A Câmara dos Deputados elegeu 19 presidentes para as 30 comissões permanentes, em sessão realizada em Brasília, na última quarta-feira (6). Um dos resultados que mais chamou a atenção foi a escolha do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) como presidente da Comissão de Educação. Ele recebeu 22 votos favoráveis de um total de 37, com 15 votos em branco, e irá presidir uma das Comissões mais importantes da Câmara por um ano, substituindo o deputado Moses Rodrigues (União-CE).
As Comissões
As Comissões Permanentes da Câmara são constituídas por deputados para discutir e avaliar projetos de lei referentes a cada tema, além de fiscalizar e acompanhar as ações administrativas. O objetivo das Comissões Permanentes é garantir o rápido trâmite das propostas de lei e assegurar que elas sejam compatíveis com a Constituição Federal e com as legislações locais, trazendo também qualidade ao processo legislativo.
Antes das propostas irem para o Plenário, cada comissão envia um parecer sobre elas, mas, em alguns casos, ela é avaliada e quem constitui a comissão decide se será aprovada ou rejeitada, sem necessidade de encaminhar ao Plenário da Casa.
Os líderes dos partidos políticos indicam os membros que possuem representação nas Casas Legislativas, mantendo um equilíbrio em cada comissão. Estar na presidência das comissões é importante, pois o presidente irá pautar as propostas que serão avaliadas.
Comissão da Educação
A Comissão de Educação (CE) é uma das mais importantes da Casa. O objetivo é atribuir pautas sobre assuntos importantes relacionados à educação num contexto geral, falar sobre a política e o sistema educacional, os aspectos funcionais, legais e estruturais, além de tratar sobre o direito à educação e os recursos, tanto financeiro quanto humano, no setor.
Em 2023, a CE aprovou projetos que garantem equipamentos para a educação digital nas escolas públicas e a instalação de laboratórios de informática, matemática e ciência nas instituições de ensino. Além disso, foi aprovada a proposta de lei que estimula professores da educação básica a se especializarem ou tornarem-se mestres e doutores. Segundo o projeto, as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) devem ofertar pelo menos 20% das vagas em cursos de pós-graduação para esse grupo.
Nikolas, que foi eleito em 2022 com o maior número de votos do país, é ligado a pautas conservadoras e já esteve envolvido em acusações de transfobia, apoio a discursos golpistas e muitos outros episódios polêmicos. Agora, tem o dever de atuar em uma área em que não tem familiaridade desde que assumiu seu mandato.
Opiniões divergentes
Houve muitas manifestações referentes à indicação de Nikolas para a presidência da Comissão.
A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) alegou ser inconcebível ele ocupar esse cargo. “Ele é réu no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em função de um vídeo que ele gravou de uma estudante de 14 anos que estava utilizando o banheiro.[...] Ele atentou aos direitos de uma criança, inclusive, ferindo o ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente]”.
Fernanda Melchionna, deputada pelo PSOL-RS, fortaleceu os argumentos de sua colega contra a decisão, relembrando que Nikolas foi condenado em primeira e segunda instância por transfobia e finaliza: “é grave que a Comissão da Educação, que trata de tantos temas importantes, esteja presidida pelas trevas”.
O deputado Marco Feliciano (PL-SP) defendeu seu colega de partido, afirmando que Nikolas não é inimigo da educação como disseram, mas “inimigo da esquerda, do mimimi e daqueles que querem a legalização das drogas”.
Também apoiando o atual presidente da Comissão, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) enfatiza que o PT (Partido dos Trabalhadores) teve a oportunidade de indicar um membro para o colegiado da Educação, porém, optou por representar a Comissão da Saúde. “Eu tenho certeza de que o deputado Nikolas, o nosso indicado do partido, vai ter diálogo com todos, vai respeitar o governo, vai respeitar o Partido dos Trabalhadores, e a pauta será consensual, até porque senão a comissão não andaria.”, concluiu.
Diversos sindicatos que atuam pelos interesses de docentes de vários estados brasileiros como Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro repudiaram a eleição do deputado mineiro. O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) publicou uma nota de repúdio, afirmando que a educação, sendo um tema prioritário para o Brasil, não pode ter no comando um deputado que defende pautas extremistas e misóginas. “Compete ao presidente de uma Comissão dessa magnitude pautar e debater as grandes e inadiáveis questões de nosso, já há muito debilitado e preterido, sistema educativo, do fundamental ao superior. O eleito, neste caso, além de desconhecer nossos desafios educacionais, faz deboche e agride o bom senso de quem tem compromisso com a educação”, diz a publicação.
A Frente Parlamentar Mista da Educação (FPME), que é composta por deputados federais e senadores e atua defendendo a qualificação do ensino público aos cidadãos brasileiros, promovendo debates de políticas públicas nacionais e legislações em conjunto com órgãos públicos e representantes da sociedade, também demonstrou preocupação com a eleição de Nikolas Ferreira para o cargo.
De acordo com o comunicado divulgado, “o parlamentar não tem atuação na área ou profundidade para conduzir os trabalhos em um tema que é central para o desenvolvimento do País.” A FPME acrescenta que o ano de 2024 será importante na educação, pois matérias como o Novo Ensino Médio serão debatidas e o presidente da Comissão deve ser comprometido com a urgência e a seriedade dos temas. A Frente Parlamentar finaliza a mensagem ressaltando seu compromisso com a educação de qualidade para todos: “o momento exige um diálogo construtivo e ações afetivas que estejam alinhadas com as necessidades reais do País.”
Os planos do novo presidente
Logo após ser empossado na presidência da CE, Nikolas Ferreira anunciou algumas pautas que pretende priorizar em seu mandato. O deputado falará sobre o homeschooling, termo em inglês para ensino domiciliar, e o Plano Nacional da Educação. Ele também citou que irá fiscalizar a educação no governo atual, tratará da violência nas escolas e que serão realizadas audiências públicas, contando com a presença da sociedade. “Nós vamos fazer uma comissão bastante plural no debate de ideias e pensamentos, acredito que seja muito importante”, finaliza.
Crise na pauta educacional
O cientista político e professor no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Rafael Cortez entende que, no momento, o tema “educação” talvez seja o que mais separa governo e oposição. “O debate sobre questões educacionais ganhou um certo cunho moralista e se conecta com outros pontos que intervieram para a direita criticar a esquerda, a partir das emergências do bolsonarismo”. Para ele, a educação como política pública não diz respeito somente ao aperfeiçoamento do ensino público brasileiro ou a caminhos para subir nos rankings de avaliação, mas ganhou espaço nos debates públicos referentes a essas questões “por ser uma caixa de ressonâncias dessas diferenças de abordagem no campo moral, que ficaram mais fortes ao longo do governo Bolsonaro.”
O professor comenta que a tendência é ter conflitos mais abrangentes entre governo e oposição na Comissão, já que o deputado Nikolas Ferreira, um dos grandes representantes do bolsonarismo, irá presidi-la. É plausível considerar também que o Partido Liberal (PL) tenha indicado o mineiro justamente por ele ter o histórico em enfrentar as pautas da oposição. “Me parece ser uma forma de aumentar a visibilidade pública dos acontecimentos da Comissão. [...] Pode estar presente a estratégia do partido em colocá-lo na presidência da Comissão e eventualmente prepará-lo para voos eleitorais em 2026”, destaca.
Com as opiniões contrárias à eleição do deputado, Rafael acredita que Nikolas deverá se adaptar a essa pressão, dependendo também de quem irá compor o colegiado, para entender até onde os conflitos podem ser mais tumultuados. “Olhando o ponto de vista dos movimentos sociais, das organizações de interesse, a tendência é um cenário bastante conflituoso ao longo de 2024”, finaliza o cientista político.
Nessa sexta-feira, dia 08 de março, centenas de manifestantes estiveram presentes na Avenida Paulista para protestar durante o Dia Internacional da Mulher. A pista sentido Consolação foi tomada por mulheres e apoiadores da causa, segurando cartazes e realizando cantos que reforçam a necessidade da luta da mulher e o reconhecimento de seus direitos.
O protesto teve início às 17h em frente ao MASP, e a diversidade de pessoas presentes chamou a atenção: cidadãos comuns não organizados politicamente se juntavam aos militantes de movimentos sociais de gênero, raça e de luta por moradia. Organizações ligadas à juventude e à defesa de uma educação de qualidade também compunham o ato para além de parlamentares de diferentes partidos políticos.
Entre as bandeiras, um novo chamado aparece, pelo cessar-fogo em Gaza e em apoio às mulheres palestinas. Ao final da tarde ouvia-se cantos como: “mulheres livres, do Brasil à Palestina. Não vai ter morte, vai ter luta!”
Legalização do aborto
A ação interseccional dos movimentos sociais presentes foi destaque, desde carcerários femininos, sindicais, pastorais e de estudantes. Isabela Reis, universitária de Relações Internacionais pela PUC-SP, atua no coletivo Juntas!:
“Somos um coletivo feminista antirracista de corrente marxista, fundado por mulheres, como a deputada Sâmia Bomfim. Atuamos pela legalização do aborto, uma luta internacional e que aqui no Brasil vem sendo muito atacada, principalmente no Estado de São Paulo, por conta do Hospital Cachoeirinha. A gente sabe que a luta pela libertação das mulheres inclui a libertação das mulheres palestinas e da população palestina, que sofre com os ataques em Gaza.”
O Hospital Vila Nova Cachoeirinha citado por Isabela, é referência em aborto legal em São Paulo em casos em que a motivação da gestação ocorre por crimes de violência sexual, quando há o diagnóstico de anencefalia (isto é, quando o cérebro do feto é subdesenvolvido), ou quando há risco à vida da mulher.
No ano de 2023 a prefeitura determinou que o atendimento no local para abortos legais fosse suspenso, alegando necessidade de aumentar a capacidade para outros tipos de cirurgias. O hospital era o único a oferecer os serviços de aborto legal após 22 semanas de gestação. Desde então, os serviços correm risco de serem descontinuados.
Mulheres em situação de cárcere
A coordenadora da Pastoral Carcerária, Rosilda Ribeiro, explica que a dificuldade das mulheres no sistema prisional ocorre principalmente por motivação de gênero, e que o movimento Pastoral acolhe também mulheres transexuais: “Para provar que está menstruada, por exemplo, o sangue tem que escorrer entre as pernas. As mulheres trans sofrem discriminação. Elas são privadas de sorrir, de cantar, de abraçar… é muito triste. A maior dor delas é a saudade. Então a gente pede isso, que elas sejam livres. Lutamos pelo desencarceramento das mulheres.”
A manifestação contou ainda com faixas contra a privatização da Sabesp, além do envolvimento de civis não organizados, como o caso de Samuel Santos, de 47 anos, que trabalha em um prédio comercial da Avenida Paulista e que viu a movimentação ainda de dentro da torre: “Vi tudo lá de cima (do prédio) e aí desci. É bom porque está bem pacífico. A Paulista é o centro da diversidade, né, então tudo acontece aqui! Eu acho legal.”
A presença de parlamentares em ano eleitoral
A causa das mulheres está presente no planejamento de mandato de muitas vereadoras e deputadas. Gleisi Hoffmann, atual presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, discursou de cima do carro de som pedindo pelo fim dos massacres em Gaza e em defesa da democracia. No caso de Juliana Cardoso, deputada federal também pelo PT, a parlamentar caminhou entre a população e tirou fotos com manifestantes. Em suas falas, Juliana saudou a conquista de direitos das mulheres e denunciou o aumento do número de casos de feminicídio no Brasil e os acontecimento na faixa de Gaza: “somos contra tudo o que tem acontecido contra o povo palestino.”
A deputada federal Sâmia Bomfim também esteve entre a população civil. Sâmia foi a parlamentar de esquerda com maior número de votos no ano de 2022, com leis nas áreas de direito reprodutivo, doméstico e de trabalho e cuidado. Apresentou coautoria no projeto que institui a Política Nacional de Promoção do Parto Humanizado, Digno e Respeitoso (PL 516/2022) e a Lei 14.245/21, baseada no caso Mari Ferrer, que visa o combate à revitimização de mulheres por parte do poder judiciário em crimes de caráter sexual, zelando assim pela integridade física e psicológica da vítima. Sâmia também sugeriu a lei que institui a igualdade salarial entre homens e mulheres no Brasil (PL 111/2023).
Ediane Maria, deputada estadual por São Paulo, fez aparição no ato. Ediane iniciou sua vida política por ser uma mulher preta, periférica e empregada doméstica. A desigualdade racial e de gênero faz parte de sua realidade, e hoje eleita, participa da Comissão de Defesa e dos Direitos das Mulheres na Assembleia Legislativa do Estado, além de continuar atuando no Raiz da Liberdade e no Mulheres em Movimento, coletivos do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
O comparecimento de parlamentares de diferentes partidos políticos, em pleno ano de eleição municipal, explica parte das motivações para além das próprias vivências, aproveitando o momento para angariar apoiadores para a campanha de seus pares e colaborar com as propostas de seus próprios mandatos.
Incômodo
Conflitos internos foram relatados. Um grupo de pessoas que estavam próximas ao carro de som, entre o MASP e a grade da via de ciclistas, relata ter sentido efeitos de gás lacrimogêneo. Enquanto os manifestantes se dispersaram para fugir da inalação do gás, os policiais presentes não se moveram.
Bianca Abreu, de 25 anos, estava no ato para fotografar para um trabalho da faculdade, quando começou a tossir: “Onde há policiamento a truculência pode acontecer, não fiquei surpresa com isso. O que me surpreendeu foi não ter uma justificativa para isso, para a inalação do gás, porque não teve um princípio de confusão, nenhum tipo de situação que pudesse justificar. Foi uma maneira deles causarem incômodo.”
Desfecho
Durante todo o ato, dezenas de viaturas da Polícia Militar fecharam os três quarteirões entre a Alameda Campinas, na esquina do Shopping Cidade, e a Rua Itapeva, até a esquina do MASP. Já a pé, na via de ciclistas, uma corrente de policiais era perceptível.
Às 18h uma forte chuva atingiu os manifestantes que continuaram com o ato entre cantos, batuques de instrumentos e carros de som, caminhando com as bandeiras até a Praça Roosevelt.
A concentração de pessoas provocou a interrupção da passagem de veículos e o desvio de trajetos das linhas de ônibus da Av. Paulista, Rua Augusta e Consolação, normalizando o trânsito por volta de 21h.
“Lobby do Batom” surgiu em 1986 como uma aliança nacional de 26 mulheres que foram eleitas por voto direto. Elas revolucionaram um espaço masculino e atuaram na Constituição de 1988 com a inserção afirmativa de direitos femininos representativos. Até a década de 1980, o espaço conquistado pelo Lobby era de Carlota Pereira, a única mulher participante da Assembleia Constituinte de 1934.
Até 2022, a parcela ocupada por mulheres na Câmara dos Deputados era de 15% e no Senado, 14%, de acordo com o site do Congresso Nacional. Há 36 anos, a porcentagem era muito menor: 5,3% do corpo parlamentar. Apesar do número inferiorizado, para aquela época, a conquista da participação parlamentar de advogadas, médicas, jornalistas, professoras e outras profissionais dentro do Congresso foi expressiva.
Maria Ruth dos Santos, Comba Marques Porto e Benedita da Silva, que já eram atuantes e estudiosas do movimento feminista no Brasil, foram convidadas a participar de um Congresso patrocinado pela Organização das Nações Unidas (ONU), realizado no Rio de Janeiro, nos anos 1970, uma década antes da criação do Lobby do Batom.
O evento reuniu feministas e militantes da causa para discutirem o papel feminino dentro da sociedade brasileira. O sucesso foi grande e, ao longo dos anos, as intelectuais criaram grupos de estudo para revisar o Código Civil vigente desde os anos 1920 e participaram de sindicatos por todo o país.
CRIAÇÃO DO NOME
O “Lobby do Batom” foi idealizado satiricamente por jornalistas homens do Jornal do Brasil, que nomeavam o batom como a única representação respeitada de uma mulher.
As primeiras ondas feministas procuravam se distanciar da feminilidade estruturada pelo salto alto e maquiagem. Por isso, algumas integrantes ainda atuantes não concordaram com o nome do movimento, mesmo que ele tenha revolucionado a participação feminina na política. Isso porque a referência a batom remetia a um símbolo de fragilidade.
“Fui uma feminista contra o sistema, contra uma mentalidade, mas, principalmente, contra uma realidade”, afirma Silvia Pimentel, professora de filosofia do Direito da PUC-SP e integrante do movimento feminista nos anos 1980. A intelectual conta como a experiência de conhecer mulheres de tantas regiões do Brasil permitiu que as reivindicações de cada uma fossem incluídas na Carta Constituinte. “Elas me perguntavam, ‘O que vocês vieram fazer aqui no Sertão da Bahia, querer ouvir da gente?’, e era muito bonita a experiência porque eu dizia que ‘a gente veio ouvir de vocês, o que é que as mulheres brasileiras do Sertão precisam’”, conta a integrante do Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher na ONU durante os anos de 2005 e 2016.
As pautas de 1975, como foram chamadas as reivindicações levantadas naquela época, colocaram em questão, além da resistência pela luta do direito ao voto - defendida pela primeira onda do feminismo -, temas como a violência doméstica, a concepção hierárquica familiar e direitos reprodutivos, inclusive a descriminalização do aborto.
Nas votações diretas de 1986, dos 559 deputados eleitos, 26 cadeiras foram compostas pelo grupo feminino. Após 20 anos de regime autoritário, a Constituição estava em processo de revisão e foi o momento prático em que as ativistas conquistaram espaço na elaboração da nova Carta.
Com o sucesso das lutas e dos congressos ao redor de todo o Brasil, elas conquistaram um Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (CNDM), projeto federal que reforçou o nome feminino na Assembleia Constituinte e serviu de subsídio para mais de mil mulheres no dia 26 de agosto de 1986 elaborarem a Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes.
Dentro e fora do Congresso, o CNDM organizou a campanha “Mulher e Constituinte”, que tinha o slogan “Constituinte Pra Valer Tem Que Ter Palavra De Mulher”. Assim, ao ganhar reconhecimento, o órgão trabalhou junto aos parlamentares constituintes pela reivindicação da eleição de mais mulheres para a elaboração da nova Carta Magna, e incluiu as 26 eleitas no processo, em 1987.
“O que foi notável é que a luta não se limitou a nós mulheres, não às suas especificidades, elas mostraram que essa conquista nos coloca dentro de um contexto mais amplo das questões gerais da Democracia que interessam a todos, homens e mulheres”, conta Silvia sobre a importância da participação das mulheres no texto jurídico. Ela afirma que essa conquista foi “a mais ampla e profunda articulação reivindicatória feminina brasileira".
Um marco histórico da política da mulher grandemente influenciada pela teoria e práxis feministas dos 10 anos anteriores a 1986, conduziu a representação da mulher urbana e a mulher rural; a mulher dos meios acadêmicos, a semi analfabeta e a analfabeta; a branca e a negra; a jovem, a madura e a idosa; a trabalhadora e a dona de casa; patroa e empregada; a casada, a companheira e a mãe solteira; a bem assalariada e a explorada.
MUDANÇAS IMEDIATAS
Silvia relembra com muita facilidade de alguns feitos realizados pelas militantes logo após a promulgação da Constituição de 1988: “Nós conseguimos repetir no artigo 226, no caderno matrimonial, que homens e mulheres tivessem igualdade na condição na família. Que mulheres não fossem designadas apenas ao trabalho doméstico. Inserimos no parágrafo oitavo deste artigo, a responsabilidade e obrigação do Estado coibir qualquer tipo de violência doméstica”. Outras também foram relevantes, como a licença-maternidade de 120 dias, ações para combater a violência doméstica, igualdade salarial entre homem e mulher e o direito à posse da terra igual ao homem e à mulher.
Na escritura da Carta, as mulheres apresentaram 3.321 emendas – 5% em relação ao total apresentado por todos os deputados e senadores (62 mil aproximadamente). Entre as conquistas da questão feminina, 80% foram aprovadas.
Na última quarta-feira, 6, o STF (Supremo Tribunal Federal) retornou o julgamento da discriminação da maconha para uso próprio, mas precisou ser adiado em até 90 dias, sem data prevista para a retomada, com o pedido de vista do Ministro Dias Toffoli. O caso que iniciou em 2015, finalizou a sessão com 5 votos a favor e 3 votos contra. Os ministros que votaram nessa última discussão foram André Mendonça, Nunes Marques e Cristiano Zanin.
VOTOS
A FAVOR:
Em agosto de 2015, Gilmar Mendes, relator do caso, votou a favor da descriminalização de todas as drogas, inclusive da maconha, com a justificativa de que a penalização conduziria “à ofensa à privacidade e à intimidade do usuário. Está-se a desrespeitar a decisão da pessoa de colocar em risco a própria saúde”, diz o ministro em seu discurso. Após 8 anos, ele reafirma seu voto e orienta que “medidas interventivas” sobre as substâncias devem sempre estar adequadas “ao cumprimento dos objetivos pretendidos” no Artigo 28 da Lei de Drogas, que define que o consumo ou depósito de drogas sem autorização ou em descumprimento legal será penalizado.
Na mesma sessão, Luís Roberto Barroso, presidente do STF, se manifestou pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, mas com o parâmetro de 25 gramas da substância ou a plantação de até 6 plantas fêmeas da espécie.
Em agosto de 2023, o caso retornou à discussão após algumas sessões com o voto a favor de Alexandre de Moraes. O ministro propôs que pessoas flagradas com até 60g de maconha ou que tenham seis plantas fêmeas sejam compreendidas como usuárias. A demarcação foi feita, segundo ele, a partir de estudos e pesquisas realizadas sobre o volume médio de apreensão de drogas no Estado de São Paulo, entre 2006 e 2017.
Em 2023, Rosa Weber, que já está aposentada do cargo de ministra, votou a favor, porque compreende que a criminalização da maconha interfere na reinserção social e tratamento de usuários e dependentes.
Edson Fachin afirmou que a regra de criminalização de todas as drogas é inconstitucional em relação à maconha. Contudo, ele entende que os parâmetros para diferenciar traficantes de usuários devem ser fixados pelo Congresso Nacional.
CONTRA:
André Mendonça, que foi o primeiro a votar nesta última sessão, justificou que a descriminalização da maconha abre a porta para outras drogas e que faz mal à saúde, baseando-se em pesquisas não mencionadas nominalmente para que pudessem ser verificadas. Além de utilizar dados de países que descriminalizaram o uso da maconha, como Uruguai e Canadá, argumentando que, após medidas de legalizar a droga, o uso teve aumento nessas regiões.
Nunes Marques utilizou de um argumento semelhante que Mendonça, afirmando que a descriminalização das drogas "afetará os familiares dos usuários".
Cristiano Zanin afirma ser contra porque o único dispositivo capaz de diferenciar usuário e traficante é o artigo 28 da Lei de Drogas (2006), que define uma quantidade mínima para a separação identitária. “Não tenho dúvida de que os usuários são vítimas do tráfico e das organizações criminosas ligadas à exploração ilícita dessas substâncias, mas se o Estado tem o dever de zelar por todos, a descriminalização poderá contribuir ainda mais para esse problema de saúde", destaca o ministro em seu discurso à Corte.
Três ministros não tomaram uma decisão definitiva sobre a discussão, entre eles, Dias Toffoli, que solicitou o pedido de vista da sessão, Luis Fux e Cármen Lúcia.
EXPECTATIVAS
Após a interrupção do julgamento, qual é a expectativa de quem acompanha o caso?
Louie di Angelo da Silva Brito, militante da União da Juventude Comunista pela causa trabalhista, é a favor da descriminalização da maconha, mas não tem expectativas altas em relação à descriminalização da maconha caso seja discutida novamente. “Essa banca já se mostrou bastante oscilante, mas eu espero que idealmente as coisas corram bem para que possamos ter uma mudança desse fator no cenário brasileiro”, diz o guia de turismo e ativista da causa.
O jovem completa que “o estigma da utilização da maconha poderia ser melhor trabalhando dentro da população se (nós) pudéssemos enxergar ela e seus outros extrativos como algo benéfico para a saúde, ao bem estar social e ao meio ambiente”. O motivo pelo qual participa das manifestações da Marcha da Maconha, que teve início em 2002, é porque ele acredita que a criminalização gera mais disputa dentro da chamada guerra às drogas.
O termo “guerra às drogas” é cunhado de uma política conservadora criada pelo ex-presidente estadunidense Richard Nixon, em 1971, que declara “uso abusivo de drogas é o inimigo número um dos Estados Unidos”. A partir dessa declaração, a pauta de segurança pública é apoiada pela militarização e violência da comunidade como forma de resolução do problema em muitos países, assim como o Brasil.
Na última segunda-feira (4), a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) sediou a aula magna realizada pelo ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Indicado à Suprema Corte, em 2013, pela então presidente Dilma Rousseff, Barroso é bacharel e doutor em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e detém título de mestre pela Universidade de Yale.
Na chegada ao campus, Barroso tomou café da manhã na reitoria e visitou a capela da Universidade. O evento organizado pelo Centro Acadêmico 22 de Agosto, lotou o TUCA - Teatro da Universidade Católica -, com a presença da comunidade acadêmica, jornalistas, políticos e juristas. Apresentada por Henrique Joia - aluno do Direito -, a aula teve como convidados: Ana Julia Carmona, presidente do CA; os professores Flávia Piovesan e Vidal Serrano, docentes do programa de Direito Constitucional da PUC-SP; e Maria Amália Pie Abib, reitora da instituição.
A aula teve como temas principais a regulamentação da inteligência artificial (IA), as crises democráticas mundiais como o 8 de janeiro, mencionadas pelo ministro como “aflições do nosso tempo”.
Inteligência Artificial
Inicialmente, Barroso reflete sobre os caminhos que levaram a humanidade até a “nova revolução industrial”, representada pelo surgimento das IAs criadas a partir da transferência de capacidades humanas para as máquinas, como as tomadas de decisão e a cognição. O ministro considera importante lembrar que a Inteligência Artificial não lida com questões éticas e que, sem a consciência do que é “certo” ou “errado”, cabe ao ser humano realizar juízos de valor sobre a produção de linguagens, geração de conteúdo e de criatividade, realizadas com o auxílio da ferramenta.
O presidente do STF ainda justifica que as IAs são capazes de tomar decisões mais assertivas através do processamento de dados. Além disso, ela pode pôr fim às barreiras linguísticas, favorecer a automação de ações humanas e otimizar o diagnóstico de doenças. A partir disso, ele ainda ensaia sobre a necessidade do Estado de recapacitar aqueles que perderão seus empregos por conta desse processo.
Com a popularização da IA generativa como um elemento massificador de fake news, o deepfake - função que cria vídeos falsos usando a imagem e imitando a voz de qualquer pessoa -, vem se tornando cada vez mais uma ameaça ao processo democrático. Para Barroso, a regulação das IAs é necessária, mas ela tem como inimiga o tempo e a velocidade da evolução tecnológica “a transformação é muito ligeira”.
Instabilidade Democrática
O ministro relembra a história da Pontifícia como um centro de resistência ao autoritarismo do regime militar. Dentre os principais eventos, destacou a invasão policial do campus Monte Alegre, em 22 de agosto de 1977, liderada por Antônio Erasmo Dias, coronel do exército; e o incêndio do TUCA, em 1984, local citado pelo ministro como um símbolo da defesa da democracia.
Os desafios encontrados na reabertura política, como a inclusão e a estabilidade social, foram relembrados pelo ministro, que considera que as ameaças à democracia são os populismos que acolheram aqueles que foram abandonados pelo Estado. “Embora a democracia tenha sido a ideologia vitoriosa do século XX, alguma coisa parece não estar indo bem nos dias atuais, em muitos lugares do mundo”, aponta.
Barroso também fez menção à crescente onda autoritária, até mesmo nas democracias mais sólidas, que têm sido enfraquecidas pelos populismos utilizando as fake news e as ferramentas geracionais, a fim de criar instabilidades no processo democrático.
Ao abordar os acontecimentos do 8 de Janeiro de 2023, Luís Roberto destaca que o episódio foi articulado em muitas instâncias, mas que serve de aprendizado de que a democracia foi reconstruída no processo eleitoral, permitindo que a sociedade brasileira debata abertamente sobre os rumos do país, “respeitar a liberdade é respeitar quem pensa diferente”.
Ao final da aula magna, Barroso respondeu à AGEMT sobre o enfrentamento da Justiça Eleitoral aos deepfakes nas próximas eleições. O ministro citou a medida aprovada pelo órgão, que proíbe o uso desse recurso em campanhas eleitorais e determina a retirada desse tipo de conteúdo das redes sociais. “É um problema grave mesmo para a democracia, não é singelo enfrentar, mas está sendo enfrentado com as medidas possíveis”. A medida no entanto esbarra em outras matérias discutidas no Congresso Nacional como a regulamentação das redes sociais, que ainda não avançou.