Segundo pesquisa Atuação Docente em Múltiplas Escolas no Brasil, divulgada em 2024 pela Fundação Carlos Chagas (FCC), aproximadamente 460 mil professores e professoras da educação básica trabalham em mais de uma escola no país. Os dados acendem um alerta para o cuidado da saúde mental dessas pessoas.

De acordo com o estudo, que usou dados do Censo Escolar 2023, docentes que atuam em jornadas extensas têm maiores chances de se ausentarem do trabalho por causa da saúde, em especial por questões psicológicas e relativas à voz, além de não conseguirem administrar o tempo, gerando estresse e menor participação em atividades coletivas, o que vai impactar diretamente na educação dos e das estudantes.
Segundo a Pesquisa Saúde Mental dos Educadores, realizada pela Nova Escola, em 2022, 21,5% de educadores e educadoras consideravam sua saúde mental ruim ou muito ruim. As consequências mais citadas foram sentimentos intensos e frequentes de ansiedade (60,1%), baixo rendimento e cansaço excessivo (48,1%) e problemas com sono (41,1%). Para lidar com a pressão, 40,4% relataram que fazer atividade física ou ao ar livre pode ajudar e 36,8% destacam o contato com amigos e familiares que ofereçam apoio emocional.
Exercícios físicos e contatos sociais requerem uma certa disponibilidade, porém o cenário atual não contribui. Os dados obtidos pela FCC mostram que a creche é o segmento com menor proporção de profissionais em mais de uma escola: 12,7%. Mas o número aumenta nas próximas fases, até chegar em 36,4% no Ensino Médio.
A hipótese é que nos anos iniciais de ensino, as professoras – em sua maioria – são polivalentes e passam todo o turno com uma turma. Nos anos finais, os e as docentes são especialistas, lecionando, de acordo com sua formação, um ou dois componentes curriculares, portanto não passam todo o turno com uma mesma turma. Para cumprir a carga horária necessária, esse grupo assume várias classes, o que aumenta as chances de uma atuação em mais de uma escola.
De acordo com o exemplo da nota técnica da FCC, um docente em uma jornada de 40h semanais, com um terço do tempo para as atividades extraclasse, leciona, no máximo, por 26 horas e 40 minutos por semana. Se considerar redes de ensino com aulas de 50 minutos e que o componente curricular só tenha duas aulas por semana, esse profissional pode chegar a lecionar 32 aulas por semana para 16 turmas diferentes.
Se usarmos uma média de 30 alunos por turma, docentes, na situação do exemplo, dão aulas para 480 estudantes, o que significa uma alta demanda para quem vai ter que explicar a mesma coisa várias vezes, tirar dúvidas, corrigir lições e trabalhos, além de se deslocar entre as turmas e escolas.
A partir da pesquisa, a FCC traçou o perfil de profissionais nessa situação - docentes do sexo masculino que lecionam disciplinas com menor carga curricular, como biologia, física, filosofia, entre outras. A hipótese levantada pela FCC sobre isso, é que há concentração de docentes masculinos na etapa em que isso mais ocorre, enquanto as mulheres estão mais distribuídas nas etapas de ensino - Censo Escolar 2022: 90% de docentes das creches e da educação infantil são mulheres. Além de que os dados demonstrem menor disponibilidade de tempo por parte das mulheres para acumular mais escolas, em comparação com os homens, tendo em vista que, segundo o IBGE 2024, mulheres dedicam quase o dobro das horas do que os homens, em média, para afazeres domésticos e cuidados familiares.

Em entrevista à AGEMT, o Dr. Marcelo Afonso Ribeiro, professor do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Serviço de Orientação Profissional (SOPI) e do Laboratório de Estudos do Trabalho e Orientação Profissional (LABOR) da USP, destacou que a saúde mental requer condições dignas de vida, respeito, reconhecimento e autonomia. “A falta de condições de trabalho com sobrecarga de tarefas, uma organização do trabalho centrada na produtividade e uma falta de reconhecimento social e econômico do professor tendem a levar ao adoecimento, não como condição individual, mas como resposta a este conjunto de condições insatisfatórias de trabalho.”, comenta o professor.
Adoecimento profissional
Segundo Marcelo, os principais dilemas contemporâneos da profissão estão em três campos:
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Questões pessoais e profissionais: Há falta de limite entre vida pessoal e profissional, insatisfação versus realização e falta de sentido no que faz.
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Questões estruturais e organizacionais: Falta de condições dignas de trabalho, ampliação e sobrecarga do trabalho, defasagem entre trabalho prescrito e trabalho real, assédio moral, demanda ao lidar com tecnologia e mundo digital, além de autorresponsabilização por problemas estruturais.
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Questões sociais: Falta de reconhecimento, declínio no discurso de autoridade, falta de autonomia, conflito entre o discurso de formador e doutrinador, pressão das famílias dos e das discentes e dos ambientes públicos.
Dados obtidos pela TV Globo, por meio da Lei de Acesso à Informação, revelam que no primeiro semestre de 2023, 20.173 docentes da rede estadual de São Paulo foram afastados do trabalho por questões relacionadas à saúde mental, como depressão, ansiedade e crise do pânico. Os dados demostram um aumento de 15% em comparação ao mesmo período de 2022 e que, em média, 112 profissionais são afastados por dia. Este ano, o G1 obteve, por meio da mesma lei, dados da Secretaria de Estado da Educação (Seduc-SP) que revelam que Campinas (SP) teve 3.421 docentes afastados por transtornos mentais de 2022 para cá.
Cruzando os dados acima com a pesquisa da FCC, 12,9% da rede municipal de Campinas e 23,5% de docentes da rede estadual de São Paulo trabalham em múltiplas escolas. Segundo o Dr. Odair Furtado, professor de psicologia e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trabalho e Ação Social (NTAS) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), profissionais da educação básica recebem salários incompatíveis com a sua função social e por isso optam por uma dupla ou tripla jornada desumana para conseguirem sobreviver e isso é catastrófico.
A questão salarial foi pauta do antigo Plano Nacional de Educação (PNE), 2014-2024, que tinha como meta equiparar, até 2024, a remuneração média de docentes com as demais profissões que requerem Ensino Superior. Contudo, o piso salarial atual (2025) para professores do ensino básico da rede pública é de R$ 4.867,77 para exercício de 40h mínimas; representando 68,6% de R$ 7.094,17; salário médio de uma pessoa com graduação, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Devido à crise econômica, principalmente depois da pandemia, não só educadores, mas todas as profissões passaram por uma precarização. Dentre os fatores, Odair Furtado, aponta a crescente utilização da Inteligência Artificial (IA) nas atividades profissionais que aumentaram a produtividade, mas também a pressão em cima do trabalhador, que acumula estresse e, consequentemente, pode gerar ansiedade e depressão. “Trabalhadores sabem que se buscarem atendimento, são afastados do trabalho e isso leva, inexoravelmente, à demissão. Então, essas pessoas suportam até surtarem”, comenta o professor.
O Brasil passa por uma epidemia de doenças relacionadas à saúde mental no ambiente profissional. De acordo com o Ministério da Previdência Social, em 2024, cerca de 470 mil trabalhadores foram afastados do emprego por causa de transtornos mentais. Os dados representam, em comparação com 2023, um aumento de 68% de licenças concedidas, além de ser o maior desde 2014. As duas doenças mais diagnosticadas foram ansiedade e depressão.

Caminhos futuros
No dia 26 de maio de 2025, riscos psicossociais serão incluídos na NR-1, norma que apresenta as diretrizes de saúde no ambiente do trabalho. Após a inclusão, o Ministério do Trabalho passa a fiscalizar os riscos psicossociais no processo de gestão de Segurança e Saúde no Trabalho (SST), o que pode acarretar penalizações às empresas, caso sejam identificadas questões como:
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Metas excessivas
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Jornadas extensas
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Ausência de suporte
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Assédio moral
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Conflitos interpessoais
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Falta de autonomia no trabalho
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Condições precárias de trabalho
Quanto à valorização da carreira docente, em junho do ano passado, o novo PNE, 2024-2034, foi encaminhado ao Congresso Nacional. A pasta prevê 18 objetivos a serem cumpridos nos próximos dez anos. O Plano será prioridade da Bancada da Educação em 2025.
Confira outras propostas defendidas pela Bancada ao longo do ano que dizem respeito à profissão:

Em janeiro de 2025, o Governo Federal lançou o programa Mais Professores, com o objetivo de incentivar estudantes a seguirem a carreira docente. Dentre as medidas está o Pé-de-Meia Licenciaturas que concedera uma bolsa mensal de R$1.050 por mês para quem tirar mais de 650 pontos no ENEM e ingressar na licenciatura via Sisu, Prouni ou Fies Social.
A medida é um ponto importante para aumentar a atratividade da carreira, pois, em 2022, uma pesquisa do Instituto Semesp projetou que, em 2040, o Brasil enfrentará um “apagão” na educação básica - a projeção é de que faltarão 235 mil docentes nas escolas do país.
Segundo Marcelo Afonso, para mudar o cenário de precarização da carreira docente, as políticas públicas precisam se centrar em: “valorizar mais o professor e a professora, oferecer melhores condições de trabalho, remunerar melhor, oferecer qualificação contínua e, acima de tudo, construir um ambiente de respeito para formação de seres humanos.”.
Na última quarta-feira, 02 de abril, foi inaugurado o primeiro Centro Municipal para Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (Centro TEA) da América Latina, nomeado em homenagem à ativista da causa, Dra. Marina Magro Beringhs Martinez. Localizado na zona norte da cidade de São Paulo, o Centro conta com uma equipe multidisciplinar composta por profissionais das áreas de psicologia, assistência social, fonoaudiologia, terapia ocupacional, nutrição, educação física, psicopedagogia e administração.

O Centro é público e atenderá gratuitamente pessoas com TEA de todas as idades. De acordo com o Ministério da Saúde, há mais de 300 mil diagnosticados só no Estado de São Paulo. Estes cidadãos enfrentam não apenas o estigma e preconceito social, mas também o alto custo dos tratamentos e a falta de informação. Em entrevista à AGEMT, Renata Delluzzo, coordenadora de projetos e políticas de inclusão, defende que o Centro TEA “é inovador por não se tratar de uma clínica-escola, mas sim de um espaço de socialização que busca promover o acolhimento de pessoas com autismo e seus familiares, além de atender ao público profissional”. E acrescenta: "é a primeira vez que munícipes da cidade de São Paulo são contemplados dessa forma".
Muitas famílias não sabem quais terapias e atividades são necessárias para estimular o desenvolvimento da pessoa com TEA, e mesmo as que sabem muitas vezes sofrem com a falta de acessibilidade a tais serviços. Um dos objetivos do Centro é justamente criar uma comunidade para as famílias que não têm uma rede de apoio e/ou condição financeira. Com acesso a tratamento, exercícios e acompanhamento adequados, os indivíduos no espectro autista atendidos terão melhores condições para se desenvolver e incluírem-se na sociedade.
De acordo com informações do site da Prefeitura de São Paulo, “o Centro TEA será um espaço pioneiro dedicado ao desenvolvimento integral de autistas e seus familiares. Fundamentado em cinco eixos estratégicos – Cultura; Esportes; Formação; Trabalho e Empreendedorismo; Bem-Estar e Autonomia –, também promoverá a capacitação de profissionais da rede de atenção”. Para isso, sua estrutura conta com quadra poliesportiva, teatro, piscina, biblioteca, brinquedoteca, jardim sensorial, sala de informática, cozinha comunitária, entre outros ambientes.
Além do atendimento cotidiano, o Centro buscará realizar anualmente a Semana Municipal de Conscientização do Autismo; adquirir equipamentos de saúde e educação para fortalecimento do atendimento da pessoa com TEA na rede municipal; realizar 10.000 atendimentos em mutirões de serviços para pessoas com deficiência, famílias e cuidadores; criar novos indicadores relativos à pessoa com deficiência no Observatório Municipal da Pessoa com Deficiência; entre outras iniciativas.
Para Renata, “a criação do Centro TEA é um grande passo na atenção e no cuidado ao público com autismo”. Ela conta que, para somar ao espaço recém inaugurado, está prevista no Programa de Metas 2025/2028 da Prefeitura de São Paulo a construção de mais três Centros TEA, nas zonas Leste, Oeste e Sul.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a esquizofrenia é a terceira causa de perda da qualidade de vida entre os 15 e 44 anos. São cerca de 1,6 milhão de brasileiros que, além da doença, sofrem com o estigma, que causa mais sofrimento do que o próprio transtorno.
Ainda conforme a OMS, o estigma é “uma marca de vergonha, desgraça ou reprovação que leva um indivíduo a ser rejeitado, discriminado e excluído de participar em diferentes esferas da sociedade”.
Um estudo publicado pela World Psychiatry revelou que nove em cada dez pessoas com esquizofrenia enfrentam estigma e discriminação, incluindo em ambientes de trabalho, serviços de saúde e relações sociais.
Para esclarecer melhor sobre esse transtorno que ainda é um tabu na sociedade, o médico psiquiatra Cristiano Noto explica melhor sobre a psicose, os sintomas da esquizofrenia e o estigma. “A psicose é um sintoma. A psicose é uma ruptura com a realidade. Normalmente se fala em delírio e alucinação, sendo que delírio são crenças dos pacientes que muitas vezes estão destorcidas da realidade. Na esquizofrenia, o mais comum é a alucinação auditiva, então normalmente a pessoa escuta vozes que xingam, que mandam ela fazer coisas, que têm um conteúdo mais depreciativo”.
Cristiano explica que os sintomas acima são os chamados “sintomas positivos”. Ele conta que, além destes, existem outros. “Também é muito comum a desorganização do pensamento e no comportamento. Existem os sintomas negativos que são bastante frequentes, que são retração, então a pessoa se isola, tem menos prazer nas atividades, vai ficando mais apática, traz bastante sofrimento para o paciente e para a família”.
O doutor diz que a esquizofrenia tem uma causa genética de 70 a 80% e que existem fatores ambientais que estimulam estes genes. “Entre esses fatores, vários podem ser citados, mas geralmente são relacionados com estresse, por exemplo: problemas no parto, maus tratos na infância, violência, abuso, uso de droga, principalmente maconha”.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que o estigma é uma das principais barreiras para o tratamento de pessoas com esquizofrenia.
Para os jornalistas, o tema não é abordado por não conhecerem o transtorno mental, preconceito, focar em outros transtornos como ansiedade e depressão e receio de a reportagem não ser bem vista por conta do tabu existente.
A jornalista Thaís Itaqui conta a sua experiência com pautas de saúde mental. “Falar de esquizofrenia para mim virou algo mais rotineiro porque eu tenho uma pessoa na minha família que convive com essa doença, que é meu irmão, o Thiago. Eu fiquei trabalhando na TV Globo por quase vinte anos, quando comecei a vender pautas de saúde mental, percebia que estas pautas eram mais facilmente veiculadas quando tinha uma data especial. Ou falava-se de depressão, ansiedade, dificilmente outros transtornos eram abordados. Quando eu me tornei jornalista e comecei a fazer um trabalho dentro da TV e quis começar a vender essa pauta justamente por conhecer e trazendo a importância de se falar disso, eu comecei a perceber a dificuldade que era de perceberem que essa pauta era importante, então normalmente eles falavam que eu trazia a pauta devido ao meu irmão, mas que não era algo comum de se abordar. Então começa a perceber que o tema é um tabu em vários lugares. A pessoa acaba sendo excluída e a família também, pois a pessoa tem dificuldades e a família pega essas dores”.
Thaís diz acreditar ter recebido retornos positivos em sua profissão. “No começo quando se levanta uma pauta tão difícil como essa e consegue colocá-la na mídia, a gente está conseguindo abrir uma porta, então no momento que milhares de pessoas assistiram minhas matérias, eu acredito ter alcançado pessoas que vivem com o problema, familiares e profissionais que cuidam desses pacientes. Eu também percebi uma coisa muito legal com os meus colegas de trabalho, porque como eles sabiam da minha experiência com meu irmão, eles começaram a conhecer mais a doença por minha causa”.
Dados do Schizophrenia Research Journal indicam que as representações na imprensa representam frequentemente a esquizofrenia ao comportamento violento.
Para completar os depoimentos, não poderia faltar o de uma pessoa com esquizofrenia. Elvis Presley Guarany de Melo conta como foi o momento em que foi diagnosticado. “Fui diagnosticado quando eu era criança. Aprendi a falar com 9 anos, mas minha mãe nunca entendia o meu problema, aí ela começou a perceber as minhas dificuldades na escola, porque eu não me enturmava com os alunos, mas ela não queria aceitar e ela viu que repeti a 1ª série três vezes aí ela percebeu que eu tinha um problema e a professora percebia que eu ficava afastado das pessoas, foi aí que surgiu o início da esquizofrenia. Com o tempo, eu fui crescendo, foi piorando o diagnóstico e eu comecei a passar no psiquiatra a partir dos dezoito anos”.
O ambiente em que a pessoa é criada interfere no desenvolvimento da esquizofrenia. Elvis conta como foi sua infância na casa onde foi criado. “Eu tenho um irmão gêmeo que também tem esquizofrenia, mas eu tenho um grau mais elevado. Meus pais se separaram porque meu pai traiu minha mãe, que teve que cuidar de 4 filhos, então minha mãe não pode dar luxo para os filhos. O governo se negava a dar assistência social e tratamento de fonoaudiólogo. Os sintomas foram piorando porque quem não tem recursos não se trata, e o governo ignora. Eu passo no CAPS 3, que é onde se trata pessoas com esquizofrenia e não tem psiquiatra, você pega o remédio há cada 3 meses e não tem médico e quando você vai questionar, eles aumentam a dosagem do seu remédio porque não gostam que as pessoas falem a verdade. Mas o CAPS está sendo insuficiente porque nós não temos todos os tratamentos e psiquiatras quando precisamos”.
De acordo com a OMS, menos de 15% das pessoas diagnosticadas com esquizofrenia têm empregos formais, comparado a 65% da população geral. Elvis relata sua grande dificuldade de permanecer em um trabalho. “Eu já trabalhei em 42 empresas e em todas fui mandado embora porque as empresas não são adequadas para pessoas com esquizofrenia. Eu nunca agredi alguém, eu vejo coisas, ouço vozes e isso faz parte de mim. Eu estou cansado de me esconder e é por isso que eu quero que as pessoas saibam da minha história que é real. Eu quero estudar, eu quero trabalhar, eu quero ser útil”.
Por fim, Elvis conta sobre seu doloroso tratamento e sua luta para ter uma condição de vida melhor.
Eu já fiz uma terapia chamada terapia do choque, que eles colocam tipo um metal na boca e dão estímulos de carga elétrica na cabeça. A pessoa com esquizofrenia tem a mente acelerada, ela vê coisas e pensa em muitas coisas ao mesmo tempo. Eu já fui amarrado numa maca e não foi fácil porque, se eu tivesse o tratamento e apoio de todos os profissionais de saúde necessários, eu não precisaria ter passado por tratamentos tão severos como os tratamentos de choque que levei muitas vezes.
— E você teve quantos surtos mais ou menos? Eu vejo pessoas que às vezes me chamam, eu ouço muitas vozes, em lugar muito cheio eu uso abafador auditivo. Eu lutei para ter um cachorro para identificar quem é real e quem não é, mas o governo não me disponibiliza um cachorro treinado, e eu estou nessa luta. No Brasil, nós estamos muito atrasados na luta contra a esquizofrenia.
Diante destes apontamentos, é claro perceber que a mídia deve abordar mais sobre a esquizofrenia visando mostrar a realidade destas pessoas. Existem pacientes que podem ter apenas um surto durante toda a vida, pode ter uma pessoa com esquizofrenia do seu lado no metrô. Falta informação e acolhimento.
Por Nina J. da Glória
No coração de uma pequena fazenda nos arredores de São Paulo, a paisagem exibe fileiras simétricas de verduras, um campo verde que mais parece um quadro pintado com paciência e precisão. Cada folha simboliza uma promessa livre de químicos, cultivada à mão, mas também testemunha de um trabalho árduo, invisível ao consumidor final. Esse é o cotidiano de Mariana Silva, uma agricultora que decidiu, há quase uma década, abandonar a produção convencional para dedicar-se ao orgânico. No início, acreditava que seria um retorno ao básico, uma reconexão com a natureza. Mas a realidade mostrou-se mais densa e complexa do que o imaginado. O solo, como um organismo vivo, exigia constantes cuidados e uma compreensão que ia além dos métodos tradicionais. Cada semente carregava uma incerteza, e cada colheita trazia consigo os riscos de uma produtividade menor, vulnerável a pragas e intempéries. "O solo não aceita pressa", sua frase parece pairar na atmosfera ao redor das hortas, impregnada de paciência e resignação.
Nas redondezas, em outra propriedade de São Roque, Paulo Mendes compartilha a mesma visão, mas com uma trajetória que o levou ao orgânico por caminhos distintos. Ao contrário de Mariana, ele vem de uma família que cultivava com agroquímicos, mas sempre sentiu a necessidade de transformar as práticas de cultivo. Para ele, o orgânico é como um resgate da essência da terra, uma escolha que exige mais do que habilidades tradicionais. É um compromisso com o solo, com o ciclo de nutrientes e com o futuro. Paulo vê o campo como um delicado organismo, onde a compostagem e a rotação de culturas são essenciais, mas também um desafio financeiro. Cada safra se transforma em uma experiência quase artesanal, onde a eficácia do manejo natural precisa competir com a tentação das facilidades químicas. Esse processo, para ele, é como uma dança cuidadosa com a natureza, em que observar e respeitar o ritmo das estações torna-se tão vital quanto qualquer técnica de plantio.
Para Mariana e Paulo, a colheita orgânica traz consigo um custo invisível ao olhar do consumidor. A vulnerabilidade às pragas, por exemplo, é uma preocupação constante. Sem pesticidas convencionais cada infestação é uma batalha natural que, muitas vezes, se perde. A introdução de insetos benéficos para conter pragas ou o uso de biofertilizantes representa um custo adicional, tornando a logística do manejo um quebra-cabeça financeiro. Além disso, há as certificações rigorosas exigidas para que o produto receba o selo de orgânico, que Mariana descreve como "um segundo trabalho", com visitas e inspeções que, embora necessárias, absorvem ainda mais recursos.
No centro dessa cadeia está Cláudia Ramos, proprietária de uma loja de produtos orgânicos em São Paulo. De seu ponto de vista privilegiado, ela percebe o esforço e as dificuldades de seus fornecedores, mas também o descompasso entre o preço desses produtos e a percepção dos consumidores. Em cada item das prateleiras, Cláudia vê um microcosmo de esforço e idealismo, mas, ao explicar as diferenças entre orgânico e convencional, enfrenta um público que ainda considera o orgânico um luxo. Ela afirma que cada produto é uma história de sacrifício, e explica que o custo mais alto representa a vulnerabilidade da produção orgânica, que exige cuidados permanentes e colheitas menos previsíveis.
A produção orgânica, então, emerge como uma complexa equação de valores, sacrifícios e riscos. Cada um dos envolvidos—do campo à prateleira—carrega uma parte dessa carga, como se fosse um ciclo contínuo de compromissos, onde o ideal e o real se encontram e se confrontam. A busca pela pureza e pelo cuidado no cultivo se mescla a um cotidiano cheio de dificuldades, e o produto final se transforma numa espécie de narrativa silenciosa sobre perseverança e dedicação ao que se acredita ser o melhor para o futuro do planeta e do ser humano.
Por Giovanna Takamatsu
Eram 4h00min, talvez 5h00min, de algum dia da semana de 2017. Estava chovendo forte, uma daquelas tempestades com trovoadas, que deixa o céu totalmente escuro e tudo parece noite. Lara foi acordada por uma dor descomunal. Nunca tinha sentido algo assim antes em toda sua vida. Parecia que tinha sido atingida por uma faca ou um machado em sua perna direita. Ou então como se uma mão gigante estivesse apertando cada vez mais forte seus músculos da coxa. Ela não sabia o que fazer, pois não tinha nada aparentemente errado com seu membro; começou então a chorar e soluçar de tanta dor. Isso fez com que seus pais acordassem e checassem o que estava acontecendo.
Sua mãe, que é farmacêutica, ao entender a situação, logo pensou em remédios disponíveis pela casa para tentar acabar com a dor, mas nenhum chegou nem perto de melhorar o sintoma de Lara – mesmo tomando remédios fortes, como codeína + paracetamol. O último recurso menos ‘drástico’ que sua mãe pensou foi uma massagem. A família tinha um massageador automático que esquentava enquanto agia. E por algum milagre, era exatamente isso que a adolescente precisava. Depois de uma longa hora - que pareceu uma sessão de tortura -, a dor de Lara finalmente diminuiu e ela conseguiu pegar no sono novamente.
Um mês se passou sem que essa agonia voltasse, e Lara chegou a pensar que foi somente um episódio de dor de crescimento mais intensa– aqueles desconfortos que parecem uma mistura de câimbra e um apertão que acontecem com os pré-adolescentes – já que era muito comum disso acontecer com ela. Mas novamente, Lara acordou com aquele sofrimento, na mesma perna, no mesmo local. Não era possível. Dessa vez ela já sabia o que fazer, como proceder, mas precisa entender a causa dessa dor.
Claro que a menina foi avisar sua mãe. E como se fosse uma epifania, a mãe percebeu sobre o que se tratava essas dores misteriosas. Ela já havia passado por algo parecido. Notou que ambas as vezes que essa dor na perna aconteceu, Lara estava menstruada. Esse era o ponto em comum entre as aflições. Só podia ser algo relacionado a isso. Fazia total sentido; ela sempre sofreu com sua menstruação: tinha dores e cólicas intensas nas costas, seu fluxo era intenso, já tinha o diagnóstico de Síndrome do Ovário Policístico (SOP) e seu ciclo era extremamente desregulado.
Talvez seja endometriose, disse a mãe que lembrou ter tido isso quando era mais nova. Endometriose. Lara perguntou o que sua mãe fezpara resolver. Sua mãe foi enfática ao dizer que a gravidez, em sua época, era o tratamento mais comum. Mas Lara ainda era uma adolescente, e nem sabia se queria ter filhos. E o tratamento para a pior dor da vida não poderia ser engravidar. Ela se sentiu em uma distopia, em ‘O Conto de Aia’. Lara foi procurar sobre essa tal de endometriose e na Internet viu que demora entre 4 a 10 anos para conseguir fechar o diagnóstico. 10 anos!!! E que não há cura, somente manejo dos sintomas.
O próximo passo lógico era ir à uma ginecologista. Lara não estava muito animada com isso já que entendeu que talvez demoraria anos e anos para resolver aquela situação. Mas enfim, ela foi. A ginecologista não deu muita atenção à queixa de Lara. Na consulta foram feitos os exames de rotina, e no final foi receitado uma pílula de gestrinona, que deveria bloquear totalmente sua menstruação, assim não teria nenhum sintoma relacionado a ela. Mas ainda sim não recebeu a confirmação de endometriose.
Após alguns anos de dúvidas em seu diagnóstico, Lara decidiu a passar em outra ginecologista especialista em endometriose. Essa nova médica pediu que ela fizesse um exame de ressonância magnética da pelve, para identificar se havia focos de tecido endometrial fora do útero. Somente após que o exame voltou positivo, foi fechado o diagnóstico, ou seja, após 4 ou 5 anos do primeiro episódio de dor. Hoje, ela maneja seus sintomas com a pílula. Por se tratar de uma doença crônica, sua médica se preocupa com a questão de sua fertilidade, mesmo que Lara seja nova ainda. Demorou alguns anos, mas hoje Lara sabe que possuí uma rede de apoio médico que a auxilia em qualquer momento e respeita suas escolhas.
Mas se sabe que essa realidade não é de todas as mulheres brasileiras com endometriose. Segundo o Ministério de Saúde, 1 em cada 10 mulheres sofrem com a endometriose. Isso são 8 milhões de brasileiras no total com essa doença. O diagnóstico dessa moléstia não é fácil, devido a inespecificidade dos sintomas, que podem significar muitas doenças ginecológicas. Mas o preconceito por parte de profissionais de saúde, que constroem estigmas cerca às aflições da mulher, afeta muito no tempo do diagnóstico e ressalta como as mulheres ainda não são levadas a sério nos diversos âmbitos sociais
Eliane tem 26 anos e é moradora do Campo Limpo, periferia de São Paulo. Desde adolescente, ela sofre com os sintomas da endometriose, tendo um quadro parecido com o de Lara: dores e cólicas fortes em diversas regiões próximas ao útero, fluxo intenso, ciclo desregulado. A principal diferença entre as mulheres é que, enquanto Lara conseguiu atenção médica e diagnóstico preciso já no início de sua dor, Eliane precisou de quase 10 anos para finalmente fechar seu diagnóstico.
Isso se deve muito a desvalorização médica em casos de dores e cólicas uterinas. Eliane já escutou de profissionais da saúde em UBSs e UPAs que isso era normal da menstruação – o que não fazia o menor sentido em sua cabeça; não é normal uma dor que parece que suas pernas, seu abdome, suas costas estão sendo esmagadas. Ela se sentia ignorada toda vez que tentava falar sobre o assunto, e, de certa forma, ela desistiu de procurar ajuda para aquelas dores terríveis que tinha todos os meses.
Aos 22 anos, Eliane conheceu seu atual marido. O casal começou a tentar engravidar, mas isso nunca se concretizou. Após 1 ano de tentativa, Eliane decidiu que iria passar por uma ginecologista para entender o que estava acontecendo. Essa médica não deu muita importância para as queixas de dor intensa, e alegou que era normal. Mas, para desencargo de consciência, a ginecologista pediu que ela realizasse o ultrassom transvaginal com preparo intestinal – prática comum para o diagnóstico de endometriose, uma vez que, com as alças do intestino vazias, a visualização dos focos de tecido é mais fácil – tanto para a endometriose quanto para o problema de fertilidade.
Finalmente, no retorno da consulta, Eliane recebeu seu diagnóstico: endometriose. Entretanto, pelos anos que ela passou sem tratar essa doença, ela desenvolveu problemas de fertilidade. Hoje, ela realiza tratamentos que auxiliam resgatar sua fertilidade, mas ainda não conseguiu carregar uma gestação a termo.
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