Os olhos já pesados do tempo estão cerrados enquanto verificam a entrada do portão da vila onde mora na zona sul de São Paulo. Maria José tem 84 anos e reside no mesmo local há 33 anos, a casa foi conquistada a duras penas através da Lei de Usucapião. O senhorio que recebia o aluguel ainda em 1990 faleceu e nenhum de seus filhos se interessou pelo imóvel, havia outros bens mais valiosos. A idosa que havia acabado de chegar à cidade vinda do Rio de Janeiro com seus então 7 filhos e uma neta ficou morando lá e nunca saiu.
Hoje ela mora com apenas um filho nessa residência a muitos anos, 3 morreram, outros seis e sua neta já se casaram. Quando chegou em São Paulo foi só trabalho, eram muitas bocas e o emprego era escasso, mas conseguiu alimentar todos até que foram “cuidar de suas próprias vidas”.
Dona Maria que era doméstica não registrada a vida inteira, conseguiu se aposentar em 2009 através da Lei Orgânica Da Assistência Social (LOAS), e como nunca chegou a contribuir para a previdência, recebe o equivalente a um salário-mínimo, hoje R$1.412,00. Não reclama do valor e se sente feliz por ter conseguido o benefício, “É pouco, só dá para o sustento e as vezes nem dá. Eu até pouco tempo tinha cartão de crédito e conseguia parcelar algumas coisas. Minha televisão nova foi comprada assim. Mas fui roubada no fim de 2022 e levaram meu cartão, aí tive que cancelar e os bancos não fazem outro para mim porque sou velha”, diz Maria quando perguntei se o valor era suficiente para viver.
Os familiares escassearam as visitas com o tempo. Maria diz que antes até conseguia visitá-los e fazer passeios sozinha, mas agora tem muita dificuldade de andar de ônibus por causa da idade e pouco sai. Conta que quando aposentou, chegava a pegar dois ônibus até o Parque Estadual do Jaraguá (32km ou 3 horas de ônibus), sentava-se em um banco e conversava com alguém que se juntasse a ela, ficava umas duas horas lá e voltava, sempre sozinha. Agora só o médico que é sagrado, toda semana está cuidando da saúde. “Toda semana vou no posto. Como sou velha, toda semana tem um médico diferente. É do olho, do coração e da diabetes. Esses últimos tempos minha filha quando me visitou achou que eu estava triste e fez eu contar para o médico, agora tomo mais remédio que o psicólogo passa”. Ela fala que entende a distância dos filhos é compreensível, o difícil é olhá-la e perceber que essa é uma coisa em que Maria não está sendo sincera consigo mesmo.
Do outro lado da cidade, na zona leste, visitei a Casa de Clara. Inaugurada em 1996 para contribuir com o processo de envelhecimento ativo e saudável de idosos, a instituição franciscana recebe idosos de toda a cidade para compartilhar os dias com diversas atividades.
Encontrei Dona Ritinha, que é a frequentadora mais antiga do projeto. Ela tem 72 anos e a mais de 10 participa do projeto. Ritinha conta que mora sozinha e recebe também um salário-mínimo de aposentadoria, ela conta que aproveita algumas oficinas da Casa de Clara para aprender a fazer coisas que podem lhe render uma “grana extra”. Meus vizinhos me falam: Vai trabalhar. Eles nem sabem que aqui eu já aprendi tricô que faço para vender, sabão que faço para vender e até bijuteria que faço e eles compram. Eu me divirto e ainda ganho dinheiro.”
Segundo ela era mora com o filho, mas esse trabalha viajando e fica meses sem aparecer. Fica a maior parte do tempo sozinha: “eu moro com meu filho. Ele trabalha viajando lá para os lados de Minas. Bem dizer eu nem vejo ele. Mas tudo bem, ele tem a vida dele e me ajuda quando pode.”.
Lá também conheci o Sr. Tadeu, mais conhecido entre os frequentadores como “o namorador”. O idoso que frequenta o local a aproximadamente um ano e conta como aquelas atividades mudaram sua forma de viver a velhice. “Eu trabalhei por muito tempo como dirigente do Corinthians, quando me aposentei, meus filhos já estavam tudo criado e tinha suas famílias. Então eu encontrava meus amigos no bar para jogar dominó. Era jogando dominó o dia todo. Quando recebi um convite e vim para cá, no primeiro dia conheci a Miriam, aí a gente se conheceu melhor e estamos namorando desde então. Aqui é legal, até aprendi teatro, nem sabia que podia fazer um teatro”.
Nossa terceira visita foi o Instituto Melhor Idade Estação Vida, no baile da terceira idade. Senhores e senhoras de toda a São Paulo vão aos sábados para a reunião regrada a muita dança e paqueração. Lá conversei com um casal que se conheceu 8 anos antes no próprio baile. Vou manter o sigilo dos nomes e a pedido deles que dizem ser donos de seus próprios narizes, mas que a família não gosta de saber que frequentam o local.
O homem do casal diz que é viúvo e que os filhos não moram em São Paulo, recorreu ao baile pois desde sempre gostou de dançar e logo nas primeiras paqueras conheceu a moça. A mulher disse que é “casada”, mas que não tem nada com o marido a muito tempo e descobriu no baile que não estava morta: “Estou viva querido, e só comecei a perceber isso depois que envelheci e comecei a vir aqui”.
O Brasil está crescendo, e sua população de idosos cresce ainda mais rápido. Diante de todos esses relatos, o que fica bastante evidente é que precisamos pensar e falar sobre qualidade de vida na terceira idade. Porque assim como disse nossa entrevistada, eles estão vivos e tem necessidades próprias de público. A solidão na terceira idade também é preocupante, aqui o interesse não é dar uma solução e sim propor um diálogo: Será que estamos pensando uma cidade para a nossa população mais longeva?
Esta matéria foi produzida como parte integrante das Atividades Extensionistas do curso de Jornalismo da PUC-SP.
Influenciados por conhecidos, buscando uma fuga da monotonia diária ou simplesmente curiosos, cada vez mais pessoas são agarradas pelos tentáculos do mundo das drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas, foi o caso de Antônio Almeida, que no seu aniversário de 14 anos limpo, conta sua experiência com as substâncias.
Assim como muitas pessoas, as influências externas foram o principal fator para que ele começasse a usar drogas: “eu comecei a usar no embalo, pra fazer parte de uma galera [...] eu via os meninos da rua e parecia que era mais legal aquele estilo de vida, mas não tinha nada de errado na minha vida, eram coisas que eu colocava na cabeça”
Além disso, uma quebra de expectativa fez com que Antônio acreditasse que poderia se controlar e que não entraria em apuros: “Sempre ouvi em casa que droga mata, que quem usa droga é criminalizado. Mas da primeira vez que eu usei droga (álcool e maconha) nada disso aconteceu comigo, inclusive foi muito legal, dei risada, me socializei, consegui trabalhar no dia seguinte...” mas o que ele não esperava, é que a situação progredia: “Eu achava que podia usar só de vez em quando, em alguns eventos. Eu sempre falava na época que a droga não pode te controlar, você quem deve controlar a droga.”
No entanto, as coisas começaram a piorar quando ele percebeu que apesar de só fazer uso nos finais de semana, Antônio já passava seus dias na expectativa da sexta-feira, para poder usar as substâncias.
Teve sua primeira experiência com cocaína aos 19 anos, e se assustou após fazer uso excessivo em uma festa e misturar com bebidas destiladas, e inclusive conseguiu ficar até os 26 anos sem fazer uso dessa droga em específico, apesar de continuar fazendo uso da maconha e do álcool: “Aquela ilusão de que a droga não ia me controlar era só da boca pra fora, pra poder justificar meu uso, já que eu pagava minhas contas e trabalhava.”
Os tentáculos das drogas se estreitaram em volta de Antônio por volta dos 27 anos de idade: “Foi quando eu comecei a misturar a maconha com outras drogas... Isso dava uma sensação de alívio pra uma vida que por falta de responsabilidade minha já não era mais confortável, meus amigos que não usavam droga focaram em estudar fora, se especializar, e eu fiquei usando drogas.”
“Quando eu comecei a misturar a maconha assim, o fundo de poço veio primeiro.”, ele chegou ao ponto de se envolver com o crack e passar a noite fora de casa usando a droga, Antônio conta que só não chegou a morar na rua pois sua mãe o deixava usar dentro de casa. Além disso, confessa dolorosamente que chegou ao ponto de cometer pequenos furtos, como roubar diesel de caminhões para vender e comprar a droga. “Eu me tornei alguém que eu nunca imaginei ser, eu sou uma pessoa de boa índole! E ainda assim, no final do meu uso eu cometia pequenos furtos, são coisas que eu me envergonho de falar sobre, são coisas que eu jamais pensei que faria.”
A situação se tornou ainda mais triste, quando mesmo com filha pequena em casa, ele ainda estava, com suas próprias palavras, isolado em sua laje, saindo apenas para pegar mais drogas: “Eu tentava ser pai, e lembro que mamadeira dava sono, e como estava ansioso para que ela dormisse, tinham dias que eu dava 5 mamadeiras de leite quente pra ela, sem me preocupar se aquilo faria mal para a criança, minha preocupação era fazê-la dormir logo para poder me drogar em paz.”
Mas uma pergunta fatídica fez Antônio começar a repensar sua situação e refletir sobre uma possibilidade de mudança: “Me perguntaram qual era a coisa que eu mais amava no mundo, e sem pensar duas vezes eu disse que era minha filha, e o terapeuta virou pra mim e disse: resposta errada, a coisa que você mais ama na vida é a droga, lembro até de ter ficado indignado, de tentar debater com ele.” Foi essa sessão que o fez perceber que ficava mais ansioso pra sua filha dormir e ele poder se drogar, do que para a droga acabar e ele ficar com a filha. “Eu não era esse cara, a droga que me fez assim, eu faço o possível pra ser o melhor pai do mundo.”
É aí que começa a jornada para uma vida melhor, aos seus 30 anos, Antônio é cercado por seus melhores amigos, seus primos e sua mãe, e recebe uma escolha: “A gente pesquisou uma clínica pra você, juntamos 15 pessoas pra pagar sua internação, e seu contrato está aqui, mas você só vai se você quiser. [...] Lembro vividamente desse dia, a primeira coisa que eu pensei foi na minha filha... Eu nunca vi droga na minha casa e ainda assim me tornei nóia, se ela crescer com um pai assim, imagina o que vai ser dela? Eu não posso deixar isso acontecer.” Ele escolheu ir para a clínica, e chegou no ambiente no dia 18 de maio de 2010, o último dia em que fez uso de drogas.
“Eu passei seis meses internado, mas no momento que entrei, eu já tomei a decisão de nunca mais voltar a usar drogas. Eu sabia que tinha alguém cuidando da minha filha, alguém pagando minhas contas e muita gente se dedicando pra me dar esse tratamento, então eu não ia desperdiçar.” Apesar da experiência desanimadora de viver no ambiente, cercado de pessoas que iam e vinham da clínica, devido à discrepância entre pessoas que se mantinham em recuperação, e pessoas que recaíam, Antônio diz que já viu muita gente sair e voltar semanas depois, mas ainda assim se manteve motivado, e conseguiu receber sua alta.
As estatísticas no Brasil são tristes, segundo pesquisas da Organização Mundial da Saúde, cerca de 6% da população brasileira faz uso de drogas, contabilizando aproximadamente mais de 12 milhões de pessoas.
A situação fica ainda mais deprimente ao se analisarem os dados de recuperação e recaídas, segundo um artigo publicado no site Clínica Bella, cerca de 95% dos dependentes químicos internados em clínicas sofrem recaídas após sua liberação. É necessário amparo e muita força de vontade por parte da pessoa dependente para sair por completo das drogas.
E Antônio é um exemplo perfeito de força de vontade. Após sair da clínica, uma frase ressoava em sua mente, ele não podia dar férias pro vício, seu tratamento nunca acabaria, e foi com isso na cabeça que ele buscou uma reunião de uma irmandade anônima de 12 passos, frequentando as reuniões até hoje: “Eu acredito que é frequentando o maior número de reuniões possível que eu consigo me manter limpo só por hoje, como costumamos dizer lá, há 14 anos. Hoje é um dia muito especial pra mim, é meu aniversário de 14 anos limpo, costumo comemorar esse dia mais do que meu aniversário, pois o dia que eu nasci eu não escolhi, mas hoje eu escolhi.”
Atualmente, Antônio continua frequentando as reuniões anônimas e se mantendo completamente afastado de qualquer droga, trabalha em dois empregos, faz trabalhos sociais, está casado há 10 anos e procura sempre ser o melhor pai possível para sua filha. “Eu sei que pra esse sucesso continuar, é preciso continuar a fazer minha parte, pra mim é uma alegria falar que apesar das estatísticas não serem animadoras, é possível viver sem drogas e se recuperar.”
*Os nomes nessa reportagem foram alterados para preservar a identidade e anonimato do entrevistado.
Esta matéria foi produzida como parte integrante das Atividades Extensionistas do curso de Jornalismo da PUC-SP.
Em 20 de janeiro deste ano, o território Yanomami foi declarado em Estado de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional pelo Ministério da Saúde brasileiro. Concentrados em uma região Amazônica entre o Brasil e a Venezuela, com cerca de 30,4 mil habitantes, Yanomamis sofrem com a intensa atividade de garimpos ilegais no local. Epidemias - como gripe e malária - insegurança alimentar, morte sistemática de crianças indígenas e destruição do meio ambiente são provenientes das ações dos extrativistas na região.
Em entrevista por telefone ao repórter Artur Maciel, da Agência Maurício Tragtenberg (AGEMT), o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami (Condisi) e representante do Conselho de Saúde Indigena (SESAI), Júnior Hekurari Yanomami, fala sobre a importância da atuação do poder público no combate ao genocídio provocado pela extração ilegal de minérios.
“A ajuda aos Yanomami deu esperança de poder olhar de novo. Olhar o sol brilhante na floresta que estava no escuro”. Júnior Hekurari Yanomami
A fim de combater a desassistência sanitária no território Yanomami, o Ministério da Saúde instalou o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE - Yanomami) - cuja gestão está sob a responsabilidade da SESAI. Segundo a pasta, ao chegar na terra Yanomami, o órgão “se deparou com crianças e idosos em estado grave de saúde, com desnutrição grave, além de muitos casos de malária, infecção respiratória aguda (IRA) e outros agravos”.
“Durante 6 meses, muita gente voluntária. Médicos. Enfermeiros. Farmacêuticos. De São Paulo, Rio de Janeiro, Paraíba”, explica Júnior Hekurari, quando questionado sobre o suporte atual na região após declarada crise sanitária. “A ajuda aos Yanomami deu esperança de poder olhar de novo. Olhar o sol brilhante na floresta que estava no escuro”.
Segundo ele, “antes não tínhamos uma visão, apenas medo. O garimpeiro poluindo nossas terras. Nossas águas. Interrompendo nossos rituais. Culpa do governo ladrão de jóias. As crianças voltaram a brincar e andar depois das ações”. “Eu tinha medo do povo morrer. Sem o Lula, o povo Yanomami ia morrer. Em 2020, 2021, 20 mil garimpeiros destruíram nossas vida” desabafa, citando o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e a atuação do Estado na crise humanitária. Mas pontua com veemência que “ainda tem muita coisa a melhorar”.
Quando perguntado sobre como era tratado o impacto ambiental na região, em relação ao lixo gerado pela atividade garimpeira, o presidente do Condisi declara que “os garimpeiros não respeitam. Desmatam e tiram a terra de nossa vida”. “Durante 4 anos, fomos abandonados pelo governo brasileiro. Por um governo ladrão de jóias. Agora o governo voltou e os profissionais de saúde estão apagando o fogo das emergências pensando em uma restauração”, completa. Ele se refere ao governo do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (PL), que não raras vezes, ao longo de sua vida pública, legitimou publicamente as atividades ilegais dos garimpos.
Doença, fome e violência: genocídio em prática
As doenças, a insegurança alimentar, a violência e a morte passaram a fazer parte do cotidiano dos Yanomami diante da negligência do Estado em frear a extração indevida de minérios na região. De acordo com levantamento do Malária Journal, o aumento do número de casos de malária - causa recorrente de mortes de crianças indígenas - na região Yanomami saltou de 2.559, em 2010, para 18.765, em 2020. Sobre a presença da doença na região, o representante da Sesai afirma que a doença contamina até mesmo quem vai em seu combate. “Muitos dos médicos 'adoeceu'. Pegou malária e voltaram (para casa)”, conta. “Mas o importante é que a maioria 'desse' profissionais viram Roraima. Viram o Brasil!”, completa, demonstrando, em sua voz, um misto de preocupação pela saúde dos profissionais e esperança diante da visibilidade à situação de seu povo.
Outro aspecto da presença dos garimpeiros na região é o acúmulo de lixo nas proximidades das comunidades. Por conta disso, os indígenas locais entram em contato com elementos provenientes de fontes aquém da natureza - produzidos com materiais que não se reintegram àquele território. Pelo contrário, o desequilibram e o prejudicam. “Hoje tem lama em todo lugar, os garimpeiros deixaram lixo em todo lugar. Máquinas, latas e lixo”.
O que nos leva a outro problema que compõe esse efeito dominó no descaso com a saúde Yanomami: a fome. A alimentação indígena é, primordialmente, garantida pela natureza por meio da caça, pesca e consumo de frutas. Diretamente afetada pelo uso de mercúrio no garimpo, a água foi contaminada. Com isso, peixes mortos, impróprios para consumo, perdem-se nos rios onde a atividade garimpeira está. “O garimpo destruiu nossos rios. Nossas vidas. As mulheres não iam pescar. Não tinha peixe nem camarão para comer. Mataram tudo, não tinha alimento”, aponta Junior. E questiona, em seguida: “que dia vamos voltar a comer peixe? Voltar a comer camarão? O povo não tem”.
Além da malária e da fome, os indígenas ainda precisavam se proteger de outro perigo. Júnior Hekurari Yanomami denuncia que os crimes cometidos pelos garimpeiros também se estendem à violência sexual. Deixando, ainda mais evidente, o risco que a presença desse grupo não-indígena e extrativista provoca na população local. “O que aconteceu aqui foi muito traumático. Meninas de 12 anos grávidas. Estupradas por garimpeiros. Estamos agregando trauma de mães com luta dos filhos. Deram tiros nas crianças”, expõe a liderança. “Destruíram meu povo. Tem cicatrizes grandes até hoje e vai demorar para curar. Talvez em 50 anos. Quem sabe se cura”, conclui, reflexivo.
*Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de Jornalismo da PUC-SP.
Por Bianca Novais (texto) e Maria Eduarda Camargo (audiovisual)
Em um mundo pós-pandemia de Covid-19, os cuidados com a saúde deixaram de fazer parte de uma seção especial dos jornais e passaram a figurar entre os assuntos principais do cotidiano. Com a popularização dos nomes e marcas das indústrias farmacêuticas que desenvolveram e comercializam vacinas contra o coronavírus, a população passou a ficar mais atenta a outras informações sobre os produtos de saúde que consomem, em especial, medicamentos.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou em 12 de dezembro de 2022 a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 768, que estabelece novas regras para rotulagem de remédios. Kim Gonçalves, coordenador de Assuntos Regulatório de uma multinacional farmacêutica, nos conta como tem sido o processo de atualização.
Apesar da Covid-19 ter trazido mais foco para a indústria da saúde e sua regulamentação, a atualização da rotulagem era uma pauta da ANVISA há muitos anos e foi justamente a pandemia que atrasou esse processo.
Uma das novidades que pode ser mais perceptível ao consumidor é a "substituição" da bula de papel pelo código bidimensional: um tipo de código de barras que possui capacidade melhor de armazenar dados, inclusive dados maiores, do que códigos lineares - algo como o CPF de cada unidade do medicamento, um número de identificação próprio -, que poderá ser acessado pelo paciente através da internet.
Este é um ponto de atenção para Kim, uma vez que o acesso às tecnologias digitais no Brasil está longe do ideal. Apesar disso, a substituição é viável para a estrutura informacional que temos no país hoje:
Outro legado da pandemia, infelizmente, é o uso incorreto de medicamentos e a automedicação. Para além dos conflitos políticos e ideológicos travados durante o período da doença, que vitimou mais de 700 mil brasileiros até a redação desta reportagem, segundo o DataSUS, o perigo do mal uso de remédios não se limita ao indivíduo, mas a toda sua comunidade. A atualização das rotulagens de medicamentos também ajuda pacientes e profissionais da saúde - médicos, farmacêuticos, enfermeiros, cuidadores, psicólogos e muitos outros - a combaterem os efeitos desta outra pandemia - a de desinformação.
Na última quarta-feira, 18, estudantes e professores dos cursos de Psicologia, Fonoaudiologia, Fisioterapia e Engenharia Biomédica da PUC-SP se mobilizaram contra o bloqueio dos estágios nos equipamentos de saúde do SUS (Sistema Único de Saúde) para o próximo ano. Em nota informativa, formalizada pela Comissão Aberta sobre os Estágios no SUS, estudantes independentes lideram a reivindicação de acesso, com apoio do corpo docente - com direito a aula pública - e a presença de figuras políticas no ato.
“É nosso dever reivindicarmos nossos direitos de formação, que é o estágio no SUS, [...] é nosso dever garantir, através da luta política, investimentos pesados em saúde, seguridade social e um ensino popular, pensado pela e para a classe trabalhadora”, declara a Comissão Aberta, em nota.
Enquanto ecoavam “A nossa luta é todo dia, o nosso estágio não é mercadoria”, os manifestantes estenderam faixas e cartazes em frente ao prédio da Fundasp e também ocuparam a Reitoria da universidade.
O problema foi gerado a partir de um impasse entre a PUC-SP e a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) quanto às contrapartidas oferecidas por instituições de ensino ao órgão. Apesar da entrega de R$176.162,23, a Secretaria determinou que a PUC-SP, por ser uma universidade privada, deveria pagar R$306.000,00 em materiais e equipamentos hospitalares. A medida vai contra o que normalmente é requisitado de instituições filantrópicas, como é o caso da Pontifícia.
Numa tentativa de negociação, a Universidade promoveu a ampliação dos serviços acadêmicos, incluindo disciplinas de graduação, pós-graduação e cursos de educação continuada, além de eventos e projetos educacionais. O objetivo é atender aos requisitos da Escola Municipal de Saúde/SMS, responsável pela promoção dos estágios dos cursos focados no segmento.
Segundo o atual presidente do Centro Acadêmico de Psicologia (CAPSI), André Sanches, o bloqueio de estágios no SUS é parte de um projeto maior de precarização da saúde pública, que visa colocar o ensino em uma lógica mercantilizada. Para ele, isso “vai contra tudo que nós defendemos aqui na PUC”. O estudante também afirmou à Agemt que a mobilização estudantil no ato representa a urgência do assunto e o descontentamento com o atual ritmo das negociações por parte da Reitoria e da Fundação São Paulo, mantenedora da PUC-SP.
A presença de preceptores nos estágios de psicologia também é uma problemática reivindicada pelos estudantes. No início deste ano, os estágios do curso passaram a ser obrigatoriamente acompanhados por preceptores - que atuam na supervisão das sessões realizadas por estagiários -, sob ameaça de processo aos administradores que não os incluíssem em seus turnos. Além disso, os estudantes reclamam da perda de autonomia e da interferência nos métodos utilizados no acompanhamento de pacientes na e condução de casos.
A assessoria de comunicação da PUC encaminhou a reportagem para a Direção da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde (FCHS) da universidade, que declarou em nota ter retomado as negociações com a Secretaria Municipal da Saúde.
"Informamos que reestabelecemos, com bom entendimento, o contato com a Prefeitura Municipal de São Paulo e Secretaria Municipal de Saúde e, ao longo da próxima semana, teremos reuniões para solucionar a questão dos estágios nos campos da SMS".
Procurada, a pasta municipal não respondeu até o fechamento desta edição. O espaço segue aberto para a SMS.