Por Matheus Pogiolli (texto) e Cristian Buono (audiovisual)
Frequentador do “bar do Pica-Pau”, em São Paulo, Moisés, um homem de 57 anos costuma apostar nas máquinas enquanto joga partidas de sinuca. Ele diz que não pensa em parar de jogar, já que costuma apostar pouco dinheiro e fica satisfeito com o lucro recebido, ainda que pequeno. “Sorte” essa que os amigos do mesmo não possuem, já que muitos apostam o salário nos jogos de azar presentes no bar. Para Moisés, o vício começa na curiosidade.
Segundo o dicionário Aurélio, a definição de vício é "tornar mau, pior, corrompido ou estragado; alterar para enganar; corromper-se, perverter-se, depravar-se". A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica o vício como uma doença de impactos físicos e psicoemocionais. Para muitas pessoas, não é algo que possa ser definido ou explicado, mas sim uma necessidade, algo sobre o qual não se tem controle. É sempre uma forma de compensação ou até mesmo a busca de um falso prazer imediato.
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Foto: Reprodução / Internet
Como funcionam os caça-níqueis,,,
As apostas acontecem todos os dias...
Como pensar em parar...
Para Patrícia Pilan, 29 anos, psicóloga, esse comportamento diz muito sobre a necessidade da busca de prazeres, pois, segundo explica, nosso cérebro sempre buscará ter algum tipo de compensação mediante a esforços realizados e, quando isso não acontece de forma equilibrada, natural e saudável, o indivíduo passa a buscar isso em atividades que estimularão esse prazer, seja de forma induzida, através do uso de drogas lícitas ou ilícitas, ou através de atividades que ativam no cérebro o circuito de recompensa e liberam dopamina, gerando sensação de bem estar e prazer.
Uma rotina desequilibrada, a ausência de gestão emocional e a falsa promessa de um ganho rápido financeiro, no geral, são os grandes estimulantes para que uma pessoa entre no vício e permaneça nele. Assim, o que era de vez em quando apenas, acaba se tornando uma necessidade e a atividade causadora do vício vira o tema central da vida do indivíduo. Sobretudo quando se trata de apostas em tempo real.
Com o avanço tecnológico e as incertezas financeiras que tomaram conta de muitas famílias durante e pós-pandemia, os jogos de azar chegaram com mais força nas plataformas online.
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Mesmo com a grande frequência de pessoas em bares ou locais de apostas, a Internet também fez com que muitas pessoas se viciassem nesse âmbito sem ter que sair de casa: Um dos tópicos mais presentes no momento, são as apostas esportivas. Para Santa Fé, Beatriz e Arthur, assim como Moisés, o problema foi a curiosidade. Ela fez com que todos eles ficassem viciados em apostar, não importa qual fosse o esporte/tópico.
Com Santa Fé, de apenas 22 anos, o ponto inicial do vício foi apostar em equipes desconhecidas no futebol, puramente com o intuito de lucrar, não importa se com uma análise ou não. Segundo o mesmo, o vício foi aflorado por observar outros amigos ganhando muito dinheiro com apostas. Ele fala, inclusive, que se “emocionou” com os pequenos ganhos, fazendo que o "sarrafo aumentasse" e, consequentemente, ele perdesse dinheiro com tentativas mais ousadas.
Como tudo começou...
Quanto tudo se aflorou...
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Indo em direção do que disse Santa Fé, Arthur, de 23 anos, confirmou que a emoção por ganhar no começo, fez com que a vontade de apostar mais, aumentasse. Facilidade. Essa foi a palavra definida por ele. Isso porque com a evolução tecnológica, a facilidade em apostar aumentou. Arthur diz que, além de futebol, apostas em basquete, tênis e até mesmo corrida de cavalos se tornou recorrente, aumentando seu vício compulsivo em jogar esses tipos de jogos.
Facilidade em apostar...
Para Beatriz, de 23 anos, a facilidade também definiu o vício. Sem tanto tempo para análises, a mesma se viu em "grupos de sinais", feitos por diversas pessoas que vendem seu trabalho de mentoria nas apostas esportivas, a fim de trazer diversas pessoas para seus grupos. Por conta desse caminho, aumentou seu tempo de apostas, sem sequer saber no que estava injetando seu dinheiro. O ponto de certeza no vício foi a falta de atenção com outras situações do cotidiano, como trabalhar, estudar ou dormir, por exemplo.
Quando percebeu que estava viciada...
Facilidade em apostar...
Patrícia explica que a vivência do período pandêmico, o agravamento das incertezas financeiras, juntamente com o aumento do uso da Internet e da divulgação de tais jogos de atividades, aliados com o fácil acesso às formas de jogos que prometem um ganho após a sua utilização, aumentou a busca das pessoas por tais atividades. Hoje vê-se o uso sendo estimulado até mesmo em propagandas de TV aberta, induzindo o indivíduo, mesmo que seja por mera curiosidade, a buscar por esses aplicativos e, o que era para ser apenas uma diversão momentânea, torna-se um problema.
Um ponto comum a ser ressaltado entre todos é a busca de um ganho financeiro fácil em um curto espaço de tempo, ademais, o indivíduo com a falsa ideia de perpetuar seus primeiros ganhos, os que muitas vezes são permitidos e estimulados por esses sistemas de apostas, e a busca por mais, acaba por convencer-se com a ideia errada de que, se prolongar sua permanência em tais aplicativos ou locais que possuem instrumentos de apostas, conseguirão mais ou, pelo menos, recuperar o dinheiro perdido.
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Isso também pode ser explicado de forma neurológica, visto que, em sua maioria, seja em ambientes físicos e virtuais, esses sistemas de apostas utilizam de estímulos cerebrais como músicas, atividades, imagens, entre outros, que manterão a pessoa cada vez mais fixada naquela atividade, fazendo com que a mesma perca não só o dinheiro, mas parte de seu tempo ali. Assim sendo, outras atividades da vida desses indivíduos começam a serem afetadas e é assim que o impacto do vício começa a ser sentido por quem o vive. É importante ressaltar que o vício, em sua maioria, é gerado por algum desequilíbrio vivido pela pessoa e não identificado, muito menos, tratado por ela, seja ele emocional ou financeiro, o que acarreta e contribui para que essa falsa compensação financeira e ideia de realização, prenda cada vez mais o indivíduo nisso. No geral, esses aplicativos e ambientes de apostas, colocam essa atividade como uma “mera” tentativa, ou algo banal, mascarando o grande problema que eles têm gerado na vida de muitos indivíduos e famílias.
Afim de buscar se desprender do vício, Moisés, Santa Fé, Arthur e Beatriz definem sua fase final no “mundo dos jogos”, como em uma palavra.
Moisés, diz que continua, tendo em vista o baixo risco financeiro que impõe nos caça-níqueis. Perseverança.
Santa Fé diz que saiu dos jogos de azar por observar que mais perdia do que ganhava. Consciência.
Arthur relata que não conseguia, por muitas vezes, pagar contas. As apostas estavam complicando sua vida financeira. Complicações.
Beatriz descreve que perdeu tempo com família e amigos, além de citar a perda de dinheiro.
Patrícia Pilan ressalta o fato de os indivíduos não conseguiram reconhecer que tais atividades são danosas até que elas comecem a gerar impactos nocivos que, em sua maioria, são no âmbito financeiro. É necessário alertar que o primeiro passo para o tratamento do vício é que o indivíduo reconheça que há um problema e que o discurso “eu paro quando quiser”, não é a realidade vivida pelo mesmo, visto que a intensidade do acesso aos aplicativos e ambientes de apostas aumenta de forma gradativa e rápida. Ademais, quando os assuntos são apostas online, os aplicativos seja através de aumento das promessas de ganhos e, alertas enviados aos usuários com falsos créditos para as apostas.
Uma vez que esse problema passa a ser enfrentado pela pessoa, cabe ressaltar que ele jamais será vencido de forma solitária e não passará de um dia para o outro, discurso esse muito utilizado pelos que vivenciam tais problemas. Se não buscar a ajuda de um profissional competente, a chance dele voltar para o vício é significativa.
O vício entra como uma forma de compensação e, na primeira dificuldade vivida pelo indivíduo, qualquer que seja ela, a tendência do mesmo a buscar aquela fonte de “prazer” novamente é altíssima, fazendo com que ele volte para os mesmos problemas vividos anteriormente. Com o auxílio de um profissional, a pessoa será devidamente instruída e capacitada lidar com todos os gatilhos que a fizeram e fazem buscar por esses programas de apostas e, assim, possa eliminar os mesmos e a pessoa volte a ter uma vida saudável e equilibrada.
A saúde mental é algo que passou a ter maior valorização e tratamento especial nos últimos anos, envolvendo maior procura de especialistas na área, juntamente com a busca por conhecimento e compreensão de transtornos. Com isso, causas relacionadas ao assunto foram escancaradas com a crescente do interesse popular.
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), a definição de saúde mental se concentra em ser um estado de bem-estar no qual o indivíduo realiza suas próprias habilidades, é capaz de lidar com o estresse normal da vida, pode trabalhar de forma produtiva e frutífera e é capaz de fazer uma contribuição para a sua comunidade. A partir disso, se têm os transtornos mentais, algo que é entrelaçado com a saúde mental, porém se trata de um aspecto “distinto” do ser-humano; são condições clínicas diagnosticadas que afetam o funcionamento psicológico, emocional e comportamental de uma pessoa. Alguns exemplos incluem depressão, ansiedade, esquizofrenia, transtorno bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo, entre outros. Esses diagnósticos são caracterizados por sintomas específicos que podem causar sofrimento, disfunção e impactar negativamente a qualidade de vida de um indivíduo, geralmente requerendo intervenção médica.
Desde o surgimento da última pandemia de Covid-19, no Brasil, houve uma maior tendência de busca por saúde mental e o que a abrange. Segundo pesquisa realizada com dados provenientes da plataforma “Psicologia Viva”, entre junho de 2020 até o mesmo mês em 2021, foram feitos aproximadamente 925 mil agendamentos de consultas psicológicas, sendo que, dentre esses atendimentos o tema mais abordado foi o de ansiedade, com índice de procura acima de 20%. Além disso, também foram objeto de acompanhamento a depressão, com 6,5%; desenvolvimento pessoal (4,93%); psicologia clínica (3,27%) e finalmente, saúde mental de uma maneira geral fecha o ranking dos 5 tópicos mais buscados entre todas as idades.
Mesmo com a evidente valorização de temas relacionados ao bem-estar mental, ainda há um tabu quanto a esse assunto, e uma “omissão” por parte de chefes de estado e sociedade. Isso se dá devido ao tratamento para buscar compreender o funcionamento da mente humana, e o que a engloba além dos prós e contras que existem no processo. Um desses fatores que abrangem essa omissão, é o fator preconceito, que encara transtornos mentais, por exemplo, como algo “bobo”, ou até mesmo de “insano”, e que merece tratamento manicomial, um jeito de conduzir situações que se tornou ultrapassado. Uma alternativa no tratamento de situações como a de transtornos, é a realocação de indivíduos com diagnósticos do gênero que passaram a morar em ambientes onde a pessoa é tratada de forma mais humanizada, em que se busca compreender o lado emocional e as vontades do paciente. Esse ambiente é o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), órgão erguido pelo governo brasileiro que tem como objetivo substituir hospitais psiquiátricos - antes manicômios e hospícios - e vem sucedendo na missão, algo que era previsto desde a reforma psiquiátrica no Brasil, realizada no fim da década de 80.
Mayara Maria Bermonte Rocha, 24, acompanhante comunitária em residências assistidas em São Paulo, relata satisfação com todo trabalho imposto pelo governo e CAPS: “As questões de medicamento, auxílio, tratamento com moradores e PTS’s (Projeto Terapêutico Singular) são muito satisfatórias e positivas”. Ao ser questionada sobre eventuais melhorias que podem ser praticadas na área, Rocha, natural de São Paulo menciona: “Seria necessário um maior número de empregados nesse setor, muitas vezes ocorrem imprevistos que impossibilitam a pessoa de vir trabalhar, férias e outros fatores, e esse serviço muitas vezes exige um maior acompanhamento. Também é preciso uma maior seleção por parte do governo ao escolher pacientes para serem acompanhados em residências como a que eu trabalho, pois alguns deles não tem condições de residir nesse local, são casos diferentes que requerem outro tipo de local assistido para essas pessoas”.
No Brasil, os direitos humanos das pessoas com transtornos mentais são protegidos pela Lei da Reforma Psiquiátrica, divulgada em 2001 e expressa como Lei nº10.261. O estatuto prevê um avanço significativo na proteção dos direitos humanos das pessoas com tais diagnósticos, e regula uma nova norma de tratamento à época; “Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental”.
Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de Jornalismo da PUC-SP.
“Eu nunca fui assaltado no Capão Redondo, em quase 20 anos. A lama e o tomar tiro que eles diziam, sempre foi por parte dos fascistas”. Ivo Vilela (60), hoje dono de um laboratório ótico, conta a perspectiva de alguém que sobreviveu na periferia por 18 anos como um trabalhador sem a arte como válvula de escape.
Em Novembro de 2022 estreou a produção da Netflix “Racionais: Das ruas de São Paulo para o mundo”,
que conta a historia dos 30 anos do grupo de rap Racionais MC’s. No documentário, os integrantes
relembram a vida difícil no Capão Redondo, na Zona Sul da capital. “O Capão não tinha nada para oferecer
nessa época. A não ser lama e tomar tiro”, disse Mano Brown.
Como exemplo, Ivo lembrou a história de ‘Macaquinho’, que era como um ‘Robbin Wood’, roubava do
rico e ajudava o pobre. Estava sempre nos bailes, tomando Whiskey e ouvindo Al Green. Depois, o
noticiário anunciou que o Macaquinho, ladrão de banco, foi executado pela polícia. “Ninguém tinha medo do macaquinho dançando blues no baile, todos temiam ir embora e encontrar a ROTA no caminho de casa. Eu
conheci um ex-policial da ROTA, ele mesmo dizia que eram treinados para matar. Paravam algum jovem
voltando de uma festa, entregavam uma arma na sua mão e falavam: ‘ Você tem uma chance, troca tiro com
a gente pra ver se escapa’. Mas não tinha chance nenhuma. E isso tudo saía no dia seguinte no jornal com outra narrativa.”
Em um momento do filme Mano Brown relata: “A gente pegava o ônibus e demorava uma hora e meia pra
chegar até o centro. Era uma viagem quase espiritual, mano. Você saía da condição de miséria pra ir pra
onde todas as luzes tão acesas.” Ivo, que sempre trabalhou no centro de São Paulo, acrescenta: “É natural, você sentia que estava em outro mundo. Ele era músico e eu era um trabalhador mas nós sentíamos a mesma pobreza. Mas a galeria do rock era ponto de música, quem curtia era músico.”
Seus momentos de lazer não eram no centro, mas de volta à periferia, jogando futebol. “Eu não tinha
ambição nenhuma naquela época, meu prazer era ir pra várzea de final de semana jogar bola.” Explica que o dono de uma granja recrutava os melhores jogadores da periferia e realizavam torneios entre os bairros. Era
tudo pelo conforto que ele oferecia, algumas laranjas, o transporte, a chuteira que era providenciada.
Em conversa filmada para o documentário, o grupo dizia que não sabia de onde veio a consciência política
para compor suas letras. “Eles simplesmente cantavam o que eles viam, e eles viam o que eu tô te narrando
aqui”, acrescentou Ivo. A sua própria ideologia veio apesar do Capão, a cultura da periferia na época não era
estruturada, não era ainda formadora de opinião entre os jovens. O primeiro contato com seus ideais sociais
foi o movimento das Diretas Já, mas a maior influência é a Democracia Corinthiana. “Eles tinham poder de
voto, coisa que eu com 20 e poucos anos não conhecia como cidadão ainda”.
“Ninguém convivia muito com musica, o rap ainda não era acessível para a minha geração, e quase ninguém
tinha esse senso de revolução dos Racionais”. Na verdade, Ivo, que presenciou a mesma realidade que os
Racionais MC’s não consumia sua arte. “Eles viveram na mesma época que eu vivi, a vida deles era a minha.
Eu escuto e logo penso: A história do Guina deles, é o Macaquinho que eu conheci, em cada canto do Capão
tinha um. Mas quando o sucesso deles veio, eu já era adulto, e eles estavam cantando para a nova geração. É
a partir desses jovens que as coisas foram mudando.”
Segundo o Ministério da Saúde, na última década houve um aumento na proporção total de fumantes na faixa etária de 13 a 17 anos (6,6% em 2015 para 6,8% em 2019).
Um dos causadores desse aumento no consumo de produtos a base de nicotina ocorre por conta dos cigarros eletrônicos e dos Narguilés, que por terem um gosto mais agradável, acabam levando os jovens a experimentar e gostarem, o que faz com que consumam outros produtos de nicotina, como o tabaco orgânico e o cigarro tradicional.
Todos os produtos a base de nicotina que utilizam a fumaça como forma de entrada no corpo causam a morte e problemas de saúde, como o câncer de pulmão, boca, laringe, esôfago, estômago, pâncreas entre outros, além de doenças respiratórias obstrutivas como a bronquite crônica e o enfisema pulmonar.





A Síndrome de Tourette é um distúrbio neuropsiquiátrico que foi descoberto em 1825 pelo médico francês Jean Marie Itard, depois do acompanhamento de uma jovem que manifestava tiques vocais e físicos desde a infância.
Dentre os sinais que sugerem o diagnóstico da síndrome estão piscar de olhos com frequência, caretas, encolher os ombros e até mesmo xingamentos compulsivos e atitudes mais violentas, como bater no próprio peito, rosto ou quebrar coisas em sua volta. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a síndrome de Tourette é considerada rara e atinge cerca de 1% da população.
O mestre em neurologia pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e neurologista infantil do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, Lucas Alves, comenta sobre as causas que levam a síndrome. “As causas da Tourette não são 100% conhecidas, mas pesquisas recentes sugerem a existência de componentes genéticos, doenças psiquiátricas, transtorno do espectro autista (TEA) e anomalias em neurotransmissores cerebrais como os principais fatores para o desenvolvimento da Tourette”, explica Alves.
De acordo com o neurologista, os primeiros sintomas são perceptíveis antes da fase adulta, tipicamente entre os 4 e 6 anos, com picos maiores na adolescência. Para que a síndrome seja diagnosticada, os médicos consideram a escala de tiques dividida em 3 categorias pelo Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5th edition (DSM-5).
“Os pacientes apresentam tiques motores e orais, não é obrigatório ter os dois ao mesmo tempo, mas para receber o diagnóstico é preciso que os movimentos involuntários estejam se manifestando em um período acima de um ano”, diz o especialista. Após o diagnóstico clínico, os pacientes são encaminhados para o acompanhamento psicológico, onde possíveis fatores emocionais que estejam influenciando na aparição das crises serão identificados e compreendidos.
Outra maneira de tratamento é o uso de medicamentos controlados que regulam a serotonina e a dopamina, dois neurotransmissores que desempenham diversas funções no corpo, colaborando para que todo o organismo funcione adequadamente.
É importante ressaltar que a manifestação desses tiques é involuntária, fugindo do controle de quem convive com a síndrome em seu dia a dia. Segundo o Manual para Profissionais de Saúde, os tiques podem diminuir quando os pacientes estão envolvidos em tarefas, o que leva muitas pessoas com a síndrome a buscar atividades que gostem muito como forma de escape e alívio.
No Brasil, o dia 7 de junho é marcado no calendário como uma forma de conscientizar a população acerca da existência da síndrome.
"É tudo muito difícil"
Para Juliana Portugal, influencer digital com mais de 68 mil seguidores no Instagram e mais de 300 mil no Tik Tok, esse refúgio é a dança. Diagnosticada com a síndrome de Tourette aos 15 anos de idade, ela conta que pela falta de contato com neurologista, recebeu o diagnóstico através de seu psiquiatra, de maneira rápida, já que seus sintomas são bastante perceptíveis. “A minha vida mudou em um nível absurdo. Eu era jogadora de vôlei, era jogadora de futebol e tudo mudou. Eu não consigo segurar um copo de vidro direito, um garfo, uma faca”, relata a influencer.

Ainda assim, Portugal afirma que ter acesso a um convênio de saúde com atendimentos particulares foi um grande facilitador, sobretudo pela falta de assistência do sistema público de saúde. “Para síndromes como essa você não pode procurar qualquer profissional. Você tem que procurar um profissional especialista naquilo ou que já trabalhou com aquilo”, comenta a jovem.
A mãe de Juliana explica que a influencer chegou a tomar medicamentos para controle dos tiques. E apesar da medicação, outros problemas passaram a se manifestar. Isso porque, além da Síndrome de Tourette, Juliana também convive com os desafios do Distúrbio Neurológico Funcional (DNF), que pode provocar desmaios e até convulsões.
Capacitismo, exclusão e violência
Bullying na escola, ser expulsa de lojas e de banheiros públicos são alguns exemplos das situações preconceituosas e capacitistas as quais Juliana Portugal foi submetida desde as primeiras manifestações da síndrome. “Já aconteceu de gente me xingar, mostrar o dedo do meio pra mim", relata com indignação. Além disso, ela também conta que na escola, os outros alunos colocavam o pé em sua frente e a empurravam para que caísse. Depois, pediam perdão de maneira irônica e diziam que também tinham tique.
As barreiras não vinham apenas dos colegas de sala, mas também do próprio método de ensino e da pouca experiência dos professores com alunos com a síndrome. Portugal conta que os educadores a ajudavam com as provas, mas que não tinham preparação para lidar com os seus tiques. “Eles chamavam muita a minha atenção porque eles achavam que eu quem queria chamar a atenção dos outros alunos pra conseguir amigo”, diz a influenciar. Os professores também não deixavam que ela saísse de sala para se acalmar ou aliviar a ansiedade e o estresse que poderiam piorar as suas crises.
Além das dores e preconceitos, a exclusão também foi um desafio durante muito tempo na vida de Juliana, o que começou a mudar após conhecer pessoas que a compreendessem verdadeiramente. “Amigos na escola eu não tinha, até o momento que eu fui internada. Quando eu fui internada, eu consegui fazer amigos que me entendiam por que eu os entendia também”, conta a jovem, que já foi internada 8 vezes em um período de 3 anos.
“Quando eu tentava fazer amizade, as pessoas achavam que eu estava zuando com a cara delas, fazendo brincadeira. Mesmo que eu falasse que tenho a síndrome de tourette, diziam que eu estava inventando para arrumar alguma desculpa”, completa.
A influencer também falou sobre o impacto da síndrome em seus relacionamentos. “Sempre foi muito difícil porque eu tinha desmaio, tinha conversão (reação física ao estresse) e era muito tique. Atrapalha mesmo, mas eu nunca me deixei abalar, nunca pensei que não fosse arranjar ninguém na vida porque tenho Tourette. Eu vou arranjar a pessoa certa no momento certo”, garante. “É importante para pessoas que querem ter uma relação amorosa e tem certas síndromes que aceitem a si mesmo primeiro. Eu só consegui lidar com esse negócio de amor e amizade quando eu me aceitei”, afirmou.
"Ninguém vai me parar"

Estudiosa, inteligente e esforçada, Juliana conta que aprendeu línguas nórdicas da Escandinávia sozinha. “Quando eu quero alguma coisa, eu sou capaz de fazer tudo. Nem a Tourette, nem a DNF, nem ninguém vai me parar”, ressalta.
A mãe de Juliana conta que após a mudança de escola, muitas coisas melhoraram, já que agora em sua escola atual os professores têm procedimento para atender alunos com Tourette. Ainda assim, para ela, estudar sozinha com videoaulas ou leituras individuais é muito mais confortável. No entanto, Juliana precisou trancar a matrícula para passar por mais uma internação.
Tourette e a mídia
Artistas como a cantora Billie Eilish, o ex participante do Big Brother Brasil e lutador Cara de Sapato e o cantor Lewis Capaldi também têm a síndrome - e não fazem mais questão de a esconder da mídia ou do resto do mundo. Para Juliana, isso é muito importante.
“A pessoa não se expõe, ela simplesmente se abre. Quando você fala de uma deficiência que você tem, você não está se expondo, você está se abrindo e é muito bom isso pra você (...) Isso alivia a gente”, conta a influencer.
“A Billie Elish fala em uma entrevista que ela tinha vergonha e que as pessoas riam do Tourette dela e você vê hoje ela no show rindo dos tiques. Ela mudou muito por causa da internet, então sim a internet é importante para quem tem Tourette e outras doenças”, comenta. A jovem destaca, no entanto, o lado negativo das redes sociais, relembrando que excluiu diversos vídeos pela quantidade de ataques que recebia. Hoje, ela garante que não se deixa abalar pelos comentários ruins – que não são mais a maioria.
Nas suas redes, Juliana Portugal compartilha vídeos de danças, maquiagens e relatos das situações que passa em seu dia a dia, sem romantizar seu cotidiano, mas sempre de maneira muito aberta, sincera e humanizada.
