Os efeitos que o TCC causa nos universitários expõem a fragilidade do cuidado com o psicológico diante da pressão no encerramento da graduação
por
Olivia Ferreira
Sofia Morelli
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18/11/2025 - 12h

 

A fase final da faculdade é uma época de ansiedades e pressões que vêm tanto do ambiente acadêmico quanto social e, o Trabalho de Conclusão de Curso, o famoso TCC, é visto por muitos como o grande desafio da vida universitária. Ele representa o encerramento de um ciclo, a consolidação de anos de estudo e o primeiro grande passo em direção ao mercado de trabalho. Mas, por trás das apresentações de sucesso e das bancas avaliadoras, há um lado pouco falado: o impacto que o processo de criação do TCC tem sobre a saúde mental dos estudantes.

 

Mulher mentalmente esgotada diante livros de estudo
Foto: Vestibular Brasil Escola UOL 

 

Ao longo do processo do trabalho é comum os graduandos se concentrarem totalmente nesse projeto, deixando para segundo plano sua saúde mental e até mesmo a saúde física. Além do encerramento da fase universitária, estudantes lidam com o início da vida profissional, causando ainda mais estresse durante esse período e diversos problemas graves de saúde que atingem diretamente o bem-estar do profissional, como o conhecido “burnout” e crises de ansiedade e pânico. Uma pesquisa feita pela Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) revelou que quanto maior a percepção de relação com professores e colegas, conciliação dos estudos e do lazer, pressão das disciplinas, provas, trabalhos e conciliar o estágio profissional, maior o índice da Síndrome de Burnout em estudantes.

 

 

Causas principais 

Essa vivência dramática- a primeira experiência angustiante com grande peso emocional- muitas vezes ocasiona o “burnout”, um termo utilizado para designar um trauma de longa exposição gerado quando o corpo é continuamente informado de perigo. Esse problema derivado de uma alta carga de estresse e exaustão compromete sua capacidade de concentração e produtividade. Ele se manifesta por meio de sintomas emocionais que atravessam a psique, impactando o físico. Essa pressão transforma o processo de aprendizagem em um ciclo de sofrimento e desmotivação, o que evidencia a urgência de se discutir e promover práticas de cuidado e prevenção dentro do ambiente educacional.

Mapa mental sobre os sintomas do burnout
Foto: Infográfico/ Laura Urbano

As pressões externas e internas que acorrentam discentes- e que ocasionam diversos sentimentos maléficos tanto para o desempenho didático quanto para a saúde mental- reproduzem discursos de esgotamento marcados por cobranças, falta de tempo e medo do fracasso. Além disso, a carga de tarefas é intensa: aulas, estágio, trabalho, relatórios e reuniões com o orientador,  o que resulta em  um cotidiano sobrecarregado e sem espaço para descanso ou autocuidado.“É importante equilibrar essa época da vida com atividades relaxantes e que tirem o foco do trabalho e até mesmo do tema. Saiba até onde você consegue ir, você é limitado.” afirma o psicólogo Paulo Scholze. 

Praticar atividades físicas, buscar suporte emocional e fazer coisas que sejam prazerosas são maneiras que auxiliam para um processo mais leve. Segundo Scholze, o apoio emocional é o ponto chave para lidar de forma mais calma na criação do trabalho. Os orientadores devem  escutar o aluno, e caso isso não seja possível, deve-se procurar pessoas que já passaram por essa fase e que possam oferecer apoio.

Paulo Scholze conta sua experiência com o TCC, durante a pandemia. Apesar do prazer de dar espaço para “sua própria voz”, como o mesmo explica, de poder se descobrir como autor desta pesquisa e do trabalho final —“Me descobri um pouco nesse lugar de autoria”—, o psicólogo também sofreu com a angústia costumeira. Explica como as tensões se agravam conforme se aproximam do prazo de entrega. 

Para lidar com a pressão, cada estudante cria sua própria estratégia. Alguns se apoiam em grupos de amigos, outros buscam terapia, e há quem recorra ao café e à força de vontade. “É difícil falar sobre como pacientes em geral lidam com essa fase da vida, porque todos vivem de forma muito distante. Mas, posso afirmar que acho difícil que seja algo muito tranquilo, sempre tem uma dose de angústia.” diz o psicólogo. 

Uma forma de evitar o peso maciço de demandas como a do TCC, foi descrita pela escritora inglesa, Virgínia Woolf. A mesma dizia intercalar seus romances complexos e profundos com narrativas mais simples e mais facilmente prazerosas, “livros de férias”,  como uma forma de escape da pressão que sentia na escrita dos livros mais difíceis. 

Se pode trazer este conceito para perto do assunto do TCC, ideia desenvolvida por Paulo Scholze, que usou essa analogia para exemplificar uma orientação que ajuda a lidar com a complexidade do trabalho, usando os hobbies e outros interesses como um escape para os formandos.

 

Prevenção do estresse excessivo

Algumas orientações e indicações gerais de Scholze para levar o desenvolvimento do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de maneira mais equilibrada são:

  • Fazer com que não seja um esforço contínuo: pensar no projeto com calma e tentar um ritmo menos intenso;

  • Escolher um tema que lhe agrade para manter o interesse;

  • Encontrar uma voz: não precisa ser perfeito e se auto cobrar menos;

  • Ter alguém que te escute e auxilie nessa fase desafiadora; 

  • Encontrar paz;

  • Refletir sobre como o projeto é algo que irá se concluir, algo passageiro;

  • Fazer coisas que te interessam;

  • Falar de temas que instigam algo dentro de você.




 

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Os hormônios chamados bioidênticos têm sido usados no tratamento de sintomas da menopausa.
por
manuela schenk scussiato
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17/11/2025 - 12h

Por: Manuela Schenk

 

Maria Rosa é moradora de um bairro tranquilo em Belo Horizonte e tem 58 anos. Vivia dias que pareciam sempre nublados. A menopausa havia chegado silenciosa, mas dominando cada detalhe de sua rotina: noites interrompidas por ondas de calor, cansaço persistente e um humor tão instável quanto o clima da cidade. Professora aposentada, ela se viu pela primeira vez incapaz de organizar sua própria vida, como se o corpo tivesse assumido o comando sem pedir permissão.

Os meses seguintes foram marcados por idas e vindas a médicos, tentativas de adaptar a rotina e conversas demoradas com amigas que compartilhavam experiências semelhantes. Nada parecia surtir efeito, até que ouviu falar de uma abordagem que ganhava espaço em consultórios especializados: a terapia com hormônios bioidênticos. Curiosa e cansada de sentir que estava vivendo apenas no piloto automático, Maria decidiu buscar uma avaliação completa para entender se aquela alternativa poderia ser adequada para ela.

A equipe médica analisou seu histórico e, após uma explicação detalhada sobre os possíveis benefícios e limitações, apresentou a reposição hormonal bioidêntica como uma opção. Maria aceitou iniciar o tratamento, não como uma promessa de solução mágica, mas como a possibilidade de reencontrar a si mesma. Nos dias seguintes, seu ceticismo dividia espaço com uma esperança tímida, que ela mal ousava verbalizar.

As mudanças começaram de forma sutil. As noites tornaram-se menos turbulentas, os suores repentinos diminuíram e, com o sono mais estável, veio também uma energia que Maria acreditava ter perdido para sempre. Pequenas vitórias foram se acumulando: a disposição para caminhar pela manhã, o prazer em preparar o próprio café e até a vontade de retomar projetos que havia abandonado quando os sintomas apertavam.

Com o passar dos meses, a melhora deixou de ser apenas física, ela sentiu seu mundo voltando a ter cor. Amigos próximos notaram o brilho renovado no olhar, e Maria passou a falar abertamente sobre sua experiência, sempre destacando que cada mulher tem sua trajetória e que o acompanhamento profissional é indispensável. Para ela, a reposição hormonal bioidêntica representou mais do que um tratamento: foi a reconquista de uma vida que parecia ter escapado pelas frestas do tempo.

Hoje, Maria Rosa caminha pela praça do bairro com passos firmes, como quem recuperou não só o controle do próprio corpo, mas também o entusiasmo pelos dias que virão. Sua história é uma entre tantas que ilustram a complexidade da menopausa e a importância de abordar o tema com informação, cuidado e sensibilidade. E, enquanto observava o movimento ao redor, ela resumiu sua jornada com simplicidade dizendo que a menopausa tentou paralisá-la mas aos poucos ela aprendeu que existe sempre um caminho para voltar a florescer.

Com o tempo, Maria foi percebendo que a melhora não se refletia apenas no cotidiano, mas também em suas relações. Ela voltou a frequentar rodas de leitura, retomou encontros semanais com antigas colegas de profissão e até se animou a planejar pequenas viagens. “Parece que eu reencontrei minha própria companhia”, comentou certa vez, rindo com a naturalidade que havia deixado de sentir. O que antes era medo de enfrentar os dias transformou-se em vontade de ocupar novamente os espaços que sempre foram seus.

Seu marido, Antônio, também testemunhou essa transformação de perto. Ele lembra que, antes do tratamento, as noites eram marcadas por inquietação e cansaço, e as conversas acabavam ofuscadas pela exaustão. Agora, o casal redescobre uma rotina mais leve, com caminhadas ao entardecer e longas conversas na cozinha. Para ambos, a mudança de Maria representou não apenas um avanço individual, mas uma renovação de laços, mostrando como o bem-estar de uma mulher reverbera por toda a família.

Os hormônios desempenham papéis essenciais no equilíbrio do organismo, regulando funções como metabolismo, humor, sono e, quando falamos em reposição hormonal, especialmente para mulheres na menopausa, é comum surgirem dúvidas sobre a diferença entre hormônios tradicionais (sintéticos) e hormônios bioidênticos. Embora ambos tenham o objetivo de aliviar sintomas decorrentes da queda hormonal, eles se distinguem principalmente pela estrutura química e pela forma como o corpo os reconhece.

Os hormônios tradicionais, frequentemente chamados de sintéticos ou não bioidênticos, são produzidos em laboratório, mas não necessariamente possuem a mesma estrutura molecular dos hormônios humanos. Apesar de eficazes para muitas mulheres, podem apresentar respostas variáveis no organismo porque sua interação com os receptores hormonais nem sempre ocorre da mesma forma que com os hormônios naturais. Isso pode influenciar tanto os efeitos desejados quanto o perfil de efeitos colaterais.

Já os hormônios bioidênticos são formulados para terem estrutura molecular idêntica à dos hormônios produzidos naturalmente pelo corpo humano. Por esse motivo, o organismo costuma reconhecê-los e metabolizá-los de maneira mais semelhante aos hormônios endógenos. Essa similaridade é o principal argumento de profissionais e pacientes que relatam maior tolerabilidade e adaptação, embora a resposta possa variar de pessoa para pessoa.

A reposição hormonal feita com hormônios bioidênticos pode oferecer benefícios para mulheres na menopausa, como alívio de ondas de calor, melhora da qualidade do sono, redução da irritabilidade, maior lubrificação vaginal e, em alguns casos, melhora da vitalidade e do bem-estar geral. Algumas mulheres relatam que os bioidênticos promovem um equilíbrio mais suave, possivelmente por serem metabolizados de forma mais natural pelo organismo.

Além disso, especialistas ressaltam que os hormônios bioidênticos podem ser formulados de maneira personalizada, ajustando dosagens e combinações conforme as necessidades individuais de cada mulher, sempre com supervisão de profissionais qualificados. Essa possibilidade de personalização é um dos pontos que costumam atrair pacientes que buscam uma abordagem mais adaptada ao próprio corpo, embora continue sendo fundamental o acompanhamento regular, exames periódicos e avaliação cuidadosa dos resultados.

Apesar das vantagens relatadas, é importante lembrar que qualquer terapia hormonal exige acompanhamento médico, independentemente de ser feita com hormônios sintéticos ou bioidênticos. A combinação adequada de hormônios, a forma de administração e o monitoramento regular são fundamentais para garantir segurança e eficácia. Cada mulher possui necessidades individuais, e somente um profissional qualificado pode orientar a melhor abordagem para cada caso.


 

É importante saber até onde ela esbarra no limite da ética científica
por
Chloé Dana
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18/11/2025 - 12h

Por Chloé Dana

 

Em "A Condição Humana", Hannah Arendt analisa de que maneira a época moderna alterou a centralidade da experiência humana. No passado, a política era o ambiente onde as pessoas se reuniam para construir um mundo compartilhado, um espaço vibrante de debate, divergências e criação coletiva. Atualmente, ela afirma que a política se transformou na gestão da vida orgânica. O foco mudou para a preservação do corpo, aumentando sua longevidade e minimizando seu sofrimento. Assim, a vida pública foi substituída pela luta pela sobrevivência. É nesse cenário que a bioética surge como uma resposta aos desafios que reconfiguram a visão que a humanidade tem de si mesma. Ela facilita discussões sobre o começo e o término da vida, a qualidade da vivência humana, os limites éticos dos experimentos científicos e as implicações das decisões relacionadas ao corpo. Baseia-se em valores como autonomia, dignidade e justiça, tornando-se um guia essencial em um mundo em que a ciência pode interferir de maneira cada vez mais profunda na nossa essência.

A vastidão desse domínio reflete a complexidade da vida atual, envolvendo discussões sobre aborto, euthanasia, objeção de consciência, maternidade substitutiva, tecnologias reprodutivas, decisões médicas influenciadas por crenças religiosas, modificações genéticas e os efeitos ambientais sobre os organismos vivos. A bioética surge porque a ciência contemporânea ganhou a capacidade de editar genes, escolher embriões, manipular dados pessoais, prolongar vidas e transformar corpos. Questionar “até onde a ciência deve ir” é, na essência, perguntar como proteger a humanidade que reside por trás das inovações. É assegurar autonomia, privacidade, proteção dos vulneráveis e igualdade no acesso aos benefícios da biotecnologia. Contudo, essas questões não se restringem apenas à filosofia. Elas se materializam nos consultórios, onde ciência e vulnerabilidade humana se encontram diariamente.

É nesse contexto que a vivência do geneticista Elias Monteiro ilumina, com seu corpo e voz, aquilo que muitas vezes permanece no abstrato. Uma pessoa que carrega, sem alardear, a serena responsabilidade de lidar diariamente com escolhas complicadas. Seu dia inicia cedo, sempre com exames dispostos sobre a mesa, fragmentos de DNA organizados como se fossem pequenas cartas enviadas pelo corpo humano. Cada laudo gera indagações, cada sequência genética oferece uma nova possibilidade, cada variante pode alterar o rumo de uma vida.

Entre esses documentos, aparecem histórias concretas: famílias que buscam esclarecimentos após anos de dúvidas, casais que tentam planejar o futuro com menor temor, adultos que carregam desde a infância incertezas que nunca foram nomeadas. A rotina dele é composta por precisão técnica, mas também por gestos sensíveis. A genética, em suas mãos, não se restringe à análise molecular; se transforma também em tradução, convertendo a linguagem científica em algo que alguém possa utilizar para respirar melhor, entender mais e viver de forma mais plena.

E ao discutir os limites éticos na ciência, é perceptível uma leve alteração em sua perspectiva. Não se trata de medo; é clareza mental. Ele percebe que a tecnologia vigente tem o potencial de modificar estruturas que antes eram imutáveis: realizar edições genéticas, selecionar traços, alterar direções que vão além da vida de quem está na sua frente. Para ele, tal poder requer mais cautela do que entusiasmo. Interferir no DNA de um indivíduo afeta também o futuro de gerações que ainda estão por vir. Por essa razão, ele argumenta que todo progresso deve ser acompanhado por dignidade, autonomia e justiça, pilares fundamentais para que a ciência mantenha sua integridade moral.

A genética, em sua visão, representa um domínio onde a precisão se alia à sensibilidade. Não há imparcialidade diante de um diagnóstico que pode reconfigurar a vida de uma família inteira. Cada explicação, cada resultado e cada previsão traz um impacto emocional que um algoritmo não consegue prever. Para ele, sua função não se encerra ao descobrir uma mutação; é aí que realmente começa. E talvez seja isso que faz sua presença parecer a de alguém que transita entre dois mundos: a exatidão dos dados e a fragilidade humana, a rigidez do código e a empatia da experiência. Seguindo suas considerações, torna-se claro que a bioética não é um território isolado da vida cotidiana, mas uma demanda urgente que permeia cada exame, cada consulta e cada decisão. Pois enquanto a ciência evolui, a ética deve avançar simultaneamente, não como entrave, mas como salvaguarda.

A manipulação genética em humanos traz à tona esse desafio em sua forma mais intensa. Alterar o código que forma a identidade de um ser envolve riscos imprevisíveis e consequências que podem se estender por gerações. Há também a tentação de empregar essas tecnologias para fins não terapêuticos: melhorar a aparência, a capacidade cognitiva, a força física, aumentando desigualdades, criando distinções artificiais, convertendo diferenças em produtos. Portanto, estabelecer limites éticos e legais se mostra essencial para resguardar a dignidade humana e assegurar que o futuro não fique moldado apenas pelos anseios dos mais favorecidos.

Ao considerar todos esses aspectos, desde as inquietações filosóficas de Arendt até os dilemas éticos que a genética contemporânea propõe, torna-se claro que estamos em um ponto crucial da trajetória humana. Nunca tivemos tanta influência sobre a vida e nunca fomos tão responsáveis por decidir como utilizá-la. A ciência avança, rompendo barreiras que antes eram sagradas; a bioética tenta acompanhar esse movimento, lembrando que nenhuma descoberta é isenta de influência, e que qualquer intervenção na vida deve ser feita com cuidado, prudência e compaixão.

O debate acerca da edição genética transcende uma mera questão técnica. é uma reflexão sobre a humanidade que almejamos ser. É nossa responsabilidade, tanto como indivíduos quanto como coletividade, determinar se iremos criar um mundo impulsionado pela urgência de aprimorar a existência ou pela compreensão de sua preservação. Nesse contexto, a bioética aparece não como um obstáculo, mas sim como um guia: uma ferramenta para assegurar que, ao alterarmos elementos do código da vida, não negligenciamos a conservação daquilo que nos caracteriza como seres humanos.

 

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Com impacto semelhante ao da depressão, a dor persistente atinge 37% dos brasileiros acima de 50 anos.
por
Wanessa Celina
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17/11/2025 - 12h

Por Wanessa Celina

No Brasil, em 2023, o Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos (ELSI-Brasil)  apontou que 37% dos adultos com mais de 50 anos possuem dores crônicas. Além do desconforto físico elas afetam a saúde mental dos pacientes. Em março de 2025, uma pesquisa feita por Johns Hopkins Medicine revelou que, aproximadamente, 40% dos adultos com dor crônica manifestam sintomas clinicamente significativos de depressão e ansiedade.

Dores crônicas são definidas como aquelas que duram mais de três meses e que devem ser tratadas para sempre. Podem ser fibromialgia, dor lombar crônica, enxaqueca crônica, hipertensão, diabetes e outras outras doenças, explica o reumatologista da Secretaria de Saúde do Governo do Estado de São Paulo, José Eduardo Martinez. Segundo afirma, existe uma ligação direta entre dores crônicas e o estado emocional do paciente, sendo que um influência o outro. 

Do ponto de vista da neurofisiologia, a correlação é facilmente explicada. O cérebro humano percebe a dor após uma série de modificações nos nervos que caminham pelo sistema nervoso periférico – o que  transmite informações dos órgãos para o cérebro – , algumas das áreas cerebrais que precipitam a dor são, também, as que são ativadas nas questões emocionais, explica Martinez. 

Para tratamentos de dores crônicas, a associação entre os tratamentos com médicos e  fisioterapeutas em conjunto com um apoio psicológico, pode ter uma boa ação no quadro dos pacientes. Em outubro de 2023, foi sancionada a Lei nº 14.705/2023 que oferece a pacientes com fibromialgia, síndrome da fadiga crônica ou síndrome complexa de dor regional, um atendimento multidisciplinar – como fisioterapia, psicoterapias e medicina –  feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). 

Mesmo com esses outros apoios psicológicos, o impacto que a doença traz na relação social também afeta o paciente. Segundo José Martinez, uma das principais queixas dos pacientes que têm doenças que geram dor é não serem compreendidas como doentes. Muitas pessoas não percebem que estão convivendo com alguém que esteja sofrendo de dor crônica e o tratamento acaba por ser mais difícil para o paciente.

Isso é um caso de Giovana, que possui enxaqueca crônica. Com apenas 23 anos, ela gosta de sair e se divertir com os amigos, mas muitas vezes fica incapaz de sair de casa por causa das dores. Quando era adolescente suas dores começavam leves e aumentavam até ser uma dor insuportável, depois de adulta, as dores começaram a ser sempre as mesmas, começavam a doer muito forte de uma vez.  

Muitas vezes, quando ia sair com seus amigos e as dores começavam fortes, Giovana teve que desmarcar os encontros. “A dor que sinto é tão forte que só quero ficar deitada na cama, um dos fatores que me atrapalha muito é a iluminação, então lugares muito iluminados, com luzes piscantes acabam piorando minha dor”, relata a jovem. Muitas vezes, seus amigos achavam que ela só estava sendo “frescurenta” e ficavam chateados, assim, o seu tratamento começou a ficar solitário, não ia mais para as aulas, se isolava, e comparava com “pessoas mais saudáveis que eu”, declara.

O reconhecimento da enxaqueca crônica como uma doença pelos seus amigos seria fundamental para Giovana. “Muitas pessoas ainda dizem coisas do tipo "Eu faço várias coisas com dor de cabeça, trabalho com dor de cabeça, vou pra aula, é só tomar um remédio que passa", mas a enxaqueca é uma dor totalmente diferente, chega a ser insuportável”, diz. Giovana é uma entre as milhares de pessoas que entendem que tratar doenças não necessita só dos médicos e dos medicamentos, mas, também, de uma colaboração com toda a população.

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Mesmo após avanços na ciência, a saúde feminina continua sub-representada em pesquisas e consultas. O corpo das mulheres segue sendo tratado como exceção.
por
Helena Costa Haddad
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27/10/2025 - 12h

Por Helena Haddad

 

Apesar de representarem metade da população mundial, as mulheres continuam sub-representadas nas pesquisas médicas. A lacuna nos ensaios clínicos compromete a eficácia, a segurança e a equidade dos tratamentos disponíveis hoje. Segundo levantamento publicado na Nature Medicine (2024), menos de 35% dos estudos clínicos globais incluem dados diferenciados por sexo, e apenas 20% consideram como os medicamentos afetam homens e mulheres de forma distinta. Até 1993, o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH) proibia a participação de mulheres em idade fértil em ensaios clínicos, sob o argumento de proteger possíveis gestações. O resultado foi uma medicina construída sobre o corpo masculino como padrão universal: dosagens, efeitos colaterais e até sintomas de doenças graves, como o infarto, foram definidos a partir de corpos de homens jovens e brancos.

Durante décadas, o corpo feminino foi visto como instável, hormonal e difícil de estudar — uma percepção que moldou uma ciência que não representa as mulheres. Até hoje, muitos sintomas femininos são subestimados ou confundidos com causas psicológicas, explica a psiquiatra Maria Franco.

Casos recentes reforçam a urgência dessa discussão. Um exemplo é o medicamento Zolpidem, usado para insônia. Estudos mostraram que as mulheres metabolizam a substância mais lentamente, o que faz com que acordem ainda sob efeito sedativo — aumentando o risco de acidentes. A FDA já havia reduzido pela metade a dose recomendada para mulheres em 2013, e, em 2024, a Anvisa atualizou as bulas no Brasil após relatos de efeitos adversos graves, como sonambulismo e confusão mental.

Um estudo publicado na Biology of Sex Differences em 2024, analisou 86 medicamentos aprovados pela FDA: em 76 deles, as mulheres apresentaram maior concentração da substância no sangue, e em 96% dos casos isso estava associado a maior incidência de reações adversas — como náusea, tontura e arritmia. Em resumo, a maioria dos remédios vendidos hoje ainda é testada e dosada para corpos masculinos.

O corpo feminino possui diferenças de massa magra, gordura e metabolismo hepático. Essas variáveis interferem diretamente na absorção e eliminação de medicamentos, explica a psiquiatra.

A desigualdade de gênero também aparece no atendimento médico. Em 2024, um levantamento do Instituto Patrícia Galvão apontou que 61% das mulheres brasileiras afirmam não se sentirem ouvidas por profissionais de saúde. As queixas vão de dores crônicas desconsideradas a diagnósticos errados de doenças cardíacas, endometriose e lúpus. Casos como o de Lidiane Vieira Frazão, que morreu 22 dias após o parto durante a pandemia de Covid-19, sem atendimento adequado, ilustram o impacto disso. A família denunciou o hospital por violência obstétrica e negligência médica. 

O viés masculino na medicina é tão antigo quanto a própria ciência. A partir do século XIX, o corpo feminino passou a ser tratado como “anômalo” — sujeito a histerias, desequilíbrios hormonais e instabilidade emocional. Essa visão ainda ecoa em práticas clínicas e diagnósticos enviesados. A Organização Mundial da Saúde reconhece que o viés de gênero é uma das principais causas de erro de diagnóstico no mundo. Não basta incluir mais mulheres nos testes. É preciso mudar o olhar, considerar o ciclo hormonal, a gravidez e a menopausa, conclui a Dra. Franco.

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A saúde mental dos universitários tem sido um tema cada vez mais urgente nos debates atuais
por
Victória Toral
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26/09/2024 - 12h

 

A transição para a vida adulta, marcada pela entrada na universidade e a busca por independência financeira, é um período que desencadeia em muitos jovens uma crise psicológica. A pressão pela excelência e o não entendimento de que errar é humano estão criando jovens com transtornos mentais que se não diagnosticados e tratados de forma correta, geram adultos ansiosos, estressados e depressivos. 


O advogado João Victor de Oliveira Silva, atualmente especialista em Direito à Saúde e Direito dos Autistas e PCDs, compartilhou sua história contra a depressão, em entrevista à Agemt. 
Em 2017, após alcançar todas as metas que havia traçado para a faculdade, incluindo estágios, pesquisas e prêmios, o jovem se deparou com uma realidade inesperada: a infelicidade diante das conquistas. 


Após o diagnóstico do transtorno mental, João contou que interrompeu seus estudos e buscou tratamento psicológico e psiquiátrico.“Tive, além de apoio familiar e de amigos próximos, o apoio dos meus superiores no trabalho.”
Após um ano de tratamento, ele percebeu que seu maior desafio era o perfeccionismo em suas conquistas. “Mesmo quando eu atingia meus objetivos, se eu não tivesse feito como planejei, não comemorava, mas sim me criticava. Como quando passei na OAB, eu não tinha o material que queria para estudar, e passei mesmo assim, mas não fiquei satisfeito.” 


Essa busca incessante pela excelência, comum entre muitos jovens, pode levar a altos níveis de estresse e ansiedade.
No período de transição para a vida adulta, ocorrem grandes mudanças na vida: a entrada na universidade e a busca por independência, com a criação e o desenvolvimento profissional, entre outros fatores que influenciam a incidência de transtornos mentais.


A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a saúde mental como um estado de bem-estar que permite ao indivíduo usar suas habilidades, recuperar-se do estresse, ser produtivo e contribuir com a comunidade. 
Um estudo realizado pela organização, conhecido como World Mental Health Survey, revelou que 35% dos universitários de diversos países apresentam sintomas de ansiedade ou depressão.


O estudo conduzido pela psicóloga Giovanna Belei Miyazaki, especialista em análise comportamental de Rio Preto, mestre e doutora em Psicologia pela FAMERP, revela dados sobre a prevalência de transtornos como ansiedade e depressão entre os jovens universitários.


A pesquisa de Miyazaki embasa o estudo da OMS e analisa universitários desde o primeiro ano, de faculdades públicas e privadas de São José do Rio Preto. Segundo a especialista, por mais que estudantes de universidades privadas apresentassem níveis mais altos de ansiedade em comparação com os de instituições públicas, todos tinham ou estavam desenvolvendo algum tipo de transtorno mental, como estresse ou depressão.


No entanto, ela ressalta que a intervenção precoce pode fazer toda a diferença. "Nosso estudo mostrou que um programa de intervenção no início do curso pode melhorar significativamente o bem-estar mental dos estudantes e até mesmo prevenir o agravamento de problemas", afirma à Agemt.

 

um a cada três universitários tem problemas de saúde mental, segundo a OMS. Foto: Beatriz Toral.
Um a cada três universitários tem problemas de saúde mental, segundo a OMS. Foto: Beatriz Toral.


Como identificar os sinais de alerta?


João Victor contou ainda que durante o período pré tratamento, seu comportamento social mudou. O consumo de bebidas alcoólicas durante eventos sociais tornou-se mais frequente. Além também de utilizar o período de descanso para que pudesse trabalhar mais. 
A identificação precoce dos transtornos mentais é fundamental para um tratamento eficaz. Segundo a especialista Miyazaki, é importante estar atento para mudanças de comportamento, como perda de interesse em atividades antes prazerosas, isolamento social, alterações no sono e no apetite, e aumento do consumo de álcool ou outras drogas.


"Ansiedade, depressão e estresse são rótulos que damos para mudanças de comportamento", explica a psicóloga. 
Ela completa: "A ansiedade, por exemplo, se caracteriza por uma preocupação excessiva e sintomas físicos como taquicardia e sudorese. Já a depressão se manifesta pela perda de prazer nas atividades, tristeza profunda e falta de energia. E o estresse, é um transtorno complexo, porque ele envolve um estado de alerta, mas para coisas específicas".  


A importância do diagnóstico e tratamento


Durante o período de tratamento, João buscou escrever. Ele produziu o livro “Amarelo: Diálogo com a depressão”, que surgiu por meio destes textos, “Amarelo não é um livro sobre depressão e suicídio, mas um livro feito em depressão e pela ideia de suicídio. 
O advogado contou que seu foco não foi que o livro ficasse famoso, mas apenas expressar o que estava sentindo e se conhecer ainda mais.


É fundamental buscar ajuda profissional para um diagnóstico preciso e tratamento adequado. A psicóloga ressalta a importância de desmistificar os transtornos mentais e incentivar as pessoas a procurarem ajuda.
A saúde mental é tão importante quanto a saúde física e com o tratamento adequado, é possível superar os desafios e viver uma vida mais plena e feliz. 


Se você ou alguém próximo estiver precisando de ajuda é importante buscar por uma psicoterapia. O atendimento também pode ser feito pelo Sistema Único de Saúde, pelo Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), que encaminhará um psicólogo gratuito. Em momentos de crise, é possível também entrar em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV)  pelo telefone 188, disponível 24 horas por dia. 

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Medicamentos hipnóticos e indutores do sono se tornaram muito atrativos nos últimos tempos
por
Alice Di Biase
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24/09/2024 - 12h

Por Alice Di Biase

 

Após o "boa noite" de Renata e Bonner no Jornal Nacional, a televisão é desligada e Fernanda inicia seus preparos para dormir. Com muita calma, escova os dentes e passa seus cremes faciais. Ao entrar no quarto, seu marido já está na cama, cansada, se deita também. As luzes são apagadas, e ao fechar os olhos, sente seu coração acelerar. Os pequenos barulhos como estalo da geladeira, um cachorro latindo ou um carro passando na rua, parecem ensurdecedores em meio ao silêncio que a noite traz. E lá se vão horas esperando o adormecer, se revirando de um lado para o outro e quando finalmente consegue pegar no sono, é logo interrompido pelo ronco de seu marido ou um ruído vindo do apartamento de cima. 

Essa era a experiência de Fernanda Martins em relação ao sono, com 56 anos, é comum, como sintoma da menopausa, a dificuldade para dormir ou até mesmo a insônia. Um estudo com mais de 6 mil mulheres divulgado na revista científica Maturitas, revelou que 46,3% das mulheres com 45 anos ou mais (que passam ou já passaram pela menopausa) relatavam sono de má qualidade ou insônia, com queixas de acordar no meio da madrugada e não conseguir retomar o sono. Para dona Eunice, o sono também é uma dificuldade e um momento de tensão em sua rotina. Diz que a pior hora do dia para é a noite. Se pudesse, não dormia nunca, conta. Eunice está com 88 anos, e pela idade avançada não tem a mesma disposição que antes. Acompanhada de uma cuidadora, sua rotina consiste em leituras, conversas ao telefone e assistir televisão. Pela rotina pacata, não despende a quantidade de energia necessária para sentir cansaço ao fim do dia, então, passa horas a fio tentando adormecer e acorda por volta das 6 da manhã, reiniciando o ciclo.  

Essas duas mulheres têm algo em comum: além da dificuldade de dormir, ambas iniciaram um tratamento para insônia a base de indutores do sono. Fernanda utiliza o Hemitartarato de Zolpidem – mais conhecido como Zolpidem – há um ano e meio. O medicamento foi prescrito por seu ginecologista acompanhado da reposição hormonal para amenizar os sintomas de menopausa. 

O que é e como funciona o Zolpidem 

O Zolpidem é um remédio hipnótico indicado para tratar a insônia, de acordo com a bula, o objetivo é encurtar o tempo de indução ao sono e reduzir o número de despertares noturnos. Ele atua nos receptores GABA (ácido gama-aminobutírico) – neurotransmissor que atua como um mensageiro químico, responsável por reduzir a atividade do sistema nervoso central, que promove o relaxamento e sono.  Quando dormimos naturalmente, esse processo acontece aos poucos, o cérebro vai relaxando e se desconectando da realidade, até entrarmos no estado de sono. O Zolpidem faz isso, mas de maneira quase imediata. 

Hemitartarato de Zolpidem
Medicamento genérico - Hemitartarato de Zolpidem

 

Disponível no Brasil há mais de 30 anos no mercado brasileiro, a procura pelo medicamento cresceu abruptamente nos últimos anos. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2018, foram comercializadas 13,8 milhões de caixas de Zolpidem. Em 2020, primeiro ano da pandemia da Covid-19, foram 23,3 milhões. Após a pandemia os números diminuíram, porém continuaram altos, ultrapassando as 20 milhões de caixas em 2022. 

Para Gabriela dos Santos Salvador, psicóloga especializada em Terapia Cognitiva Comportamental (TCC) e foco em distúrbios do sono, a busca por indutores do sono retrata uma sociedade imediatista e cada vez mais agitada. Ela afirma que o aumento do consumo, especificamente, de Zolpidem pode ser atribuído à busca rápida por alívio dos sintomas, à facilidade de prescrição, que existia até agosto desse ano, além da percepção de que os medicamentos podem solucionar rapidamente o problema do sono. É possível pensar também que esse aumento reflete uma sociedade que, muitas vezes, não tem paciência ou acesso a tratamentos psicoterapêuticos que levam mais tempo, mas que são eficazes a longo prazo.

Gabriela dos Santos
Gabriela dos Santos Salvador

 

A percepção de Fernanda se relaciona ao apontamento da psicóloga que entende que o tratamento da insônia é amplo e envolve mudanças de hábitos, mas alimentação, atividade física, yoga e meditação são coisas que demandam tempo e dinheiro.

Dificuldade para adormecer

A insônia é uma doença multifatorial. Pode ser pontual ou crônica. Por isso mesmo, ela precisa ser tratada em sua causa para que o (a) paciente passe a dormir bem e tenha uma melhora geral da sua saúde. Os medicamentos, são um apoio para períodos determinados – e não a solução para o problema. De acordo com o Instituto do Sono de São Paulo, os brasileiros estão dormindo cerca de 1h30min a menos, do que em 1990: são só 6h30min por noite e mais de 70 milhões de brasileiros têm algum grau de insônia. 

A psicóloga do sono relaciona a dificuldade para dormir com o estilo de vida atual, que nos deixa mais ansiosos. Outra questão que observa em sua prática é o aumento dos casos de "ansiedade do sono", em que a preocupação excessiva com o ato de dormir torna-se uma barreira para o próprio sono, além das preocupações com o dia seguinte, trabalho, tarefas etc. Ainda destaca o isolamento social, trabalho remoto e mudanças nas rotinas do dia a dia também como fatores que têm interferido no ritmo circadiano de muitas pessoas. A somatória de diversos fatores como rotina estressante, isolamento social (realidade de muitos que realizam trabalho remoto) e o modelo de sociedade imediatista e ansioso, contribuem para o aumento da procura de “soluções rápidas”, não só de hipnóticos e ansiolíticos, mas também de medicamentos isentos de qualquer prescrição como: melatonina e fitoterápicos.  

Quebrando o ciclo 

O aumento acelerado da procura por Zolpidem, com casos de automedicação, dependência química e o surgimento do comércio ilegal da droga foram alguns dos motivos pelos quais a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu ter mais controle sobre a prescrição e venda da substância, tornando-a um medicamento controlado (o famoso ‘tarja preta’) a partir em agosto deste ano. Assim, para ter acesso ao tratamento, os pacientes precisam apresentar uma receita azul. 

Essa mudança, além de restringir o acesso da população ao medicamento, como também demanda uma maior responsabilidade do médico em suas prescrições. E, também, estimula a procura por outras formas de tratar a insônia, como a Terapia Cognitiva Comportamental. A Terapia Cognitivo-Comportamental para Insônia (TCC-I) é reconhecida como uma das abordagens mais eficazes, para o tratamento da insônia crônica. Com o objetivo de identificar e modificar pensamentos e comportamentos que perpetuam a insônia, utilizando técnicas como psicoeducação, controle de estímulos, restrição do sono, reestruturação. 

Grabriela, especialista em TCC-I, vê a mudança como um sinal de que é possível tratar o sono com mais reponsabilidade. Ela observa as pessoas e os profissionais de saúde mais conscientes sobre os riscos quanto ao uso indiscriminado de medicamentos, principalmente o Zolpidem. Isso sugere um movimento para tratamentos não farmacológicos. Destaca as abordagens psicológicas, como primeiro recurso, principalmente a TCC- I, sem esquecer que a insônia deve ser tratada por equipe multiprofissional, sendo o uso de medicamentos cada vez mais criterioso, avaliando cada caso e como parte desse tratamento.   

 

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Um mergulho nas comunidades on-line que promovem a anorexia
por
Giovanna Takamatsu
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24/09/2024 - 12h

Por Giovanna Takamatsu

 

Eram quase 17h00min, quando a luz do pôr-do-sol  bateu diretamente nos cabelos da cor Borgonha de Ana que pareciam estar em chamas. Ela, uma menina alta, magra, estilosa, estava vestindo um suéter vermelho vivo. Ela se senta, e começa a comentar sobre assuntos do cotidiano: faculdade, clima, bienal do livro... e então, fala sobre uma experiência que chama atenção. Anorexia, ela confirma. Por causa de blogs pró-ana. Essa declaração veio de forma abrupta. Sem trepidação, ela admite que já havia passado pelas turbulências de um distúrbio alimentar. E, ainda mais, estimulada por uma comunidade on-line

Não é segredo – ou pelo menos, não deveria ser - que existem centenas de “associações” espalhadas pelas redes sociais, que discutem os mais diversos temas. Algumas totalmente ilegais, como as que fazem apologia ao nazismo. Outras nem tão ilegais, mas certamente, imorais. Então talvez não seja um choque saber que existem grupos dedicados somente a uma coisa: estimular o desenvolvimento de transtornos alimentares. O mais famoso deles é o pró-ana, uma máscara para o termo “pró-anorexia”, que, muitas vezes, vem acompanhado de sua irmã caçula a pró-mia, ou pró-bulimia. 

Tudo começou no Tumblr, uma rede social popular entre adolescentes que se declaravam “amantes da cultura alternativa”. Antes da mudança da regulamentação do aplicativo, em 2018, era possível explorar vários assuntos obscuros sem nenhuma censura. Automutilação, pornografia, consumo de drogas e transtornos alimentares eram tópicos que podiam ser facilmente consumidos pelos usuários, sem nenhum tipo de limitação, além de serem glorificados pelas comunidades. Ana se autointitulou como uma adolescente alternativa, que consumia conteúdos “cults”, como a banda Arctic Monkeys e a cantora Fiona Apple. Por causa disso, utilizava o Tumblr. Enquanto estava utilizando a rede social, algumas postagens da comunidade pró-ana começaram a aparecer em sua timeline: fotos de corpos esqueléticos, ou então posts que incentivam não comer. Talvez isso não seja algo atraente para todos nós, mas para Ana – e diversas outras pessoas, especialmente, adolescentes – é algo que começa a virar um alvo. A magreza extrema começa a ser algo desejado. 

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Exemplos de blogs pró-ana. Em sua biografia, o usuário coloca seu peso inicial (SW), peso atual (CW), peso desejado (GW) e peso objetivo final (UGW). Imagem: Reprodução/Tumblr/@fatphobiabusters
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Exemplos de blogs pró-ana. Traduzido livremente como “faminto por perfeição”, que possui duplo sentindo, estimulando usuários a desenvolverem magreza extrema. Imagem: Reprodução/Tumblr/@fatphobiabusters

Ao tentar entender o porquê do apelo por atingir um corpo esquelético, Ana explica que queria duas coisas. Ela sempre foi magra, mas queria mais; queria ser o que as fotos mostravam. E queria atenção. Queria ficar tão magra que seria necessário ser internada no hospital e tomar soro. Isso não é exclusivo de Ana. Em uma conversa com a psicóloga Teresa Müller, especialista em comportamento e transtornos alimentares, ela conta que meninas adolescentes são as mais atingidas pela anorexia. Quando paramos para pensar, estamos inseridos em uma sociedade gordofóbica. A grande mídia tem histórico de endeusar modelos extremamente magras. Nas redes sociais, quanto mais uma pessoa é magra, mais bonita e saudável ela é. Qualquer um que aparente ser “acima do peso” e foge do padrão já é taxado como feio e é lhe atribuído a diversos problemas de saúde. Essa pressão de possuir uma imagem bonita é fator importante – talvez não o principal, já que a anorexia é multicausal – para o desenvolvimento e manutenção desse transtorno. 

revista profana
A atriz Priscila Fantin na capa da revista Capricho, edição de julho de 2002. Retratada como uma pessoa fora do padrão de magreza. 

Além de desejar um corpo diferente do seu, Ana conta que também tinha problemas com a imagem que via no espelho. Mesmo tendo a plena consciência que era uma pessoa magra, ela se reconhecia como gorda e torta; se via maior do que realmente era em fotos e no espelho. E isso apenas estimulou ainda mais a busca por um corpo esquelético. A distorção corporal, ou dismorfia – o que estava acontecendo com Ana - segundo Müller, é comum no quadro de anorexia nervosa. A paciente anoréxica, na maioria das vezes, não consegue ver – ou simplesmente não quer ver – que está realmente magra, pelo medo de sair do quadro desse transtorno, ou então, da recuperação. 

 

A comunidade pró-ana

 

Ana resume em poucas palavras o que, efetivamente, acontecia dentro dessas organizações: tough love (traduzido livremente como amor duro), agressividade passiva, estímulos para não comer e bodychecks/thinspo (fotos que mostram o quão magra uma pessoa estava). Ana chama bastante atenção para a agressividade passiva. Os usuários do pró-ana competem entre si para ver quem é mais magro. Por isso, muitos deles colocam, em suas biografias, o seu peso atual. Muitas coisas dentro dessas comunidades se resumem a essa palavra: competição. E essa competição é a chave da manutenção da anorexia.

blog profana
Um blog pró-ana. Entre as postagens estão receitas para emagrecer, frases motivacionais e rotinas de exercícios. 

Teresa Müller explica que existe essa rivalidade no peso, mas também na quantidade de comida consumida por cada um. Por exemplo, se um usuário postar que sua dieta consiste em 3 maçãs por dia, outro usuário vê aquilo, e começa a ser sua prioridade ter uma dieta que seja apenas 2 maçãs por dia.

blog proana
A modelo Bella Hadid, figura polêmica por sua magreza, em seu Tumblr, realizando um “bodycheck”. 

A busca por um corpo perfeito talvez nunca saia de moda. Foi introduzido, socialmente, um modelo de corpo que todas as mulheres devem ter como alvo. Essas comunidades on-line somente estimulam a procura insalubre pela figura ideal.  Após várias reclamações, a rede social Tumblr retirou do ar vários conteúdos explícitos. Mas isso não matou a comunidade pró-ana; ao invés disso, ela migrou para outras redes, como TikTok e X (ex-twitter). Algumas mudanças foram feitas, para se encaixar nas regras dessas outras redes, como o seu nome – que passou a ser conhecido como edtt (eating disorder twitter ou twitter de transtorno alimentar) – e deixou de ser tão explícito, como era no Tumblr. E uma pergunta aparentemente retórica, extraída de um blog pró-ana, trazia a resposta: "mereço estar sozinha, solteira, mal amada e afins enquanto estiver gorda".  

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OMS alerta para nova cepa mais letal e a expansão de casos de Varíola na África
por
Gabriel Porphirio Brito
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27/08/2024 - 12h

 

Imagem colorida do vírus mpox (vermelho) em células infectadas (verde), capturada em um instituto de pesquisa nos Estados Unidos.
Imagem colorida do vírus Mpox (vermelho) em células infectadas (verde), capturada no Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos (NIAID). Créditos: NIAID

 

A Mpox, anteriormente conhecida como varíola dos macacos, voltou ao centro das atenções globais devido ao aumento de casos e à descoberta de uma nova variante do vírus em países da África Central. Segundo dados do Centro Africano de Controle e Prevenção de Doenças (CDC Africa), já são mais de 14 mil casos confirmados e mais de 500 mortes registradas neste ano, somente na República Democrática do Congo (RDC).

Diante desse cenário, no último dia 14, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu o nível mais alto de alerta, classificando o avanço do vírus como um caso de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional.

A doença, que já havia sido classificada dessa maneira em 2022, e depois controlada em 2023, reaparece de forma alarmante em 2024, já que o número de casos relacionados à nova variante vem crescendo cada vez mais.

Na última segunda-feira (19), a OMS emitiu uma lista de recomendações aos países que estão lidando com surtos de Mpox, especialmente República Democrática do Congo, Burundi, Quênia, Ruanda e Uganda. As recomendações são temporárias, mas essenciais.

Entre as ações recomendadas estão: fortalecer a vigilância epidemiológica, garantindo que mais pessoas tenham acesso a um diagnóstico completo e preciso, e melhorar a coordenação entre as divisões administrativas do governo e organizações humanitárias. 

A OMS também apontou a necessidade de países fronteiriços estabelecer acordos entre si para o melhor controle de casos confirmados nessas áreas. Além disso, enquanto necessário, os países precisam orientar viajantes, mas com cuidado para não aplicar restrições indevidas e inflexíveis ao comércio e à circulação de pessoas.

Em coletiva de imprensa realizada na terça-feira (20), Hans Kluge, diretor regional da OMS na Europa, disse que a medida tomada não se compara ao que foi a Covid-19, que também entrava nessa categoria de emergência até 2023. Segundo ele, “a ideia dessa classificação possibilita uma resposta coordenada em nível global”.

De acordo com o Ministério da Saúde, em regiões endêmicas, a taxa de mortalidade por Mpox varia entre 0% e 11%, enquanto em países não endêmicos, como o Brasil, é de apenas 0,022%.

O que é Mpox e a nova cepa?

A Mpox é uma zoonose viral, ou seja, pode ser transmitida entre pessoas e animais, causada pelo vírus monkeypox (MPXV), pertencente à mesma família do vírus da varíola humana, erradicada em 1980. 

O MPXV pode ser transmitido facilmente pelo contato direto com as lesões expostas do infectado. Fluídos corporais e objetos contaminados (como roupas de cama e toalhas) também podem ser veículos de transmissão. Além disso, em áreas onde a doença é prevalente, o contato com animais selvagens, por meio de arranhões e mordidas, pode ser uma fonte de infecção.

Seus sintomas iniciais incluem febre alta, dores musculares e fadiga intensa. Porém, os sinais mais evidentes são as lesões na pele que se transformam em manchas avermelhadas, bolhas e, por fim, crostas. Esses machucados podem desaparecer em algumas semanas, caso a doença seja leve, e após isso a pessoa não transmite mais a doença.

As lesões geralmente começam no rosto e se espalham para outras partes do corpo, incluindo mãos, pés e, em alguns casos, regiões genitais. O início dos sintomas se dá entre três a 16 dias depois do primeiro contato com o vírus, mas em alguns casos pode começar em até 21 dias.

A Mpox é causada por duas variantes principais: a primeira, chamada de Clado 1, é associada à África Central; já o Clado 2 é encontrado principalmente na África Ocidental. O surto global de 2022 foi causado pelo Clado 2, que tem uma taxa de mortalidade de cerca de 1%. Hoje essas duas versões foram controladas, sendo que todos os casos recentes de Mpox no Brasil são originados pelo Clado 2.

A atual preocupação está no que foi denominado “Clado 1b”, uma nova ramificação da Clado 1 que tem letalidade próxima a 10%, dez vezes maior que o Clado 2. Essa variante foi identificada pela primeira vez na República Democrática do Congo (RDC), e vem se espalhando para outros países da África Oriental, provocando surtos locais e aumentando o risco de disseminação para o mundo. Até hoje nenhum caso dessa nova cepa foi confirmado fora do continente africano, além da Suécia.

O diagnóstico da doença acontece por meio de testes e sequenciamentos genéticos realizados em laboratórios.

Prevenção e vacina

A prevenção da Mpox envolve uma combinação de práticas de higiene, cuidados com o contato direto e a vacinação direcionada. A OMS recomenda o isolamento de pacientes infectados, o uso de equipamentos de proteção individual por profissionais de saúde e a desinfecção de superfícies potencialmente contaminadas. 

Alguns grupos de pessoas têm maiores chances de apresentar sintomas mais graves, levando à morte. Recém-nascidos, crianças, pessoas com o sistema imunológico comprometido, como portadores do HIV, pacientes oncológicos ou pessoas com diabetes, fazem parte do grupo de risco. Profissionais de saúde também apresentam risco elevado devido à maior exposição ao vírus.

Em áreas com surtos, campanhas de informação são cruciais para educar a população sobre os modos de transmissão e os cuidados a serem tomados, como evitar contato próximo com pessoas que apresentem lesões cutâneas suspeitas.

Além disso, a vacinação para grupos específicos, como profissionais de saúde e contatos de pacientes confirmados, é considerada uma das ferramentas mais eficazes para prevenir surtos maiores. A vacinação em massa, no entanto, não é recomendada no momento, devido à disponibilidade limitada de doses e à necessidade de priorizar grupos de maior risco.

Atualmente, há três vacinas aprovadas mundialmente para a prevenção da Mpox: MVA-BN, LC16 e OrthopoxVac. Essas vacinas foram originalmente desenvolvidas para a varíola, mas, por conta do surto de 2022, estudos mostraram que também são eficazes contra o vírus MPXV. 

No entanto, segundo a OMS, por agora a produção dessas vacinas é limitada, e sua distribuição é direcionada principalmente a grupos prioritários, como profissionais de saúde e pessoas em contato direto com casos confirmados. 

No Brasil, o Ministério da Saúde negocia a compra emergencial de 25 mil doses para tentar conter possíveis surtos locais. Mesmo assim, desde o primeiro surto, uma vacina 100% nacional vem sendo produzida pelo Centro de Tecnologia de Vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sendo que devem iniciar a última etapa do desenvolvimento, a dos testes em humanos, no primeiro semestre do próximo ano.

A OMS destaca que, embora a vacinação seja uma ferramenta importante, ela deve ser complementada por outras medidas de prevenção, como monitoramento constante, testagem e campanhas de conscientização.

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A capital pode ser uma cidade hostil, mas tem solução
por
Rafael Luz Assis
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11/06/2024 - 12h

Os olhos já pesados do tempo estão cerrados enquanto verificam a entrada do portão da vila onde mora na zona sul de São Paulo. Maria José tem 84 anos e reside no mesmo local há 33 anos, a casa foi conquistada a duras penas através da Lei de Usucapião. O senhorio que recebia o aluguel ainda em 1990 faleceu e nenhum de seus filhos se interessou pelo imóvel, havia outros bens mais valiosos. A idosa que havia acabado de chegar à cidade vinda do Rio de Janeiro com seus então 7 filhos e uma neta ficou morando lá e nunca saiu.  

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Dona Maria é natural de Santa Rosa - Sergipe e mora em São Paulo a 33 anos. Foto arquivo pessoal/ Facebook

Hoje ela mora com apenas um filho nessa residência a muitos anos, 3 morreram, outros seis e sua neta já se casaram. Quando chegou em São Paulo foi só trabalho, eram muitas bocas e o emprego era escasso, mas conseguiu alimentar todos até que foram “cuidar de suas próprias vidas”.  

Dona Maria que era doméstica não registrada a vida inteira, conseguiu se aposentar em 2009 através da Lei Orgânica Da Assistência Social (LOAS), e como nunca chegou a contribuir para a previdência, recebe o equivalente a um salário-mínimo, hoje R$1.412,00. Não reclama do valor e se sente feliz por ter conseguido o benefício, “É pouco, só dá para o sustento e as vezes nem dá. Eu até pouco tempo tinha cartão de crédito e conseguia parcelar algumas coisas. Minha televisão nova foi comprada assim. Mas fui roubada no fim de 2022 e levaram meu cartão, aí tive que cancelar e os bancos não fazem outro para mim porque sou velha”, diz Maria quando perguntei se o valor era suficiente para viver. 

Os familiares escassearam as visitas com o tempo. Maria diz que antes até conseguia visitá-los e fazer passeios sozinha, mas agora tem muita dificuldade de andar de ônibus por causa da idade e pouco sai. Conta que quando aposentou, chegava a pegar dois ônibus até o Parque Estadual do Jaraguá (32km ou 3 horas de ônibus), sentava-se em um banco e conversava com alguém que se juntasse a ela, ficava umas duas horas lá e voltava, sempre sozinha. Agora só o médico que é sagrado, toda semana está cuidando da saúde. “Toda semana vou no posto. Como sou velha, toda semana tem um médico diferente. É do olho, do coração e da diabetes. Esses últimos tempos minha filha quando me visitou achou que eu estava triste e fez eu contar para o médico, agora tomo mais remédio que o psicólogo passa”. Ela fala que entende a distância dos filhos é compreensível, o difícil é olhá-la e perceber que essa é uma coisa em que Maria não está sendo sincera consigo mesmo. 

Do outro lado da cidade, na zona leste, visitei a Casa de Clara. Inaugurada em 1996 para contribuir com o processo de envelhecimento ativo e saudável de idosos, a instituição franciscana recebe idosos de toda a cidade para compartilhar os dias com diversas atividades. 

Encontrei Dona Ritinha, que é a frequentadora mais antiga do projeto. Ela tem 72 anos e a mais de 10 participa do projeto. Ritinha conta que mora sozinha e recebe também um salário-mínimo de aposentadoria, ela conta que aproveita algumas oficinas da Casa de Clara para aprender a fazer coisas que podem lhe render uma “grana extra”. Meus vizinhos me falam: Vai trabalhar. Eles nem sabem que aqui eu já aprendi tricô que faço para vender, sabão que faço para vender e até bijuteria que faço e eles compram. Eu me divirto e ainda ganho dinheiro.”

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Dona Ritinha que é a frequentadora mais antiga da Casa de Clara, diz que muita coisa melhorou, mas ainda tem muita coisa a fazer. Foto: Vitória da Silva

Segundo ela era mora com o filho, mas esse trabalha viajando e fica meses sem aparecer. Fica a maior parte do tempo sozinha: “eu moro com meu filho. Ele trabalha viajando lá para os lados de Minas. Bem dizer eu nem vejo ele. Mas tudo bem, ele tem a vida dele e me ajuda quando pode.”.  

Lá também conheci o Sr. Tadeu, mais conhecido entre os frequentadores como “o namorador”. O idoso que frequenta o local a aproximadamente um ano e conta como aquelas atividades mudaram sua forma de viver a velhice. “Eu trabalhei por muito tempo como dirigente do Corinthians, quando me aposentei, meus filhos já estavam tudo criado e tinha suas famílias. Então eu encontrava meus amigos no bar para jogar dominó. Era jogando dominó o dia todo. Quando recebi um convite e vim para cá, no primeiro dia conheci a Miriam, aí a gente se conheceu melhor e estamos namorando desde então. Aqui é legal, até aprendi teatro, nem sabia que podia fazer um teatro”. 

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Sr. Tadeu sentado ao centro e contando as aventuras de sua vida. Foto: Victória da Silva

Nossa terceira visita foi o Instituto Melhor Idade Estação Vida, no baile da terceira idade. Senhores e senhoras de toda a São Paulo vão aos sábados para a reunião regrada a muita dança e paqueração. Lá conversei com um casal que se conheceu 8 anos antes no próprio baile. Vou manter o sigilo dos nomes e a pedido deles que dizem ser donos de seus próprios narizes, mas que a família não gosta de saber que frequentam o local. 

O homem do casal diz que é viúvo e que os filhos não moram em São Paulo, recorreu ao baile pois desde sempre gostou de dançar e logo nas primeiras paqueras conheceu a moça. A mulher disse que é “casada”, mas que não tem nada com o marido a muito tempo e descobriu no baile que não estava morta: “Estou viva querido, e só comecei a perceber isso depois que envelheci e comecei a vir aqui”.

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Desde 1995 o Instituto Melhor Idade Estação Vida, reúne pessoas na melhor idade para um dia muita dança e socialização. Foto: Matheus Assis

 

O Brasil está crescendo, e sua população de idosos cresce ainda mais rápido. Diante de todos esses relatos, o que fica bastante evidente é que precisamos pensar e falar sobre qualidade de vida na terceira idade. Porque assim como disse nossa entrevistada, eles estão  vivos e tem necessidades próprias de público. A solidão na terceira idade também é preocupante, aqui o interesse não é dar uma solução e sim propor um diálogo: Será que estamos pensando uma cidade para a nossa população mais longeva? 

 

Esta matéria foi produzida como parte integrante das Atividades Extensionistas do curso de Jornalismo da PUC-SP. 

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