestimentas. Em alguns casos, é possível fazer uma diferença ainda maior, como no de Ana, que vivia em uma barraca sob o Minhocão quando os voluntários perceberam que estava grávida.

Com sua permissão, Marildes, Eloisa Cestari e Márcia Aoki, outras colaboradoras do projeto, se mobilizaram para garantir o acompanhamento médico de Ana. Desde então, ela passou a viver na Associação Amparo Maternal, centro de acolhida para gestantes, mães e bebês apoiado pela Prefeitura de São Paulo.

O caso evidencia como a iniciativa pode transformar vidas, especialmente quando atua em parceria com outras instituições. Segundo Marildes, o projeto busca ir ainda mais longe. “Nosso sonho é criar uma rede de apoio que nos permita ampliar e qualificar o acolhimento dos que precisem desse tipo de ajuda”, afirma.

Uma operação com um impacto tão grande exige um esforço quase proporcional. A preparação para o domingo começa cerca de uma semana antes. Alguns voluntários cuidam das compras, outros montam os lanches e organizam as sacolas. Atualmente, cerca de 20 pessoas atuam diretamente na logística para que tudo esteja pronto no dia da ação, além daqueles que contribuem indiretamente com doações e apoio financeiro. 

Alimentos e produtos de higiene compõem os kits distribuídos por voluntários.
Alimentos e produtos de higiene compõem os kits distribuídos por voluntários. Foto: João Victor Esposo Guimarães/Agemt

“O trabalho voluntário é isso, é dar e fazer o que é possível, mesmo que sejam 10 minutos na ação ou 10 reais doados.”  afirma Marildes, que reforça a importância do esforço coletivo. É possível encontrar mais detalhes sobre o trabalho do grupo e outras formas de contribuir com o projeto no site https://ondasdeamor.com.br/social 

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Maior evento europeu do setor continua na rota por novidades eletricas e mais concorrência a cada ano
por
Vítor Nhoatto
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22/09/2025 - 12h

Ocorrido entre os dias 9 e 14 de setembro, o IAA Mobility recebeu mais de 500 mil visitantes, superando a sua última edição em 2023. Estiveram presentes as germânicas Audi, BMW, Mercedes, Opel, Porsche e Volkswagen, mas Fiat, Peugeot e nenhuma japonesa compareceu. Com isso, mais uma vez uma grande parte de Munique foi palco para as chinesas se consolidarem e expandirem.

Com o lema “It’s all About Mobility”, em tradução livre, “É Tudo Sobre Mobilidade”, o foco da mostra se manteve em soluções inteligentes e inovadoras. Startups como a Linktour com  seus micro carros elétricos, e marcas de bicicletas e motocicletas elétricas estavam por todos os lados do München Expo Center. E repetindo o formato aplicado desde 2021, com o chamado “Open Space”, uma área de experiências interativas gratuitas ao ar livre, os visitantes podiam experimentar tudo isso.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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 Além disso, a inovação tecnológica foi tema de muitos debates e coletivas de imprensa com representantes da indústria. Fornecedoras como a Bosch, Aisin e Revolt, além de empresas de carregadores como a Charge X e E-Mobilio e a gigante de baterias CATL foram só alguns dos mais de 750 expositores presentes. 

Setor premium atento

Falando em eletricidade, ela estava no centro das atenções de todas as marcas, apesar das vendas de carros elétricos (BEV) terem sido prejudicada na Europa no ano passado. O fim ou diminuição de subsídios governamentais e metas de descarbonização estagnadas na União Europeia foram os principais motivos segundo o Global EV Outlook 2025 da International Energy Agency (IEA). No entanto, as projeções para esse ano e os próximos são de crescimento.

De olho nisso a BMW lançou o novo iX3, modelo mais importante em anos ao inaugurar uma nova era para a alemã. A segunda geração do modelo estreia uma plataforma sob medida e exclusiva para elétricos de nova geração, chamada de Neue Klasse. O destaque fica com a nova bateria de 108.7kWh de capacidade integrada ao chassi, compatível com carregamento ultrarrápido de até 800V - ganha 372km em apenas dez minutos - e autonomia de 805km em uma carga segundo o ciclo WLTP. 

No quesito design a ruptura com o passado é ainda mais evidente, com uma nova linguagem visual, inspirado nos modelos da BMW dos anos 80. No interior foi inaugurado o Panoramic iDrive, com o painel de instrumentos correndo ao longo de todo o para-brisa, um novo volante de quatro raios e um multimídia com inteligência artificial de 17,5 polegadas. “A Neue Klasse é o nosso maior projeto futuro e marca um grande salto em termos de tecnologias, experiência de condução e design”, frisou o presidente do conselho de administração da marca, Oliver Zipse.

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Alemã aproveitou o evento para apresentar o futuro Sedan i3, que seguirá o capítulo iniciado pelo SUV iX3,  irmão de plataforma. Foto: BMW Group / Divulgação 

Do outro lado do pavilhão, a Mercedes-Benz fez um movimento parecido, lançando a segunda geração do GLC elétrico. O modelo foi o primeiro elétrico da marca, ainda em 2018 como EQC. Mas pelas vendas baixas havia sido descontinuado no ano passado, e agora retorna com o nome “GLC With EQ Technology”, para evidenciar as mudanças. Rival direto do iX3, segue a linguagem de design inaugurada no novo CLA no ano passado, aqui com uma grade iluminada e enormemente proeminente.

Construído sob a inédita plataforma elétrica MB.EA Medium, independente do GLC, a combustão portanto, possui carregamento de até 800V e uma bateria de 94kWh, traduzidos em 713 km de autonomia. No interior, o SUV inaugura o “Hyperscreen”, transformando o painel inteiro em uma tela de 39.1 polegadas. O interior pode ser todo vegano e certificado, e a comunicação Car-to-X - que coleta e envia dados para comunicar outros veículos - se destaca no quesito segurança. O preço inicial deve girar em €60 mil quando chegar às lojas ainda esse ano, tal qual o rival.

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Faróis possuem tecnologia Matrix, e sob o capô há um espaço de 128 litros para bagagens. Foto: Mercedes-Benz / Reprodução

Mas nem só de SUVs o mercado premium é formado, e a Polestar compareceu a Munique para o lançamento mundial do seu novo modelo de topo, o sedã 5. A marca do grupo Geely, divisão de performance da Volvo até 2017, aposta em sustentabilidade e alta performance, estreando a nova plataforma PPA do grupo. São 872 cavalos, tração integral, aceleração de 0 a 100 em 3,2 segundos e ausência de janela traseira, tal qual no crossover 4.

Um presente e futuro elétrico

Nas duas últimas edições do Salão de Munique, ambientalistas protestaram em frente ao evento em defesa de uma mudança sistêmica da indústria, o que se repetiu. As ONGs Extinction Rebellion e Attac levaram placas pedindo por mais investimento em transporte público e justiça social, jogando atenção para uma mentalidade individualista e o preço dos elétricos. 

Em relação a essa questão, um estudo da empresa de consultoria, Gartner, mostra que até 2027 os BEVs serão mais baratos de produzir que os carros a combustão (ICEVs), e o Grupo Volkswagen promete preços competitivos para sua nova geração de elétricos. 

Foram revelados no evento quatro modelos para o segmento B baseados na plataforma MEB Entry do conglomerado. O principal deles foi o ID.Polo da Volkswagen, com previsão de início de vendas em maio na casa dos € 25 mil. Como o seu nome sugere, é a versão elétrica do hatch Polo, e contará com baterias de 38 e 56 kWh, com uma autonomia de 350 e 450 km respectivamente. Uma versão GTI do modelo será também comercializada, com 223 cavalos.

Continuando o apelo esportivo que a versão encurtada da plataforma em que os modelos do segmento C, ID.3 e ID.4, são construídos, a espanhola Cupra mostrou a versão de produção do Raval. Com dimensões e motorizações basicamente iguais às do ID.Polo, promete continuar a expansão da nova marca do grupo, antigamente uma divisão de performance da Seat.

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Cupra Raval, ID.Polo e ID.Polo GTI  (direita) serão lançados em março do ano que vem, enquanto os SUVs Epiq e ID.Cross (esquerda) chegarão no segundo semestre. Foto: Volkswagen AG / Divulgação

Como era de se esperar pela relação do Polo com o T-Cross, sua versão SUV, o conceito ID.Cross foi mostrado. Com o mesmo tamanho do modelo que substituirá em 2026, integra o segmento disputado dos B-SUV elétricos, formado por nomes como Peugeot e-2008, Renault 4 e Volvo EX30. Focando em espaço e ergonomia, marca a volta de botões físicos no volante e do ar condicionado, além de um maior uso de materiais reciclados. 

Por fim, a Skoda apresentou a sua versão do SUV, denominada Epiq. Tal qual os irmãos de plataforma, será construído em Pamplona, na Espanha, e contará com a capacidade de carregar dispositivos externos como eletrodomésticos (V2L). A velocidade de carregamento é de até 125 kW, indo de 10% a 80% em 20 minutos, e o modelo estreará uma nova identidade visual para a tcheca no ano que vem.

Ascensão chinesa continua 

Aprofundando essa questão dos preços, são as marcas chinesas que se destacam globalmente, como destaca a IEA. Com grandes reservas dos minérios utilizados nas baterias, as fábricas para construí-las e anos de investimento estatal na tecnologia, seguiram com sua expansão em solo alemão. 

A BYD, maior marca chinesa em números, marcou presença com o recém lançado Dolphin Surf - a versão europeia do Dolphin Mini. Avaliado com cinco estrelas pelo Euro NCAP, é um dos BEVs mais baratos hoje à venda na Europa, custando cerca de € 20 mil. No campo dos híbridos plug-in (PHEV) a Station Wagon do segmento D, Sealion 06, foi lançada, focada em conforto e tecnologia com até 1.092 km de autonomia combinada.

Outra marca com novidades foi a Leapmotor, que já vende o hatch subcompacto T03 e o D-SUV C10 no continente, de lançamento marcado para o Brasil ainda em 2025. Pertencendo 20% à Stellantis, que controla a sua operação internacional, apresentou o inédito hatch B05, rival de Volkswagen ID.3 e BYD Dolphin. Sob a mesma plataforma do C-SUV B10, terá cerca de 400 km de autonomia e início de vendas para o ano que vem por cerca de € 30 mil.

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"O B05 (direita) reflete nosso compromisso com a inovação, acessibilidade e a capacitação da próxima geração de motoristas em toda a Europa e além", declarou o CEO global da marca, Zhu Jiangming. Foto: Leapmotor / Divulgação

Munique foi para além de um lugar de novos modelos, mais uma vez o palco de marcas inteiras debutando em solo europeu. A marca AITO, do grupo Seres, que usa a tecnologia da Huawei, se lançou no mercado internacional com os SUVs 9, 7 e 5. Mirando as marcas premium alemãs nos segmentos E e D, podem ser tanto BEVs ou elétricos com extensor de autonomia (REEV), repetindo a abordagem da Leapmotor com o C10.

O grupo Changan Auto iniciou as operações da sua marca Deepal com os SUVs de apelo jovem e esportivo S05 e S07, ambos com opções de serem elétricos ou PHEVs. No campo de luxo, a marca Avatr da gigante chinesa mostrou seu primeiro concept car, o Xpectra, além dos modelos 06, 07 e 12, já comercializados em alguns países europeus e com planos de chegarem a 50 mercados em breve.

A premium Hongqi esteve presente e revelou o C-SUV elétrico EHS5, além de anunciar planos de expansão com 15 modelos e 200 pontos de venda pela Europa nos próximos anos. E aumentando a sua aposta no evento, a Xpeng teve um stand dentro do pavilhão e apresentou a nova geração do P7, sedã que começou a ser comercializado na Europa no IAA Mobility 2023.

Além disso, a recém chegada ao Brasil, GAC, estreou no velho continente levando cinco modelos para a mostra. Seguindo com o “European Plan Market” anunciado no ano passado, lançou como modelos de topo o novo GS7, um SUV grande híbrido plug-in, e a MPV híbrida (HEV) E9. Mas os destaques da marca foram o hatch AION UT, rival de BYD Dolphin, e o D-SUV rival de Tesla Model Y, o AION V.

O primeiro possui bateria de 60 kW/h com 430 km de autonomia e previsão de início da comercialização em 2026 na casa dos € 30 mil. Já para o segundo, comercializado no Brasil por R$214.990, o preço de € 35.990 foi anunciado, muito competitivo para o segmento. Com 510km de autonomia e cinco estrelas no teste do Euro NCAP - com mais ADAS que o brasileiro - será o primeiro a chegar às lojas, já em setembro em mercados como Portugal, Finlândia e Polônia. O plano é que a marca venda em todos os países europeus até 2028.

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Estava ainda em Munique o carro elétrico voador GOVI AirCab (ao fundo) buscando mostrar os avanços da indústria chinesa, segundo a empresa. Foto: GAC Group / Divulgação

Eletrificação em todos os níveis 

Para além das novatas, ícones do mercado aproveitaram os holofotes da feira para se renovarem completamente. Esse foi o caso da única francesa presente, a Renault, que lançou a sexta geração do hatch Clio, o segundo carro mais vendido no continente em 2024.

Construído sob a mesma plataforma que o seu predecessor, mantém o motor 1.2 TCe e uma opção movida a GPL, mas as semelhanças acabam por aqui. No powertrain, estreia um novo sistema full-hybrid (HEV) formado por um motor 1.8 e dois elétricos, resultando em 160 cavalos e modo de condução elétrico na cidade. Conforme a estratégia da marca, o Clio não terá versão elétrica, papel delegado ao hatch de estilo retrô, o 5.

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Hatch cresceu 6 centímetros em comprimento, evocando uma silhueta mais esportiva e afilada. Foto: Renault Group / Divulgação

No quesito design, o carro rompe por inteiro com a geração anterior, o oposto do que havia acontecido com a quinta geração em relação à quarta. A frente ostenta uma nova assinatura em DRL, que forma o símbolo da Renault, e a traseira possui lanternas duplas, nunca vistas em um Clio. O interior é todo novo também em relação ao antecessor, mas com o mesmo layout e sistema operacional do Google do irmão elétrico 5.

A Volkswagen foi outra que debutou no IAA uma nova geração de um best-seller, o T-Roc. Em sua segunda encarnação, também não terá versões elétricas, sendo o último novo carro a combustão desenvolvido pela marca. Haverão pela primeira vez no SUV opções micro-híbridas (MHEV), já conhecidas dos irmãos de plataforma como o Golf e A3, além de um novo sistema HEV, com 134 e 168 cavalos. Não haverá, pelo menos por ora, versões PHEV, sendo o único modelo sob a MEB Evo sem essa possibilidade, no entanto.

Seu exterior é uma evolução da primeira geração, mantendo linhas semelhantes e o seu apelo descolado, descrito pela marca. As dimensões aumentaram, 12 centímetros em comprimento, chegando a 4.37 metros, o colocando alinhado a rivais como o Toyota CH-R e Mazda CX-30. Por dentro a abordagem continua, com telas maiores e mais itens de conectividade e segurança assistida, mas com uma disposição de elementos clássica, vista nos últimos Golf e Tiguan.

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Modelo construído em Portugal foi o quinto carro mais vendido na Europa no ano passado. Foto: Volkswagen Group / Divulgação

Concorrência de todos os lados

Além das chinesas em franca expansão nos últimos anos no continente, outras concorrentes vêm se destacando na corrida pelos elétricos principalmente. A coreana Kia compareceu ao evento e mostrou ao público os novos integrantes da família EV, o EV4 e o EV5. 

O primeiro é um hatch do segmento C, acompanhado de uma variante sedã. Já o último se trata de um modelo lançado em 2023 - inclusive a venda no Brasil desde o ano passado - mas que chega só agora à União Europeia como a versão elétrica do Sportage. Sua conterrânea e marca irmã também esteve em Munique com o Concept 3, prevendo o futuro Hyundai Ioniq 3, equivalente do EV4.

Mas nem só da Ásia as novidades chegam, com a primeira marca turca de automóveis elétricos, a Togg, debutando em solo alemão a sua ofensiva no continente europeu. Fundada em 2018 e com a primeira fábrica inaugurada em 2022, apresentou o C-SUV T10X e o sedã T10F ao público. A pré-venda dos modelos começará em 29 de setembro na Alemanha, e no ano que vem a empresa pretende iniciar seus trabalhos na França e Itália, com meta de ter até 2030 um milhão de veículos em toda a Europa.

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Preços ainda não foram divulgados, mas devem ficar em torno de € 40 mil tomando como base as cifras no mercado turco. Foto: Togg / Divulgação

Construídos sob uma plataforma elétrica, ambos receberam nota máxima no Euro NCAP recentemente, com mais de 9% de proteção para adultos e 80% nos ADAS. A respeito do desempenho, a bateria possui 88.5 kWh de capacidade, e autonomias de até 500 e 600 km para o SUV e o sedã respectivamente. 

“Nossos modelos proporcionam uma experiência de mobilidade voltada para o usuário e voltada para o futuro”, comentou Gürcan Karakaş, CEO da marca durante o evento. A marca anunciou ainda que trabalha no terceiro de cinco modelos que irá lançar até o fim da década, o B-SUV T8X. Karakaş finalizou destacando que prepara para introduzir baterias de pirofosfato de lítio (LFP), e que a indústria deve estar preparada para as mudanças e maior concorrência.

Como a presença da extrema direita abre portas para propostas discriminatórias e inconstitucionais
por
Andre Nunes, Pedro Galavote
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13/05/2021 - 12h
Foto: Ambev/ Av. Paulista durante a campanha #orgulho não para em 06/2020
Foto: Ambev/ Av. Paulista durante a campanha #orgulho não para em 06/2020

O projeto de lei 504/2020, proposto pela deputada Marta Costa (PSD), proíbe a publicidade, através de qualquer veículo de comunicação e mídia, de material que contenha alusão a preferências sexuais e movimentos sobre diversidade sexual relacionados a crianças no Estado de São Paulo. Com direito a multa e fechamento do estabelecimento que a infringir. 

Essas propostas se referem muito à ideologia bolsonarista e toda essa onda de ódio que aumentou após sua eleição. O Grupo Gay da Bahia informou que 329 LGBT+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) tiveram morte violenta no Brasil, vítimas da homotransfobia, em 2019. Foram 297 homicídios e 32 suicídios. Isso equivale a 1 morte a cada 26 horas. 

Alguns dos discursos de Bolsonaro se tornaram muito mais frequentes como esse durante uma live junto da assessora do MEC e do ministro da educação Abraham Weintraub “Uma parte do eleitorado simpatizou comigo na pré-campanha e na campanha tendo em vista a educação. Eu não vi discussão sobre ideologia de gênero. Isso, no meu entender, não é mais para ser discutido lá. O pai quer que o filho seja homem, que a filha seja mulher” 

Abaixo seguem algumas das principais declarações feitas pelo presidente e alguns apoiadores ao longo de 2019: 

Janeiro: Damares diz que meninos vestem azul e meninas vestem rosa 

Junho: PM de João Doria impede policial gay de usar farda para pedir namorado em casamento 

Agosto: Bolsonaro barra financiamento da Ancine para filmes com temática LGBT+ 

Setembro: Marcelo Crivella retira HQs com beijo entre homens da Bienal do Livro 

Outubro: Bolsonaro filho usa camiseta ironizando sigla LGBT+ 

Essas declarações, além de mostrar o posicionamento do governo acerca desse tema, abre espaço para que projetos de lei como esse sejam pensados e discutidos de forma cada vez mais frequente. Voltando à PL, é importante estabelecer que independente de seu conteúdo ser discriminatório ou não, esse Projeto de Lei viola o Texto Constitucional. No artigo 22 da Constituição da República de 1988, sendo explícito que somente a União pode legislar sobre o direito comercial de propaganda. Logo, o Projeto não pode ser aprovado pela ALESP, mas caso ocorra, o STF deve reafirmar sua jurisdição e declarar a inconstitucionalidade da lei. 

Entretanto é importante ressaltar que os movimentos, e corporações que apoiam a causa LGBT se posicionaram contra, algumas delas foram: 

  • Coca Cola: Estar #AbertosProMelhor significa defender que a existência LGBTQIA+ não é influência inadequada. É ser livre para ser, expressar e amar. 

  • Nestlè: A diversidade dos brasileiros é parte importante da nossa história e precisamos representá-la em nossa publicidade. Por isso, somos contra o PL 504 que propõe a proibição da diversidade em publicidade infantil em SP. Afinal, representatividade faz bem. E se faz bem, a gente faz! 

  • Mastercard: Demonstrar todas as formas de Amor Não Tem Preço! A Mastercard tem o compromisso de contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa para todos. Isso inclui nosso apoio à comunidade LGBTQIA+, por meio de condições, oportunidades e direitos iguais. Fazemos parte da Aliança sem Estereótipos, da ONU Mulheres, convocada por um grupo de empresas e organizações que acreditam em um mundo sem preconceitos. A Aliança busca mudanças na indústria publicitária para que sejam criados conteúdos que empoderem as mulheres, enfrentem o racismo e todas as formas de discriminação.  

A baixa adesão e pressão das marcas, talvez faça com que, esse projeto não saia do papel, mas como vimos, o conforto que o governo federal passa ao tratar de temas deste tópico de forma desinformada, faz com que mais projetos e pensamentos assim se criem, e a pergunta que fica é: quando tudo isso vai parar ? 

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Aeroportos e companhias aéreas tiveram que adotar novas medidas de segurança e inovar em seus recursos tecnológicos
por
Luiza Mazzer
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12/05/2021 - 12h

 

Com a pandemia da COVID-19 agravada no Brasil desde março de 2020, diversos estabelecimentos foram fechados, porém não os aeroportos. Segundo nota da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), no início da pandemia “a interdição de um aeroporto não é uma conduta indicada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) neste momento e pode prejudicar de forma irresponsável o deslocamento de pessoas, profissionais de saúde, vacinas, órgãos para transplante e até insumos para medicamentos para os estados brasileiros”. Dessa forma, apenas os voos foram reduzidos e as companhias aéreas, assim como os aeroportos precisaram modificar seus regulamentos de cancelamento de voos e seguir com os protocolos de higiene.

Isso não significa que os voos seguem normais. Muitos países proibiram a entrada de brasileiros em seu território com o agravamento da pandemia no país e outros apenas permitem a entrada após 15 dias de quarentena em outro lugar. Atualmente, 78 países (como México, Rússia, Argentina, Espanha e França) estão com restrições moderadas, ou seja, inclusão de teste de Covid para poder viajar ou obrigação de quarentena em outro país para poder viajar e 74 com restrições fortes, o que significa entrada suspensa ou apenas entrada de cidadãos, como é o exemplo dos Estados Unidos, Canadá, Austrália, e Reino Unido) em relação a voos saindo do Brasil.

Para que as recomendações sejam seguidas, aumentando a segurança dos passageiros, a Anac publicou o guia “Protocolos Sanitários para as operações no setor da aviação civil em período de pandemia”, que traz, ações necessárias para manutenção de segurança das operações e cuidados básicos a serem adotados pelos administradores de aeroportos, assim como recomendações para os serviços aéreos.

Foram adotadas diversas inovações nos principais aeroportos brasileiros, como o check-in remoto, no qual os funcionários que antes ficavam nos balcões foram substituídos por monitores, de onde realizam o check-in dos passageiros remotamente. A Azul adotou também um tapete virtual na hora do embarque, que funciona através de  inteligência artificial e projetores, sensores e câmeras. O tapete projetado no chão se movimenta conforme as pessoas vão andando, propondo assim um maior distanciamento físico, além de mostrar os respectivos números dos assentos, o que faz com que diminua a aglomeração no momento do embarque, com menos pessoas em pé e de forma mais organizada. Além disso, todos os aeroportos reforçaram a higienização de seus ambientes com diferentes técnicas e aferição de temperatura de passageiros e funcionários.

Segundo matéria da UOL, o aeroporto de Guarulhos passou a adotar uma esterilização  automática com luz ultravioleta em locais onde há maior circulação de pessoas, como corrimãos e escadas e instalou sensores de aglomeração que conseguem monitorar, com ajuda de inteligência artificial, a movimentação em locais específicos e a necessidade de manutenção.

Contudo, as companhias aéreas não diminuíram o número de passageiros permitidos por voos e não aumentaram o espaçamento entre os assentos. As empresas justificam, afirmando que seus aviões possuem filtros que renovam o ar a cada três minutos e capturam as partículas microscópicas, como bactérias e vírus, além, é claro, de o uso de máscara ser obrigatório durante todos os momentos dentro das aeronaves.

Em março de 2021, a União Européia, apresentou o projeto do “Certificado Verde Digital”, que funcionaria como um “passaporte de vacinação”, que conteria as informações referentes à imunização dos passageiros, como número de doses, data e local de vacinação dos passageiros para que tenham liberdade de circulação dentro dos países membros. Contudo, no documento do projeto deixam claro que a vacinação não será obrigatória e passageiros que optarem por não serem vacinados ainda poderão circular, mas com ressalvas, como teste obrigatório de Covid ou quarentena em outro local.

Nick Careen, vice-presidente da Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA), afirmou ao New York Times que o “passaporte de vacinação” seria apenas um meio de formalizar o que já existe, pois atualmente os países, inclusive o Brasil, já tem como requisito para entrada de viajantes o resultado negativo do teste. Além de que, para a entrada em diversos países é necessário comprovante de vacinação contra a febre-amarela. Portanto, um documento unificado com todas as vacinas tornaria mais prático, além de que poderia evitar fraudes.

Alguns países como a Dinamarca e a Suécia já começaram a desenvolver esses certificados digitais sobre a imunização do cidadão, os quais servirão não apenas para viagens, mas também para a entrada em eventos com maior número de pessoas. É possível que futuramente a maioria dos países exijam tal certificado para entrada em seu território. Atualmente, diversas empresas já estão na fase avançada de testes de aplicativos, como o IATA Travel Pass, desenvolvido pela IATA, que tem bastante influência sobre novos protocolos, por representar mais de 80% das empresas aéreas do mundo, e o Digital Health Pass, criado pela empresa IBM, que também funciona como uma carteira digital, onde o viajante pode armazenar suas informações de saúde e imunização e compartilhá-las de forma segura.

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Ivan Marino Iannace
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10/05/2021 - 12h

Após um ano de pandemia, aprendemos a tirar ensinamentos sobre os mais diversos assuntos, e na área do trabalho não seria diferente. Hoje, vamos ouvir um pouco sobre como estamos lidando e quais são os melhores meios que as pessoas encontraram para melhorar a condição de trabalho dentro de casa. Acontece que aos poucos fomos percebendo que o trabalho tomou nossas casas e não existe mais essa separação do nosso local de descanso e do local de trabalho, formando quase que uma invasão da nossa própria privacidade. Além disso, ninguém imaginava o quão cansativo seria trabalhar em casa é, sendo assim nada vantajoso para quem está trabalhando e também não para a empresa, pois o empregado fica tão exausto que aos poucos seu rendimento começa a cair.

Com o passar do tempo, as pessoas foram percebendo que para um melhor rendimento, seria necessário fazer um investimento em seus escritórios, visando melhorar seus equipamentos técnicos e também pensar sobre seu conforto, já que agora o escritório virou praticamente sua nova sala de estar. No podcast será levantado dados, números e também uma fala exclusiva de um funcionário de uma grande rede loja de informática. Espero que curta e aproveite o podcast para repensar suas horas em home-office. 

https://soundcloud.com/ivan-marino-iannace/whatsapp-audio-2021-05-10-at-141349

 

Gestão do trabalho home office: como fazer de um modo eficaz

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As covereadoras Dafne Sena e Samara Sosthenes relatam as dificuldades em serem mulheres que representam pautas minoritárias na Câmara Municipal de São Paulo
por
Evelyn Fagundes, Gabriela Costa e Malu Marinho
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08/05/2021 - 12h
A covereadora Samara posa para foto
Samara Sosthenes, covereadora pelo PSOL em São Paulo. — Foto: Divulgação

“Era um momento tão ruim que, para mim, a única saída era a morte, o suicídio”, confessa Samara Sosthenes, atual covereadora do mandato coletivo “Quilombo Periférico”, ao relembrar de sua vida há dois anos atrás. A sua vontade de permanecer viva só retornou quando ela viu Robeyoncé Lima, co-deputada estadual de Pernambuco e Erica Malunguinho, deputada estadual de São Paulo, serem eleitas como mulheres trans, em seus respectivos cargos, e viu o potencial de mudança que as minorias na política possuem. “Hoje, eu estou tendo a oportunidade de legislar com essas pessoas e eu penso que não posso morrer porque é a minha vez de fazer essa diferença. Enxergar mulheres como eu se elegendo e atuando daquele jeito salvou a minha vida”, diz.

Em 2015, Samara Sosthenes foi morar, por necessidade financeira, em uma ocupação do MTST, no extremo sul da capital paulista. Dentro desse contexto, ela começou a conviver com diferentes histórias e a entender a questão da luta por moradia no país. Quando iniciou seus estudos na Uneafro Brasil, da qual hoje é coordenadora de um núcleo da Luz, ela também teve contato com os problemas da educação brasileira atual. “Todo meu aprendizado político foi fruto do meu contato com os movimentos sociais, sejam eles por moradia, por educação ou pelos direitos das mulheres. Tudo o que eu sei é por conta deles.”

Assim como Samara, Dafne Sena, covereadora da “Bancada Feminista” pelo PSOL, aliou-se à política na cidade de São Paulo, mas com foco na causa ambiental. "Eu me organizei, me filiei ao partido quando mudei para São Paulo, há uns seis ou sete anos. Sempre estive organizada nos movimentos ambientais e em várias outras iniciativas aqui na cidade, como pela igualdade de gênero".

Mesmo antes de participar assiduamente dos movimentos sociais, a covereadora já discutia política em casa, com sua mãe e seus avós. Além disso, Dafne é adepta ao veganismo:  “já fazem uns bons anos que sou vegana, sempre estive junto aos ativistas, nesse movimento que aqui no Brasil a gente chama de 'veganismo popular', uma proposta ligada à agroecologia e reforma agrária, contrapondo a vertente liberal, que se alia ao próprio mercado e ao agronegócio."

covereadora Dafne sena
Dafne Sena,  parlamentar pela Bancada Feminista do PSOL em São Paulo. - Foto: Reprodução.

A política ainda é demasiadamente masculina, o que traz a tona, a cada dia, a dificuldade de ser mulher dentro da câmara: "estar nesses espaços, no Brasil de sempre — mas principalmente no de hoje em dia — é um enfrentamento constante". Permanecer nesses ambientes é fortalecer a resistência e ultrapassar obstáculos diários, "se ficarmos presos em estereótipos nunca vamos entender de fato a luta que é necessária, pois, no momento em que estamos, a ideia de 'passar a boiada' significa a destruição absoluta das nossas condições de vida."

Sobre esses estereótipos, Dafne revelou ser muito difícil tentar alcançar as expectativas colocadas em uma mulher eleita. Geralmente, elas rondam em torno da própria falta de representatividade, já que, como não há muitos integrantes de minorias dentro da política, é sobre os poucos existentes que recai a responsabilidade de expor essas demandas. “A cada pauta adicionada na nossa luta, também acrescentamos mais elementos do que as pessoas esperam que a gente seja e que nunca vamos conseguir atender”.

Além disso, também existem os ideais criados pelos adversários políticos e as dificuldades que são enfrentadas para garantir que determinadas ações sejam realizadas. “É um movimento de muita auto reflexão, às vezes, mas principalmente um movimento de tentar permanecer nesses espaços apesar de todas as contradições e todos os elementos que são colocados como obstáculos”.

Dafne Sena, ao centro da foto, em ato de solidariedade pelo caso da modelo Mari Ferrer. - Foto: Reprodução
Dafne Sena, ao centro da foto, em ato de solidariedade pelo caso da modelo Mari Ferrer. - Foto: Reprodução 

Da mesma maneira que Dafne enfrenta dificuldade por ser mulher dentro da política, Samara também sofreu não apenas por ser uma mulher negra, mas também por ser trans. Na madrugada do dia 31 de janeiro, a covereadora afirmou que um vizinho ouviu barulhos de disparos na frente de sua casa, uma situação parecida com o que ocorreu com as vereadoras Erika Hilton e Carolina Iara”, ambas mulheres trans. A Polícia Civil teria concluído que não houve atentado nem no caso de Iara, nem de Sosthenes e, durante o andamento das investigações, ambas tiveram que andar acompanhadas de seguranças particulares. 

Samara ainda reiterou que, desde a morte de Marielle Franco, os ataques a todo tipo de minorias na política têm aumentado intensamente e que, provavelmente, são causados por conta do crescimento da representatividade dentro da política e são mais direcionados a lideranças femininas, pretas e periféricas. “Nossos corpos na política são novidade e eles sabem o efeito que causamos: a política está mudando, mas isso também causa uma reação do outro lado; o lado branco, sexista, cisgênero, acompanhado por bancadas do boi, da bala e da Bíblia. Então esses ataques vêm por conta do medo, porque a única maneira que eles sabem responder é com a violência.” 

Apesar de todas as dificuldades enfrentadas, principalmente no contexto pandêmico, Dafne afirma continuar na luta, se apegando à imagens de um futuro melhor. “É exaustivo sim, cansa. Tem épocas de profunda desesperança, mas eu entendo isso como uma tarefa histórica. Sinto que perdemos a solidariedade intergeracional, o entendimento de que as mudanças que queremos ver no mundo não necessariamente vão acontecer enquanto eu estou nele, mas acontecerão enquanto outras mulheres estiverem, aquelas que virão depois de mim”, revela.

Esse pensamento de fazer um trabalho que vai além de si é o que manteve Samara viva há dois anos e ainda é o que a sustenta nessa luta. “Acredito muito no poder da representatividade, porque do mesmo jeito que me espelhei em diversas mulheres como eu, muitas pessoas vêm me dizer que sou uma inspiração. Eu me sinto muito lisonjeada, mas também muito pressionada, porque a gente pensa “quem sou eu para servir de inspiração?”, mas só o fato de estarmos vivos, resistindo e lutando já é motivo de inspiração suficiente.” afirma esperançosa, Samara Sosthenes.

 

Medidas preventivas como a do ‘fique em casa’, é um insulto para quem não tem uma
por
Danilo Zelic
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20/04/2021 - 12h

Logo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a situação sanitária global como pandêmica, no dia 11 de março de 2020, a primeira medida anunciada para evitar a contaminação de Covid-19 foi a do ‘fique em casa’. Conforme estudo produzido em junho de 2020, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a estimativa do número de pessoas em situação de rua no Brasil é de 221.869, um crescimento de 140% desde 2012. Diante dos entraves que a crise trouxe nas questões socioeconômicas da população, especialmente aos mais vulneráveis, a tendência é de um crescimento da população de rua, segundo Jorge Broide, psicanalista e professor de psicologia da PUC-SP. “As pessoas estão perdendo suas casas, toda essa miséria e a crise social aumentando, a população de rua aumenta”.

Circulando pela região central da capital paulista, é evidente a grande quantidade de pessoas morando nas ruas. De acordo com pesquisa realizada em 2019, pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo em parceria com a Qualitest, o total da população em situação de rua é de 24.344, contabilizando 12.651 pessoas em situação de ‘rua’, conhecido também como ‘calçada’, e 11.693 na condição de ‘acolhido’. Desse total, 83,7% se identificam pelo sexo masculino e 14,8% pelo feminino. Se consideram pardos 35%,  brancos 21%, pretos 16% e indígenas e amarelas somam 2%. Das 32 subprefeituras da cidade, Sé e Mooca, que se localizam na Zona Central, somam 65,01% do total de pessoas morando na rua, respectivamente, 45,38% e 19,63%.

Quando se pediu que as pessoas ficassem em casa, Darcy Costa, coordenador do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), exigiu do poder público medidas emergenciais “como acesso à água potável para lavar as mãos, instalação de banheiros ao redor da cidade, kits com máscaras, sabonete e álcool em gel". Essas medidas visavam um único propósito, “evitar a devastação da população em situação de rua”.

Depois de um ano do atual cenário, Costa relata os principais problemas que se agravaram a respeito das políticas públicas adotadas. “Centros de acolhimento começaram a superlotar, [estão com] um número [de usuários] acima da sua capacidade em todos os serviços, inclusive até aqueles que foram abertos; banheiros públicos fechados; diminuição de pontos de distribuição de alimentos”.

Darcy Costa, coordenador do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) - Foto: Reprodução Facebook do MNPR
Darcy Costa, coordenador do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) - Foto: Reprodução Facebook do MNPR

Em junho do ano passado, a gestão de Bruno Covas (PSDB) registrou 28 óbitos e 289 infecções pela covid-19. Já o MNPR, no mesmo período, contabilizou 40 óbitos pela doença. Para o coordenador, o número oficial é baixo devido a uma “subnotificação”, ao passo que “a prefeitura, a secretaria de saúde e a assistência social se negam a apresentar esses dados”.

Em relação a situação dos equipamentos para a população de rua, constata que “estão com os leitos lotados e uma fila de espera para acessá-los”. “A gente sabe de casos, de ambulância saindo com dois, três dentro dos centros de atendimento, indo para os hospitais e essas pessoas não voltam mais”. Lembra do Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População em Situação de Rua, Comitê PopRua, que segundo ele, “ficou um ano desativado”. “Brigamos durante um ano para poder retomar esse GT (Grupo de Trabalho), que jamais deveria ter sido desativado”.

No dia 12 de fevereiro de 2021, a prefeitura de São Paulo anunciou a vacinação para pessoas em situação de rua acima de 60 anos. O coordenador do MNPR relata que foi uma demanda apresentada pelo Conselho Nacional de Saúde ao Ministério da Saúde. Em um primeiro momento, o ministério colocou a população de rua na 16º posição para a vacinação, indo na contramão no que dizia o MNPR, “que era colocar a população de rua como um grupo prioritário, como os quilombolas e os indígenas”.

Por conta do decreto que prioriza a vacinação de pessoas acima de 60 anos, o MNPR conseguiu viabilizar a vacinação para a população de rua. Para Costa, “já é uma vitória” a vacinação dessas pessoas, mas que “um negacionismo muito resistente em não admitir as medidas cabíveis, por parte do governo federal”, além da “pressão que os governadores vêm sofrendo por parte do empresariado”, dificulta a contenção da crise. Ressalta também a falta de um calendário claro “para a vacinação da população, muito menos para a população em situação de rua”.

Ação do MNPR na região da cracolândia - Foto: reprodução Facebook MNPR
Ação do MNPR na região da cracolândia - Foto: Reprodução Facebook MNPR

Na opinião de Broide, “fazer política pública, abrangente e séria”, é o que falta para amenizar a situação em que estamos. “Construir espaços onde as pessoas que estão na rua possam elaborar e construir projetos de vida. E o cuidado sanitário e a questão da moradia, evidentemente”. Costa, no entanto, lembra de ações executadas pelo terceiro setor, que diante “da falta de vontade política [da prefeitura], cai sobre as ONGs”. Sobre isso, ele nota que se enquadra dentro de um “contexto de caridade”, mas alerta que esse contexto “acaba assumindo prerrogativas que deveriam ser garantidas pelo governo”. “Isso já está na Constituição, têm leis, são eles que recebem os impostos. Não que a sociedade civil não possa ter as suas iniciativas, mas isso não pode ficar à mercê de ações paliativas”.

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