A discussão sobre o fim da obrigatoriedade das autoescolas para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) voltou à pauta em Brasília com reunião na terça-feira (2) com o secretário nacional de trânsito, Adrualdo Catão, apresentando a proposta do Ministério dos Transportes em audiência pública na Comissão de Viação e Transportes. De um lado, o Ministério dos Transportes estuda uma proposta administrativa que prevê a possibilidade dos candidatos se prepararem de forma independente ou com instrutores autônomos credenciados. De outro, na Câmara dos Deputados, tramita desde 2020 o Projeto de Lei 4.474, de autoria do deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP), que propõe mudanças semelhantes no Código de Trânsito Brasileiro. Apesar do avanço das conversas, nenhuma alteração está em vigor. No caso da proposta do Executivo, a minuta ainda não foi publicada e será debatida internamente pela Secretaria Nacional de Trânsito (SENATRAN) antes de uma eventual consulta pública.

O argumento central, tanto no governo quanto entre parlamentares defensores da mudança, é o de reduzir os custos para quem busca a habilitação. Estimativas trazidas pela SENATRAN apontam para uma queda de até 80% no valor final da CNH, hoje considerado proibitivo para parte da população. O modelo em estudo prevê a possibilidade de estudo teórico individual, material didático gratuito disponibilizado pelos órgãos de trânsito e aulas práticas com instrutores independentes credenciados. Atualmente, a legislação exige 45 horas de curso teórico e 20 horas de prática em Centros de Formação de Condutores (CFC). Há ainda exigência de taxas e três exames: aptidão física e mental, teórico-técnico e prova prática veicular.
Luiz Fonseca, instrutor de pilotagem há mais de 30 anos, especialista em trânsito e direção defensiva, enfatiza a importância das autoescolas e seus instrutores, principalmente na preparação de condutores para a prova teórica. “Não podemos simplesmente deixar que as pessoas façam o exame, o formador é parte muito importante pelo seu tempo de experiência, com ele o condutor tem a chance de questionar e perceber situações de consciência e mentalidade de como trabalhar com o veículo”.

Durante a audiência pública, Adrualdo Catão menciona o aprimoramento dos exames teórico e prático, não os tornando mais difíceis ou fáceis, mas tornando-os mais próximos do que é necessário para um modelo de segurança viária funcional. “Não é o suficiente, a prova não torna o candidato habilidoso, ela checa se ele está pronto ou não, só o exame é muito pouco”, frisou o especialista Luiz Fonseca.
Outro ponto destacado pelo representante do Ministério dos Transportes, é a possibilidade de escolha quanto à modalidade do curso teórico, que poderá ser realizado em formato EaD, de maneira síncrona ou assíncrona, tanto pela plataforma da SENATRAN, quanto em uma autoescola ou Escola Pública de Trânsito (EPT). Concluída essa etapa, o candidato deverá comparecer ao Detran para a coleta de biometria e o pagamento das taxas obrigatórias, procedimentos sintônicos ao modelo atual. Em seguida, o candidato realizará os exames médicos e a avaliação psicológica e, caso aprovado, o candidato prestará a prova teórica. A partir desse momento, o cidadão poderá optar pela carga horária destinada às aulas práticas, que variam de 0 a 20 horas, sob acompanhamento de um instrutor credenciado, seja autônomo ou vinculado a uma autoescola. Por fim, o processo se encerra com a prova prática de direção veicular.

Para o especialista Luiz Fonseca, há alternativas mais eficazes para reduzir o custo da CNH. Uma delas seria a criação do programa ‘Pró-Motorista’, nos moldes do ProUni (Programa Universidade para Todos). Outro levantamento feito por ele é a revisão das taxas cobradas de autoescolas e alunos, que, segundo ele, poderiam ser reduzidas para aliviar o alto custo. “O modelo ideal é a formação de condutores com mais conhecimento e informação. A legislação brasileira tem um ponto negativo onde não permite que o instrutor leve o aluno em uma grande avenida, como ele vai aprender? Ele vai ter que aprender sozinho”, finaliza.
“O problema é caso o projeto venha de uma vez, trazendo uma crise no mercado e uma formação para os condutores deficiente”, diz Natan Lopes, professor da Autoescola Pinheiros, segundo ele é importante a lei entrar em vigor com um processo progressivo. Caso o projeto de lei seja aprovado, segundo requerimento nº 4.129/2023 da FENAUTO (Federação Nacional das Autoescolas do Brasil) o impacto econômico seria negativo para milhares de profissionais do setor e muitas empresas do ramo enfrentariam desafios com a não obrigatoriedade das aulas.
Para o instrutor, a proposta traz dúvidas quanto a possíveis problemas no ensino dos condutores. ”A proposta que tira a obrigatoriedade da autoescola, simplesmente tira sua exigência. Não traz uma proposta eficiente para a ausência dela”, completa Natan. Ele também comentou a importância de resolverem a demanda das estruturas de tráfego e de outros meios de transporte, além dos automóveis.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o terceiro colocado no ranking em mais mortes por acidentes de trânsito, ao mesmo tempo é o quinto país mais caro para comprar e manter um automóvel, de acordo com levantamento da Scrap Car Comparison. Dados como estes aumentam o debate sobre a viabilidade do projeto de lei.

O alvorecer do dia começa a despontar no horizonte, e milhares de meninos e meninas acordam para assumir responsabilidades que deveriam ser exclusivas do mundo adulto. Nas cidades, oferecem balas nos semáforos; no campo, ajudam na colheita; em lares da periferia, cuidam dos irmãos menores. Esse dia a dia revela mais do que trabalho precoce, é a adultização forçada.
De acordo com relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 138 milhões de crianças se encontravam em situação de trabalho infantil em 2024. Dentre elas, 61% dos casos estavam no setor agrícola, e 54 milhões ocupavam cargos de perigo à integridade do menor.
No Brasil, os dados também são alarmantes. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) do IBGE, em 2023 havia 1,6 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos nessa situação. O número, embora menor do que há vinte anos, ainda apresenta uma dura realidade: 4,2% de toda uma geração que deveria estar apenas estudando, brincando e crescendo sem pressa. Entre eles, 586 mil enfrentam tarefas que colocam sua saúde em risco.
As desigualdades regionais dão forma ao problema. No Nordeste, 506 mil meninos e meninas ajudam a sustentar suas famílias, seja na roça, seja em atividades informais nas cidades. No Sudeste, os semáforos e camelódromos mostram outra face do mesmo drama. Já no Norte, quase 7% das crianças dessa faixa etária trabalham. A cor da pele também pesa, crianças pretas e pardas, que já são maioria entre os mais jovens, representam 65% de quem trabalha antes da hora.
A rotina é pesada. Mais de um quinto dos que estão no trabalho infantil enfrentam 40 horas ou mais de serviço por semana, jornada igual à de um adulto. Para os de 16 e 17 anos, quase um terço já vive essa realidade. A escola é um dos pontos mais afetados, enquanto quase todas as crianças brasileiras estão matriculadas, apenas 88% das que trabalham conseguem permanecer estudando. As outras veem a sala de aula ser substituída pelo balcão, pelo campo, pela rua.
O prejuízo não é só educacional, a infância roubada também deixa marcas emocionais. Muitos aprendem cedo a conviver com a preocupação da falta de comida, com o medo do desemprego dos pais ou com a responsabilidade de cuidar dos irmãos. A pressa em amadurecer elimina o espaço do lúdico, das brincadeiras que ensinam a sonhar.
Mesmo com a proibição legal para menores de 16 anos, com exceção aos aprendizes a partir de 14, a regra é constantemente rompida. Nas comunidades mais pobres, a urgência da sobrevivência transforma a contribuição das crianças em algo naturalizado, quase obrigatório. Assim, ser criança acaba parecendo um privilégio distante. Cada hora de trabalho antecipado é também uma hora a menos de estudo, de descanso, de prática esportiva, de futuro.
Responsabilidades no esporte
Esse cenário também afeta o desempenho esportivo de jovens atletas, que precisam tomar decisões e assumir responsabilidade muito cedo, sendo, em alguns casos, os principais provedores de fonte de renda das famílias.

Em entrevista a AGEMT, conhecemos Cristian Alves Oliveira, um dos atletas que viveu essa realidade. Hoje em São Paulo, o jovem de 18 anos é originário de Belford Roxo na Baixada Fluminense (RJ) e veio sozinho para a capital paulista por causa de uma oportunidade que surgiu no começo do ano de 2025.
Cristian chegou a São Paulo para ser o goleiro do Real Cubatense de São Bernardo dos Campos na Taça São Paulo, campeonato amador organizado pela Federação Alternativa de Desporto.
"Eu só ia disputar esse campeonato e voltar para o Rio, mas, ao decorrer dessa competição, outras oportunidades surgiram: morar aqui e defender o clube que estou hoje. Essa chance surgiu em um momento que eu estava pensado em parar de jogar bola. Então quando recebi essa oportunidade de poder vir para São Paulo e jogar, eu agarrei como se fosse a esperança do meu futuro." Destaca o atleta.
Presente desde sua infância, o futebol se tornou um objetivo na vida de Cristian quando tinha 15 anos. Em 2022, ele decidiu que queria viver disso, mas não conseguia focar totalmente no esporte, pois tinha que estudar e trabalhar. O goleiro lembra que arrumou seu primeiro emprego com 14 anos, em um Sacolão, para poder ajudar sua família.
"Comecei a trabalhar cedo para poder ajudar em casa e para ter minhas coisas. Eu tinha que dividir o tempo para treinar, trabalhar e estudar. Era uma rotina muito cansativa que eu tinha no Rio e, às vezes, tinha que sacrificar alguma dessas coisas porque atrapalhava um pouco no meu rendimento esportivo, mas eu não podia deixar de trabalhar e ajudar em casa."
Três anos depois, o atleta está se dedicando só ao futebol. Ele conta que a vida na capital paulista é muito diferente de Belford Roxo, porém ele segue atrás de seu objetivo porque a família depende dele. “É uma rotina muito cansativa, mas é a oportunidade que eu pedia a Deus e ele está me proporcionando. Cheguei em São Paulo em 4 de janeiro e vim sozinho, um grande desafio para mim. Conviver longe da família não é fácil, tem que saber lidar com as emoções, saudades etc., mas sempre tento manter contato com eles porque assim ameniza um pouco as saudades.”
A história de Cristian mostra um cenário recorrente em nosso país, pois, embora tenhamos diretrizes que regulam a prática esportiva de crianças e jovens como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei Geral do Esporte (Lei 14.597/2023), outros mecanismos sociais inviabilizam a prática esportiva plena.
Isso leva muitos, ainda novos, a abandonarem seus sonhos. Como exemplo, uma reportagem feita pela Folha de São Paulo em 2024 analisou a trajetória dos atletas que jogaram a Copa São Paulo de Futebol Junior, a copinha, em 2010. Segundo os dados obtidos, 36,9% dos atletas desistiram de tentar a carreira no esporte.
Esses dados em um dos campeonatos mais importantes de formação de futebolistas são preocupantes. Vale destacar que o futebol é o esporte mais popular no país, ou seja, os dados em outras modalidades, como as olímpicas, devem ser mais críticos.
O país até tem o programa Bolsa Atleta, que entrou em vigor em 2025 com o objetivo de patrocinar individualmente atletas e para-atletas de alto rendimento em competições nacionais e internacionais de sua modalidade. Contudo a maioria dos esportivas enfrentam inúmeras barreiras socioeconômicas até conseguirem chegar de fato nessas competições de alto rendimento, em que poderão vislumbrar um futuro mais otimista.
Trabalho doméstico
Entre as várias faces da adultização forçada, uma das mais silenciosas é a realidade de crianças que assumem tarefas domésticas para que seus pais ou responsáveis possam trabalhar fora. Longe de ser apenas uma “ajuda”, essa dinâmica transfere a elas responsabilidades que ultrapassam os limites da infância, comprometendo seu desenvolvimento emocional, social e até escolar.
Catia Silene, psicóloga infantil, explica que, ao assumir papéis que não condizem com sua idade, essas crianças podem carregar marcas profundas para a vida adulta. “As crianças sobrecarregadas, com muitas responsabilidades inadequadas para sua idade, podem desenvolver ansiedade, estresse e um sentimento constante de pressão”, afirma.
Segundo ela, isso ocorre porque muitas vezes o esforço não é reconhecido, o que gera “baixa autoestima e a sensação de que nunca são boas o suficiente... é uma independência colocada em um lugar que não é dela”.

Em 2023, segundo a PNAD, da população estimada de 38,3 milhões de crianças e adolescentes, 52,6% (cerca de 20,1 milhões) realizavam afazeres domésticos e/ou tarefas de cuidado, sendo 69% de classes baixas e 57% meninas. Em famílias numerosas ou sem condições financeiras de contratar alguém para cuidar dos mais novos, é comum que o filho ou a filha mais velha seja encarregado dessa função.
A psicóloga alerta que esse modelo pode desorganizar a noção de autoridade dentro do lar. “Às vezes os pais dizem: ‘cuida do seu irmão porque você é mais velho’. Mas esse jovem não tem maturidade para ocupar esse lugar e acaba recorrendo a formas punitivas ou ameaçadoras. Isso confunde quem é cuidado... quando isso se perde dentro da família, a confusão se projeta para a vida em sociedade” explica.
Esse cenário, além de prejudicar a relação entre irmãos, pode gerar dificuldades sociais futuras. Uma criança que cresce sem referências claras de autoridade tende a apresentar comportamentos desafiadores e resistência a regras, tanto na escola quanto em outros ambientes. Apesar de, em alguns casos, ‘despertar’ um senso precoce de responsabilidade, a adultização no espaço doméstico tira da criança oportunidades essenciais de brincar, conviver com os demais jovens e aprender pela sua própria experiência pessoal.
O debate sobre adultização infantil revela que, por trás da ideia de “ajuda em casa” ou de “responsabilidade precoce”, existe uma prática que limita direitos e impõe às crianças papéis que não deveriam assumir. Longe de ser um sinal de maturidade, trata-se de um processo que compromete a infância e pode deixar marcas para a vida adulta.
Mais do que enxergar “pequenos adultos”, é preciso compreender também que se trata de um fenômeno ocasionado por desigualdades de gênero, classe e raça, do qual sobrecarregam as crianças. Encarar essa realidade como uma violação de direitos é um passo essencial para que a infância deixe de ser vista como apenas uma passagem para a vida adulta, mas sim como uma iniciação no mundo, com práticas de aprendizado, inocência e, além de tudo, protegidas.
Apoiadores do ex-presidente, Jair Messias Bolsonaro, se reuniram em manifestação no domingo (7), feriado da independência, na avenida Paulista, em São Paulo, em pedido de anistia aos réus da trama golpista.Segundo metodologia do Monitor do Debate Político do Cebrap em parceria com a ONG More in Common, o comício reuniu cerca de 42 mil pessoas na capital paulista, e contou com a presença de figuras da direita como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, o pastor Silas Malafaia, que organizou a manifestação, e a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro.
Os manifestantes foram às ruas para protestar contra o julgamento que corre no STF, em acusação aos envolvidos na trama golpista do atentado de 8 de janeiro de 2023, no Palácio do Planalto. Entre as exigências do público, estava o pedido de anistia ampla, geral e irrestrita ao ex-presidente e os demais réus julgados pelo Supremo, que eram apoiados pelos líderes políticos e religiosos que ficavam sob um carro de som, cruzando a avenida na altura do MASP.

O protesto bolsonarista incluía placas que afirmavam que “eleição sem Bolsonaro é ditadura”, e até pediam “SOS Trump" e “Bolsonaro free”, acompanhado de bandeiras brasileiras, dos EUA e de Israel espalhadas pelas ruas. Outros objetos, como bonecos infláveis e faixas, criticaram diretamente Alexandre de Moraes e o presidente Lula.
Os discursos começaram às 15 horas e se estenderam pela tarde com falas em defesa da anistia dos réus, assim como ataques ao PT, STF e os respectivos integrantes de ambos.
André do Prado, presidente nacional do PL, foi um dos primeiros a discursar na manifestação. Durante toda a sua fala, demonstrou extremo apoio à família Bolsonaro. Disse que "O verdadeiro julgamento do golpe será nas eleições do ano que vem, quando será julgado o golpe da picanha prometida". O político ainda completou dizendo que está muito confiante com a anistia a Bolsonaro, assim como com a possibilidade do ex -presidente se tornar elegível novamente.
O governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas, esteve presente no ato, logo após o desfile do 7 de setembro, que ocorre anualmente no sambódromo do Anhembi. O político foi ovacionado pelos apoiadores de Bolsonaro, enquanto discursava: "Dá pra ter independência sem liberdade? Essa festa não está completa porque Jair Messias Bolsonaro não está conosco" declarou. Tarcísio continuou sua fala atacando opositores, voltando ao passado da esquerda: "Se o PT existe hoje é porque houve anistia em 1979, aqueles que gritam “sem anistia” foram beneficiados pela anistia" concluiu Tarcisio.
O governador se referiu ao período pós-ditatorial no Brasil, quando a lei n° 6.683 foi sancionada por João Baptista Figueiredo, depois de uma ampla mobilização social. De acordo com o primeiro artigo do decreto: É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares”.
Para o governador, e para grande parte da direita, uma atitude similar deveria ser tomada sobre o 8 de janeiro. Chamado de “Leão a favor da anistia” pelo pastor Silas Malafaia, Freitas concluiu: "A direita não falava, a direita não ia pra rua, isso mudou. Nasceu a direita que tem como slogan a liberdade. A direita anti-sistema. Nasceu uma direita que quer transformar o Brasil e nasceu com Bolsonaro"
O organizador do ato, Pastor Silas Malafaia, foi um dos últimos a se apresentar. Em seu discurso, não poupou críticas ao STF, principalmente ao ministro relator e sua turma. Em meio a uma trilha sonora dramática, o pastor fala que aos poucos tem mostrado como Alexandre de Moraes vem rasgando sucessivamente a constituição. Seu discurso foi inteiramente pautado em atingir o Supremo e figuras de esquerda. “Há 4 anos, em mais de 50 vídeos, eu venho denunciando os crimes do ditador da toga: Alexandre de Moraes” disse o pastor. Ele ainda completa: “É um homem destruindo o estado democrático de direito”.

Além de afrontar o presidente Lula, Silas também atacou a ex- presidente impeachmada Dilma Rousseff: "Tem gente da imprensa que tem amnésia, mas eu não tenho. Em 2016, Dilma em Nova York, convocou a imprensa e pediu sanções contra o Brasil. Quando é a direita é traidor da pátria, quando é a esquerda é direito” e recebeu aplausos dos presentes.
No entanto, com a análise de registros oficiais, não existe uma declaração em que Dilma tenha pedido diretamente sanções econômicas ou diplomáticas ao Brasil. O que a, até então presidente dizia em entrevistas era que, recorreria a diversos organismos para monitorar o processo de seu impeachment, que considerava ilegítimo. Queria denunciar o que estava acontecendo, e não punir a população brasileira com medidas externas.
Sobre o 8 de janeiro, Malafaia continuou: “Só se dá golpe com um exército, nem com marinha e aeronáutica dá pra dar um golpe. Dona de casa com pedra vai dar golpe?” afirmou. O pastor defende Bolsonaro em forma de invalidar as acusações da trama golpista, afirmando que o verdadeiro traidor da pátria é o presidente Lula: “Nós somos a favor de costumes, nós somos a favor da família, nós somos a favor da pátria e a esquerda combate historicamente”, completou.
A ex- primeira dama, Michelle Bolsonaro, que desde do início do comício era a mais aguardada, foi a última a discursar. Em prantos, Michelle começa: "Não tem como não lembrar do 7 de setembro de 2022, onde mais de 1 milhão de pessoas de bem estavam em Brasília, pra poder ouvir Jair Messias Bolsonaro falar, e hoje ele não pode falar". Ainda diz que o ex- presidente já foi uma voz “solitária (sic)”, mas que hoje tentam calar um exército que ele formou.”

O discurso focou pouco no 8 de janeiro, e mais no sofrimento pessoal da ex-primeira dama: “A humilhação faz parte do processo” disse sobre a situação que vem vivendo cotidianamente desde que Bolsonaro virou réu na trama golpista. "Quem era pra estar aqui era o meu marido, que está amordaçado dentro de casa com um tornozeleira, não foi julgado e tá preso".
Ao fim do comício, os manifestantes se reuníram em frente ao MASP e estenderam a bandeira dos EUA no meio da avenida, como forma de pedir suporte do governo do país norte-americano na anistia de Bolsonaro. O julgamento do primeiro núcleo da trama golpista ainda segue com sessões nos dias 11 e 12 de setembro.
O terceiro dia de julgamento do núcleo 1 começou nesta terça-feira (7), às 9h12. Com a abertura do presidente da primeira turma do STF, Cristiano Zanin, logo começou o voto de Alexandre de Moraes.
VOTO DE ALEXANDRE DE MORAES

Com pouco mais de cinco horas de fala, Alexandre de Moraes votou a favor da condenação de Almir Garnier Santos, Anderson Torres, Augusto Heleno, Jair Messias Bolsonaro, Mauro Cid Pereira, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto pela tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, e Alexandre Ramagem (ex-diretor da ABIN) por tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e organização criminosa.
Moraes analisou as preliminares, destacando que já haviam sido avaliadas pela corte e para as quais, segundo o Ministro, não havia nenhum fato relevante que pudesse alterar o posicionamento do que foi votado no recebimento da denúncia. Luiz Fux o interrompeu para salientar que, em seu voto, iria voltar à abordagem das preliminares, porque desde o recebimento da denúncia, por coerência, gosta de ressalvar o que foi visto na apresentação do caso. Em seguida, Moraes respondeu: “todas as preliminares a que me referi até o momento foram votadas por unanimidade, inclusive com voto de vossa excelência [Luiz Fux]”.
Durante o voto, foram apontados todos os questionamentos feitos pela defesa e como resposta o ministro mostrou provas (prints e documentos) de que muitas das falas dos advogados eram infundadas ou falsas. Entre elas, ressaltou a importância da delação de Mauro Cid, muito atacada pela defesa dos outros réus.
Moraes afirmou que não se deve esperar que o juiz seja uma “samambaia jurídica”, após relembrar a fala do advogado de Augusto Heleno, que o criticava por supostamente adotar um caráter acusatório ao participar da instrução do processo penal. Segundo o relator, o papel do magistrado não é passivo: cabe ao juiz conduzir o processo, garantir o equilíbrio da instrução e intervir sempre que necessário para esclarecer pontos relevantes. Nos interrogatórios, o juiz deve fazer perguntas, permitindo que a defesa exerça a autodefesa do réu. Para Moraes, o comentário do advogado soou como uma tentativa de censurar o juiz, ao sugerir também que o número de perguntas define o caráter acusatório.
Depois das respostas aos argumentos da defesa, Moraes fez a cronologia de como tudo começou, em julho de 2021 e como chegou a 08 de janeiro de 2023.
“Com divisão de tarefas e com vários atos executórios, atentar contra o Estado Democrático de Direito e tentar depor por meio de violência ou grave ameaça o governo legitimamente constituído, são crimes diferentes”, esclareceu Moraes após repercussão de que poderiam ser ambos um só crime.
Na cronologia, o ministro refuta as teorias apresentadas por Bolsonaro em lives sobre a ineficiência das urnas. Moraes questiona com indignação como poderia se considerar normal achar na agenda de Augusto Heleno um detalhamento do golpe, assim como o documento online criado por Ramagem, que serviria como um roteiro para o ex-presidente Jair Bolsonaro sobre como sustentar a narrativa de que as urnas eram fraudulentas. Em tom irônico, ainda completou: “seria um ‘meu querido diário'?”.
Ao lembrar de 18 de Julho de 2022, na ilegal reunião com embaixadores, Moraes diz que ali começou o “entreguismo e retorno de colônia brasileira, mas não mais a Portugal”. A ilegalidade da reunião teria se dado pelo conteúdo fraudulento apresentado por Bolsonaro para questionar a ação do TSE.
Ao longo de sua fala, Moraes repetiu diversas vezes à expressão “líder da organização criminosa” para se referir ao ex-presidente, indicando o entendimento do Ministro de que Bolsonaro teria agido como chefe de um esquema que teve planejamento, hierarquia e objetivos claros: desacreditar o sistema eleitoral, fragilizar as instituições e pavimentar um caminho para se perpetuar no poder.
Para Wagner Gundim, professor de direito Público e Constitucional, a fala de Moraes pode influenciar no aumento da pena: “Uma das causas de aumento de pena, nos termos do art. 2º, da Lei 12.850, que define organizações criminosas: § 3º A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução. A PGR pediu duas causas de aumento de pena: o emprego de arma de fogo, por alguns integrantes; e o fato de Bolsonaro ser o mandante, o que poderia gerar um aumento da pena de 1/6 a 2/3.”
O ministro Alexandre de Moraes finalizou o voto pela condenação dos envolvidos, reforçando que Bolsonaro não apenas teria estimulado atos antidemocráticos, mas teria comandado uma engrenagem criminosa dentro do próprio Estado brasileiro.
VOTO DE FLÁVIO DINO
O ministro Flávio Dino seguiu o relator Alexandre de Moraes e votou a favor da condenação dos 8 réus. Iniciou a justificativa do seu voto assegurando que este julgamento, em termos técnicos, é mais um como qualquer outro e que não haverá nada de excepcional– seguirá uma “moldura de absoluta normalidade”. Ainda na introdução, destacou que os crimes em julgamento, que ferem a ordem constitucional e o Estado democrático de direito, são insuscetíveis de anistia e inafiançáveis. Dino, concluiu a primeira parte de sua justificativa dizendo que fatores extra-autos não afetam, e nem poderiam, a execução legítima das decisões de quem veste a capa. “Não há nos votos e no voto que vou proferir, nenhum tipo de recado, mensagem, backlash, nada desse tipo. O que há é o exame estrito daquilo que está nos autos”.

Em seu voto, Dino analisou que os réus e os seus apoiadores fizeram o uso inerente da violência, relacionando sua fala à invasão da esplanada no dia 7 de setembro de 2021; as incitações e ameaças aos ministros do supremo– plano Punhal Verde e Amarelo –; acampamentos nas portas de quartéis; tanques desfilando e fechamento de rodovias federais; ataques ao prédio e a policiais da Polícia Federal(PF) no dia da diplomação presidencial; tentativa de fechar aeroportos; ataques do 8 de Janeiro de 2023 e ao não cumprimento das ordens judiciais, que segundo ele, pode causar um mal injusto grave a um magistrado. Afirmou, também, que as provas orais declaradas pelo delator Mauro Cid, são “absolutamente compatíveis com o acervo probatório dos autos”. Apesar de apresentarem pequenas contradições, Dino as avalia como completamente normais perante limites da mente humana.
Na parte final da declaração de voto, o ministro disse acompanhar a decisão de Moraes, mas defendeu penas diferentes para os réus, considerando os diferentes níveis de responsabilidade. Para ele, os réus Almir Garnier, Anderson Torres, Jair Messias Bolsonaro, Mauro Cid e o general Walter Braga Netto, devem ser punidos com uma pena maior do que a dos outros indiciados, por ocuparem posições de figuras dominantes na organização criminosa. Em particular, Mauro Cid seria beneficiado ao máximo possível pela colaboração feita na delação. Já Alexandre Ramagem, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira teriam tido participação de menor importância nos atos criminosos, e por isso Flávio Dino defendeu a redução das penas para abaixo do mínimo legal.
Dino também manifestou espanto de que alguém acredite que um tuíte, feito por uma liderança estrangeira, iria assustar o STF. “Será que alguém acredita que um cartão de crédito ou o Mickey vai mudar o julgamento do Supremo?” questionou. E logo em seguida brincou: “o Pateta aparece com mais frequência nesses eventos todos”.
O Ministro Flavio Dino encerrou o voto dizendo que o STF está cumprindo seu dever e que isso não é tirania, muito menos ditadura.

