Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) formaram maioria para impedir a possibilidade de um “Poder Moderador” comandado pelas Forças Armadas (FA) na última terça-feira (2). Seis dos 11 magistrados, em plenário virtual, refutaram a interpretação do setor militar sobre o Art.142 da Constituição que instituiria uma “abertura” ao papel interventor da Marinha, do Exército e da Aeronáutica sob o Legislativo, o Judiciário ou o Executivo.
Essa visão é defendida por bolsonaristas que viam, sem provas, uma fraude na última eleição que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva ao Poder Executivo. De acordo com eles, cabia às FAs dar suporte a um projeto de golpe que derrubasse a presidência eleita e devolvesse Bolsonaro, que perdeu o pleito, ao poder.
O próprio ex-presidente, enquanto estava no cargo, defendeu em inúmeros discursos o “Poder Moderador”. Nas suas falas, como quando disse em outubro de 2021 que o exército estava totalmente subordinado às suas decisões, cabia a ele a função de dissolver qualquer oposição no Legislativo e Judiciário que prejudicasse os seus objetivos.
O ministro Luiz Fux, relator do caso, declarou em seu voto que "nenhuma Constituição republicana, a começar pela de 1891, instituiu o Poder Moderador. Seguindo essa mesma linha e inspirada no modelo tripartite, a Constituição de 1988 adotou o princípio da separação de poderes, que impõe a cada um deles comedimento, autolimitação e defesa contra o arbítrio.” Ele reforçou que o dispositivo não permite "qualquer interpretação que admita o emprego das Forças Armadas para a defesa de um Poder contra o outro" e que elas são instrumentos de Estado, e não de governo.
O julgamento no STF é resultado da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.457, que o PDT apresentou em 2020, questionando a aplicação do dispositivo. O partido questionou, no documento, a interpretação do inciso por juristas de viés “reacionário” que garantiria essa função aos militares.
Confira o Artigo 142 na sua integridade:
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Não é por acaso que a votação da inconstitucionalidade do Poder Moderador está acontecendo nos 60 anos de aniversário do golpe militar de 1964, que colocou o país em uma ditadura que durou 21 anos.
Desde o início da República, no século XIX, as FAs têm intervindo na política em momentos de crise ou de rompimento com as instituições. Foi o caso do movimento tenentista que resultou na Revolução de 1930 e colocou Getúlio Vargas no poder. Em 1945, ele foi derrubado também por uma movimentação que envolveu setores da caserna.
"O poder é apenas civil, constituído por três ramos [Executivo, Legislativo e Judiciário] ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente", escreveu Flávio Dino no seu voto como ministro do STF, lembrando o golpe como "um período abominável da nossa História Constitucional".
Gilmar Mendes, ministro do STF, por sua vez, disse que o Supremo está “reafirmando o que deveria ser óbvio. A hermenêutica da baioneta não cabe na Constituição. A sociedade brasileira nada tem a ganhar com a politização dos quarteis e tampouco a Constituição de 1988 o admite”, escreveu em sua decisão.
A conclusão do caso está prevista para acabar até o dia 8 de abril. Além de Fux, Dino e Gilmar Mendes, os ministros Luís Roberto Barroso, André Mendonça e Edson Fachin votaram contra o Poder Moderador. Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Nunes Marques e Cristiano Zanin ainda não depositaram seus votos.
O governo de João Goulart foi deposto pelos militares no dia 1º de abril de 1964 por meio de um golpe, sob justificativa de uma suposta “ameaça comunista”. A ditadura durou 21 anos, se intensificando por meio de atos institucionais (AI). Dentre eles, o AI-5 foi o mais rigoroso, estabelecendo a censura, a tortura e a perseguição de inimigos políticos do Estado.
Cantores, intelectuais, professores, estudantes, jornalistas e muitos outros profissionais foram fortemente censurados pelo regime, com a utilização do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna). O principal objetivo era reprimir e censurar os opositores da ditadura. Rita Lee foi uma das cantoras mais censuradas durante o período. Caetano Veloso e Gilberto Gil foram exilados, vivendo quase dois anos fora.
A morte do jornalista Vladimir Herzog foi uma virada de chave para o fim da ditadura. Comovidos, os cidadãos se juntaram na Catedral da Sé em uma manifestação dia 31 de outubro de 1975, de forma pacífica contra o regime e em memória de Herzog. O jornalista se tornou símbolo de resistência contra a ditadura.
O silêncio do Governo
Em setembro de 2023, o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, anunciou a criação de um Museu da Memória e dos Direitos Humanos, durante viagem ao Chile, para lembrar não só o golpe, mas homenagear os mortos, presos e perseguidos na ditadura. De acordo com dados do Governo Federal, 364 pessoas ainda não foram encontradas.
Quando anunciou o projeto, Dino afirmou que o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania faria a organização e realização do projeto, enquanto a pasta da Justiça entraria com o capital. Porém, de acordo com o G1, o projeto não avançou e tampouco sairá do papel, por decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de não gerar atritos com os militares.
Já em 2024, em entrevista ao jornalista Kennedy Alencar na RedeTV!, Lula disse que não quer remoer o golpe de 1964 e que sua maior preocupação é com os atos de 08 de janeiro de 2023, quando golpistas invadiram e depredaram a Praça dos Três Poderes, em Brasília.
Além disso, o governo ainda não cumpriu com uma de suas promessas de campanha de voltar com as atividades da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), desativada durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). A CEMDP é responsável por identificar e localizar pessoas desaparecidas durante o período ditatorial.
O Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania planejava um ato em memória das vítimas para a última segunda-feira (01), porém a Presidência da República ordenou que o evento fosse cancelado. O governo decidiu ainda que não realizaria nenhum ato alusivo aos 60 anos do golpe.
Dos 38 ministros de Lula, apenas sete se manifestaram pessoalmente em memória do evento histórico e político mais relevante da República brasileira no século XX: Camilo Santana (Educação), Cida Gonçalves (Mulheres), Jorge Messias (Advocacia-Geral da União), Paulo Pimenta (Secretaria de Comunicação), Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário), Sonia Guajajara (Povos Indígenas) e Silvio Almeida (Direitos Humanos).
Entre os integrantes do Executivo, a fala mais incisiva foi a de Silvio Almeida. O ministrou afirmou em sua postagem em uma rede social que “foi preciso odiar a escravidão e seus institutos para que ela tivesse fim; os nazistas e seus símbolos para derrotá-los; o fascismo e todos que o celebram. É imprescindível repudiar visceralmente e com todas as forças aqueles que humilham e destroem a vida de trabalhadores e de minorias”.
Por que ditadura nunca mais?
— Silvio Almeida (@silviolual) March 31, 2024
Porque queremos um país social e economicamente desenvolvido, e não um “Brasil interrompido”
Porque queremos um país soberano, que não se curve a interesses opostos aos do povo brasileiro
Porque queremos um país institucional e culturalmente…
Caminhada do Silêncio
A Caminhada do Silêncio pelas Vítimas de Violência do Estado, é outro evento importante que ocorre anualmente em São Paulo, homenageando vítimas da Ditadura
Sua quarta edição partiu da antiga sede do DOI-CODI, prédio onde eram realizadas torturas, assassinatos e desaparecimentos de presos políticos, no último domingo (31). Os manifestantes caminharam com o lema "Para que não se esqueça, para que não continue acontecendo" e fizeram duras críticas a Lula e ao governo por conta da suspensão de cerimônias institucionais em memória e rejeição à ditadura.
O ato organizado pelo Movimento Vozes do Silêncio, representado pelo Instituto Vladimir Herzog, o Núcleo de Preservação da Memória Política e a Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), com apoio da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, contou ainda com a participação de importantes figuras da política nacional contemporânea como o deputado estadual Eduardo Suplicy (PT) e a deputada federal e ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina (PSOL).
Durante seu discurso, Erundina disse: “Vamos continuar cobrando, exigindo e levando às novas gerações a realidade sobre aquele tempo para que eles também nos ajudem a continuar essa luta”. A deputada completa afirmando que não podemos admitir que a ditadura seja esquecida.
A vida antes da política
Marielle Francisco da Silva, conhecida socialmente por Marielle Franco, filha de Marinete Francisco e Antônio da Silva Neto, nasceu em 27 de julho de 1979. Cresceu no Complexo de favelas da Maré, no Rio de Janeiro. Começou a trabalhar com seus pais aos 11 anos, determinada a juntar dinheiro e custear seus estudos.
Aos 19 anos, deu à luz a sua filha Luyara Franco. No mesmo ano, em 1998, ingressou seus estudos para o vestibular em um cursinho comunitário oferecido aos jovens da Maré. Quatro anos depois, foi aprovada com bolsa integral, pelo Programa Universidade para Todos (PROUNI), em Ciências Sociais, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO).
Anos depois, em 2014, obteve seu mestrado em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF), onde apresentou a tese “UPP: A Redução da Favela a Três Letras”.
Franco conheceu Mônica Benício, a primeira mulher por quem se apaixonou, por meio de amigas em comum, em 2004. Começaram a namorar um ano após se conhecerem. Entre idas e vindas, a união só foi formalizada em 2015. Mônica e Marielle moravam juntas na Barra da Tijuca e tinham planos para festejar o casamento em setembro de 2019.
Marielle tinha o apoio da família para entrar na política.Foto: Instagram @mariellefranco
Vereadora Marielle Franco
Marielle sentiu a necessidade de erguer a voz da militância pelo povo, quando ainda tinha 20 anos, ao perder injustamente uma amiga durante um confronto entre traficantes e policiais. O estímulo para lutar pelos direitos das mulheres e debater esse assunto dentro das comunidades perdurava, sobretudo, por uma motivação: criar a filha em um lugar seguro.
Sua carreira no ambiente político teve início quando integrou a equipe de Marcelo Freixo (PSOL), eleito deputado estadual do Rio de Janeiro, em 2006. Marielle trabalhou como assessora parlamentar por 10 anos. Nessa época, atuou junto ao deputado na “CPI das Milícias”.
Em 2016, na sua primeira disputa eleitoral, a cientista política elegeu-se vereadora, sendo a quinta mais votada do município com mais de 46 mil votos.
Durante o seu mandato, deu voz às pautas pelas quais se propunha. Foi presidente da Comissão de Defesa da Mulher, com planos de elevar a representatividade das mulheres pretas e periféricas; coordenou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania, prestando assistência jurídica e psicológica aos familiares de vítimas de homicídios e policiais vitimados; criou o Projeto de Lei das Casas de Parto, que propõe lugares voltados a partos normais, com médicos e enfermeiros obstétricos, além do acompanhamento integral da gestante com nutricionistas e assistência social; também criou o projeto de lei que regulariza o trabalho dos mototáxis.
Marielle não se calava, trabalhou pela denúncia dos abusos policiais nas operações das UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora). Pouco antes do dia em que teve a sua vida tirada brutalmente, fez parte da Comissão responsável por monitorar a intervenção federal na Favela de Acari.
Marielle defendeu o direito e a representatividade das mulheres pretas.Foto: Instagram @mariellefranco
Sementes de Marielle: uma luta de todos
Na noite do dia 14 de março de 2018, a vereadora retornava de um debate promovido pelo PSOL, na Casa das Pretas, quando foi surpreendida por um carro que parou ao lado do seu e abriu fogo contra seu veículo, atingindo a cabeça de Marielle Franco e o tórax de Anderson Gomes, seu motorista. Os dois morreram na hora e a assessora da parlamentar, Fernanda Chaves, que também estava no carro, sofreu leves ferimentos com os estilhaços.
O silenciamento de uma mulher preta, LGBT e favelada atuante fortaleceu o grito de milhares nas ruas. Após a morte de Franco e seu motorista, a pergunta que emergiu durante esses anos foi: quem mandou matar Marielle? Manifestações eclodiram por todo o Brasil e pelo mundo atrás dessa resposta. No Rio de Janeiro, no centro da Cinelândia, a população foi às ruas após acompanhar o cortejo da política na Câmara. Em São Paulo, manifestantes fecharam a Av. Paulista em frente ao MASP. Em Portugal e Nova York, também houve atos para expressar o luto e a revolta contra o sistema de violência no país.
Artistas também expuseram sua indignação com tamanha violência.Caetano Veloso publicou em suas redes sociais um vídeo cantando “Estou triste”, com a legenda “#lutopormarielle” e “#mariellepresente”. Também foi homenageada em músicas, como no rap “Favela Vive 3”, em que o cantor Choice canta “Gritei Marielle presente, essa bala também me fere”.
A memória e o legado de Marielle Franco resistiram e resistem. No estado do Rio de Janeiro, foi instituído, no calendário oficial, o dia 14 de março como “Dia Marielle Franco – Dia de luta contra o genocídio da Mulher Preta”. A figura da militante ganhou respeito pela Medalha Tiradentes e o Diploma Bertha Lutz, como reconhecimento em sua batalha pelas causas públicas e contribuição na defesa do direito das mulheres. Ela também foi homenageada em escolas de samba, a Vai-Vai, de São Paulo, apresentou um mosaico com a foto de Marielle na ala “eu tenho um sonho”.
Para prosseguir o mandato, foi criado pela família da vereadora o Instituto Marielle Franco. Dirigido por sua irmã Anielle, o órgão tem mantido viva sua memória e desenvolvido políticas para as mulheres e a população periférica.
Criada na Maré, revolucionou o lugar de uma mulher periférica na política. Foto: Instituto Marielle Franco
Quem mandou matar Marielle?
Um ano após o assassinato da Franco e Gomes, as respostas começaram a surgir. O ex-militar Élcio Vieira de Queiroz e o militar reformado Ronnie Lessa, identificados como os executores do crime, foram presos. No entanto, quem ordenou o crime? Os nomes só vieram a público cinco anos mais tarde.
Depois de falsas testemunhas e tentativas de atrapalhar as investigações, no último dia vinte e quatro de março, Ronnie Lessa, acusado por atirar contra o carro da vereadora, aceitou um acordo em delação premiada e entregou Domingos Brazão, ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado e o deputado federal Chiquinho Brazão, vereador na época, como os mandantes do assassinato. Ambos foram presos junto ao delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil (PC), acusado de engavetar as investigações na Delegacia de Homicídios quando era chefe do distrito. Barbosa assumiu o cargo na PC em 8 de março de 2019.
Os três estão presos preventivamente e o caso corre sob o procedimento de indiciamento que, passado pelo Supremo Tribunal Federal, será encaminhado para o Ministério Público. O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, declarou no dia da publicação das investigações sobre os mandantes do crime contra Marielle, que o caso está concluído. Até onde? Descobrir quem matou será suficiente para que outras mulheres não sejam vítimas da violência miliciana?
A demora do caso demonstra a fragilidade da justiça brasileira dentro da corrupção praticada pelos agentes públicos e questiona qual o papel dos políticos no Brasil.
Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Chiquinho Brazão, deputado federal, e Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, foram presos preventivamente no último domingo (24) por orquestração no assassinato da ex-filiada ao PSOL em 2018.
Denunciados pela delação premiada de Ronnie Lessa, ex-policial militar e executor do crime, os três foram levados a Brasília e estão no Presídio de Segurança Máxima do Distrito Federal, conforme expedido pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, falou publicamente, no mesmo dia das apreensões, que, a partir dessa nova leva de investigações, ele considera o “caso concluído”.
A Operação “Murder, Inc.”, realizada pela Polícia Federal (PF), pela Procuradoria Geral da República (PGR) e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), foi iniciada na manhã do dia 24, na cidade do Rio. Os suspeitos deram seu primeiro depoimento à PF e tiveram uma audiência de custódia, avaliação na qual o juiz decide pela prisão ou libertação dos envolvidos. Após a aprovação das prisões, ainda na capital fluminense, foi realizado o corpo de delito pelo Instituto de Medicina Legal da Polícia Civil do Distrito Federal.
Segundo Andrei Rodrigues, diretor geral da Polícia Federal, a disputa fundiária foi um dos vários motivos pelos quais o assassinato de Marielle foi comandado. De acordo com as investigações, os irmãos Brazão teriam ordenado o atentado para que conseguissem aprovar o “PL de grilagem” das terras da Zona Oeste do Rio de Janeiro, uma vez que a então vereadora se opunha à proposta. O projeto de lei proposto por Chiquinho tinha como objetivo regularizar as terras de Vargem Grande, Vargem Pequena, Itanhangá e Jacarepaguá, comandadas por grupos milicianos, conforme informações retiradas do relatório da audiência levantado por Alexandre de Moraes em seu gabinete.
No entanto, essa atividade é praticada ilicitamente, uma vez que os regularizadores loteiam terras públicas - termo conhecido como “grilagem” - e, por meio de subornos e exploração de serviços sobre a população, a posse de terras do povo torna-se de domínio da milícia. “Receberia lotes de terrenos da Zona Oeste do Rio pelo crime”, afirma Lessa na delação premiada.
Na segunda-feira (25), a primeira turma do STF votou a favor da prisão dos envolvidos. Presidida por Moraes, na sessão votaram os ministros Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luiz Fux. A Corte, que por unanimidade decidiu manter as medidas cautelares determinadas na operação, enviará um comunicado à Câmara dos Deputados, que fará votação no plenário em data determinada por seu dirigente, Arthur Lira (PP-AL). Todos os deputados irão participar do pleito, que será aberto e nominal – ou seja, sem sigilo de como se posicionou cada parlamentar.
A prisão será revogada apenas se tiver 257 votos a favor, como é chamada a “maioria absoluta”. O resultado será informado ao Supremo, que tomará as eventuais medidas necessárias para cumprir a decisão.
Na Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (20), a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) aprovou o plantio em campos de altitude, gerais e nativos, além de áreas restritas de preservação. O projeto de lei é do deputado Alceu Moreira (MDB-RS), mas sofreu alterações. O texto substitutivo do deputado Lucas Redecker (PSDB-RS) foi o aprovado pela instituição.
O Projeto de Lei 364/19 propõe a liberação do plantio e criação de gado nesses campos junto com a consolidação de áreas utilizadas para agrossilvipastoril desde 22 de julho de 2008. A mudança feita pelo texto substitutivo é a utilização das áreas rurais consolidadas (de preservação permanente), reservas legais e áreas restritas.
A justificativa de Alceu Moreira foi a sobrevivência. Para ele, essas “extensas porções de terras não podem produzir, e agricultores que plantam ou criam animais nessas áreas por pura necessidade de sobrevivência, acabam sendo autuados e tratados como criminosos.”
Com a aprovação, o documento muda o Código Florestal. Como a proposta já foi analisada pelo caráter conclusivo, ela pode seguir ao Senado, se não houver um recurso para votação pelo Plenário da Câmara.
Esses campos e áreas são biomas com vegetação rasteira, herbáceas, gramíneas e pequenos arbustos esparsos com características diversas. Encontradas com mais facilidade da região Sul à Mata Atlântica, podem ser vistas também no Pantanal, Cerrado e Amazônia.
Em nota, o presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP), se manifestou dizendo que a proposta prejudica 50% do Pantanal, 32% dos Pampas, 7% do Cerrado e quase 15 milhões de hectares da Amazônia.
O governo atual obteve bons números de redução no desmatamento da Mata Atlântica e Amazônia Legal. Na Mata Atlântica houve uma queda de 59% nos primeiros oito meses de 2023, segundo boletim do Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD). Já na Amazônia, houve uma queda de 31%, de acordo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O cerrado foi o mais prejudicado, tendo um aumento da prática. Ainda de acordo com o Inpe, entre janeiro e maio de 2023 foram desmatados mais de 3.320 km² do bioma, isso reflete um aumento de 27%.
-Discussão entre deputados
Para o deputado Bacelar (PV-BA), esse texto ameaça mais a Mata Atlântica. “Para biomas como o Pantanal e o Cerrado, o impacto é assustador! Mesmo no bioma Amazônia, temos formações naturais com vegetação não florestal, as quais ficariam muito mais vulneráveis”, completou, não esquecendo de falar sobre o empecilho da formação dos aquíferos nacionais. Além dele, o deputado Nilto Tatto também se opôs.
O presidente alegou que: "com a desculpa de resolver uma situação pontual de um ecossistema específico do bioma Mata Atlântica, que são os campos de altitude, o relatório atual adquiriu proporções assustadoras e quebra a espinha dorsal de duas legislações estratégicas para a conservação ambiental do Brasil: a Lei da Mata Atlântica e o Código Florestal. Uma incongruência negacionista promovida pela ala radical da bancada do agro e que a CCJ quer aprovar na mesma semana em que o Rio de Janeiro registrou sensação térmica de 60 graus".
Em contraponto a ideia de ambos, Lucas Redecker defende que não há porque proibir uma área já utilizada. “Falo de áreas onde já existe o manejo do homem passando com a sua lida de campo, com a criação de gado, com a criação de outros animais, com a construção de cercas e de currais, com a construção de estruturas para armazenamento de alimentação, enfim, esses campos já são utilizados”, disse o relator.
Alceu Moreira, autor do PL, critica os opositores. “Não são ambientalistas, são ‘ambientaloides’, são pessoas que nem sequer conhecem, nunca estiveram no meio desse campo e estão aqui fazendo discurso como se fossem donos do meio ambiente