A história do grupo que ultrapassou as barreiras sonoras pode ser vista no centro de SP até o fim de agosto
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Por Guilbert Inácio
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26/06/2025 - 12h

A exposição “O Quinto Elemento”, em homenagem aos 35 anos do notório grupo de rap Racionais MC’s, está em cartaz desde o dia 06 de dezembro de 2024, no Museu das Favelas, no Pátio do Colégio, região central da cidade de São Paulo. A mostra era para ter sido encerrada em 31 de maio de 2025, mas, devido ao sucesso, vai agora até 31 de agosto.

A imagem mostra um painel os quatros membros dos Racionais MC's
Em 2024, o museu ganhou o prêmio de Projeto Especial da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) pela exposição. Foto: Guilbert Inácio. 

Museu das Favelas

O Museu das Favelas está localizado no Centro histórico de São Paulo, mas esse nem sempre foi o seu endereço. Inaugurado no dia 25 de novembro de 2022, no Palácio dos Campos Elíseos, o Museu das Favelas ficou 23 meses no local até trocar de lugar com a Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, no dia 26 de agosto de 2024.  

Fechado por três meses, o museu reabriu no dia 06 de dezembro de 2024, já com a nova exposição dos Racionais MC’s. Em entrevista à AGEMT, Eduardo Matos, um dos educadores do museu, explicou que a proposta da exposição chegou neles por meio de Eliane Dias, curadora da exposição, CEO da Boogie Naipe, produtora dos Racionais e esposa do Mano Brown. Eduardo complementou que o museu trocou de lugar para ter mais espaço para a mostra, já que no Campos Elísios não teria espaço suficiente para implantar a ideia. 

Tarso Oliveira, jornalista e historiador com pós-graduação em Africanidades e Cultura Afro-Brasileira, comentou que a gratuidade do museu é um convite para periferia conhecer a sua própria história e que, quando falamos de Racionais MC's, falamos de uma história dentro da história da cultura hip-hop, que salvou várias gerações fadadas a serem esquecidas e massacradas pelo racismo estrutural no Brasil. “Nós temos oportunidades de escrever a nossa narrativa pelas nossas mãos e voltada para o nosso povo. Isso é a quebra fundamental do epistemicídio que a filósofa Sueli Carneiro cita como uma das primeiras violências que a periferia sofre.”, afirma o historiador. 

O Quinto Elemento

Basta subir as escadas para o segundo andar do museu, para iniciar a imersão ao mundo dos Racionais. Na entrada, à sua direita, é possível ouvir áudios do metrô, com o anúncio das estações. Uma delas, a estação São Bento da linha 1-Azul, foi o berço do hip-hop em São Paulo, na década de 1980. À esquerda está um som com músicas dos Racionais, uma trilha que você irá ouvir em todos os espaços da exposição.

A imagem apresenta três placas, em sequência, com os dizeres "X", "Racionais MC's" e "Vida Loka".
Placas semelhantes às placas com nomes de rua trazem as letras do grupo. Foto: Guilbert Inácio.

No primeiro espaço, podemos ver o figurino do Lorde Joker, além de uma breve explicação da presença recorrente na obra do grupo da figura do palhaço em apresentações e músicas como “Jesus Chorou”, em que Mano Brown canta: “Não entende o que eu sou. Não entende o que eu faço. Não entende a dor e as lágrimas do palhaço.”

A imagem mostra uma fantasia laranja de um palhaço. Ao lado, há uma televisão.
O figurino é usado em shows pelo dançarino de break Jorge Paixão. Foto: Guilbert Inácio. 

Ao adentrar o segundo espaço, você mergulha na ancestralidade do grupo. Primeiro vemos imagens e um pouco da história das mães dos quatro membros, Dona Benedita, mãe e avó de Ice Blue; Dona Ana, mãe do Mano Brown; Dona Maria José, mãe de KL Jay e Dona Natalícia, mãe de Edi Rock. Todas elas são muito importantes para o grupo e ganharam, inclusive, referências em músicas como “Negro Drama” em que Brown canta: “Aí Dona Ana, sem palavra. A senhora é uma rainha, rainha”. 

É nessa área que descobrimos o significado do nome da exposição. Há um painel no local com um exame de DNA dos quatro integrantes que revela o ponto de encontro entre eles ou o quinto elemento – a África.

A imagem mostra um painel com o exame de DNA dos quatro membros dos Racionais MC's
Na “Selva de Pedra”, antes de todos se conhecerem, todos já estavam conectados por meio da ancestralidade. Foto: Guilbert Inácio.

O título se torna ainda mais significativo quando lembramos que a cultura hip-hop é composta por quatro elementos: rap, beat, break dance e grafite. O quinto elemento seria o conhecimento e a filosofia transmitida pelos Racionais, grupo já imortalizado na cultura brasileira, sobretudo na cultura periférica. 

Na terceira área, podemos conhecer um pouco de Pedro Paulo Soares Pereira, o Mano Brown; Paulo Eduardo Salvador, mais conhecido como Ice Blue; Edivaldo Pereira Alves, o Edi Rock e, por fim, Kleber Geraldo Lelis Simões, o KL Jay. Entre os inúmeros objetos, temos o quimono de karatê de Blue e o trombone de seu pai, a CDC do KL Jay, rascunhos de letras de Brown e Edi Rock.

A imagem mostra um bicicleta BMX azul
Primeira BMX de Edi Rock. Foto: Guilbert Inácio. 

O próximo espaço é o “Becos do som e do Tempo”, que está dividido em vários pequenos slots que mostram a trajetória musical do grupo. Podemos ver rascunhos de letras, registros de shows e a história de algumas músicas, além de alguns prêmios conquistados durante a carreira do grupo. 

Algumas produções expostas são “Holocausto Urbano” (1990); “Escolha seu Caminho” (1992); “Raio X do Brasil” (1993); “Sobrevivendo no Inferno” (1997); “Nada Como um Dia Após o outro Dia” (2002).

A imagem mostra um painel com os dizeres "Minha palavra vale um tiro, eu tenho muita munição" e uma foto dos quatro membros dos Racionais MC's. Ao lado, há fotos individuais dos membros.
O grupo confirmou um novo álbum para este ano, mas ainda não divulgou o título da obra nem a data de lançamento. Foto: Guilbert Inácio.

Nos próximos espaços, tem uma área sobre o impacto cultural, um cinema que exibe shows e o local “Trutas que se Foram” em homenagem a várias personalidades da cultura hip-hop que já morreram. A exposição se encerra no camarim, onde estão disponíveis alguns papéis e canetas para quem quiser deixar um registro particular na exposição.

A imagem mostra uma pequena placa com a foto da Dina Di e os dizeres: "Dina Di. Cria da área 019, como as quebradas conhecem a região de Campinas, no interior de São Paulo, Viviane Lopes Matias, a Dina Di, foi uma das mulheres mais importantes do rap no Brasil. Dina era a voz do grupo Visão de Rua. Dona de uma voz forte, assim como sua personalidade, a rapper nasceu em 19 de fevereiro de 1976 e morreu em 19 de março de 2010. Foi uma das primeiras mulheres a conquistar espaço no rap nacional. Dina nos deixou por causa de uma infecção hospitalar, que a atingiu 17 dias após o parto de sua segunda filha, Aline."
Nomes como Sabotage, Chorão, WGI, entre outros são homenageados na exposição. Foto: Guilbert Inácio. 

Segundo Eduardo, a exposição está movimentando bastante o museu, com uma média de 500 a 800 pessoas por dia. Ele conta que o ápice da visitação foi um dia em que 1500 pessoas apareceram no local. O educador complementa que, quando a exibição chegou perto da sua primeira data de encerramento, em maio, as filas para visitar o espaço aumentaram consideravelmente. O que ajudou a administração a decidir pela prorrogação.  

Eduardo também destaca que muitas pessoas vão ao museu achando que ele é elitizado, mas a partir do momento em que eles veem que o Museu das Favelas é acolhedor, com funcionários dispostos a tirar suas dúvidas e com temas que narram o cotidiano da população brasileira, tudo muda. 

 “Dá para sentir que o pessoal se sente acolhido, e tendo um movimento desse com um grupo que é das favelas, das quebradas, que o pessoal se identifica, é muito melhor. Chama atenção e o pessoal consegue ver que o museu também é lugar da periferia”, conclui. 

Impacto Cultural

Os Racionais surgiram em 1988 e, durante todo o trajeto da exposição, podemos ver o quão importante eles são até hoje para a cultura brasileira, seja por meio de suas músicas que denunciaram e denunciam o racismo, a violência do Estado e a miséria na periferia – marcada pela pobreza e pela criminalidade –, seja ocupando outros espaços como as provas nacionais e vestibulares.

A imagem mostra duas provas do Exame do Ensino Médio de 2023 com os trechos "Até no lixão nasce Flor" e É só questão de tempo, o fim do sofrimento".".
Trechos de Vida Loka, parte I e II nas provas do Exame Nacional do Ensino Médio de 2023 (ENEM). Foto: Guilbert Inácio. 

Em 2021, foi ao ar a primeira temporada do podcast Mano a Mano, conduzido por Brown e a jornalista Semayat Oliveira, que chegou a sua terceira temporada em 2025.

Inclusive, o podcast, que já teve inúmeros convidados da cultura e da política vai virar  um livro, homônimo. A publicação sairá pela Companhia das Letras, que já publicou o livro “Sobrevivendo no Inferno”, em 2017. 

Segundo Tarso, o grupo representa a maior bandeira que a cultura negra e periférica já levantou nesse país, visto por muitos como super-heróis do gueto contra um sistema racista e neoliberal; além de produtores de uma música capaz de mudar a atitude e a perspectiva das pessoas, trazendo autoestima, além de muito conhecimento. 

“Um dos principais motivos do grupo se manter presente no cenário cultural é não se acomodar com a "força da camisa", como cita o Blue.  E sempre buscar ir além artisticamente, fazendo com que seus fãs tendam a ir para o mesmo caminho e continuem admirando sua arte e missão.”, finaliza Tarso. 

 

Serviço

O Museu das Favelas é gratuito e está aberto de terça a domingo, das 10h às 17h, com permanência permitida até às 18h. A retirada dos ingressos pode ser online ou na recepção do museu. Além da exposição “O Quinto Elemento”, também é possível visitar as exibições “Sobre Vivências” e “Favela é Giro”, nos mesmos horários.

Obra de Amailton Magno Azevedo discute como o rap colaborou na elaboração de uma estética da resistência
por
Julia Sena
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09/06/2025 - 12h

 

Em março de 2025, o grupo “Racionais MC 's” recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Unicamp, título concedido pelas universidades a personalidades de projeção nacional e internacional que fizeram contribuições notáveis à cultura e à sociedade. Mano Brown, Edi Rock, KL Jay e Ice Blue, receberam a homenagem, que fez questão de enfatizar a importância do grupo para a construção de uma narrativa negra urbana no Brasil e serviu, entre outras coisas, para o reconhecimento do rap pela academia.  

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Mano Brown, Edi Rock, KL Jay e Ice Blue recebem o título de “Doutor Honoris Causa”.  Foto/Reprodução: Antônio Scarpinetti (SEC/Unicamp)  

A proposta da honraria foi feita professores do IFCH e aprovada pelo Conselho Universitário em novembro de 2023. Dentre os docentes estavam Daniela Vieira dos Santos e Jaqueline Lima Santos, responsáveis pela organização do livro Racionais: Entre o Gatilho e a Tempestade (Ed. Perspectiva, 2023). A obra busca analisar como a linguagem utilizada pelos Racionais MC´S dialoga com os jovens periféricos, usando como fio condutor a estética, letras, melodias e referencias do grupo, com análises de diversos pesquisadores da área, como Acauam de Oliveira, Ana Lúcia Silva Souza e Janaína Machado, entre outros.  

No final de 2024, Amailton Magno Azevedo, que este ano relança seu livro As micro Áfricas em São Paulo: sambas, quintais e arranha-céus (Editora Dandara, 2025), lançou sua obra intitulada Na Trama do Rap (Educ, 2024). O pesquisador e professor do programa de pós-graduação de história da PUC-SP conta, em entrevista para a AGEMT, que sua jornada intelectual foi atravessada diretamente pelo impacto que o Racionais teve em sua formação. “Foi uma revelação, uma descoberta, como se eles estivessem falando de mim, para mim. Eu me reconhecia muito naquelas letras, aquilo me estimulou a querer saber quem eram aquelas pessoas”, conta relembrando quando ouviu Raio X do Brasil, ainda na graduação. 

Amailton defende que o rap, longe de ser apenas um gênero musical, constitui uma “espécie de veículo de transmissão de uma complexa gama de visão de mundo, de quereres, fazeres, expectativas e projetos de sociedade e de cidade”. Ele observa que o gênero cumpre um papel semelhante ao de outras expressões culturais negras, como o samba e o funk, ao permitir a elaboração de uma estética de resistência. Ao longo dos anos o movimento tem se transformado em uma cultura de massa, o que segundo o pesquisador é um bom indicativo de que as vozes negras estão sendo ouvidas. 

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Amailton e KL Jay no evento de Lançamento do livro “Na Trama do Rap”. Reprodução: @amailtonazevedo/Instagram 

Na área acadêmica, o pesquisador compartilha em trechos de seu livro um conceito estabelecido por Kabengele Munanga, que visa acabar com a ideia do negro visto apenas como um objeto de análise. “É preciso buscar e examinar a subjetividade. O negro como sujeito é uma perspectiva metodológica. Produzir um conhecimento que leve em consideração o negro como sujeito de si mesmo, como produtor de conhecimento e não apenas objeto de estudo.”, defende. 

Em Na Trama do Rap, Amailton também destrincha o papel da alegria, do riso e da celebração como sendo ferramentas políticas fundamentais na luta contra o racismo, ao invés de serem ferramentas de alienação, como algumas pessoas afirmam. “A música, a festa e, a dança negras foram e continuam sendo vitais no sentido de afirmar e realizar um jeito negro de ser no mundo. Sem dança e sem música a festa não tem graça. E nenhuma revolução será exitosa se não passar pelo riso.”, completou.  

Com o relançamento do livro, o autor pretende aprofundar a investigação sobre a chamada “velha geração” do rap nacional, da qual os Racionais MC’s são os principais representantes. “O livro joga luz nessa tendência que o Racionais inaugura e consolida: o rap político”. O reconhecimento institucional do grupo é um marco que evidencia o quanto a cultura de rua, a arte negra e a linguagem  periférica ganham espaço no fazer acadêmico. 

“Na Trama do Rap” foi publicada pela Educ, editora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A obra está disponível para compra aqui.

Liberado no dia 13 de março, o projeto retoma a tradição do rapper, além de trazer inúmeras referências culturais
por
Guilbert Inácio
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24/03/2025 - 12h
O ambiente da imagem é uma casa antiga. Djonga aparece em pé do lado direito com boné, jaqueta e correntes de ouro. A parede atrás do artista está quebrada e os tijolos que faltam aparecem empilhados ao lado direito do rapper. Em cima dos tijolos, há pepitas e correntes de ouro, além de um galo. Há uma janela desgastada em cima da pilha do lado esquerdo.
Djonga no material promocional do álbum / Foto: Reprodução - @djongador

Djonga lançou seu novo álbum intitulado "Quanto Mais Eu Como, Mais Fome Eu Sinto!". A produção marca o retorno de uma data significativa para o rap nacional e conta com as participações de Milton Nascimento, Samuel Rosa, RT Mallone, Dora Morelenbaum, além dos já conhecidos DJ Coyote Beatz e Rapaz do Dread.

Até então seu último álbum era "Inocente 'Demotape'", lançado no dia 13 de outubro de 2023, com uma pegada diferente do resto da discografia do artista, pois Djonga focou em temas como amor, sexo e o cotidiano. Em 2024, o rapper mineiro participou apenas de projetos de outros artistas, quebrando o ciclo de lançamentos anuais desde seu primeiro álbum, em 2017.

Agora, Djonga retomou os lançamentos, ao dar vida ao seu novo álbum que contém 12 faixas, traduzindo o conceito que o artista trouxe no título da obra. A fome que antes era um impulso de sobrevivência do rapper mineiro, hoje representa uma inquietação, uma busca por evolução e superação, além de afirmar quem ele é.

Nas faixas ele passa por temas marcantes de sua obra como o racismo, a justiça social e a violência na sociedade, mas também, há uma análise antropológica ao falar sobre angústias, dúvidas, frustrações, conquistas do ser humano e ainda, sobre o reconhecimento que obteve de seus ídolos e de pessoas periféricas. Características que marcam a nova fase de experimentação do artista. Não é mais seu corpo que sente fome, mas sim sua alma, faminta de autoconhecimento.

Referências culturais

Djonga sempre trouxe sua religião, Umbanda, para suas músicas. No novo projeto não foi diferente. Dentre as referências citadas, a mais marcante é o paralelo do nome da obra com a história de Exu, um dos Orixás primordiais, presente em religiões de matrizes africanas. Segundo a crença, Exu come primeiro por causa de sua fome insaciável. A história do Orixá aparece, parcialmente, encerrando as músicas "Fome" e "Ponto de Vista".

Já a participação de Milton Nascimento no álbum é um encontro entre Gustavo Pereira Marques, nome real de Djonga, com uma de suas referências na música. O primeiro álbum de Djonga, Heresia, tem como capa uma releitura do LP "Clube da Esquina", lançado em 1972, por Milton Nascimento e Lô Borges.

Do lado esquerdo, há a capa do álbum Heresia, composto por uma edição fotográfica que colou Djonga sentado do lado dele mesmo. Ambos estão sentados em uma estrada de terra e ao fundo há uma floresta. Do lado direito está a capa do LP Clube da Esquina que mostra duas crianças sentadas em uma estrada de terra. Ao fundo, há uma cerca de arame e uma floresta.
Capa de “Heresia”, à esquerda, e “Clube da Esquina”, à direita / Fotos: Reprodução - Spotify

O célebre artista da MPB está presente na faixa "Demoro a Dormir" que, assim como “Heresia”, une o passado e o presente. Por meio de citação do Melhor Filme Internacional do Oscar 2025, "Ainda Estou Aqui" - obra que retrata a história de Eunice Paiva, a qual lutou por justiça na Ditadura Cívico-Militar - a música nos lembra que a violência e o autoritarismo permanecem presentes na sociedade atual.

Na faixa "Te Espero Lá", Djonga fala da passagem de sua antiga fome para a nova, com destaque para um trecho em que ele diz que as marcas mais importantes não são as que ele pode comprar, mas sim, as que estão na alma e que tenta curar com o que compra. A música também traz um refrão que flerta com o Pop, cantado por Samuel Rosa, outro ícone da música brasileira.

A música "Ponto de Vista", traz o artista RT Mallone, atual campeão do reality musical "Nova Cena" da Netflix, que conta um pouco das dificuldades que passou em Juiz de Fora (MG) e a ascensão social que adquiriu por meio do rap. Djonga canta sobre as críticas superficiais que os haters fazem a respeito dele, enfatizando que tudo é só um ponto de vista.

A faixa que encerra o álbum, "Ainda", tem a voz marcante de Dora Morelenbaum que acompanha a voz de Djonga, cantando sobre os caminhos escolhidos pelo artista durante sua vida.

Além de tantas outras referências, todo o álbum tem beats e arranjos feitos por Coyote Beatz e Rapaz do Dread, velhos conhecidos pelos fãs do artista. O destaque da produção musical fica para a música "Melhor que Ontem" que traz um sample de "Último Romance", canção da banda "Los Hermanos".

Por que dia 13 de março?

"Lanço todo dia 13 pra provar pra tu / Que um raio cai de novo no ‘memo’ lugar" verso da música "Oto Patamá", lançada por Djonga em 2020, que sintetiza o que a data significa para o artista. O rapper explicou em 2021, ao Marcelo Tas, no programa Provoca da TV Cultura, que lançou o seu primeiro álbum na data, um ano depois, seu novo projeto ficou pronto antes de março, então ele decidiu lançar no mesmo dia. 

A partir daí virou um compromisso com ele mesmo, de se desafiar, ao lançar um álbum novo com o prazo de um ano. Embora o ciclo tenha sido quebrado em 2022, o dia 13 permaneceu. O número é simbólico para o Atlético-MG, time de coração de Djonga.

Confira a discografia do rapper:

  • Heresia (13 de março de 2017);
  • O Menino que Queria Ser Deus (13 de março de 2018);
  • Ladrão (13 de março de 2019);
  • Histórias da Minha Área (13 de março de 2020);
  • Nu (13 de março de 2021);
  • O Dono do Lugar (13 de outubro de 2022);
  • Inocente "Demotape" (13 de outubro de 2023).

Criado pelo rapper mineiro, a data é uma espécie de "feriado" no rap nacional. O artista também criou a icônica frase utilizada pelo movimento negro: "Fogo nos Racista", refrão de seu perfil "Olho de Tigre" na PineappleStormTV. A frase evoca a resistência antirracista e a luta por justiça social, tornando Djonga, um dos mais importantes artistas do gênero no país, além de ser uma inspiração para as próximas gerações.

 

Artista também é terceira mulher a vencer a categoria de Melhor Álbum de Rap no Grammy
por
Beatriz Alencar
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14/03/2025 - 12h

A cantora Doechii foi nomeada a Mulher do Ano de 2025 pela Billboard, com o anúncio feito nesta segunda-feira (10). Com o título, a artista norte-americana tornou-se a segunda rapper a ganhar a honraria no mundo da música, a primeira foi a Cardi B, premiada em 2020.

A revista da Billboard descreveu Doechii como uma das principais artistas da atualidade a “redefinir o que é ser uma precursora na indústria musical”. Ela será homenageada em um evento da Billboard no final deste mês.

Foto: Divulgação álbum “Alligator Nites Never Heal” | Reprodução: Redes sociais | Fotógrafo: John Jay

Foto: Divulgação álbum “Alligator Nites Never Heal” | Reprodução: Redes sociais | Fotógrafo: John Jay

A rapper, de apenas 26 anos, fortaleceu mais a carreira musical em 2024, com o lançamento do álbum “Alligator Bites Never Heal”, uma aposta de mistura entre os gêneros R & B e hip-hop. O mixtape foi indicado para três categorias do Grammy, entre eles o Melhor Álbum de Rap, marcando a primeira vez desse estilo de faixa feito por uma mulher a alcançar essa indicação.

Apesar disso, após a indicação de Melhor Álbum de Rap, Doechii foi convidada para fazer parte da faixa “Baloon” do álbum “Chromakopia”, do rapper Tyler, The Creator. A participação aumentou a visibilidade da artista que começou a fazer apresentações virais em festivais e em programas de rádio e televisão.

As composições de Doechii já viralizavam nas redes sociais desde 2020, com músicas como “What It Is” e "Yucky Blucky Fruitcake", mas as músicas não eram associadas com a imagem da artista. Foi somente após o espaço na mídia tradicional e o convite de Tyler que a rapper foi reconhecida.

Em fevereiro deste ano, Doechii se tornou a terceira mulher a vencer a categoria de Melhor Álbum de Rap no Grammy ao sair vitoriosa na edição de 2025, novamente, seguindo a história de Cardi B.

Foto: sessão de fotos para a revista The Cut - edição de fevereiro | Fotógrafo: Richie Shazam

Foto: sessão de fotos para a revista The Cut - edição de fevereiro | Fotógrafo: Richie Shazam

A apresentação da artista norte-americana na premiação, ocorrida no dia 2 de fevereiro, também foi classificada pela Billboard, como a melhor da noite. A versatilidade, modernidade e o fato de ser uma mulher preta na indústria da música, aparecem tanto nas faixas de Doechii quanto nas roupas e shows, fixando essas características como um dos pontos principais da identidade da artista.

A rapper tem planos de lançar o próximo álbum ainda em 2025, e definiu os últimos meses como um "florescer de um trabalho longo", em declaração a jornalistas na saída do Grammy.

Pesquisa do Datafolha evidencia a complexidade das percepções raciais no país
por
Letícia Alcântara
Sophia Razel
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03/12/2024 - 12h
Garotas negras em pé e sentadas em um corredor
Jovens reunidos em um espaço que reflete a diversidade  Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Na última terça-feira de novembro (25), uma pesquisa conduzida pelo Instituto DataFolha e divulgada na mesma semana revelou dados significativos sobre a percepção racial no Brasil. O levantamento mostrou que 6 em cada 10 pessoas que se autodeclaram pardas não se consideram negras, evidenciando uma desconexão entre a autodeclaração oficial e a forma como essas pessoas percebem sua identidade racial. Por outro lado, entre os brasileiros que se identificam como pretos, 96% se reconhecem como negros, enquanto 4% não compartilham dessa visão.

Em relação a preconceito e racismo, a mesma pesquisa revelou que 59% dos brasileiros consideram que a maioria da população é racista, 30% considera que apenas uma minoria, 5% que toda a população seria, 4% que ninguém seria, enquanto 2% não souberam responder. Entre os gêneros, 74% das mulheres  acreditam que todos ou a maioria dos brasileiros são racistas. Por sua vez, entre os homens, esse percentual cai para 45%.

 

Percepção e Vivências do Racismo no Brasil

Ainda sobre a percepção referente ao racismo no Brasil, para 45% da população o racismo aumentou ao longo dos anos, enquanto 35% acreditam que o cenário  permanece o mesmo. Apenas 20% dos entrevistados enxergam uma redução nos casos de discriminação.

Quando perguntados em relação ao contexto onde o racismo está mais presente, a maioria dos brasileiros, 56%, aponta que as atitudes das pessoas são a principal manifestação do problema. Outros 27% acreditam que ele está mais evidente nas estruturas institucionais, como empresas e governos, enquanto 13% consideram que o racismo está igualmente distribuído entre comportamentos individuais e sistemas institucionais. Por fim, 4% dos participantes não souberam opinar sobre a questão.

A pesquisa também abordou vivências individuais de discriminação. Entre os entrevistados que se identificam como pretos, 56% relataram já ter sofrido preconceito relacionado à cor da pele. Esse percentual é significativamente maior entre os pardos, dos quais 17% relataram ter enfrentado situações semelhantes. Já entre os brancos, o índice cai para 7%.

Realizado em 113 municípios brasileiros, o estudo contou com a participação de aproximadamente 2.004 pessoas e buscou compreender as nuances entre autodeclaração racial e identidade, além de explorar como os brasileiros enxergam o racismo na sociedade. O objetivo do levantamento é fomentar debates mais aprofundados sobre a questão racial no país. 

João Santana propõe programas que promovam igualdade racional nas escolas
por
Giovanna Astolfi Stevano
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09/11/2023 - 12h

João Santana é uma voz forte e dedicada na luta contra o racismo no Brasil. Ele deu uma palestra em um painél de discussão sobre pautas antirracistas, no último dia 20/10, em um espaço comunitário no centro de São Paulo com a participação de acadêmicos, ativistas e líderes comunitários, que compartilharam suas experiências. Fez essa palestra com um intuito de promover a conscientização e a ação contra o racismo.

João é uma figura que inspira. Em uma conversa, ele compartilhou sua jornada pessoal na busca por igualdade e justiça. “Minha jornada na luta contra o racismo começou cedo. Eu percebi as desigualdades gritantes que afetam a comunidade negra no Brasil. Cresci em uma família que sempre enfatizou a importância de se orgulhar de nossa herança afro-brasileira e de lutar por igualdade. Desde então, tenho trabalhado incansavelmente para desafiar os estereótipos e as estruturas racistas que permeiam nossa sociedade.”

João enfatizou a importância da educação na luta contra o racismo. “Devemos investir em programas educacionais que promovam a igualdade racial, ensinando a história real do Brasil, que é profundamente enraizada na contribuição afro-brasileira. Além disso, é crucial que as empresas e instituições adotem políticas de inclusão e diversidade, proporcionando igualdade de oportunidades para todos os brasileiros, independentemente de sua cor de pele.”

O papel das manifestações e da conscientização pública também foi discutido. João ressaltou que essas ações desempenham um papel fundamental na luta antirracista, chamando a atenção para as questões muitas vezes ignoradas. “As vozes dos manifestantes devem ser ouvidas e levadas a sério pelas autoridades e pela sociedade em geral. Além disso, a conscientização precisa se transformar em ações concretas, como políticas antidiscriminatórias e medidas que garantam a igualdade de oportunidades.”

Para aqueles que desejam se envolver na luta antirracista, mas não sabem por onde começar, João ofereceu orientações. “Começar na luta antirracista pode parecer avassalador, mas cada pequeno esforço faz a diferença. Comece educando-se, lendo livros e artigos sobre o tema. Converse com pessoas negras e ouça suas experiências. Participe de grupos e organizações que trabalham pela igualdade racial. E, acima de tudo, não tenha medo de confrontar o racismo quando o encontrar, mesmo que seja desconfortável. A mudança começa com a conscientização e a ação individual.”

Ao concluir a entrevista, João expressou seu agradecimento por ter a oportunidade de compartilhar suas ideias e experiências. “A luta antirracista é uma jornada contínua, e espero que possamos trabalhar juntos para criar um Brasil mais justo e igualitário para todos.”

Lucineia Rosa dos Santos e Mônica de Mello, docentes da PUC-SP, estão entre as cotadas para vaga no Supremo Tribunal Federal
por
Julia Barbosa
Helena Saigh
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23/10/2023 - 12h

“As mulheres são mais da metade da população, as pessoas negras no Brasil são 56%. Então, ter representatividade nos órgãos de poder significa ter mais democracia.” declara Mônica de Melo, a professora e pró-reitora de Cultura e Relações Comunitárias na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Além disso, ao lado de Lucineia Rosa dos Santos, ela é uma das mulheres negras cotada para assumir a cadeira de Rosa Weber na mais alta cúpula do judiciário, o STF. 

A ministra, que se aposentou oficialmente em 2 de outubro aos 75 anos de idade, destacou em seu discurso de despedida a desigualdade de gênero na corte, que antes contava com apenas outra mulher, Cármen Lúcia. Também deve ser levado em consideração a ausência de ministros negros na atual constituição do STF.

A partir dessa falta de diversidade, o presidente Lula enfrenta hoje uma pressão dos movimentos sociais para que uma mulher negra seja indicada ao cargo. Em sua primeira indicação, o presidente ignorou os apelos da campanha e a própria representatividade do povo no governo na simbólica caminhada pela rampa do Palácio do Planalto em sua posse, ao indicar Cristiano Zanin, um homem branco, que atuou em sua defesa nos processos da Lava-Jato. 

Lucineia Rosa dos Santos é Doutora em Direitos Humanos pela PUC-SP e docente universitária na área jurídica. Hoje, além de atuar como advogada, é professora e ministra disciplinas de Direitos Humanos, Direitos Humanos dos Refugiados, Direito da Criança e do Adolescente, bem como Direito de Igualdade de Gênero e Racial, na Pontifícia.

“O que se debate hoje, já era posto em casa há muitos anos. Eu era criança, mas ouvia”, conta Lucineia sobre o contato com discussões pautadas em sindicatos ainda quando era criança através de seus tios. Desde muito jovem, entendeu que o ensino poderia transformar a sua realidade, e expõe que, “No Brasil, o racismo ditava meus espaços e minha ascensão profissional.”

Para Lucineia, a ausência de alguém negro na corte não impede que questões raciais sejam discutidas, porém, a ponderação das demandas são debatidas sem a consciência e a experiência do que é ser uma pessoa negra no Brasil. A jurista afirma ainda que, somente com essa consciência no debate, é possível modificarmos a estrutura.

A entrevistada declara também que “se o Lula quer, de fato, mudar o que temos há séculos, o poder institucional nas mãos dos mesmos, é agora.”. 

Mônica de Melo é a outra mulher cotada para a vaga no STF, e, além da vida acadêmica, é defensora pública. A professora de direito constitucional pertence também a várias organizações que têm como pauta principal a defesa dos direitos das mulheres, combate a discriminação racial e a democratização do sistema de justiça. 

Ao falarmos da representatividade negra em um ambiente mais próximo como o da universidade, Mônica conta sobre o projeto que prevê a contratação de mais docentes negros e afirma: “Eu estive à frente desse projeto. Acho que é super importante para a universidade, porque a gente tem um quadro docente majoritariamente branco”, e acrescenta “, é uma forma de buscarmos o enegrecimento da PUC. “

 

"O objetivo é celebrar o povo preto na gastronomia e deixar claro que a gente não faz só comida de África. Somos plurais, fortes e bons em técnica e ancestralidade", afirma Breno Cruz, fundador.
por
Livia Vilela
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21/10/2023 - 12h

Sucesso em sua primeira edição, o Prêmio Gastronomia Preta se torna, em 2023, um evento nacional. Desta vez, acompanhado de um festival que celebra o trabalho e a ancestralidade do povo preto na gastronomia nos dias 25 e 26 de Novembro, no Rio de Janeiro. “São 30 stands, que vão da confeitaria até a cozinha quente, passando pelo churrasco e pelo baião de dois. É a nossa gastronomia e é isso que estamos celebrando. Nãé só comida de África, queremos mostrar que essas pessoas são plurais e diversas, com muito conhecimento e técnica também”, conta Breno Cruz, idealizador e organizador do evento.

O Premio Gastronomia Preta surge em 2022 como uma proposta local no Rio de Janeiro, com o intuito promover a diversidade e evidenciar as pessoas pretas no universo gastronômico, dentro de 23 categorias. Breno Cruz, que tambéé professor de gastronomia da UFRJ, dá inicio ao prêmio com a proposta de passar a mensagem para todo o Brasil que as pessoas pretas estão presentes na cozinha profissional e precisam ser reconhecidasPara o povo preto nunca foi fácil, né? A gente acredita, a gente é resistência, tem que fazer para ser visto. As dificuldades são grandes mas está acontecendo, muito com a ajuda dos patrocinadores que acreditam no projeto. É extremamente importante a gente compreender que as pessoas pretas fazem a gastronomia acontecer mas que muitas vezes não são vistas.

Assim como a iniciativa, o investimento na ideia foi primeiramente do próprio Breno. “É muito difícil fazer um evento desse acontecer. Primeiro tem o meu investimento financeiro, de tempo e de trabalho. Em 2022 o prêmio aconteceu sem nenhum patrocínio financeiro, eu investi o dinheiro sozinho por acreditar e poder fazer acontecer naquele momento.” Após muitas recusas, o Prêmio Gastronomia Preta, e agora o Festival, conquistaram parceiros importantes:  Nestlé, Secretaria do Meio Ambiente do Rio de Janeiro, o Ministério Público do Trabalho, a marca Cacildis, que é a bebida oficial do evento, além da Globo como uma parceira de mídia.

A escolha dos finalistas e vencedores do Prêmio tambéé feita de maneira estratégica. Há um edital e a primeira fase é por indicação popular. Depois desta primeira seleção, os profissionais, são analisados de acordo com a sua determinada categoria por um time de seis curadores, que leem as histórias de vida e trajetórias profissionais dos inscritos. A partir desta consideração, são selecionados três finalistas para cada categoria, que passam por entrevistas e provas práticas. Somente depois de todo este processo, os jurados, que não são os curadores, determinam o vencedor do prêmio. A questão da justiça para mim é muito importante, eu já fui injustiçado no passado. Então pensando nisso existe toda uma metodologia tanto para a indicação dos finalistas como para a escolha final. A coisa é muito bem feita para sermos o mais justos possível. Vai ganhar quem realmente se destacar na entrevista e na prova prática.

O Festival Gastronomia Preta, que acompanha o prêmio, terá sua primeira edição este ano e estão confirmadas diversas atrações. “É um festival maravilhoso feito com muito amor e carinho. Vamos ter como foco o samba, que conta muito bem a nossa trajetória e tem relação com a comida. Fechando o evento no segundo dia teremos a bateria da Beija Flor de Nilópolis, que é a escola oficial do festival. A banda arruda vai estar presente nos dois dias de evento.” O espaço conta também com a presença do Movimento Mães Negras pelo Brasil, falando sobre África e ancestralidade para o público infantil e a Cozinha Show Benê Ricardo, homenageando a primeira mulher a receber um diploma de chef de cozinha no Brasil. “É um evento completo. Olhem para a gente. A gente existe e faz um trabalho lindo neste país. Vamos celebrar essas pessoas e a nossa ancestralidade, reforça Breno.

 

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Prêmio Gatronomia Preta. Foto: Divulgação 
Organização inovadora promove serviços gratuitos às populações discriminadas
por
Beatriz Barboza
Giuliana Barrios Zanin
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21/10/2023 - 12h
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Centro Cultural Vila Itororó, sede do polo central do CRPIR em São Paulo. Foto: Giuliana Zanin

Localizado na Vila Itororó, no bairro Bela Vista, em São Paulo, o Centro de Referência para a Promoção da Igualdade Racial (CRPIR) é responsável por acolher vítimas de racismo, intolerância religiosa e xenofobia. O Centro oferece atendimentos psicossociais, psicológicos e jurídicos de segunda à sexta, das 9h às 18h, em salas cedidas pelas casas de cultura das diferentes zonas da cidade. O CRPIR possui somente um polo físico, localizado na Cidade Tiradentes, no extremo leste paulista.

A atuação dos Centros de Referência está atrelada à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, encarregada de efetivar o Plano de Promoção da Igualdade Racial, instituído em 2018, com o objetivo de reduzir as desigualdades étnicos-raciais da cidade de São Paulo. Atualmente, os polos do CRPIR são dirigidos pelo Instituto Social Espaço Negro, uma ONG conveniada, por contrato, com a Prefeitura.

Talita Laureano, psicóloga do polo da Vila Itororó, ressaltou que, embora tenha experiência como psicóloga na assistência social, não conhecia o CRPIR até receber o convite para fazer parte da equipe de atendimento. “A população não acessa os serviços do Centro porque não conhece”, afirmou Talita sobre a falta de divulgação desse serviço municipal. A profissional comentou o público-alvo dos atendimentos: “atualmente, muitas mães e responsáveis relatam situações de racismo escolar, mas casos de racismo institucional, sofrido no ambiente de trabalho, também são comuns.”

A psicóloga esclareceu que não é possível oferecer um acompanhamento terapêutico contínuo, somente atendimentos pontuais. Talita explicou que, a depender da gravidade dos casos, é combinado o tempo de retorno e novos encontros são marcados. Sobre os demais serviços, ela exemplificou: “os atendidos não serão representados judicialmente pela advogada do CRPIR, mas ela pode acompanhá-los até o DECRADI (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância). O atendimento jurídico orienta, por exemplo, a procura da Defensoria Pública ou de um advogado particular.”

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Além do espaço arquitetônico, o Centro Cultural Vila Itororó promove aulas de artes e danças. (Foto: Giuliana Zanin)

Os atendimentos podem ser realizados online, à domicílio ou presencialmente. No entanto, conforme ressaltado por Talita, os polos do CRPIR carecem de infraestrutura. As salas ocupadas pelo Centro na Vila Itororó, por exemplo, não possuem acessibilidade às pessoas com deficiências. Além disso, o espaço onde acontecem os atendimentos é compartilhado pelas profissionais: “nós tratamos casos carregados de sofrimento psíquico, em situações específicas, eu solicito que minha colega saia da sala para garantir o sigilo e o conforto do atendido.”

“Falta muito para chegarmos em um nível de atuação efetiva, mas a gente percebe a importância dos serviços nos atendimentos. O espaço é para as pessoas se identificarem conosco e veem como uma tábua de salvação”, comenta Talita. Além disso, a profissional demonstra a satisfação do serviço para os atendidos “Muitos relataram que ficaram felizes de conhecer o trabalho, porque não se sentiam sozinhos e tiveram suas vozes ouvidas plenamente.”

Embora trabalhe há pouco tempo no Centro, reconhece a importância da iniciativa e da permanência dos serviços para a comunidade. Talita comenta que “Além de trabalhar as questões do racismo estrutural, arraigado, fortalecer, empoderar, fazer com que essas pessoas almejam outras posições, um STF da vida, ser médico, advogado… nosso trabalho tem esse papel também.”

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O CRPIR é uma iniciativa da Prefeitura de São Paulo com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. Foto: Giuliana Zanin

Apesar de existirem centros de acolhimento para pessoas vulnerabilizadas socialmente, é importante denunciar casos de racismo, xenofobia, intolerância religiosa, dentre outras discriminações sociais. De acordo com o Portal Geledés, a Ouvidoria da Secretaria Estadual da Justiça e Cidadania paulista recebeu 174 denúncias de discrimanação racial nos primeiros 4 meses deste ano frente a 155 ao longo de todo o ano passado. Para mais informações sobre denúncia:

Para saber mais sobre as localidades dos centros, acesse o portal da CRPIR na Prefeitura de São Paulo: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/direitos_humanos/igualdade_racial/rede_de_atendimento/index.php?p=270197  

Vinda da Bahia, Cleidiane Costa de Jesus tem história de superação e se dedica a trabalho voluntário com moradores de rua.
por
Julia da Justa Berkovitz
Ana Julia Bertolaccini
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21/10/2023 - 12h

 

Cleidiane Costa de Jesus, 37 anos, nasceu no interior da Bahia no município de Jequié. Desde pequena Cleide se identifica como negra e afirma que: “morena não estava no meu vocabulário, até hoje quando me chamam de morena eu não respondo porque eu sou negra”. Ela sempre achou a cor negra muito linda e tinha uma grande admiração por seu avô materno e seus tios que eram negros. 

Cleide nasceu e cresceu dentro da igreja católica. “Deus é o centro da minha vida. Em casa rezo sozinha e busco fortalecer a minha fé na igreja, preciso comungar, é o pão vivo que desceu do céu”. Cleide desde sempre foi extrovertida, brincalhona e autoconfiante. Na escola era líder de torcida, participava das gincanas e desfilava nas paradas do feriado de 7 de setembro. Tinha muitos amigos, boas relações com os professores e era apelidada de preta, neguinha e negona. 

Todavia, seu jeito sociável e divertido incomodava algumas pessoas que a julgavam de metida. Cleide nunca se importou e diz: “Nem Jesus agradou todo mundo, não era eu que iria agradar”. Cleide conta que ouvia “piadas” racistas na escola, mas ela não ligava e rebatia as falas preconceituosas.

Cleide se formou na escola com 18 anos e viveu em Jequié até os 25 anos, quando se mudou para São Paulo. Durante esses sete anos ela começou a trabalhar como babá e quis se mudar para a metrópole paulista em busca de trabalho. Ela opina que em SP existem vantagens e desvantagens, “você ganha mais dinheiro mas vive uma vida corrida e na Bahia as pessoas ganham menos mas são mais felizes e se divertem mais”. 

Ao chegar em São Paulo, Cleide teve um pouco de dificuldade em frequentar a igreja porque não tinha com quem ir, mas conseguiu se estabelecer e agora vai à missa todos os finais de semana. Em 2019 virou catequista e há 4 meses iniciou um trabalho voluntário com moradores de rua na Comunidade Católica Shalom. “Não é só levar o alimento, é você olhar para as pessoas e ver Jesus, amar Jesus no irmão”. 

Ela conta que no voluntariado vê pessoas que ficaram muito fragilizadas pelo racismo que sofrem e alguns acabam se machucando. “Precisamos sempre lutar contra o racismo, ele causa muitos danos e dores”. 

Cleide se lembra de poucas situações em que sofreu preconceito. Ela afirma que duas vezes não foi atendida em lojas por estar vestida de forma simples. Além disso, quando Cleide sente que estão olhando ou seguindo ela no mercado ela logo questiona o que está acontecendo.