A individualização política das mulheres e a realidade feminina no Brasil
por
Leticia Falaschi
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14/04/2025 - 12h

Ainda nos últimos meses de 2024, uma trend tomou conta das redes sociais como o TikTok e o Instagram. As tradwifes (abreviação que vem do termo em inglês Traditional Wifes, ou esposas tradicionais, no português) ganhou espaço entre as recomendações de algoritmos ressaltando o estilo de vida conservador exibido por essas influenciadoras. Até hoje hashtags e vídeos têm milhares de curtidas: suas rotinas romantizadas preparando a comida e cuidando dos filhos, claro, que com as roupas e maquiagem sempre intactas geram numerosos comentários de mulheres desabafando como essa seria a vida dos sonhos. O que vem preocupando estudiosos da sociedade é a permanência insistente desse movimento como objeto de desejo e a relação que ele estabelece o como momento político vivido. O que significa tantas mulheres querendo abdicar de suas vidas profissionais e externas ao lar?

Primeiramente, é necessário entender que o papel da mulher e as relações de gênero sempre foram uma questão para todas as sociedades. Durante a história, principalmente ocidental e em países colonizados, as mulheres se viram na posição de adaptar-se e lutar por espaços, mas os processos históricos não são lineares, e não esbanjam progresso durante o percurso. Em entrevista à AGEMT, Maria Eduarda Araújo Guimarães, doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas), conta sobre os passos analisados na percepção social do feminino.

"Essa argumentação da naturalização do papel de gênero é muito fortalecida. Essa ideia de que o papel da mulher é estar ao lado do homem contribuindo, mesmo que não seja por vias econômicas e políticas, sempre esteve presente na luta das mulheres, nunca foram superadas”, afirma Maria Eduarda. 

Ilustração mulher "tradwife"
 foto divulgação: flickr/SportSuburban

Muitas das mulheres que desejam esse estilo de vida carregam um cansaço, mesmo que inconsciente. Ainda hoje, a maioria das figuras femininas ainda estão responsabilizadas pela dupla jornada: o trabalho externo, que requer o deslocamento, e os trabalhos domésticos. São muitas horas e preocupações a mais do que boa parte dos homens. Maria Eduarda comenta sobre essa relação: “Você pode até ter uma relação equalitária entre um homem e uma mulher, os dois chegam do trabalho e nenhum vai lavar a louça, mas a mulher vai ficar com peso na consciência... no fundinho de seu ser vai ter um fundo de culpa”.

A entrevistada aponta, especialmente para o cenário brasileiro, o fator do desprezo do trabalho manual, devido as raízes coloniais: “o fato de que nós fomos o país que mais teve escravizados e que mais demorou para libertá-los, traz uma visão muito negativa para o trabalho doméstico. O Brasil não se fundou numa ética do trabalho. A gente desvaloriza o trabalho manual, a pessoa que o faz é desqualificada, mesmo que seja para nós”, ressalta.

Da inferiorização, involuntária e imperceptível, nasce essa angústia, esse fardo. E então, uma boia furada no meio do oceano parece ser uma solução. É necessário compreender que, quando falamos de configurações tradicionais de família, há uma hierarquia que não envolve somente as pessoas que a compõem. Boa parte das influenciadoras que postam esse tipo de conteúdo ficam apenas com o papel de supervisora: ela cuidará dos filhos enquanto uma outra mulher (paga pelo homem provedor financeiro) que fará o trabalho pesado. Em solo brasileiro, questão fica ainda mais profunda: a quantidade de homens que ganhem o suficiente para prover uma família nesses parâmetros é ainda mais difícil. "É um fenômeno branco, pelo menos no Brasil”, diz a entrevistada.

É quase inevitável não relacionar a “volta” triunfal dos moldes tradicionais de família com as ondas conservadoras e de extrema direita que vemos acompanhando. Apesar dos progressos coletados desde as revoluções culturais dos anos 1960 não foram absolutas. Uma possível atribuição para o sucesso das tradwifes é a necessidade de encaixar-se num nicho, num estilo de vida, demanda gerada pela sociedade extremamente on-line. Num mundo onde se pode ser tantas coisas, surge a insegurança na autonomia, muitas vezes calcada nas realidades femininas no mercado de trabalho: “Toda essa dificuldade que as mulheres enfrentam, fazer uma faculdade, mestrado, doutorado e mesmo assim isso não vai significar uma autonomia financeira. É um caminho mais fácil, ilusório, de as mulheres se sentirem protegidas, amparadas... essa ilusão, ao olhar para os EUA, programas de televisão, acabam gerando uma tentativa de mimetização sem levar em conta as com as diferenças das matrizes culturais”, analisa Maria Eduarda.

É curioso analisar como as ondas conservadoras se apropriam das redes sociais com tanta eficácia. Uma onda de mulheres votadas a abdicar de suas vidas profissionais e políticas é minimamente vantajoso aos que vem pregando esse movimento, há muito tempo, antes do TikTok. “sempre vai existir esse jogo de questionar o papel da mulher na sociedade... o que muda é a nomenclatura, é uma repaginação das redes sociais... O que elas trazem nesse discurso de diferente é que elas não estão ali por falta de escolha... e aí a questão de submissão é parcialmente maquiada”, explica Maria Eduarda. “Isso é um discurso para as redes sociais, nenhuma dessas mulheres vai mostrar que apanhou do marido porque ela não fez o que era esperado dela, ela vai expor o que é positivo dessa questão”.

É a figura do homem que está no controle da vida de todos, a mulher somente terá essa vida provida enquanto ele permitir. É ele quem terá maior poder para violentá-la psicologicamente, fisicamente e patrimonialmente. “Quem tem o poder econômico sempre tem o poder... é muito interessante essa volta conservadora, essa ideia de que a mulher é inimiga: nunca criticando a abolição do divórcio, que é criticada na bíblia, e a volta do adultério com crime... é questionável o ‘cara’ conservador que anda com a bíblia debaixo do braço, mas já está na quarta esposa”.

Documentário I’m Not a Robot instiga o telespectador a refletir sobre a evolução das máquinas
por
Vítor Nhoatto
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08/04/2025 - 12h

Não sou um robô, uma etapa de checagem comum ao navegar na internet e uma sentença obviamente verdadeira, ou talvez não. O curta-metragem de co-produção holandesa e belga de mesmo nome, problematiza o chamado teste Captcha, quando a protagonista Lara (Ellen Parren, produtora musical, entra em uma crise existencial ao não conseguir provar sua humanidade.

Logo de cara o enredo de Victoria Warmerdam, também diretora da obra,  pode parecer apenas cômico, e a interpretação de Parren colabora para essa atmosfera. Os diálogos curtos e a indignação diante de uma suposta certeza de Lara prendem a atenção do telespectador ao fazer com que haja identificação com a situação. Provavelmente todos nós já erramos um destes testes simples em algum momento.

A história com pouco mais de 20 minutos continua com a indicação que a personagem tem a chance de ser 87% um robô, segundo um quiz online, e a essência incômoda da ficção científica começa a reluzir. Conversas entre humano e máquina existem há cerca de 60 anos, com a criação do chatbot Eliza, e com o avançar dos anos é cada vez mais comum, de fato.

Seja aquele número para marcar consultas ou o serviço de atendimento ao cliente das operadoras, a Inteligência Artificial rodeia as esferas da vida cotidiana e vem evoluindo rapidamente. Tome como exemplo o robô humanoide que já foi capa de revista e é considerada cidadã saudita, Sophia, da Hanson Robotics desenvolvido em 2015. Ou ainda os influencers virtuais com milhões de seguidores do Instagram hoje como a carismática Lu da empresa de varejo brasileira, Magazine Luiza.

Robô Sophia
Sophia foi inclusive ao Talk Show do apresentador norte-americano Jimmy Fallon - Foto: Hanson Robotics / Divulgação

Parece que a barreira entre o físico e digital, natural e artificial vem sendo quebrada, como aborda a obra de Margareth Boarini, “Dos humanos aos humanos digitais e os não humanos”, lançada em julho do ano passado pela editora Estação das Letras e Cores. O primeiro livro da doutora em tecnologias da inteligência e mestre em comunicação se aprofunda nesses casos de coexistência entre robôs e pessoas, porém, até onde se sabe as diferenças entre máquinas e humanos são perceptíveis, ainda. 

Mas como uma boa teoria de ficção científica, o documentário explora justamente um possível futuro da humanidade, em que máquinas e humanos serão indistinguíveis, A saga de Lara por respostas acaba com a revelação de que Daniël (Henry van Loon), marido da personagem, a encomendou sob medida há alguns anos, como se faz com uma roupa hoje.

Suas memórias, sentimentos e até mesmo relações com outras pessoas, ou robôs, são todas fabricadas, como uma versão muito mais avançada do robô Sophia. A comédia permeia a narrativa um tanto quanto impensável aos olhos de hoje, mas curiosa. A seriedade da executiva da empresa que fabricou Lara, Pam (Thekla Reuten) cria uma atmosfera cômica ao assunto, completada pela tranquilidade que Daniël fala sobre sua “aquisição”.

Parren entrega uma atuação que transborda indignação, e o trabalho cinematográfico é inteligente, com cortes que acompanham a visão de Lara. Sobre o ambiente que o filme se passa, todas as gravações foram no CBR Building em Bruxelas, e a ambientação feita com cores vibrantes e apenas carros de época no estacionamento propõe um contraste entre antigo e moderno, frio e robótico, quente e humano. 

O desfecho se dá com o desejo da protagonista de ser dona do próprio destino, relegando o fato de não poder morrer antes de seu “dono”. Isso pode ser visto talvez como uma negação em aceitar a única coisa que a diferencia de um humano, ou como uma mensagem da autora da obra sobre uma rebelião das máquinas.

Fato é que Lara se joga do topo do prédio, em um take muito inteligente por parte da direção ao filmar de cima, e que apesar de pesado e grotesco consegue ser engraçado e não desagradável aos olhos. Tal qual uma morte comum, há muito sangue saindo do corpo, as necessidades fisiológicas também são como de humanos, mas após alguns instantes a robô volta à vida.

Lara e Daniel em um Volkswagen Fusca azul
Com cinematografia cativante e enredo inesperado, é um Sci-Fi cômico e dramático - Foto: Indie Shorts Mag / Reprodução

Incômodo e perspicaz são boas palavras para definir a quinta produção de Warmerdam, que a fez faturar uma série de prêmios internacionais incluindo o Oscar de Melhor Curta-metragem deste ano. Sua produção também se destaca por ser carbono neutro, com o plantio de uma agrofloresta na Holanda para compensar as emissões de gás carbônico (CO2) da obra.

I’m Not a Robot está disponível de forma gratuita no YouTube desde o dia 15 de novembro de 2025 no canal The New Yorker, com legendas apenas em inglês ou holandês. Mesmo com essa barreira linguística, o choque final é inevitável, e a reflexão provavelmente também, se o seu cérebro não estiver se perguntando se você pode ser também um robô.

Como o consumo consciente cresceu e se popularizou na sociedade atual
por
Vítor Nhoatto
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27/03/2025 - 12h

Sejam em grandes franquias ou em uma pequena porta em um bairro residencial, os brechós ganham cada vez mais consumidores. As principais razões para isso, preços baixos, maior variedade de peças e personalidade. Mas o efeito ambiental das roupas de segunda mão também é um diferencial e necessidade em tempos de mudanças climáticas, além do seu impacto social.

Ao contrário do que pode parecer pela ascensão recente da atividade, a venda de roupas e artigos usados remete ao século XIX na Europa, onde as chamadas ‘Second Hand Stores’, produtos em geral, e ‘Vintage Clothes Stores', especializadas em peças de época eram comuns. As roupas novas eram feitas a mão, resultando em preços altos e limitando o consumo recorrente as classes mais altas. Diante disso, uma saída eram as peças usadas, com preços menores mas de alta qualidade.

No Brasil, o primeiro do ramo documentado data do mesmo período no Rio de Janeiro, chamado de Casa de Belchior. A loja do viajante francês vendia uma série de itens usados e deu origem ao termo ‘brechó’ inclusive. A contração das palavras ao longo dos anos para facilitar o entendimento e a popularização do local originou o termo brasileiro. 

Ao decorrer dos anos, a atividade cresceu e passou a abarcar outros grupos sociais também, destacando as histórias e individualidade das roupas de segunda mão. Em entrevista à AGEMT, Camila Guerreiro, dona há três anos do brechó Dona Clô, destaca os principais motivos apontados por seus clientes: “As pessoas buscam peças diferenciadas, de boas marcas e por um preço bom”.  

Foi justamente nos últimos anos que o ramo realmente atingiu destaque no país. Segundo relatório de 2021 do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), entre 2010 e 2015 o número de brechós cresceu 210% no Brasil. Além disso, durante a pandemia de COVID-19, de 2020 para 2021, o crescimento foi de 50%. Hoje, o país conta com aproximadamente 118.778 brechós ativos, ainda de acordo com o Sebrae, e as expectativas são de mais crescimento.

Segundo a empresa britânica de consultoria, Global Data, o ramo irá ultrapassar, em 2029, em valor o fast fashion, a indústria da moda tradicional baseada em coleções e produção em massa. Foi a partir dos anos 1970 que a busca por produzir roupas em grande quantidade por um baixo custo tomou forma nos EUA, e hoje marcas como Shein, ZARA e C&A dominam o setor da moda. 

Apesar da popularização do setor, um cenário de consumismo e poluição ambiental massiva se configurou. O setor têxtil fica atrás apenas da indústria petrolífera no quesito poluição ambiental segundo dados do relatório de 2022 da Global Fashion Agenda, destacando a importância de repensar a forma como se consome roupa. 

“Isso deve motivar as pessoas a procurar um brechó, não só pelo preço e por ser uma peça exclusiva, mas por essa sustentabilidade. Não se deveria pensar primeiro em comprar em uma loja tradicional uma peça que todos terão igual e que em meses você não usará mais", afirma Camila.

O comportamento volátil da ‘moda rápida' resulta em um desperdício cada vez maior de recursos naturais, e a consequente poluição pela produção desenfreada e descarte prematuro das peças. A Ellen MacArthur Foundation, criada em 2010 para acelerar a adoção de uma economia circular, estima que 60% das peças sejam descartadas ainda no primeiro ano de uso, e que 85% delas nem sejam recicladas.

Ivone Aparecida, dona do brechó ‘O Legado da Vó’, especializado em roupas de época há 20 anos, destaca a lógica instaurada pela indústria hoje. “Tecidos que antigamente levavam três ou quatro meses para serem lançados, hoje em poucos dias chegam às lojas, e são quase descartáveis, não são pensados para serem lavados e durar”.

Nesse sentido, os brechós são uma alternativa sustentável, uma vez que peças que seriam descartadas ainda em condições de uso, ganham nova vida, um incentivo para a mudança de pensamento em relação ao vestuário. Esse prolongamento da vida útil das peças resulta na diminuição da degradação ambiental, ocasionando para o armário de um consumidor de brechó uma pegada de carbono mais baixa.

Além disso, um dinheiro que seria gasto com essas grandes multinacionais poluentes passa a circular nos bairros, impulsionando a economia de base. Segundo o Sebrae, 78% dos negócios do ramo são MEI (Microempreendedor Individual), e 21% micro ou pequenas empresas, culminando no impacto econômico da atividade para o comércio local. Há geração de empregos, desenvolvimento econômico das regiões da cidade e diminuição da necessidade de deslocamento da população para áreas centrais.

Toda a sociedade sente o impacto da atividade, que carrega em si a proposta de uma outra relação com as roupas que se usa. “O brechó é moda sustentável, você ressignifica as peças e pode usar até passar de geração para geração, uma roupa que tem história por trás ”, finaliza Ivone.

Brechó O Legado da Vó
Cada vez mais brechós tomam conta das cidades, e praticamente tudo pode ser encontrado - Foto: Vítor Nhoatto

 

O prazer efêmero da compra logo dá lugar a um vazio crescente
por
Giovanna Montanhan
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12/11/2024 - 12h

Por Giovanna Montanhan

 

Abrir o TikTok é como piscar e ver o mundo mudar em uma fração de segundos. Em uma rolagem veloz, surgem truques para uma maquiagem glow, táticas para uma “pele de porcelana”, segredos para esconder as olheiras com batom vermelho e até dicas para um contorno "ideal" feito com utensílios de cozinha. Uma técnica “nunca antes vista” de delineado usando apenas um grampo de cabelo, uma máscara capilar líquida que permanece nos fios por míseros segundos e que “repara até a alma” — tudo parece essencial, urgente. De um lado, surge uma técnica viral que promete lábios mais volumosos usando apenas corretivo e gloss, aplicados estrategicamente para criar a ilusão de lábios carnudos e esculpidos; do outro, alguém massageia o rosto com um Gua Sha, uma técnica tradicional de origem chinesa que utiliza uma pedra para esculpir a face, de quartzo rosa recém-adquirida, prometendo desinchar o rosto em poucos minutos. A tela se enche de novas promessas a cada hora em que o aplicativo é aberto, como o colágeno em pó que, misturado na água, garante uma dose de juventude pelas próximas décadas, ou a aplicação de blush no nariz para dar aquela falsa sensação de que se esteve na praia e se queimado, e até mesmo o sérum coreano feito de mucina de caracol para uma pele supostamente mais firme e hidratada. Cada dica desponta como um raio no feed, iluminando tudo ao seu redor por um instante, apenas para ser engolida pela próxima febre que chega avassaladora, tornando a moda anterior esquecida antes mesmo de ser assimilada.

No território implacável das redes sociais, onde promessas de uma pele impecável e uma beleza reluzente se espalham como um feitiço, mulheres de todas as idades deslizam os dedos na tela em busca de um brilho que pareça emanar de dentro para fora. Cada toque, cada deslizar, aproxima as compradoras de um ideal escorregadio, um reflexo de perfeição, sintetizado na imagem da pele viçosa perfeita — tão brilhante e lisa quanto um donut vitrificado, idealizada pela marca Rhode, da modelo Hailey Bieber.

Mas essa busca pela beleza aparentemente simples não é tão doce como parece. As consumidoras, atraídas pelos vídeos de influenciadoras, são envolvidas por um mercado que promove o “Glazing Milk” e os “Peptides Lip Tints” como a chave para a pele e os lábios dos sonhos. Não se trata apenas de hidratar, de cuidar ou de valorizar o que já existe, mas de transformar, de reconstruir, de alcançar um brilho irreal que reflete expectativas impossíveis. Para muitas, o desejo por essa pele vitrificada é como um chamado, uma chance de fazer parte de um ideal estético que atravessa culturas, idades e contextos, porém inacessível para a maioria.

No Brasil esse sonho assume ares de luxo proibido. Sem distribuição oficial, os produtos da Rhode se transformam em verdadeiros tesouros a serem caçados em mercados paralelos, frequentemente repletos de riscos. Para experimentá-los, os brasileiros precisam superar o desafio da importação, enfrentando preços inflacionados e longas esperas. Quanto mais distante o sonho, mais intensamente ele é desejado. Em um contexto onde a estética perfeita é exaltada acima de tudo, esses itens de design minimalista tornam-se uma espécie de Santo Graal — símbolos de um ideal que poucos conseguem vivenciar diretamente, mas que muitos cobiçam com olhares ávidos.

Não são apenas os hidratantes e lip tints da Rhode que repousam nesse altar de desejo inatingível. O Lip Glow Oil da Dior, envolto em promessas de lábios irresistíveis, reflete um brilho de glamour que atiça os corações, enquanto a Rare Beauty de Selena Gomez, com seus blushes e iluminadores, embriaga o imaginário dos mais jovens. Há algo mágico, quase sedutor, nesses frascos delicados, como se cada camada de produto pudesse transformar a pele em uma tela de sonhos, oferecendo uma beleza que parece brotar sem esforço algum. Cada uma dessas embalagens repousa no nécessaire com uma falsa simplicidade, promovido com tamanha precisão que passa a impressão de que esses pequenos luxos são mais que desejos — são quase como amuletos, indispensáveis no ritual silencioso de buscar, no reflexo, um toque de perfeição que talvez nunca se alcance.

A obsessão pelo "glazed look" transcende o próprio produto. Não se trata de um efeito milagroso na pele ou da suavidade nos lábios; é uma busca por alinhamento com um ideal, uma concepção vendida como pura, mas que, na verdade, carrega o peso do consumo incessante. Influenciadores, com seus vídeos cuidadosamente editados, se tornam os arautos dessa estética quase mítica, revelando apenas fragmentos do que os produtos prometem, sem expor o verdadeiro custo envolvido. Enquanto isso, do outro lado da tela, um exército de seguidores desliza, em busca do próximo vídeo, da nova promessa — na esperança de transformar um sonho distante em uma realidade tangível, ainda que efêmera.

O TikTok, com seu algoritmo hipnotizante, tornou-se uma vitrine onde milhares de consumidoras mergulham em tutoriais e resenhas, investindo tempo e dinheiro na promessa de uma pele reluzente. Entre elas, há quem se pergunte até que ponto esse ritual em frente ao espelho reflete uma busca legítima pela autoestima ou se é apenas mais uma ferramenta do capitalismo que usa o desejo por aceitação e inclusão para alimentar o consumo excessivo.

É como uma trilha de pequenas confissões, uma corrente de desejos transformados em mercadoria. Em cada vídeo, em cada review impulsionado por essas marcas silenciosas, há mulheres que, ao deslizar a tela e ceder ao apelo das tendências, começam a ver suas rotinas, seus sonhos e até seu próprio reflexo se curvarem a um padrão escorregadio e volátil.

Júlia, Helena e Rayssa são alguns exemplos de meninas que compram de acordo com a tendência do momento no TikTok. Cada uma mora em um estado diferente, mas, enquanto falavam, era como se compartilhassem uma mesma inquietação, algo que transcende a distância e parece habitar um espaço comum entre elas. Com apenas 13 anos, Júlia, mais tímida, confessou que, para ela, comprar os produtos da moda trazia uma sensação de pertencimento que era difícil de encontrar em outros lugares. Ao adquirir aquele item desejado, sentia-se mais próxima das meninas que possuíam o mesmo, como se o produto fosse um passaporte invisível para um mundo onde todas compartilham os mesmos desejos e sonhos de consumo. Com um brilho tímido no olhar, contou sobre seu exemplo mais recente: um kit de pinceis da marca Real Techniques — algo que, segundo ela, todas no TikTok pareciam ter e que, de alguma forma, a fazia sentir-se parte de algo maior.

Com 15 anos, Helena, um pouco mais falante, descreveu a experiência de outra forma, embora a sensação de efemeridade fosse a mesma. Para ela, o ato de consumir a aproximava de suas amigas e da comunidade online, mas logo após a compra surgia um vazio incômodo, como se a satisfação fosse rapidamente substituída por uma nova tendência, já à espreita. "É um ciclo sem fim," disse ela, quase resignada, enquanto mencionava sua última aquisição: o pó facial rosa da influenciadora Karen Bachini, um item que ela não parava de ver nos vídeos e que parecia indispensável — até o próximo lançamento roubar a cena.

Com 17 anos, Rayssa, em silêncio até então, finalmente desabafou. Revelou que, todas as vezes que se olhava no espelho, sentia-se como se tentasse capturar o brilho das influenciadoras do TikTok. Mesmo quando conseguia comprar o que tanto desejava, o resultado nunca parecia corresponder ao ideal que via na tela. Em momentos assim, questionava-se se a falha estava nela — como se algo em sua pele, no olhar, ou até em sua própria essência não fosse suficiente para refletir a promessa vendida pelos produtos. Esse sentimento de cobrança, explicou, era quase constante, uma frustração que a fazia sentir-se cada vez mais distante de um ideal inatingível. Sua última compra foi o sérum bronzeador da marca Drunk Elephant, o D-Bronzi Anti-Pollution Sunshine Drops, um item que, como tantos outros, prometia uma transformação que parecia sempre escapar ao seu alcance.

Para elas, o ato de comprar não é apenas um impulso passageiro; traz um alívio momentâneo em uma busca que nunca se completa. Mas logo vem o vazio, uma percepção incômoda de que estão presas a um ritual estranho, onde o consumo é apenas uma dança repetitiva, uma tentativa de tocar algo que escapa. Muitas se encontram no eco numa pergunta inevitável sobre o motivo de não conseguir o mesmo resultado. Como se o erro fosse delas, como se algo na pele, no olhar, ou na própria essência falhasse em alcançar o brilho prometido — um ideal cuidadosamente desenhado para permanecer fora de alcance.

É nesse cenário tentador que se ergue o submundo da Internet, uma espécie de mercado paralelo onde a pressa e o desejo encontram uma nova morada. Para aqueles que não podem ou não querem esperar, marketplaces como a Shopee e a Shein surgem como atalhos — labirintos digitais onde os produtos cobiçados aparecem como ofertas tentadoras, à mercê de vendedores anônimos que se escondem atrás de telas e avatares. Ali, a ansiedade dos consumidores é alimentada com preços reduzidos, porém envoltos em uma névoa de incerteza se o brilho do produto é real, ou apenas uma sombra de autenticidade. Entre o clique e a compra, uma escolha silenciosa é feita — e talvez, para muitos, a necessidade de pertencer ao momento sobrepuje o valor da própria verdade.

Capitalismo

Em uma conversa descontraída o colunista do site Steal the Look, Fábio Monnerat, falou sobre o frenesi que envolve a busca pela beleza idealizada, uma obsessão que, segundo ele, vai além do simples desejo por bons produtos. Ele acha que há uma necessidade de pertencimento, um desejo de aceitação que se esconde por trás de cada nova compra, como se cada aquisição trouxesse consigo um pouco mais de identidade, um passo a mais em direção a um grupo invisível e desejado. Fábio disse enxergar essa ilusão de exclusividade como uma corrente invisível, prendendo o público em um ciclo sem fim, onde o limite entre querer e precisar se desfaz. Nas redes sociais, o ideal de beleza está sempre ali, próximo e sedutor, mas estranhamente fora de alcance, criando um desejo que se mantém sempre vivo. E vai além.

Ele aponta que conter essa maré de consumo desenfreado soa quase como um desafio impossível. A falta de consciência coletiva torna difícil que as pessoas reflitam sobre o impacto de cada compra. Assim, o consumo se transforma em um reflexo do próprio desejo não resolvido, uma repetição constante que nunca traz a satisfação esperada. Para ele, cada nova compra parece inofensiva, mas se transforma em uma onda crescente, que passa despercebida e segue reverberando.

No coração do capitalismo contemporâneo, o TikTok se agiganta, não mais como uma simples distração, mas como um palco onde o desejo se torna espetáculo e o consumo, um ato quase hipnótico. Em cada deslizar de dedo, as consumidoras são lançadas em um torvelinho de tendências, onde as promessas de beleza cintilam como fogos de artifício — intensas, passageiras, inescapáveis. A cada nova febre, o rosto de uma influenciadora parece sussurrar segredos que as espectadoras querem acreditar: uma pele mais luminosa, lábios mais aveludados, o toque de algo quase mágico. Mas é tudo tão fugaz. Produtos que ontem eram o desejo do momento, hoje já perderam o brilho, substituídos por algo "ainda mais revolucionário".

Para essas mulheres, não há descanso. A lógica do hiperconsumo, essa engrenagem que o filósofo Gilles Lipovetsky descreveu, as engole em um ciclo em que o desejo pesa mais que a necessidade, onde o impulso de possuir é atiçado mais pelo medo de perder a novidade do que por uma vontade verdadeira. A cada nova compra, um ritual se repete — uma sensação de satisfação que evapora rápido, cedendo espaço à expectativa do próximo lançamento. E enquanto os frascos se acumulam, um vazio começa a se insinuar, como se, no fundo, soubessem que a próxima tendência também virá, seduzindo-as mais uma vez.

No universo hiperacelerado do TikTok, onde as tendências surgem e desaparecem como reflexos fugidios, as consumidoras são arrastadas para um ciclo quase frenético. Cada novo "must-have" carrega uma data de validade invisível, um convite ao consumo antes que o encanto se esgote. No olho desse furacão está o Carmed, um bálsamo labial produzido pela farmacêutica Cimed, que, embora conhecido por sua hidratação modesta, encanta com suas edições limitadas e colaborações astutas, como a recente parceria com a marca de doces Fini. Versões do bálsamo com sabores de balas de gelatina — banana, dentadura, "Beijos" — evaporaram das prateleiras antes mesmo de alcançarem todas as farmácias, deixando na esteira um rastro de desejo insatisfeito.

Para Helena, que também é uma consumidora voraz de Carmed, a eficácia do produto é apenas um detalhe insignificante. O que realmente importa para Júlia e para quem o consome, é o prazer de possuir um fragmento de algo efêmero, um pedaço da tendência que logo será substituída por outra. Cada lançamento deste produto traz consigo uma promessa de exclusividade, uma sensação de escassez calculada que intensifica o impulso de compra. Nesse jogo de aparências, o Carmed não é apenas um bálsamo; é um lembrete de que, no turbilhão da moda passageira, às vezes o que vale é a experiência fugaz de ser parte de algo que logo deixará de existir.

No emaranhado dos desejos modernos, o consumo de beleza se torna um ritual de encantamento, uma busca ansiosa que reflete mais do que o desejo de uma pele perfeita ou de lábios macios. Fábio Monnerat vê esse cenário com inquietação, especialmente quando o alvo do consumo se desloca para o público infantil. Ele observa, com ceticismo, como produtos de beleza direcionados a crianças e adolescentes, como é o caso do fenômeno do Carmed, onde eles são estrategicamente moldados para enraizar o consumo desde cedo. Com sabores açucarados e colaborações com personagens conhecidos, o Carmed, em suas múltiplas versões, deixa de ser apenas um hidratante labial; ele se torna um emblema de um consumo precoce, uma porta de entrada para um ciclo interminável de desejos e substituições.

Fábio acredita que essa introdução ao consumo desenfreado desde a infância reflete um problema profundo. A indústria da beleza, segundo ele, soube capturar o conceito de autocuidado e transformá-lo em uma sequência constante de compras — não mais um momento pessoal, mas uma dança coreografada pelo mercado. O Carmed e outros produtos semelhantes simbolizam uma sociedade onde o consumo é enaltecido como valor intrínseco, e cada nova edição limitada, cada parceria com um ícone infantil, se torna um capítulo dessa fábula consumista. A ilusão de exclusividade atiça o desejo, e o autocuidado se converte em um ato repetitivo, sem substância.

Enquanto isso, o TikTok acelera essa espiral. Para Júlia, Helena e Rayssa, a plataforma de vídeos é uma vitrine que converte produtos de beleza em pequenos troféus de pertença, um portal onde cada novo sérum, cada nova máscara promete um vislumbre de perfeição. Como no filme  A Substância (2024), onde Elizabeth Sparkle, interpretada por Demi Moore, injeta um líquido espesso e denso na pele na esperança de capturar a juventude que lhe escapa, os jovens de hoje se entregam a promessas tão tentadoras quanto fugazes. A cada nova fórmula, a cada sérum, máscara ou creme milagroso, há uma promessa de transformação que parece deslizar entre os dedos. Eles se lançam nessas poções modernas, cada frasco prometendo que, desta vez, o reflexo no espelho será o que sempre desejaram.

Mas, assim como Elizabeth, que corre atrás de uma ilusão que nunca a satisfaz, esses jovens podem estar caminhando para um abismo de expectativas vazias. A cada compra, um breve relâmpago de satisfação — um brilho que logo se desfaz, um encanto que desaparece com a mesma rapidez com que veio. E então, a necessidade renasce, mais urgente, mais insistente. Em um ciclo que se auto alimenta, o ideal de beleza se mantém distante, quase ao alcance das mãos, mas sempre escorregadio. E nessa busca, a frustração não desaparece; apenas se recalca, pronta para surgir com força renovada a cada nova promessa que o mercado lança na tela.

Fábio acredita veementemente que o verdadeiro papel do TikTok não é conectar, mas vender — impulsionando um consumo desenfreado que atinge até os mais jovens, seduzidos pela promessa de uma juventude prolongada e de uma beleza idealizada.

No fim, a trilha do consumo se revela como uma corrida sem destino, onde o autocuidado se dissolve em promessas e expectativas. Para Fábio, a verdadeira prática de bem-estar foi sequestrada pela lógica de mercado, que transforma cada novo produto em mais um ponto de partida, mais um item na lista de desejos insaciáveis. O autocuidado, nesse cenário, se torna uma pista de corrida onde o consumidor, sempre em busca da última novidade, esquece de parar, de respirar e de redescobrir o que realmente importa. Talvez, sugere ele, o verdadeiro bem-estar exija uma saída dessa trajetória imposta, uma pausa para recobrar o equilíbrio, para lembrar que cuidar de si não precisa ser uma sequência de compras, mas uma escolha pessoal, guiada por um ritmo próprio, alheio às urgências e apelos do mercado. Afinal, os verdadeiros delírios de consumo da Geração Z não estão em cada frasco ou nova tendência, mas na ilusão de que a satisfação virá com o próximo produto.

 

As conexões digitais facilitaram a vida de muitos, mas também abriram brechas inesperadas.
por |
25/09/2024 - 12h

Por Carolina Rouchou

 

O dia era domingo, o mês era Novembro e o ano, 2022. Em um apartamento antigo no Itaim Bibi, agulhas de tricô descansavam sobre uma cadeira de balanço e o cheiro doce de bolinhos de chuva recém feitos preenchiam o ambiente decorado com toalhinhas de crochê e uma raquete de tênis. Na TV, futebol. No sofá, dona Sylvia. O jogo estava próximo de terminar e, para a alegria da telespectadora, o São Paulo já havia feito três gols contra o Goiás. Aos 45 do segundo tempo, o jogador Juan tomou posse da bola na grande área e se preparava para dar o chute final da partida. O telefone toca. Sylvia o desliga imediatamente, nada poderia distraí-la de um possível quarto gol de seu time. Dito e feito, a bola bate na rede e a torcedora comemora.

O telefone toca mais uma vez. Qualquer pessoa que conheça dona Sylvia sabe que a hora do futebol é sagrada, duas ligações seguidas nesse momento era, portanto, um sinal de emergência. Ela atendeu. Tratava-se de uma ligação de seu banco. Poucos dias antes, sua agência havia sido fechada sem muitas explicações e a conta de Sylvia seria transferida para outra unidade. A atendente informou isso por telefone, mas antes de terminar a ligação deu mais uma informação: o gerente da conta de dona Sylvia estava sendo investigado por lavagem de dinheiro e, por isso, a agência teria sido encerrada.

Pouco tempo depois o telefone volta a tocar, mas dessa vez quem estava do outro lado era a Receita Federal em busca de informações sobre o tal gerente. Pediram algumas informações da senhora de 86 anos: com qual frequência ia ao banco, como era sua relação com o gerente, quanto dinheiro ela tinha na conta, se já havia visto algum movimento suspeito na agência etc. Como cidadã exemplar, Sylvia não poupou detalhes, afinal lugar de bandido é na cadeia. Cooperou com as autoridades como pôde e, mesmo assim, pediu desculpas por não saber de muita coisa.

A ligação terminou com uma ordem: Sylvia deveria transferir parte de seu dinheiro para que a Receita pudesse analisar a origem da quantia. Explicaram que seu gerente usava as contas dos clientes para esconder dinheiro sujo e, por isso, precisavam investigar suas economias. A operação que estavam fazendo era secreta e ainda estava em andamento, portanto ninguém, nem mesmo sua família, poderia saber sobre o ocorrido. Com as autoridades ainda no telefone, Sylvia prontamente fez a transferência e agradeceu.

Segunda-feira quem ligou para a residência são-paulina foi a própria Polícia Federal. Ao atender, Sylvia foi avisada que o dinheiro analisado possuía origem ilegal e, enquanto sua inocência não fosse comprovada, ela corria perigo. O policial pediu o WhatsApp dela para facilitar a comunicação. Não era obrigada a informar seu número pessoal, mas a autoridade avisara-lhe que recusar-se a passar tal informação levantaria suspeita e que “ficaria ruim para o seu lado”.

Os dias passavam e Sylvia mantinha contato com a PF por mensagens de texto. Faziam a ela muitas perguntas, passavam atualizações sobre a investigação e pediam que ela fizesse mais transferências. A octagenária fez tudo para provar sua inocência e ajudar a justiça. O policial quis saber se havia jóias. Dona Sylvia era de uma família tradicional paulistana e se orgulhava das peças que herdara de seus avós. Imediatamente, respondeu que sim. O policial pediu fotos e perguntou se ela tinha nota fiscal dos itens. Com peças que antecediam a mudança do século passado, Sylvia informou que não retinha os comprovantes fiscais (afinal estes sequer existiam na época que as joias foram confeccionadas), mas enviou fotos de todas preciosidades que guardava em seu cofre. A conversa terminou com uma mensagem do policial: “Teremos que ir até sua casa para fiscalizar a legalidade destas peças, por favor me envie seu endereço”.

Entre novembro e dezembro Sylvia transferiu mais de vinte mil reais e recebeu as autoridades em sua residência mais de 5 vezes. Nestas visitas a Receita ou Polícia Federal ia para recolher as jóias e outros itens de valor, tudo para provar a inocência da senhora no mirabolante caso do gerente que lavava dinheiro. A operação se encerrou poucos dias antes do natal, quando Sylvia finalmente ligou para seu filho Rodolpho pedindo ajuda, pois não tinha comida em sua casa e estava sem um tostão no bolso.

A realidade é que nunca houve operação alguma. Quem esteve em contato com dona Sylvia nos últimos dias era uma quadrilha criminosa, especializada em golpes via telefone e internet. A agência da vítima fora de fato fechada, mas por questões internas do banco. O tal gerente era inocente e nunca havia sido investigado pela polícia, foi tudo inventado. As verdadeiras autoridades foram imediatamente acionadas, mas não havia muito que pudessem fazer. A família de Sylvia tomou para si a responsabilidade de auxiliar a matriarca. Sua filha Renata entrou em contato com o banco para pedir o dinheiro de volta, mas não obteve sucesso: como as transferências haviam sido feitas pela dona da conta, o dinheiro só poderia ser devolvido se comprovassem a falcatrua.

Graças a um conhecido que trabalhava no banco, o dinheiro foi recuperado quase seis meses depois, mas o dano já havia sido feito. Desde que sofreu o golpe, dona Sylvia entrou em um estado depressivo e abandonou o estilo de vida ativo que vivia. A vítima conta que se culpa por tudo e que passou a se enxergar como uma idosa incapaz. Seu corpo acompanhou sua mente: de quadras de tênis e academias para visitas constantes a hospitais e uma equipe de cuidadores. A família também atribui a drástica mudança de saúde ao golpe que a mãe e avó sofreu. Até hoje o caso segue sem solução. Não se sabe sequer como os estelionatários conseguiram os dados dela ou do gerente do banco. A única prova do ocorrido são as conversas por WhatsApp, em que o grupo utilizava uma foto do logotipo do banco Bradesco. O número utilizado para se comunicar com a senhora foi denunciado e a família tentou entrar em contato com o WhatsApp, mas a empresa nunca respondeu.

A falta de regulamentação no mundo digital abre espaço para que dados pessoais sejam vendidos e compartilhados entre grupos mal-intencionados. Sem se responsabilizar de maneira alguma, as plataformas on-line aceleraram o crime e não aparentam estar dispostas a lutar contra isso. Mesmo quando notificadas pelas autoridades, as redes sociais se recusam a cumprir com a legislação brasileira. Se dona Sylvia e sua família quiserem descobrir quem estava por trás do golpe, talvez devam esperar até que um deles concorra à Prefeitura paulistana.

Estudante da Belas Artes preferia sair para beber a ficar para aulas online e tranca matrícula
por
José dos Santos
Francisco Vecchia
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05/05/2022 - 12h

Eduarda Martins se formou em 2020 no ensino médio e entrou em artes visuais em 2021 na Faculdade de Belas Artes. Ela fez o primeiro semestre inteiro de maneira virtual e trancou o curso no começo do segundo. No segundo semestre ela havia cogitado trancar o curso por conta das aulas EAD, mas continuou no curso por conta do anúncio de que as aulas seriam híbridas, porém, ela não conseguiu mais focar nas aulas presenciais e acabava saindo da aula para frequentar os bares e etc. Com a percepção de que o modelo híbrido ou on-line não era satisfatório, ela decidiu trancar o curso e esperar o retorno das aulas totalmente presenciais para voltar ao curso.

Açucena Alves Barreto, formada em jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Ana Augusta F. Monteiro, mestre em linguística aplicada e estudos de linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, afirmaram que a pandemia e o ensino EAD interferiram nos seus trabalhos, tanto na elaboração do TCC de Barreto, quanto na dissertação de Monteiro.

Para a jornalista, a dificuldade do seu TCC se deu por conta de conseguir encontrar poucos materiais audiovisuais disponíveis para seu documentário sobre as duas festas tradicionais de Trancoso. Os problemas relacionados às exigências sanitárias impostas pelo coronavírus obrigaram a estudante a utilizar imagens de arquivo de festas passadas, a fazer duas viagens à cidade e impossibilitou a realização de certas entrevistas, visto que alguns entrevistados eram idosos e poderiam ser contaminados.

 Segundo Monteiro, sua perda foi a de contato com a sua turma. Segundo ela, as trocas com os colegas diminuíram e isso prejudicou as discussões que ajudariam a fazer a dissertação. Situações como essa levaram a estudante a pedir a prorrogação do prazo da defesa.

 Barreto afirma que uma vantagem do EAD foi a apresentação de seu TCC, visto que o nervosismo da apresentação foi menor. Todavia informou que a falta de interação entre alunos e professores dificultou o processo de aprendizagem. Para a outra graduada o nervosismo da apresentação também foi menor, porém, não se sentiu prejudicada no seu curso por estar no online, concluindo que a experiência de ter aulas on-line foi beneficiária em certo grau pois não precisava se deslocar para a faculdade

 

por
Gisele Cardoso dos Santos e Vitória Nunes de Jesus
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05/05/2022 - 12h

No inicio do ano veio à tona o problema do descarte de roupas por meio da reportagem "Deserto do Atacama vira 'cemitério' de roupas usadas", feito pela BBC News Brasil, Euronews e outros canais de TV. 

Confira na reportagem a proporção do estrago causado pelo descarte dessas peças e o que contribui para que tantas roupas cheguem no local. Conheça também maneiras sustentáveis de comprar roupas e se vale realmente a pena manter os padrões que a moda impõe à sociedade. Acesse o link abaixo e confira a nossa reportagem:

 

 

Sem emprego, Maria Bethânia Souza buscou no empreendedorismo uma forma de manter sua casa
por
Lua Beatriz
Pedro Mariutti
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05/05/2022 - 12h

“Quando se é uma mãe, que não tem babá ou qualquer respaldo financeiro, tudo se torna mais difícil. Minha vida parou, mas as contas ainda chegavam. Eu precisei me virar”, afirma Maria Bethânia Souza, 25, mãe de uma menina de seis anos, e chefe de família na periferia do interior de São Paulo, diretamente afetada ao perder seu emprego durante o período pandêmico.

Com a chegada do vírus Sars-CoV-2, o Brasil enfrentou crises econômicas no que tange a população pobre, a taxa de desemprego esteve em alta e alarmou a todos. Entretanto, para aquelas que carregam a função de mãe solo, as dificuldades perduram sem previsão de melhora.

A busca para conquistar um espaço no mercado é árdua para o sexo feminino, fato que se perpetua ao longo de uma cultura que ainda não possui equidade de salários e, a todo instante, coloca em questionamento a capacidade das mulheres. Dentro do cenário de desespero vivido mundialmente, muitas famílias acabaram nas ruas, sem condições de continuar mantendo um lar.

“Até hoje estou sem emprego fixo, e já estamos em 2022. Precisei me reinventar para sobreviver, e ainda sobrevivo.” Souza conta que em dado momento, chegou ao ponto de não saber como resolver a situação de sua casa, e passou a receber a ajuda da mãe.

“Eu fiz o que pude para ajudar minha filha, pois minha neta estava sem ir para a escola, e além da falta de serviço ainda tem a dificuldade de criar uma criança sozinha. Muitas mulheres não tem a sorte de uma mãe que auxilie” conta Fátima, mãe de Maria Bethânia, ambas moradoras da COHAB (Conjunto habitacional).

Os obstáculos não se restringem ao financeiro para as mães solo. Com a paralização das instituições educacionais, os filhos necessitam de atenção redobrada, as sobrecarregando emocionalmente e fisicamente, com as tarefas diárias. “Ser mãe é um trabalho sem folga e remuneração, muitos não enxergam o peso de ser sozinha nessa caminhada.” Completa Souza.

Os impactos são claros e ainda carregados por quem viveu situações de incertezas, tanto financeiras, como mentais. Maria Bethânia encontrou, após os decretos de saúde mais brandos, uma forma de se reerguer: O empreendedorismo.

“Comecei a fazer decorações de festas pequenas, reuniões. Tudo muito simples, mas é o que tem me salvado agora, já que ainda não consegui ser contratada. Talvez dê certo e seja minha chance de ter meu próprio negócio. Mas confesso que ainda tenho crises de ansiedade e pânico com tudo isso.”

Souza, por sua vez, demonstra um olhar otimista mesmo que as cicatrizes existam. “Estou indo a luta, mesmo que ninguém esteja me dando oportunidade, resolvi cria-la. Mas é triste pensar que muitas mulheres estão passando dificuldade e sem ajuda.”

Funcionária conta que precisou ajudar no pagamento do aluguel do espaço e o retorno agora é complicado porque massagem é "luxo"
por
Isadora Pressoto
Sophia Pietá Milhorim
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05/05/2022 - 12h

O salão Fragonezzi Studio, onde a massoterapeuta Ana Flávia dos Santos trabalha, perdeu mais de 70% de seus clientes durante a pandemia, o que gerou dívidas e prejuízos ao estabelecimento. Santos afirma que ‘’com a falta de atendimentos, não entrava dinheiro, tive que arcar com as despesas como aluguel, com o pouco das reservas que eu tinha’’.

‘’Nas massagens acontece o contato direto com o corpo das pacientes, e muitas tinham medo de se contaminar’’, conta Santos. Ela acredita que mesmo após o fim das restrições, o medo da contaminação foi uns dos motivos para a queda contínua do fluxo. Além da crise financeira, que afetou muito a sua área de trabalho, pois mesmo com a volta do salão, em suas palavras ‘’a massagem é vista como 'luxo', não cabendo mais no orçamento das clientes’’. 

A pandemia ‘’educou’’ boa parte da população, as pessoas começaram a se atentar mais em termos de higiene, e essa é uma das partes positivas que Santos encontra nesse momento tão difícil da pandemia. Fragonezzi Studio já tinha protocolos de higiene antes da Covid-19, nas sessões de massagem, por exemplo, já era obrigatório o uso de máscara e touca descartável, o que acabou permanecendo e intensificando esse protocolo, com intervalos de 30 minutos entre cada cliente, para ser feita a higienização da maca, e o uso de álcool gel para limpeza das mãos. 

A cabeleireira Ana Carolina Reis, 25, diz que no começo a volta aos atendimentos foi bem devagar, as clientes demoraram a ter confiança para sair de casa e passar horas em um salão de beleza. Com a vacinação em massa e a retomada das festas e eventos, a procura por procedimentos começou a aumentar e a renda financeira do estabelecimento melhorou.  

Reis conta que uma de suas clientes retornou ao salão com uma aparência totalmente diferente. A cliente fazia o uso de alisamentos nos cabelos, e como não podia ir ao salão por conta da pandemia, resolveu assumir os cachos. E hoje com a volta do atendimento, sua visita ao salão não é mais para alisar, e sim, para um auxílio em sua transição capilar, o que melhorou sua autoestima, ’’As pessoas passaram a valorizar mais a nossa profissão e voltaram a cuidar de si mesmas’’.

Seguindo todos os protocolos da vigilância sanitária, como distanciamento entre bancadas, esterilização dos equipamentos, uso de máscaras e álcool em gel disponível na entrada, os salões de beleza ficam mais seguros para reabrir as portas e poder atender os clientes com toda a segurança necessária, declara Reis. 

 

Isolamento social foi estimulo para que cães e gatos fossem companhias em tempos pandêmicos.
por
Ian Valente Rossignoli
Davi Garcia Valentini Vieira de Souza
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05/05/2022 - 12h

A adoção de animais de estimação, principalmente por parte dos “Pais de Pet” de primeira viagem, aumentou durante a pandemia da COVID-19, tornando-se uma saída para suprir a solidão decorrente do isolamento social.

 A União Internacional Protetora dos Animais (UIPA), apresentou uma pesquisa em que a procura por adoção de animais aumentou 400% durante o primeiro trimestre de 2020 e em um outro levantamento feito pelo Radar Pet 2021, foi observado que, 30% dos animais de estimação foram adotados durante o período pandêmico, sendo 23% foram os primeiros bichinhos de seus donos.

Esses dados se confirmam com as entrevistadas Jaqueline Gomes, 54, e Ágatha Chaignon, 18, que adotaram, respectivamente, o “vira-lata” Rock e o gato Alecrim, sendo a primeira vez que as duas adotaram um animalzinho. Elas confessam que antes de ter um bichinho de estimação em casa, elas sentiam falta de uma companhia e devido ao lockdown, agravou-se esse sentimento.

Para Chaignon, após a chegada do animal, o ambiente é outro: “Muda totalmente o clima, ele gosta muito de ficar perto quando estou fazendo minhas coisas em casa.” Ela conta ainda que  “com certeza virou um amigo muito importante, não vivo mais sem ele.”

Jaqueline Gomes acredita que a reclusão em casa com o seu recém adotado trouxe uma confiança a mais na relação entre eles, aprendendo a conviver e amar um ao outro. Segundo ela “acima de tudo eu tinha que cumprir com todas as responsabilidades da adoção, sabendo dos meus compromissos e que ele teria que me acompanhar pra cima e para baixo”.

No âmbito do pós-pandemia, a jovem de 18 anos afirma que a socialização do seu animal de estimação foi tranquila, e que o contato com pessoas e outros animais não foi um problema, e que, se houver a possibilidade, adotaria novamente.

Com a diminuição de casos e o início da volta ao normal o Rock teve que descobrir o mundo fora de um apartamento e acompanhar seus donos no máximo de coisas que ele possa fazer, mas o isolamento contribui para adquirir confiança e ter um crescimento seguro.

Já Paola Giordani, 50, é presidente da UPA (União Protetora dos Animais) em Lorena, interior de SP, há 10 anos, e confirma que, durante a pandemia, houve uma procura maior em relação ao período anterior ao vírus, mas que os critérios de adoção continuavam os mesmos.

 
Entretanto, o índice de abandono também cresceu: “Houve muito mais abandono, de todos os tipos de animais.
Alguns eu acredito por não ter como sustentar, nem com o básico ou mesmo sem condições de levar num veterinário que sabemos que é caro. Outros porque adotaram de impulso, se arrependeram e pra muita gente o mais fácil é prático é se ver livre abandonando.”


A instituição cuida de vacinar, alimentar e castrar o animal, para garantir a adoção responsável, e entregá-lo saudável para o futuro dono. A associação não possui fins lucrativos, e sobrevive a partir de doações e patrocínios.

A partir do aumento da vacinação e a flexibilização das medidas restritivas, Giordani lamenta que a situação relacionada a adoção e abandono piorou. “O abandono e os maus tratos continuam, sinceramente a humanidade não aprendeu nada com essa pandemia, a cada dia os animais sofrem mais. Ficou pior e a procura diminuiu.”