Um mergulho nas dinâmicas da exposição, da performance e da cultura do entretenimento contemporâneo
por
GUILHERME PERIOTTO KATINSKAS
|
11/06/2025 - 12h

O BBB vai ao ar e todo mundo vira comentarista, psicólogo e analista social da madrugada. Mas por que a gente se importa tanto com um monte de gente trancada numa casa? Neste podcast, conversamos sobre o reality como espelho da sociedade: a exposição constante, a busca por validação, a transformação da intimidade em conteúdo e o quanto tudo isso diz mais sobre quem assiste do que sobre quem participa. Pra nos ajudar nessa jornada entre tretas e teoria, convidamos ninguém menos que Vitor Faglioni Rossi, o eterno Príncipe Vidane, para um papo leve, divertido e cheio de reflexão sobre esse fenômeno pop que é o Big Brother Brasil. Escute aqui: https://soundcloud.com/guilherme-katinskas/bbbentrevista-mp3?si=ea2e249149584a3fadc46a21f45f2750&utm_source=clipboard&utm_medium=text&utm_campaign=social_sharing

Filme quebra paradigmas sobre originalidade e ancestralidade no cinema
por
Isabelle Rodrigues
|
07/05/2025 - 12h

“Pecadores”, a nova aposta do diretor, roteirista e co-produtor Ryan Coogler - a mente por trás dos sucessos “Creed” e “Pantera Negra” - estreou em abril de 2025. O longa acompanha uma história de liberdade e conflitos raciais com muito Blues e dança, sem perder o terror e o suspense de sua atmosfera surrealista.

Os gêmeos Stack e Smoke utilizam cores distintas durante o longa, como forma de demonstrar suas posições ao longo da narrativa. Foto / Reprodução IMDB
Os gêmeos Stack e Smoke utilizam cores distintas durante o longa, como forma de demonstrar suas posições ao longo da narrativa. Foto / Reprodução IMDB

O filme, situado em 1932, acompanha em seu elenco principal os gêmeos Fumaça e Fuligem, ambos interpretados por Michael B. Jordan. Tudo se centraliza no clube de Blues criado pelos gêmeos, o terreno que foi comprado de um senhor envolvido na Ku Klux Klan, com dinheiro roubado em Chicago com a ajuda do gangster norte americano, Al Capone, além do vinho e a cerveja importados que serviram como atrativo para a comunidade cansada da região. Mas claro, nada disso não importa para os gêmeos, até o fim da noite todos os envolvidos no clube serão pecadores. Como dito pelo pastor e pai do personagem Sammie, “Se você continuar a dançar com o diabo, um dia ele vai te seguir até em casa".

Durante o desenrolar do longa, surgem outros personagens relacionados ao passado da dupla e o conflito central, como Sammie (Miles Caton), primo e filho do pastor local, Mary (Hailee Steinfeld), irmã de criação e Annie (Wunmi Mosaku), curandeira local. Todos têm seu lugar naquela sociedade, que situa de forma aguçada seu papel historicamente bem pensado. 

Destaque especial para Sammie, que demonstra a dualidade entre a religião e o conformismo, na qual, para ele, a música representa liberdade e salvação, o que fica ainda mais evidente após a chegada do personagem Remmick (Jack O'Connell). O roteiro utiliza diversos contextos históricos, que o torna um prato culturalmente cheio.

Por exemplo, o passado de Remmick demonstra ter relação com a opressão irlandesa, durante colonização dos ingleses no século XII, além das implicações a um proselitismo forçado, por conta das citações do personagem sobre ter sido obrigado a aprender hinos e cânticos religiosos no passado pelo homem que roubou as terras de sua família.

A ideia do vampiro, em uma narrativa banhada de elementos religiosos é uma escolha pensada e calculada aos mínimos detalhes, seja no batismo feito em Sammie ou na visão tida por Fumaça no ato final. O movimento do afro-surrealismo tem muita influência nessa decisão, em que os elementos do sobrenatural servem como analogia direta ao período de apagamento histórico e cultural que aconteceu com a população negra, o que torna ainda mais simbólica a representação do Blues na trama.

Outro elemento que vale a pena destacar é a posição da trilha sonora na narrativa.  O mérito vem da parceria entre Ludwig Göransson e Coogler que entraram em sintonia em todos os seus projetos. Mesmo não sendo um musical, a trilha sonora e seus números musicais fazem parte do âmago da história, principalmente nas músicas tocadas durante a sequência do clube, como “Lie to You” e “Rocky Road to Dublin”, performadas pelos atores.

Pecadores se torna uma das maiores apostas para o oscar de 2025, segundo a critica especializada Foto / Reprodução IMDB
Pecadores se torna uma das maiores apostas para o Oscar de 2025, segundo a critica especializada Foto / Reprodução IMDB

A recepção da crítica e público foi representativa, fazendo história além da tela, estando com 84% de aclamação no Metacritic. Além de ter conquistado uma das maiores bilheterias do ano, totalizando 230 milhões arrecadados por todo o mundo. 

O diretor Ryan Coogler conseguiu deixar um legado na indústria cinematográfica, com o contrato histórico feito para a produção do filme, no qual em vinte e cinco anos, todos os direitos relacionados a sua obra serão retornados para o diretor. 

Veja abaixo o trailer da produção: 

Título original: Sinners
Direção: Ryan Coogler
Roteiro: Ryan Coogler
Trilha sonora original: Ludwig Göransson
Produção: Ryan Coogler, Zinzi Coogler, Kevin Feige

Elenco principal: Michael B. Jordan, Miles Caton, Hailee Steinfeld, Wunmi Mosaku e Jack O’Connell.

A crescente polarização entre democratas e republicanos não apenas fragmenta os Estados Unidos, mas também ameaça os pilares da democracia
por
Ana Beatriz Villela
|
12/11/2024 - 12h

As eleições presidenciais dos Estados Unidos revelaram, mais uma vez, uma das maiores fragilidades das democracias contemporâneas: a polarização doentia. Democratas e republicanos não apenas discordam em pautas políticas, como representam visões de mundo opostas e, muitas vezes, irreconciliáveis. Essa divisão não é apenas política; permeia famílias, comunidades e instituições, ameaça a coesão social do país e, em última instância, a legitimidade do próprio processo democrático.

kamala trump
Reprodução: Reuters

Eventos como a eleição de Donald Trump, em 2016, o ataque ao Capitólio após a eleição de Joe Biden, em 2021, e o retrocesso de legislações estaduais em questões como aborto, direitos LGBTQIA+ e controle de armas são exemplos de um país dividido. A retórica dos principais candidatos, em 2024, reflete esse cenário: enquanto um lado clama por reconstrução e unidade, o outro reforça narrativas conspiratórias e discursos inflamados. 

Nos Estados Unidos, debates sobre diversidade, direitos das minorias e imigração tornaram-se campos de batalha para discursos polarizados válidos apenas para fomentar o ódio. Em vez de buscar soluções para problemas como a desigualdade econômica ou a crise climática, a política se transforma em um jogo de soma zero, onde a vitória de um lado é vista como a aniquilação do outro.

Conviver com as diferenças torna-se inviável quando o lado mais forte busca impor regras sobre o corpo das mulheres, ameaça deportações em massa de imigrantes – até mesmo os legalizados – e planeja cortes drásticos nos gastos públicos com o apoio de figuras como do bilionário Elon Musk.

O ataque ao Capitólio foi um marco da radicalização de parte do eleitorado republicano, mas eventos menores, como ameaças a funcionários eleitorais e protestos armados em assembleias estaduais, mostram que o problema é maior e de proporções ainda desconhecidas. A retórica do atraso de líderes da extrema-direita, muitas vezes ambígua ou até mesmo permissiva em relação a esses atos, cria o ambiente de impunidade e incentiva atos antidemocráticos.

O saldo deste processo eleitoral não é apenas a eleição de um presidente, mas a própria sobrevivência de valores democráticos nos Estados Unidos - país tido como um exemplo de democracia no ocidente. Se a polarização e o ódio continuarem a ser explorados como ferramenta política, sem qualquer tipo de punição para os que atentam ou mesmo desejam o fim do estado democrático, caminhamos a passos largos para o abismo.
 

O ensaio trata de aspectos da vida e da obra de Mauricio Tragtenberg (1929-1998)
por
Antônio José Romero Valverde
|
06/11/2024 - 12h

“A finalidade de qualquer educação é modelar a sociedade: mais do que ser ensinado, o homem deve fazer sua educação de homem e cidadão, aprender a se informar, a se comunicar com o “outro”, a participar, a tornar-se capaz de devir numa sociedade em pleno devir, essa é a finalidade primeira da educação. Na escola do futuro trata-se de aprender a devir.”  

(Mauricio TRAGTENBERG, 2005, p. 55)   

“No interior do sistema social as instituições educacionais e seus sacerdotes, os professores, desenvolvem um trabalho contínuo e sutil para a conservação da estrutura de poder e, em geral, da desigualdade social existente. Duas são as principais funções conservadoras atribuídas à escola e aos professores: a exclusão do sistema de ensino dos alunos das classes sociais inferiores e a que definimos como socialização à subordinação, isso é, a transmissão ao jovem de valores compatíveis com seu futuro papel de subordinado.”  

 (Mauricio TRAGTENBERG, 1976, p. 29)   

 

Vida e Obra  

O filme Madadayo (Ainda não), direção de Akira Kurosawa, de 1993, retrata a vida de Hyakken Uchida, professor de alemão que, aposentado após 30 anos de trabalho, pretende tornar-se escritor. O enredo move-se com os ex-alunos criando o rito de comemoração de aniversário do professor, perpassado pela trágica pergunta: “Madadai?” (“Está pronto?”). Ao que ele responde: “Madadayo” (“Ainda não”). Confirmação peremptória de mais um ano de vida, um de cada vez. Não está pronto para a morte. A comemoração repete-se ano após ano, com libações exemplares, muita cerveja, cantos, piadas. Sempre solícitos, os ex-alunos empenham-se por minorar cada dificuldade oferecida pela vida ao professor, como a destruição de sua casa, ocorrida no início da Segunda Guerra Mundial, ressalvado o servilismo oriental de par com os ditames da polidez formal japonesa, que, sem a devida interposição, pode comprometer a compreensão do lirismo ético em cena entre o professor e os ex-alunos, no passo de dar a ver o conhecimento vivenciado para além da exigência escolar, em prontidão de máxima atenção para todos. Afinal, cinema tem sido, antes de nada, uma forma de educação, por favorecer o olhar a mediar o mundo. Nesse caso, espelha-se a verdadeira admiração encarnada pelos ex-alunos ao professor, seguindo-o em quase todos os seus gestos e as atitudes de franca sinceridade, sobremaneira a conduta ética exemplar mantida com os estudantes e todos os circundantes, diante da adoração às margens de um transe extático ante a personagem do professor.   

A acidental comparação do professor de Madadayo com o professor Mauricio Tragtenberg estanca nesse ponto, porque ambas as figuras, públicas e intelectuais, tiveram florescimentos muito distintos. Tragtenberg, substancialmente, era um desbravador teórico e prático de muitos aspectos da dinâmica educacional e pedagógica, autodidata, sob o arco do socialismo libertário, mesmo que nunca tenha se declarado anarquista, ao rejeitar, como Liev Tolstói, por motivação cristã, a violência embutida em tal concepção filosófico-política, pela derivação, em algumas oportunidades, à prática da pedagogia dos fatos, utilizada para acordar as classes dominantes da tradicional letargia, como ocorrida em alguns quadrantes da Europa, a meados do século XIX e começo do século passado. Distinção necessária, porque a altura intelectual de Mauricio não permitia ascender a qualquer torre de marfim nem se aproximar dela, muito menos ser tomado como guru de ninguém, ou ser lisonjeado por quem quer que fosse do meio acadêmico e arredor. Ao contrário, escolheu observar e analisar o movimento real do mundo do trabalho, da barra da vida em amplos aspectos, da ação política, das lutas sociais, do fascismo, do fisiologismo político, pela lógica irredutível do capital, articulada por gestores e sindicatos, além de sua necessidade máxima de compreender as insurgências contemporâneas filosóficas, sociológicas, econômicas, literárias, antropológicas – estas reconhecidas como invenção colonial inglesa destinada à dominação dos asiáticos –, todas como partes do teto ideológico dominante.   

O foro de realização e dissipação de suas ideias educacionais e pedagógicas é a escola, organização complexa, cujo aparelho escolar tem seu papel na reprodução das relações sociais de produção quando: a) contribui para formar a força de trabalho; b) contribui para inculcar a ideologia hegemônica, tudo isso pelo mecanismo das práticas escolares; c) contribui para reprodução material da divisão em classes (sociais) e d) contribui para manter as condições ideológicas das relações de dominação (Trtagtenberg, 1976, p. 22)2.  

Ao que arremata: “O aparelho escolar impõe a inculcação ideológica primária e é seguido pelos diversos aparelhos – televisão, publicidade, seitas etc. A escola inclui, a forma de rudimentos, técnicas indispensáveis à adaptação ao maquinismo, em geral na forma preparatória” (Tragtenberg, 1976, p. 22), uma vez que os aparelhos ideológicos não produzem ideologia, mas cuidam de inculcar a ideologia da classe social dominante, com sucesso.   

Não fazia concessões de nenhuma ordem, como se lê nos seus escritos, especialmente no “Memorial”3, apresentado à Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), como exigência ao concurso para professor titular de Teoria da Organização, e na entrevista concedida na sede da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo5, além de suas atitudes e decisões plenamente éticas em momentos decisivos. Sem mestres, mesmo ao apropriar-se com toda a liberdade imaginável do pensamento de Karl Marx, para compreensão da exploração; de Max Weber, para a dominação; dos teóricos anarquistas, para a antipolítica, o contrapoder e a autogestão social e pedagógica; de Herbert Marcuse, para os nexos entre tecnologia e política em nova chave, a da civilização libidinal; de Hannah Arendt, para os aspectos da condição humana; de Michel Foucault, para a loucura, a biopolítica e os confinamentos sociais, entre outros, mas tão somente como ferramentas teóricas disponíveis à construção do próprio pensar, de modo a suportarem a produção crítica de sobeja acuidade intelectual da ordem político-social, do movimento real. A vocação crítica e a altura intelectual de Tragtenberg foram, precocemente, reconhecidas pelos colegas e professores, em razão da frequência à Biblioteca Municipal e à sede do Partido Socialista Brasileiro (PSB) da cidade de São Paulo (SP).   

Há um projeto de filme da vida e da obra de Mauricio Tragtenberg em andamento, que algum momento se materializará, dadas as forças conjugadas e empenhadas para tanto. Assim, trazer à cena Madadayo cede lugar à lembrança de um artigo publicado originalmente em A Folha Socialista, de 5 de outubro de 1953, à página 4, intitulado “O encouraçado Potemkin: a ‘autocrítica’” (Tragtenberg, 2011b, pp. 25-29). No artigo, primeiramente, Mauricio reanima a carta do diretor Sergei Eisenstein direcionada aos diretores da revista Vida e Cultura, que principia com os dizeres: “É difícil imaginar-se uma sentinela que se perde na contemplação das estrelas a ponto de esquecer o seu dever. É difícil imaginar-se um condutor de tanque a ler com avidez um romance de aventuras no momento de entrar em combate...” (Tragtenberg, 2011b, p. 25). Em seguida, analisa a “autocrítica de Eisenstein, obrigado pelo Partido, ‘reconsiderando à luz da verdade histórica’ o papel de Ivan, o Terrível4, (que) insere-se dentro do mecanismo político do poder estatal totalitário russo. O que quer dizer isso?” (Tragtenberg, 2011b, p. 28).   

 

Ao que adita:  

Explicamos. Sabemos que em toda forma estatal onde há (ou havia) um líder, chefe ou profeta, este, para dominar, necessita de seu poder. Pois bem, a legitimidade do poder de Stálin estava baseada em nome da herança de Lênin (lembrem-se do discurso pronunciado por Stálin, quando da morte de Lênin, que inicia e prossegue em tom de homilia de seminarista...) (...). Aí vemos a legitimidade do poder de Stálin e da burocracia totalitária sem bases bolchevistas e revolucionárias. Mas, na medida em que o capitalismo de Estado russo e seu Estado totalitário assentam-se na legitimidade pessoal do “chefe”, vão procurar bases tradicionais e conservadoras para fundamentar seu poder perante o povo, e isso dá-se na Segunda Guerra (Mundial), quando na Rússia se opera uma revivescência nacionalista e pan-eslavista com a consideração de Alexandre Nevsky, Suvorov, Kutuzov, generais reacionários apresentados como heróis nacionais progressitas. É nessa linha que se dá a reconsideração de Ivan, o Terrível, totalitário e reacionário, como um czar “nacional progressista”. (...) É mais um dos dramas humanos que se inserem na longa lista das vítimas da “arte dirigida”. O suicídio artístico de Eisenstein é um símbolo, o símbolo da arte esmagada pelo totalitarismo, a pretexto de “direção”. E o gênio Eisenstein, amargurado, retirou-se pouco depois do cinema. Não há campo para protagonistas na arte russa, só há para o coro, para os dóceis ao dirigismo artístico. É assim que o espírito revolucionário criador que transparece no Encouraçado Potemkin aparece como imagem viva de uma realidade morta, a Rússia atual, a negação do espírito criador e revolucionário (Tragtenberg, 2011b, pp. 2829).  

 

Mauricio encerra a explicação referindo-se ao comentário do historiador Victor Serge, para quem “os ideais da Revolução morreram e a foice e o martelo tornaram-se a bandeira do despotismo e do assassinato” (Tragtenberg, 2011b, p. 29)5. Nota-se pela leitura, mesmo fragmentada, o perfil do futuro educador brilhante ao assinar o ensaio em questão.   

Se não fez carreira profissional atuando no gênero crítica cinematográfica, contudo, em 1979, Mauricio escreveu uma análise do filme Eles não usam black-tie, direção de Leon Hirszman, de 1981, homônimo da peça teatral de Gianfrancesco Guarnieri, dramaturgo e ator, levada aos palcos em 1958. O artigo “Guarnieri para quem usa black-tie” foi publicado originalmente em um número do boletim Oboré, editado pelo jornalista Sérgio Gomes (Tragtenberg, 2011b, pp. 35-36)6.  

Autodidata por necessidade e instinto intelectual, desde um episódio prosaico na escola primária, quando fora reprovado em canto orfeônico por desafinar, no segundo ano do curso primário, situação que findou transformada em mote para a vida intelectual: aprender por si, pesquisando. Progrediu bastante, orientado para o processo, em princípio pelos professores Antonio Candido e Azis Simão, em conversas na Biblioteca Municipal e na sede do PSB, ao final da década de 1940 e início da de 1950. Por ser o autodidata mais livre para pesquisar, apropriar-se do conhecimento e pensar por si, porém com método, no mesmo passo, o mote inicial forneceu a Mauricio munição teórica para desafinar o coro dos contentes – políticos, ideólogos, intelectuais, religiosos ortodoxos, em síntese, os falsos profetas da miséria nacional.  

De sua biografia, registrou: “Nasci na cidade de Erexim, no Rio Grande do Sul, na zona da colonização de camponeses de origem judaica, que se dirigiram para lá, vindos das perseguições da Rússia czarista e dos progoms da década de 1910” (Tragtenberg, 1999, p. 11)7. Nascido aos 4 de novembro de 1929, tempo da crise econômico-social provocada pelo crash da Bolsa de Valores de Nova York, que não consta do referido “Memorial”, entanto registra os fatos de ter ficado órfão de pai com um ano de idade, o novo casamento da mãe e a mudança da família para Porto Alegre (RS) e, posteriormente, para São Paulo (SP), onde fixou residência10.  

Mauricio nomeava de as “minhas universidades”, arremedando o título do romance homônimo de Máximo Gorki, o Centro de Cultura Social, as aulas de filosofia proferidas por Mário Ferreira dos Santos, a frequência à casa da família Abramo e à Biblioteca Municipal de São Paulo – lugares de efervescência intelectual crítica sem o balizamento formal acadêmico, porém rigoroso –, além de frequentar os sapateiros anarquistas do Brás e da conversa com um politizado condutor do bonde, a meados dos anos de 1940.   

Declarava-se ateu, sem alarde, farisaísmo ou falso moralismo, mantida a condição religiosa de judeu até o fim da vida. “Ateu, graças a Deus!”, como dizia sob fina ironia, vez que o humor era uma das marcas de seu caráter, mas mostrava restrições ao pensamento político de Mikhail Bakunin, dado o viés autoritário contido na sua obra8. Ocorre que o ativista russo talvez tenha sido aquele que de modo mais expressivo ao universo anarquista tenha descartado a hipótese Deus (Tragtenberg, 2011b, pp. 125-143), no barco iluminista de Denis Diderot e de Pierre-Simon Laplace, em parte fruto de sua vivência na Rússia czarista e na Santa Moscou, sob vapores bizantinos e inspirado pela filosofia hegeliana.   

Tragtenberg não comungava integralmente com Bakunin, mesmo reconhecendo sua importância no processo de solidificação do ideário e da prática federalistas9, sobremaneira, aos meios operários de Espanha, a meados do século XIX, ao tempo que esteve em cena a operação da sua reentrada no concerto das nações europeias, com praticamente 300 anos de atraso, de caráter religioso confidencial, sob um processo de secularização lenta, embalada pelos krausistas espanhóis, basicamente professores universitários, para a criação política da República. Mesmo assim, Tragtenberg sempre tomou partido teórico-prático do viés bakuninista ao explicitar o racha ocorrido no seio da Primeira Internacional. Para o campo teórico do anarquismo, Mauricio Tragtenberg parecia alinhar-se mais pontualmente com o horizonte político criado por Pierre-Joseph Proudhon, por “ser o mais generoso dos teóricos do anarquismo” e pela defesa da proposta autogestionária.  

 

Crítica à educação e ao sistema educacional  

Mauricio Tragtenberg ingressou na Faculdade de Educação da Unicamp, em 1976, como professor não concursado, por indicação direta do reitor Zeferino Vaz, após ter sido aprovado três vezes em concursos públicos prestados na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Porém, sem contratação efetivada, logo, reprovado por motivos injustificáveis, academicamente.   

Na faculdade produziu a crítica da instituição “organização escolar”, com todas as possíveis implicações sociopolíticas. Os cursos ministrados na pós-graduação da faculdade, após o primeiro curso tratar de metodologia histórica, em que ensinou a ler O capital, de Karl Marx, seguido de estudos sobre Max Weber, passaram a criticar o papel do controle burocrático escolar na inculcação ideológica, na reprodução da ordem econômica e na divisão social do trabalho, momento em que Pierre Bourdieu e Jean Claude Passeron foram introduzidos ao debate educacional nacional por A reprodução, ainda sem a devida leitura nem as inferências de todos os conflitos embutidos. Mauricio cumpriu esse papel e trouxe também Michel Lobrot, Bernard Charlot, Mario Manacorda e os teóricos da educação anarquista, Tolstói, Paul Robin, Francisco Ferrer, preocupados com o processo educacional em liberdade e a autonomia dos envolvidos para o cumprimento da premissa da emancipação humana, extrapolado o pedágio da invenção iluminista.   

Mauricio Tragtenberg fundou, com Casemiro dos Reis Filhos e Joel Martins, a revista Educação & Sociedade, na Faculdade de Educação da Unicamp, em 1978. O primeiro número trouxe o artigo de fundo “Francisco Ferrer e a pedagogia libertária”, lastrado na história moderna da Espanha pela análise dos nexos entre reconquista e Igreja, a relevância da geração de 98, a vida e a obra de Ferrer, a pautar os princípios da coeducação de ambos os sexos, da coeducação das classes sociais, da higiene escolar, a importância dos jogos (pedagógicos) sob a guarda da cooperação não competitiva, a formação racionalista dos professores (escola de professores), sem prêmios nem castigos, abolidos os exames etc. Destaque para as notas de rodapé weberianas, extensas e densas, com indicações bibliográficas relevantes para a sustentação dos argumentos movidos no corpo do texto. Oportunidade de lançar à cena acadêmica as leituras de adolescente de textos anarquistas e da convivência com os sapateiros anarquistas do bairro do Brás, em São Paulo, por volta de 1945, completado com o fato de o Arquivo Edgard Leuenroth ter sido adquirido pela Unicamp, contendo todos os jornais anarquistas do começo do século XX.   

Simultaneamente, Mauricio pesquisava e escrevia a livre-docência, intitulada Administração, poder, ideologia, que defenderia entre os dias 12 e 13 de março de 1979.  Para a aula correspondente, ministrada pela manhã, teve o ponto sorteado “Educação e Fascismo”, e a defesa da livre-docência à tarde10. A livre-docência teve como nexo inicial o artigo seminal “A teoria geral da administração é uma ideologia?”, publicado na Revista de Administração de Empresas RAE, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), em 1971. Ao tempo em que se discutia se administração era ciência ou técnica, para Mauricio, ideologia. 

Em determinado momento, entre os anos 1970 e 1980, Mauricio figurou como a consciência possível do Brasil, pois soubera como ninguém compreender todas as contradições em curso e sintetizá-las de modo a conceituar o “espírito do tempo” manifesto, desde a herança política colonial, o fisiologismo político, os labirintos burocráticos estatal e acadêmico, a perda dos direitos trabalhistas, o lento processo de degradação das relações entre capital e trabalho, a falta de virtù do Partido dos Trabalhadores (PT), em ação, – talvez tenha sido o primeiro a denunciá-la –, às margens de certo fascismo interno de ordens e contraordens, a par de pouca reflexão crítica, na linha dos nexos necessários entre teoria e práxis para o avanço da causa social. Eram os seus dilemas11, sobremaneira, por desmontar criticamente o papel da educação no contexto nacional – de mantenedora da desigualdade social em ritmo acelerado –, que se perspectivado se chega à situação, aparentemente, irreversível da atualidade. Críticas confirmadas nos escritos recolhidos em Educação e burocracia (Tragtenberg, 2012). Mauricio estava sempre atento ao lugar dos desfavorecidos pela injusta ordem socioeconômica, contudo, alinhado pela proposta de uma organização popular como saída lúcida12.  

Entrado os anos 1980, Mauricio leu Foucault e Hannah Arendt e, salvo melhor juízo, foi o primeiro professor a introduzi-los na universidade, ao menos na Unicamp e na FGV. Ministrou cursos, em que lia e comentava a História da loucura e A condição humana, porém nunca se transformou em foucaultiano, arendtiano nem se filiou a qualquer outra novidade filosófica, sem esquecer a monumental empreitada intelectual de dissecar o livro póstumo de Max Weber, Economia e sociedade, o que fez em ao menos quatro semestres na Faculdade de Educação da Unicamp. Ao final da vida, estudava os maquiavelistas Han Fei-Tzu e Kautilia, chinês e hindu.   

Há que se destacar sua militância no Centro de Cultura Social, fundado em 1933, na Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo e nas Comissões de Fábrica da Ford de São Bernardo do Campo (SP)16, assim como esteve próximo das Comunidade Eclesiais de Base (CEBs) do Butantã, e ainda da Associação dos Docentes da Unicamp (Adunicamp), onde não foi bem compreendido ao propor que o professor universitário fosse caraterizado como “trabalhador intelectual”. Os colegas da Unicamp acharam um rebaixamento do status quo.   

A militância esteve combinada com a coluna “No Batente”13, do jornal Notícias Populares, o mais popular dos jornais paulistanos. Na coluna, Mauricio escrevia sobre a luta dos trabalhadores, fazia denúncia, respondia a cartas de trabalhadores, levantava e mantinha bandeiras do antirracismo, feminismo, sobremaneira da autogestão social. Antes, havia trabalhado por três anos como diretor de política internacional da Folha de S. Paulo, a convite de Cláudio Abramo, a partir de 1964.   

Mauricio atuou também como tradutor e organizador de textos de magnitude política, voltados para a noção de autonomia, com destaque para a tradução de Ben Gurion, o profeta armado, de M. Michel Bar-Zohar, editado pela editora Senzala, em 1968, com sua “Apresentação do tradutor brasileiro”. Organizou edições de textos de pensadores heterodoxos do marxismo, como Herman Gorter, Jan Waclav Makhaïski e Amadeo Bordiga18, e do anarquismo, Bakunin, Piotr Kropotkin, Errico Malatesta, Nestor Makhno, além de prefaciar o livro Organismo econômico da revolução: a autogestão na Revolução Espanhola, de Diego Abad de Santillán, fundamental para a compreensão da Guerra Civil espanhola do ponto de vista da luta anarquista. Ainda, foi tradutor de textos de Weber e de Jürgen Habermas para a coleção “Os Pensadores”.  

Mauricio deixou uma obra intelectual de peso, extensa, quase totalmente publicada pela Editora Unesp, organizada pelo professor Evaldo Amaro Vieira, exímio conhecedor de seu pensamento, além de cursos exemplares, atualizados e dinâmicos, oferecidos aos alunos da graduação e da pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), da Unicamp e da Escola de Administração de Empresas da FGV-SP. É referência a, praticamente, toda pesquisa que intente levar adiante o legado de João Cruz Costa, o primeiro doutor em filosofia do Brasil, um dos que convenceram Mauricio a entrar na Universidade de São Paulo (USP). Cruz Costa defendia que todo estudo acerca da filosofia, em solo pátrio, deveria reverter-se para a compreensão do Brasil. Mauricio praticou esse enunciado no detalhe, mesmo não tendo formação em filosofia. A propósito, há uma pesquisa concluída acerca das fontes filosóficas do pensamento tragtenberguiano.  

  

Com efeito, em “Memorial”, Tragtenberg (1991, p. 84) informa:  

Antonio Candido, no saguão da Biblioteca Municipal, mencionara uma lei federal que permitiria eu apresentar uma monografia à (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH da USP, para prestar vestibular e cursar a universidade. Em 150 dias de trabalho, estruturei a monografia Panificação: o desafio do século XX15, que, mediante parecer do Prof. João Cruz Costa, permitiu-me prestar vestibular e ingressar na USP.   

Inicialmente aprovado para o curso de Ciências Socias, que frequentou por um ano, prestou novo vestibular para ingresso em História da Civilização, porque “pensava ser esta mais condizente com os princípios do materialismo histórico” (Tragtenberg, 1991, p. 84).  

Algumas teses doutorais explicitam o pensamento de Tragtenberg, como A obratrajeto de Mauricio Tragtenberg sob o prisma das afinidades eletivas, de Doris Accioly e Silva, defendida na Unesp de Araraquara, na área de sociologia, em 200416. Outra é a de Antônio Ozaí da Silva, Mauricio Tragtenberg e a pedagogia libertária, defendida na Faculdade de Educação da USP, em 200417. Em 2010, Elcemir Paço Cunha defendeu a tese intitulada Gênese, razoabilidade e formas mistificadas da relação social de produção em Marx: a organização burocrática como abstração arbitrária, em administração, na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais23. Há ainda a tese A trajetória intelectual e política de Mauricio Tragtenberg, de Erisvaldo Pereira de Souza, doutorado em Sociologia, defendida na Universidade Federal de Goiás, em 2017, e a dissertação de mestrado de Ilzo Rafael Fonseca, Relações sociais de produção e educação: uma análise da obra de Mauricio Tragtenberg, defendida em 2018, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, a par de um número considerável de artigos acerca da concepção tragtenberguiana de educação, publicados em revistas científicas qualificadas, com alto grau de compreensão de seu pensamento crítico24 Outros pesquisadores deram prosseguimento à crítica tragtenberguiana em artigos de análise da burocracia, da administração, da educação e da filosofia política.  

Todavia, um estudo sintético e elucidativo do pensamento crítico da educação se encontra no texto “Tragtenberg e a educação”, de Agueda Bernardete Bittencourt Uhle. Por ter sido orientanda e colega do Pensador na Faculdade de Educação da Unicamp, no texto a autora conseguiu desvelar ainda mais o que se encontra explicitado nos escritos de Mauricio, mas não só, a começar por sistematizar o período de produção crítica acerca da educação, entre os anos 1978 e 1981, a par de apontar para a desconfiança do Autor em relação à própria escola como agente de transformação social, se não for organizada com base em demandas sociopolíticas, em vista das contradições de classes sociais do país, que se eternizam. Caso contrário, a escola presta-se a reproduzir tão somente a ordem social fixada e, ao mesmo passo, a disciplinar os estudantes para a docilidade futura na atuação profissional. Ainda segundo Uhle, Tragtenberg considera que, no plano social, a classe dominante representada pelo Estado define os objetivos da escola – “formar indivíduos cada vez mais adaptados ao seu local de trabalho, porém capacitados a modificar seu comportamento em função das mutações sociais” – e a forma como esses objetivos serão alcançados – em organizações burocráticas (Silva; Marrach, 2001, p. 160).  

Por isso, registrou: “A luta é a grande escola do trabalhador, é através dela que forma sua consciência social, educa-se para a autonomia de organização e direção de seus projetos” (Tragtenberg, 2011a, p. 297). A que aditava: “A vida desmente a aula; a vida também educa. Não confundamos educação com escolaridade” (Tragtenberg, 2009, p. 178).   

Hule explica que a crítica à escola desenvolvida no conjunto de sua obra sobre educação é uma crítica radical. Vai às raízes do problema. Não propõe reformas ou ajustes de rota. Não aponta culpados nem desconsidera responsabilidades. O que põe em xeque é a própria instituição em seu conjunto, não como um organismo abstrato, mas como expressão de interesses (Silva; Marrach, 2001, p. 160). Conclui que a posição tragtenberguiana consiste em “alertar para o lugar social da escola, mostrar seu peso político e as implicações da escolarização da população para a construção de uma dada organização social” (Silva; Marrach, 2001, p. 160). No mesmo passo, “tinha um compromisso permanente com a produção do conhecimento e, para isso, apostava na liberdade do pesquisador para buscar problemas socialmente relevantes para seus estudos” (Silva; Marrach, 2001, p. 164), fundados na necessidade de autonomia do pesquisador.   

Contudo, para complementação do percebimento da crítica tragtenberguiana à educação, os artigos “O papel social do professor”, “Quando o operário faz a educação” e “As condições de produção da educação” (Tragtenberg, 2012) fornecem a dimensão basilar para tal. Como a pesquisa acadêmica, grosso modo, ocorre com professores alocados nos programas de pós-graduação das universidades, Tragtenberg exerceu a crítica contundente do sistema de pós-graduação nacional. Os textos mais circunstanciados em vista dos fins da pesquisa acadêmica são “A delinquência acadêmica” e “O saber e o poder”. O primeiro, funcionou como uma bomba de efeito nada retardado, porque na semana seguinte do lançamento de A delinquência acadêmica: o poder sem saber e o saber sem poder (Tragtenberg, 1979) estudantes da USP picharam os muros do campus Butantã com frases retiradas do livro. Tragtenberg colocava sob suspeita toda pesquisa científica acadêmica para fins de manipulação política e de guerra. Para a apresentação do livro, intitulada “Verás que...”, registrou:   

A Delinquência Acadêmica aborda não só a universidade como instituição dominante, mas também os mecanismos pelos quais ela se liga à dominação. Procura mostrar que sua crise reflete a crise da sociedade global, produzindo contraditoriamente dois tipos de intelectual. O intelectual orgânico da burguesia, organizador da hegemonia burguesa, a qual por mediação da universidade inculcará as formas de sentir, pensar e agir da classe dominante como sendo “naturais” e “normais”; e o intelectual crítico que, em épocas de ascensão do movimento de massas, pode legitimamente representá-las (Tragtenberg, 1979, p. 9)18.   

O legado de Tragtenberg é imenso ao campo das ciências humanas. Contribuiu para a crítica da administração empresarial, compreendida como ideologia, sendo pioneiro em registrar a introdução do tema toyotismo na gestão das empresas no Brasil, e para a crítica da escola como lócus de conflito social e de possibilidades de explicitação, para além da submissão à ideologia dominante. Ainda, introduziu a filosofia política do socialismo libertário, marcada pela ideia de autogestão em todos os níveis da sociedade, além de ter formado dezenas de professores e pesquisadores universitários, exorientandos ou não, que assimilaram o núcleo do pensamento crítico tragtenberguiano.   

Em justo reconhecimento ao esforço intelectual de compreensão do Brasil, Tragtenberg figura, de modo nada acidental, entre os intérpretes do Brasil, na obra coletiva Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados (Barsotti, 2014, pp. 357376).  

Em reconhecimento ao professor excelente e ao jornalista combativo, em 29 de outubro de 2010, o curso de jornalismo da PUC-SP teve aprovada a criação da Agência de Jornalismo Online Mauricio Tragtenberg (AGEMT), cujos princípios se encontram em nota de rodapé19.  

Se o filme documentário biográfico do Filósofo da luta social segue embrionário, em 2017 o líder sindical dos Correios Pedro Porcino, os familiares do Pensador, amigos e ex-alunos fundaram o bloco carnavalesco Filhos de Mauricio Tragtenberg, durante o evento acadêmico “Mauricio Tragtenberg, a Pessoa, a Obra e a Revolução Russa”, realizado na PUC-SP, em setembro daquele ano. O bloco desfilou no carnaval de 2018 e de 2019. Em 2020, os integrantes avaliaram a pandemia da Covid-19 à espreita nas esquinas paulistanas, findando por adiar o desfile para um futuro carnaval. Para o primeiro desfile, o músico Val Medeiros compôs Samba em homenagem a Mauricio Tragtenberg, samba-enredo interpretado por Helber Medeiros, em gravação de circulação restrita, por enquanto. Encerra-se o capítulo com a letra da música, uma excelente síntese da vida do professor Mauricio Tragtenberg e de seu reconhecimento popular:  

Uma voz ecoou... / bateu saudade. / Menino pobre que nasceu em Erechim (bis) / Povoado pequeno, / começava assim. / Essa história que jamais terá um fim. / Nessa trajetória esse menino alcançou: / sucesso e prestígio, / muita luta ele travou. / Foi professor, / se tornou jornalista. / Uma figura importante no Brasil. / E foi assim que ele surgiu. / “No Batente” escreveu suas ideias / de liberdade. / Com seu espírito de luz, / Só queria igualdade. / Homem de cultura exemplar, / na escola da vida (bis). / Foi perseguido injustamente, / pela ditadura militar. / Mas o tempo passou, / então retornou. / Deu a volta por cima. / Formando uma grande legião de mestres, / da cultura popular. / Hoje o céu está em festa, / pra cantar. / Sua história, vai se eternizar. / Os anjos as trombetas vão tocar. / Mauricio Tragtenberg / sua voz vai ecoar (Medeiros, 2019].  

- Que se leia a obra de Mauricio Tragtenberg! “O judeu sem templo. O militante sem partido. O intelectual sem cátedra!”20.  

 

Referências 

BARSOTTI, P. D. Maurício Tragtenberg. In: Pericás, L. B.; Secco, L. (org.). Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 357-376. 

CUNHA, E. P. Gênese, razoabilidade e formas mistificadas da relação social de produção em Marx: a organização burocrática como abstração arbitrária. Tese (Doutorado em Administração) – Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010. 

FONSECA, I. R., Relações sociais de produção e educação: uma análise da obra de Mauricio Tragtenberg, Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2018.   

MÁRSICO, G. O., Cágada (ou a história de uma cidade a passo de), Porto Alegre, Movimento, 1974.   

SHIMAMOTO, S. V. M., “A concepção de trabalho escolar e a (des)politização dos sujeitos sociais a partir de Mauricio Tragtenberg”,  Educação e Políticas em Debate, v.  

6, n. 2, pp. 255-274, maio/ago. 2017. Disponível em:  

http://www.seer.ufu.br/index.php/revistaeducaopoliticas/article/view/46776/25480  Acessado aos 14 de outubro de 2022.   

SILVA, A. O. da, Mauricio Tragtenberg e a pedagogia libertária, Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004. Disponível em: https://repositorio.usp.br/item/001385234  Acessado aos 14 de outubro de 2022.   

SILVA, A. O. da, Mauricio Tragtenberg: militância e pedagogia libertária, Ijuí, Editora Unijuí, 2008.   

SILVA, D. A., A obra-trajeto de Mauricio Tragtenberg sob o prisma das afinidades eletivas, Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de  

Mesquita Filho”, Araraquara, 2004.  

SILVA, D. A.; MARRACH, S. A. (orgs.), Mauricio Tragtenberg: uma vida para as ciências humanas, São Paulo, Editora Unesp / Fapesp, 2001.   

SOUZA, E. P., A trajetória intelectual e política de Mauricio Tragtenberg. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017.   

TRAGTENBERG, M., “A escola como organização complexa”, In GARCIA, W. E. (org.), Educação brasileira contemporânea: organização e funcionamento, São Paulo, McGraw-Hill do Brasil, 1976, pp. 15-30.   

___________, “Francisco Ferrer e a pedagogia libertária”, Educação & sociedade, n. 1, v. 1, São Paulo, Cortez & Moraes, 1978, pp. 17-49.   

Tragtenberg, M. A delinquência acadêmica: o poder sem saber e o saber sem poder. São Paulo: Rumo, 1979.   

___________ (org.), Marxismo heterodoxo, São Paulo, Brasiliense, 1981.   

___________, M. Sobre educação, política e sindicalismo. São Paulo: Cortez / Autores Associados, 1982. v. 1. (coleção Teoria e Prática Sociais).   

___________, “Memorial”, Pro-Posições, Campinas, v. 2, n. 1, 1991. Disponível em:  

https://www.fe.unicamp.br/pf-fe/publicacao/1704/4-divulgacao-tragtenberg.pdf  Acessado aos 14 de outubro de 2022.   

___________, Memórias de um autodidata no Brasil, São Paulo, Editora Unesp / Escuta / Fapesp, 1999.   

___________, Sobre educação, política e sindicalismo, São Paulo, Editora Unesp, 2004.  

(Coleção Mauricio Tragtenberg).   

___________, Administração, poder e ideologia São Paulo, Editora Unesp, 2005. (Coleção Mauricio Tragtenberg).   

___________, A revolução russa, São Paulo, Editora Unesp, 2007. (Coleção Mauricio Tragtenberg).   

___________, A falência da política, São Paulo, Editora Unesp, 2009. (Coleção Mauricio Tragtenberg).   

___________, O capitalismo no século XX, 2ª edição, São Paulo, Editora Unesp, 2010. (Coleção Mauricio Tragtenberg).  

___________, Autonomia operária, São Paulo, Editora Unesp, 2011a. (Coleção Mauricio Tragtenberg).   

___________, Teoria e ação libertárias, São Paulo, Editora Unesp, 2011b. (Coleção Mauricio Tragtenberg).   

___________, Educação e burocracia, São Paulo, Editora Unesp, 2012. (Coleção Mauricio Tragtenberg).  

VALVERDE, A. J. R. (org.), Mauricio Tragtenberg: 10 anos de encantamento, São Paulo, Educ / Fapesp, 2011.   

VALVERDE, A. J. R.; MACHADO, R., Mauricio Tragtenberg: autogestão social e pedagógica, São Paulo, Educ, 2016. (Coleção Sapientia – Grandes Mestres da PUC-SP).   

Filmografia   

Madadayo. Direção: Akira Kurosawa. 1993.  

Samba-enredo  

MEDEIROS, V., Samba em homenagem a Mauricio Tragtenberg, 2019. Disponível em: https://m.facebook.com/FilhosDeMauricioTragtenberg/videos/2185954824758258/?refs rc=deprecated&_rdr  Acessado aos 27 de agosto de 2021. 

A execução precisa dos códigos de cada etiqueta trouxe um frescor revigorante para as grifes renomadas
por
Giovanna Montanhan
|
30/10/2024 - 12h

A São Paulo Fashion Week (SPFW) ocorreu entre os dias 14 e 21 de outubro, com quase o dobro  do número de desfiles, em comparação à edição anterior, passando de 27 para 42. O evento trouxe de volta às passarelas marcas como a homônima Alexandre Herchcovitch, À La Garçonne e Salinas, além de  grifes vanguardistas, presentes em todas as edições, como Lino Villaventura.

Lino Villaventura

Quem acredita que a alta-costura no Brasil se encerrou com o estilista paraense Dener Pamplona - pioneiro na moda brasileira,  introduzindo esse conceito no país - certamente nunca assistiu a um desfile de Lino Villaventura. 

Conhecido por suas peças com nervuras elaboradas, Lino trouxe nesta edição vestidos e blusas assimétricas, bordados minuciosos, saias em formato de pétalas, além de modelos com volumes, drapeados e tecidos que simulavam plástico, em cores vibrantes como azul piscina e verde claro. Desta vez, além dos neutros — o branco que abriu o desfile, seguido pelo bege e preto —, a paleta se expandiu para tons multicoloridos, como roxo e vermelho, alternando entre peças fluidas e modelos mais estruturados. A modelo Silvia Pfeifer encerrou  o espetáculo visual concebido pela mente fértil  de Lino, desfilando um modelo transparente azul-marinho com brilhos, acompanhado de um robe preto de cetim e luvas arroxeadas que deixavam os dedos à mostra.

lino
Reprodução: @agfotosite

 

 

 

lino
Reprodução: @agfotosite

 

 

lino
Reprodução: @agfotosite

 

lino
Reprodução: @agfotosite

 

 

lino
Reprodução: @agfotosite

 

lino
Reprodução: @agfotosite

 

lino
Reprodução: @agfotosite

 

lino
Reprodução: @agfotosite

 

lino
O estilista Lino Villaventura na passarela após o final do desfile - Reprodução: @agfotosite

À La Garçonne

À La Garçonne comemorou 15 anos de marca e 20 anos de carreira de seu diretor criativo Fábio Souza  Após sua separação profissional de Alexandre Herchcovitch, Souza decidiu redefinir os códigos da marca, que anteriormente destacava o conceito de upcycling e trazia cordas trançadas como logotipo. Agora, com controle total sobre as direções, códigos costumeiros da etiqueta  aparecem de forma pontual em algumas peças, enquanto o principal destaque neste primeiro desfile foi a cartela de cores em preto e branco, combinada com variações de design, ternos de alfaiataria e lurex, que abrilhantaram a passarela ao lado de estampas quadriculadas. Vale destacar as saias de tule com poás, uma tendência atemporal, a presença do personagem Snoopy, que apareceu em moletons e casacos, e os laços.

 

alg
Reprodução: @agfotosite

 

 

alg
Reprodução: @agfotosite

 

alg
Reprodução: @agfotosite

 

alg
Reprodução: @agfotosite

 

 

alg
O estilista Fábio Souza na passarela após seu desfile - Reprodução: @agfotosite

 

 

Salinas

Salinas, uma marca tradicional de beachwear, retornou ao maior evento de moda da América Latina após seis anos longe das passarelas, apresentando a coleção "Sol, Sal e Sonhos". Com uma paleta predominantemente neutra e atemporal, a coleção trouxe peças que se adequam tanto ao momento praia quanto ao pós-praia. Entre os destaques estão minissaias, chapéus compridos de palha desfiada, bolsas de crochê, camisas de linho e biquínis assimétricos. Uma seção da coleção, com peças em tons de cinza claro, com calças soltinhas, maiôs e casaquinhos leves com brilhinhos prateados sutis. Os acessórios incluíam braceletes dourados e belly chains (cordões para adornar a barriga) com o nome da marca, além de chinelos de dedo com plataforma e tamancos prateados.

 

salinas
Reprodução: @agfotosite

 

 

salinas
Reprodução: @agfotosite

 

 

salinas
Reprodução: @agfotosite

 

 

 

salinas
Reprodução: @agfotosite

 

 

salinas
Reprodução: @agfotosite

 

 

salinas
Reprodução: @agfotosite

 

salinas

 

salinas
Reprodução: @agfotosite

 

 

salinas
Reprodução: @agfotosite

Alexandre Herchcovitch

E por fim, Alexandre Herchcovitch com sua etiqueta homônima e conhecida por trazer designs inovadores, dessa vez em parceria com a marca alimentícia de queijos Catupiry, apresentou  bolsas e moletons com seu logo, uma produção com a estilista Fábia Bercsek, que o ajudou a criar estampas feitas à mão.

Os recortes assimétricos moldaram-se abaixo dos seios, deixando a barriga à mostra e chegando ao ponto final: a virilha, trazendo à tona uma estética fetichista. Para aqueles que preferem não arriscar e se manter dentro de estilos mais convencionais, também há opções que beiram o óbvio e comercial, como moletons felpudos listrados, regatas, calças de alfaiataria e jeans. Mas, como era de se esperar de Alexandre Herchcovitch, foi possível observar um mergulho profundo nos códigos dos anos 70, trazendo consigo toda a purpurina que remete à Era Disco, além de tecidos como jacquard, lurex, paetê em padronagem xadrez e lamê.



 

AH
Reprodução: @agfotosite

 

AH
Reprodução: @agfotosite

 

ah
Reprodução: @agfotosite


 

ah
Reprodução: @agfotosite

 

ALE
Reprodução: @agfotosite

 

 

AH
Reprodução: @agfotosite


 

ah
Reprodução: @agfotosite

 

ah
Reprodução: @agfotosite

 

 

Reprodução: @agfotosite
O estilista Alexandre Herchcovitch na passarela após o seu desfile - Reprodução: @agfotosite

 

As mídias digitais têm desempenhado um papel significativo na crescente sociedade dos desafetos
por
Felipe Abel Horowicz Pjevac
Pedro Paes Barreto Monteiro
Felipe Volpi Botter
|
06/11/2023 - 12h

A popularização das mídias digitais e a inserção dos grandes veículos de notícias em diversas plataformas da internet nos últimos 15 anos vem trazendo diversos benefícios para a população. O acesso mais fácil à informação, a abertura de novos espaços para debate, o lugar de fala (possibilitado a cidadãos com piores condições de vida) e o rápido compartilhamento de informações; a princípio podem parecer exclusivamente positivos para o funcionamento do sistema democrático. Mas, é necessário e urgente analisar o papel delas na polarização social, explorando como a cobertura mediática de questões políticas, culturais e sociais tem contribuído para a divisão da sociedade.

A mídia sempre desempenhou um papel fundamental na sociedade, moldando opiniões, informando o público e influenciando a forma como as pessoas veem o mundo ao seu redor. Essa postura de polarização extrema nas redes sociais só beneficia os donos das bigtechs, além de gerar bolhas específicas de opinião e ainda favorece que o algoritmo envie com mais precisão os conteúdos designados a cada grupo social. Outro fator importante é que para atingir o público desejado, o transmissor do conteúdo pode fazer uso das ferramentas mais eficientes para cada postagem. Dessa maneira, as fake news, frases tiradas de contexto, comparações desprovidas de sentido e teses comprovadamente equivocadas ganham força para alcançar aqueles receptores que aguardam por essas notícias.

Essa grande rede de manipulação prejudica o funcionamento da democracia em sua essência, pois o debate construtivo com os participantes sujeitos a uma possível mudança de opinião fundamenta o sistema democrática da maneira como o conhecemos nas sociedades atuais. É uma via de mão-dupla: os usuários das redes incentivam uma postura mais polarizadora da mídia, acessando apenas conteúdo que favoreçam suas opiniões e criticando veementemente qualquer tipo de postagem que vá contra aquilo que acredita ou que ao menos incentive uma reflexão. Xingamentos nos comentários, bloqueios em massa e o famoso ‘reclamar sem ler’ são medidas que refletem a incapacidade de interpretar e absorver informações de ambos os lados.

Em entrevista ao UOL, a jornalista Luciana Gurgel deu o nome de Fox News-ização a esse processo, devido à emissora que é responsabilizada por ter desencadeado um enorme sistema polarizador nos Estados Unidos antes das eleições presidenciais entre Donald Trump e Hillary Clinton em 2016: “A ‘Fox News-ização’ da mídia representa um perigo fatal para as democracias porque mina a base da harmonia civil e do debate público tolerante”.

Luciana completa: “Considerando que não é um erro a mídia expressar uma opinião, como acontece em editoriais, artigos de colunistas e programa de debates", mas isso não é prestação de serviço, mas opinião, que muitas vezes não favorece a democracia. Na obra ‘Infocracia’, o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, fala muito sobre as técnicas de microtargeting e como esse processo é relacionado com uma divisão maior na sociedade. Todo o processo de psicometria é baseado na análise de dados e perfis pelas grandes empresas que controlam as redes (Google, Microsoft, Meta, Amazon, Apple, entre outras). O comportamento dos cidadãos em redes muitas vezes pode parecer puramente espontâneo, mas até mesmo os comentários mais ofensivos e genéricos são influenciados e manipulados em níveis inconscientes por esferas que desejam promover o ‘caos’ social para sua escalada.

 

Foto Polarização Internet
A política e a internet se misturam de muitas maneiras, trazendo pontos positivos e negativos

Uma das maneiras pelas quais a mídia contribui para a polarização social é através do sensacionalismo e do uso de títulos sensacionalistas, comumente conhecidos como "clickbait". Os veículos de comunicação muitas vezes destacam histórias que provocam emoções intensas, como raiva, medo ou indignação, a fim de atrair mais espectadores ou leitores. Isso pode levar a uma visão distorcida da realidade, exagerando problemas e agravando as divisões sociais.

O livro ‘Infocracia’ também traz esse tema, demonstrando que o afeto se forma e se propaga com mais força e intensidade do que a racionalidade. Qualquer conteúdo que atinja o espectador pela emoção tende a criar um laço maior do que algo que exija a interpretação. Essa é uma característica marcante da sociedade da informação, que, pautada por um caráter de curto-prazo, não oferece ao seu cidadão o tempo necessário para tomar a ação racional.

Outra maneira pela qual a mídia contribui para a polarização é através de viés e seletividade na cobertura de notícias. Os veículos de comunicação podem favorecer certas perspectivas políticas ou ideológicas, retratando eventos de maneira tendenciosa. Isso pode criar uma bolha de informações onde as pessoas só são expostas a um ponto de vista, reforçando suas crenças e alienando aqueles que pensam de maneira diferente.

A polarização social é um desafio significativo que afeta muitas sociedades nos últimos anos, e a mídia desempenha um papel importante nesse fenômeno. O sensacionalismo, o viés, a seletividade e o uso de redes sociais desempenham um papel na criação de divisões na sociedade. No entanto, a mídia também pode ser uma força positiva na promoção do diálogo, da compreensão e da unidade. É crucial que a mídia e os consumidores de notícias sejam conscientes de seu papel na sociedade e trabalhem juntos para reduzir a polarização e promover uma comunicação mais equilibrada e construtiva.

 

A espetacularização dos programas televisivos são frequentes nos canais esportivos
por
Felipe Oliveira
Daniel Santana
|
06/11/2023 - 12h

Em agosto de 2022, o professor universitário Celso Unzelte, 55 anos, também conhecido por ser pesquisador de esportes, ex-repórter da revista PLACAR e atual comentarista da ESPN Brasil, palestrou em um curso da Faculdade Cásper Líbero (FCL) sobre a história do jornalismo esportivo e como exercê-lo de maneira profissional. Unzelte afirma que o “jornalismo esportivo é antes de tudo jornalismo”, de maneira que não deve só ser abordado como, dito por ele, uma “conversa de boteco”, mas sim com certa seriedade.

Celso Unzelte
Foto: Reprodução Vídeo ESPN

De acordo com o professor, “a produção jornalística esportiva passa pelos mesmos processos de qualquer outra editoria: pauta, apuração, redação e edição. Por isso, não basta ‘gostar’ do assunto, é preciso enxergá-lo como um objeto de trabalho”. Além desses requisitos, ele vai citar a ética e o interesse público como pontos chaves, no qual afirmam que o jornalismo no âmbito desportivo é tão sério quanto dos outros campos da profissão. Mas isso não quer dizer que seja um trabalho propriamente igual ao jornalismo tradicional, uma vez que o entretenimento está diretamente ligado ao esporte. “É um emprego que mexe com a paixão, mas não devemos deixar que isso nos comprometa e atrapalhe no profissionalismo”, diz Unzelte.  

Porém, já está enraizado nos canais de mídia brasileiros o sensacionalismo exagerado das notícias, no qual o show é mais vendido do que a própria verdade. No meio futebolístico, esta espetacularização consegue ser ainda pior, visto que sua frequência é maior e altamente normalizada pelo público que se acostumou, de maneira manipulada, a este tipo de fazer jornalismo. Diversos canais da TV aberta propiciam a alienação da sociedade, por meio do entretenimento exacerbado e comprado, visando exclusivamente o lucro e a audiência.

De acordo com o jornalista José Arbex, autor do livro “Showrnalismo”, em entrevista dada para a TV Brasil, “jornalismo não se confunde com comunicação social em geral”. De acordo com ele, a profissão deveria ter objetivo de entregar a verdade ao público, porém esta tradição jornalística vem perdendo espaço para a espetacularização das coisas. “A informação virou entretenimento”, diz Arbex.

A exemplo disso, temos o programa de debates “Os Donos da Bola”, com o apresentador e ex-jogador que se denomina como “craque” Neto. O mesmo, mantém um personagem que usa o espetáculo para produzir um conteúdo informativo de maneira exagerada, buscando somente a audiência.

Neto Peppa
Foto: Reprodução Vídeo Os Donos da Bola

A obra Infocracia, do sul-coreano Byun Chul Han, traz alguns pontos que também podem ser relacionados com esta espetacularização dos canais de mídia, pois foca na manipulação midiática dos detentores da informação, que controlam o que será passado ao público. No caso do jornalismo esportivo, vemos que a cultura do espetáculo está servindo como arma manipuladora para prejudicar o senso crítico do telespectador.

Uma sociedade cada vez mais preguiçosa e acomodada pela tecnologia pode se tornar um empecilho para o planeta no futuro
por
Catarina Pace
|
06/11/2023 - 12h

Há algum tempo a ideia de uma assistente virtual existir era coisa de filme. Em Her (Ela), longa de 2014, o protagonista Theodore encontra uma nova maneira de se relacionar com o sistema operacional de seu computador, mas, acaba desenvolvendo sentimentos de amor profundos pela assistente virtual que está por trás de outras interações com muitos outros usuários. Uma realidade que não parece mais tão distante. A capacidade de se comunicar vem de muito tempo, nossos ancestrais sabiam que mesmo sem falar, poderiam interpretar gestos e sinais de seus semelhantes, como os animais. Assim como os humanos, a tecnologia se desenvolveu muito, principalmente a partir da chegada da Inteligência Artificial (IA). O que poderia ser estranho, hoje é indispensável para muita gente. Em 2022, o estudo Global Overview Report, publicado pelo Datareportal mostra que o número de usuários ativos no mundo já está próximo dos 5 bilhões de pessoas, o que representa 63% da população mundial. 

Esse número é cada vez maior, principalmente pela facilidade que a tecnologia oferece no dia a dia de seus usuários. A Alexa é uma das assistentes virtuais mais vendidas hoje em dia. Da bigtech Amazon, ela conquistou a todos com sua habilidade de se conectar com outros aparelhos, como luzes, televisão e vários gadgets, além de poder responder perguntas instantâneas. Casas já são projetadas para receber todo esse aparato e se tornam as chamadas” casas inteligentes”. Mas mesmo com toda essa inteligência, o processo gerou muita consequência, para a mente e para o corpo dos usuários.

A ideia de ter uma assistente pode limitar as tarefas mais simples de quem utiliza essa tecnologia, como ler uma notícia por conta própria, ou simplesmente ligar a televisão. Essa acomodação, faz com que os usuários se tornem dependentes e percam noções de interpretação.  Além da preguiça, essa nova maneira de se comunicar com a tecnologia limita os usuários a praticamente um monólogo. Na prática, conversar com uma máquina já está sendo considerado uma maneira de dialogar, mas o filósofo e ensaísta sul-coreano Byung-Chul Han tem uma perspectiva diferente sobre isso, como expõe em seu livro Infocracia, publicado no Brasil pela editora Vozes. 

Para ele, a Inteligência Artificial não assume um papel racional, ela apenas calcula uma resposta que seria considerada correta pelo usuário. “A inteligência artificial não fundamenta, mas calcula. Em vez de argumentos, surgem algoritmos. Argumentos podem ser aprimorados no processo discursivo. Algoritmos, por sua vez, são otimizados continuamente no processo maquinal.”, explica Han. Realmente, não é difícil perceber a resposta pronta que as assistentes virtuais costumam dar quando são questionadas sobre certas coisas, que poderiam facilmente ser argumentadas por um humano, por exemplo. Elas funcionam a partir de uma base de dados, ou seja, toda pergunta ou resposta que são geradas por ela serão salvas para aprimoramento. 

Mas, todo esse apoio que as assistentes dão aos seus usuários pode se tornar um processo vicioso, já que tudo o que é pedido a uma delas é facilmente atendido. A soberania tecnológica seria um grande impedimento para uma democracia plena, já que os humanos teriam cada vez menos a capacidade de pensar por si sós e principalmente de abrirem discussões importantes para seu exercício. “O discurso conduzido pelo entendimento humano desvanece perante tal visão divina do Big Data. O saber total digital torna o discurso supérfluo”, concluiu o filósofo. 

Autora: Catarina Pace
Cena de Wall-E, animação que mostra a dependência das assistentes virtuais
​​​​Imagem: [Divulgação/Pixar]

As consequências do uso descontrolado dos assistentes virtuais a longo prazo já foram mostradas na animação de 2008 da Pixar, Wall-e, em que robôs são designados para limpar o planeta Terra, que foi destruído e está imerso em lixo e poluição. Os humanos que restaram no planeta, vivem dentro de uma nave e com a ajuda de assistentes virtuais estão sobrevivendo. Mas, eles são sedentários, só comem fast-food e foram consumidos pela preguiça e comodidade. Há quem diga que essa realidade pode ser o futuro da humanidade, principalmente com o desequilíbrio da natureza, o excesso do uso da tecnologia e sobretudo a preguiça de pensar. O uso constante das tecnologias assistentes diminui a capacidade dos indivíduos de lembrar coisas por si só, assim como a de se cuidar por si só. Um cérebro mais preguiçoso acompanhará um corpo mais preguiçoso, mas quem poderá prever como a sociedade vai se comportar quando isso for mais frequente. 

Livro Infocracia, de Byung-Chul Han, mostra como as telas nos manipulam
por
Rodrigo Silva Marques
|
06/11/2023 - 12h

Infocracia é um termo cunhado por Byung-Chul Han para definir um sistema político onde o acesso à informação e a capacidade de manipulá-la desempenham um papel central no exercício da democracia. Neste contexto, o controle sobre a disseminação e interpretação das informações é crucial para influenciar a tomada de decisões e o apoio popular. O autor mostra que a digitalização da sociedade e a crise da democracia caminham juntas, especialmente no contexto das eleições. Isto porque, muito do que este livro trata é inseparável do atual avanço da extrema direita e do domínio que as redes sociais exercem na vida das pessoas.  

Segundo Han, "vivemos numa sociedade onde, mesmo que não se tenha consciência disso, as pessoas são constantemente controladas e dominadas pela forma como se produz e consome informação, interferindo em suas capacidades cognitivas e bloqueando, justamente, aquelas faculdades e capacidades que seriam tão indispensáveis para uma sociedade democrática". Por esses aspectos, é possível fazer uma relação entre o livro com características da sociedade brasileira, observada nos últimos anos.  

Começando pela questão mais óbvia, que é a disseminação de notícias falsas e desinformação, e como isso está se tornando uma preocupação crescente no Brasil, principalmente durante o período eleitoral. Isto tem levado a uma grave polarização política, com os cidadãos a recebendo informações tendenciosas e muitas vezes incorretas, dificultando o debate informado e a procura de soluções com consenso mútuo. Durante as eleições de 2018, por exemplo, a campanha do até então candidato à presidência, Jair Bolsonaro, destacou-se pela utilização de notícias falsas pelo WhatsApp, com a notícia sobre um ‘kit gay’ supostamente distribuído pelo MEC sob à presidência de Haddad.

Recentemente, inclusive, o ex-presidente provocou um grande alvoroço ao dizer durante a fase mais aguda a pandemia da Covid-19, que a doença era uma “gripezinha”. Tal fala, causou uma gigantesca onda de fake news, já que muitas pessoas passaram o uso medicamentos caseiros e desencorajando muitos a tomar a vacina e suas demais doses contra a doença, gerando um aumento considerável no número de óbitos pela doença. 

Relacionado a isso, se chega ao ponto da manipulação da opinião pública, onde a crescente presença das mídias sociais e a capacidade de direcionar mensagens políticas a públicos específicos podem ser usadas para influenciar a opinião pública no Brasil, gerando uma crise na democracia, a infocracia. Com a capacidade de atingir grandes públicos com interesses específicos em um simples lugar, ao mesmo tempo em que é possível se comunicar de forma pessoal com os indivíduos, as redes sociais se mostram muito atrativas, mas aumentam tensões étnicas, ressuscitando movimentos nacionalistas, intensificando o conflito político e até mesmo resultando em crises políticas. 

Em entrevista para a BBC, o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fabrício Benevenuto disse que "Se muitas pessoas compartilham uma ideia, outras tendem a segui-la. É semelhante à escolha de um restaurante quando você não tem informação. Você vê que um está vazio e que outro tem três casais. Escolhe qual? O que tem gente. Você escolhe porque acredita que, se outros já escolheram, deve ter algum fundamento nisso". Para a ideia exemplificar a ideia, pode usar como base a polêmica envolvendo a Cambridge Analytica. Há alguns anos, a empresa foi envolvida em um escândalo de coleta de dados de usuários e criação de perfis falsos no Facebook para manipular as eleições americanas de 2018, que resultou na vitória do ex-presidente Donald Trump (responsável indiretamente pela invasão no Capitólio em 2021) e a saída do Reino Unido da UE, o Brexit (deixando o país em crise e perto de uma recessão econômica). 

No Brasil, a empresa foi uma das responsáveis diretas pela campanha bem-sucedida de Bolsonaro a presidência, utilizando a disseminação de desinformação como um de seus trunfos, mas causando impactos negativos terríveis como resposta, como as campanhas antivacina da Covid-19, a invasão dos Três Poderes em 8 de janeiro, em Brasília. 

Como consequência do tópico citado acima, isso acaba criando um grande nicho de fanáticos que cegamente veem políticos como heróis/mitos e que nunca erram, deixando-as cegas. E como consequência quando são noticiados, principalmente quando tem seus nomes ligados a escândalos ou polêmicas, quem acabam sendo atacados é a própria imprensa, responsável por trazer a verdade. Ao ponto de ter havido um aumento, no Brasil, nas preocupações sobre as intimidações e os ataques a jornalistas e meios de comunicação que acabam minando a capacidade da mídia de monitorar e informar.   

“Nenhum político deve ser endeusado, santificado ou mitificado. É um erro monumental " afirmou o escritor peruano Mario Vargas Llosa para o GHZ 

Em resumo, Infocracia, traz alguns reflexos importantes sobre a sociedade brasileira atual. A desinformação, a extrema polarização política, a manipulação da opinião pública e as questões de proteção de dados e a relação com as mídias sociais são questões importantes que afetam a saúde da democracia brasileira. Por isso, a necessidade de regulação e incentivo adequado à educação para os meios de comunicação social são tarefas importantes para abordar estas questões e fortalecer as instituições do país.

O mundo pessimista de Orwell está cada vez mais próximo
por
Felipe Bragagnolo Barbosa
|
05/11/2023 - 12h

No dia 7 de agosto de 2023, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB) assinou o contrato para o começo do projeto Smart Sampa, em que se trata da instalação de um programa de monitoramento e reconhecimento facial. A previsão é da instalação de 40 mil câmeras por toda a cidade. O Prefeito alega que o programa será utilizado para identificar desaparecidos e foragidos, com base nos dados disponibilizados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Nunes também acredita que o projeto ajudaria com saúde e mobilidade urbana, sem contar a questão da segurança.
 O Smart Sampa pode ser considerado irresponsável, já que reconhecimento facial de médias a longas distâncias ainda é muito embrionário, pouquíssimas câmeras tem a resolução e capacidade de manter a qualidade de imagem a longas e médias distâncias, sem contar a diferença de iluminação, podendo resultar em falsos positivos, provocando perseguições a inocentes, mas não significa que seja inviável num futuro próximo, a tecnologia avança em passos largos.
 Além de reconhecimento facial, as câmeras do Smart Sampa seriam capazes de detectar movimento, fazer analises de perímetros, leitura automática de placas e também analisar o fluxo de veículos. O mais polêmico destas possibilidades é a leitura automática de placas em conjunto com o reconhecimento facial, juntando isso tudo a um sistema de monitoramento em conjunto com as redes sociais, sendo elas: Meta (Facebook e Instagram), X (Twitter), TikTok, Youtube e etc, ou seja, a prefeitura quer saber o que você faz online, podendo usar isso contra você, o estado te monitoraria de qualquer forma, transformando a cidade em um "Big Brother", o banco de dados da prefeitura saberá seus padrões, rotas diárias e todos os lugares que já esteve, vigilância parecida com a do livro "1984".
A medida de segurança não vale a pena comparando a falta de liberdade e privacidade que se perde, abre margem para uma ditadura das telas e para perseguições políticas, já que utilizam da segurança como desculpa para nos controlar, em uma manifestação por exemplo, todas as pessoas presentes lá serão reconhecidas e poderão sofrer punições. 

a
Grafite "1984 é agora", título do livro "1984" de George Orwell, em que descreve um estado de controle.
Foto por: Schöning/ullstein bild.


 O que de acordo com filósofo sul coreano Byung Chul Han, no livro "infocracia", hoje vivemos em uma midiocracia em transição para a telecracia, quando a política se submete as mídias de massa e o entretenimento determina a mediação de conteúdos políticos e deteriora a racionalidade. Para Han, os debates políticos se tornaram algo sobre performance, e não sobre argumentos políticos,
 Mas o que Chul Han não esperava é que a medida das teletelas realmente seria inserida na sociedade, pegando como exemplo a própria Smart Sampa, mas isso não anula a Telecracia, já que não se criou nenhum alerta para os paulistanos, que se rendem as informações manipuladas e não criam opinião própria, vivem em suas bolhas e se contentam com esse vício as telas. A Telecracia se junta ao mundo fictício de Orwell em 1984 e se torna o que é hoje.
 A questão de vigilância e monitoramento não é nova, na pandemia de Covid-19, o ex-governador João Dória disse que se a população não ficasse em casa, o governo rastrearia a população pelos seus celulares e puniriam essas pessoas. Isso não vem apenas pelo estado, hoje as grandes corporações tem acesso a todas nossas informações em rede, e podem a utilizar para manipular eleições. A Cambrige Analytica, por exemplo usou a vigilância para eleger em 2016 Donald Trump nos Estados Unidos e nada impede que outras empresas estejam fazendo o mesmo para seus próprios interesses.
Em entrevista a AGEMT, o diretor de tecnologia (CTO) e analista focado no setor de rastreamento, que preferiu não se identificar, diz que é de interesse das corporações midiáticas saberem o que gostamos, odiamos e buscamos, para usar disso como fonte de lucro, podendo vender estes dados para outras empresas, deixando a privacidade quase que nula. Perguntado sobre a possibilidade de estarmos sendo ouvidos a todo momento: "existem muitas teorias de conspiração ao redor de celulares nos ouvirem o tempo todo, uma parte deles não tem capacidade de manter o microfone aberto o tempo todo, a bateria se esgotaria muito facilmente, mas mecanismos como Alexa já deve ser utilizado para isso, como também em microfones de computadores, voltando aos celulares, acredito que futuramente as baterias serão potentes o suficiente para sermos vigiados", acrescenta o engenheiro. 
Sobre a Smart Sampa, o analista acredita ser uma medida política para controle das massas, para uma consolidação do poder estatal, limitando nossas liberdades e aumentando o impacto do estado em nossas vidas, se dizendo favorável a sociedade.