Os efeitos que o TCC causa nos universitários expõem a fragilidade do cuidado com o psicológico diante da pressão no encerramento da graduação
por
Olivia Ferreira
Sofia Morelli
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18/11/2025 - 12h

 

A fase final da faculdade é uma época de ansiedades e pressões que vêm tanto do ambiente acadêmico quanto social e, o Trabalho de Conclusão de Curso, o famoso TCC, é visto por muitos como o grande desafio da vida universitária. Ele representa o encerramento de um ciclo, a consolidação de anos de estudo e o primeiro grande passo em direção ao mercado de trabalho. Mas, por trás das apresentações de sucesso e das bancas avaliadoras, há um lado pouco falado: o impacto que o processo de criação do TCC tem sobre a saúde mental dos estudantes.

 

Mulher mentalmente esgotada diante livros de estudo
Foto: Vestibular Brasil Escola UOL 

 

Ao longo do processo do trabalho é comum os graduandos se concentrarem totalmente nesse projeto, deixando para segundo plano sua saúde mental e até mesmo a saúde física. Além do encerramento da fase universitária, estudantes lidam com o início da vida profissional, causando ainda mais estresse durante esse período e diversos problemas graves de saúde que atingem diretamente o bem-estar do profissional, como o conhecido “burnout” e crises de ansiedade e pânico. Uma pesquisa feita pela Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) revelou que quanto maior a percepção de relação com professores e colegas, conciliação dos estudos e do lazer, pressão das disciplinas, provas, trabalhos e conciliar o estágio profissional, maior o índice da Síndrome de Burnout em estudantes.

 

 

Causas principais 

Essa vivência dramática- a primeira experiência angustiante com grande peso emocional- muitas vezes ocasiona o “burnout”, um termo utilizado para designar um trauma de longa exposição gerado quando o corpo é continuamente informado de perigo. Esse problema derivado de uma alta carga de estresse e exaustão compromete sua capacidade de concentração e produtividade. Ele se manifesta por meio de sintomas emocionais que atravessam a psique, impactando o físico. Essa pressão transforma o processo de aprendizagem em um ciclo de sofrimento e desmotivação, o que evidencia a urgência de se discutir e promover práticas de cuidado e prevenção dentro do ambiente educacional.

Mapa mental sobre os sintomas do burnout
Foto: Infográfico/ Laura Urbano

As pressões externas e internas que acorrentam discentes- e que ocasionam diversos sentimentos maléficos tanto para o desempenho didático quanto para a saúde mental- reproduzem discursos de esgotamento marcados por cobranças, falta de tempo e medo do fracasso. Além disso, a carga de tarefas é intensa: aulas, estágio, trabalho, relatórios e reuniões com o orientador,  o que resulta em  um cotidiano sobrecarregado e sem espaço para descanso ou autocuidado.“É importante equilibrar essa época da vida com atividades relaxantes e que tirem o foco do trabalho e até mesmo do tema. Saiba até onde você consegue ir, você é limitado.” afirma o psicólogo Paulo Scholze. 

Praticar atividades físicas, buscar suporte emocional e fazer coisas que sejam prazerosas são maneiras que auxiliam para um processo mais leve. Segundo Scholze, o apoio emocional é o ponto chave para lidar de forma mais calma na criação do trabalho. Os orientadores devem  escutar o aluno, e caso isso não seja possível, deve-se procurar pessoas que já passaram por essa fase e que possam oferecer apoio.

Paulo Scholze conta sua experiência com o TCC, durante a pandemia. Apesar do prazer de dar espaço para “sua própria voz”, como o mesmo explica, de poder se descobrir como autor desta pesquisa e do trabalho final —“Me descobri um pouco nesse lugar de autoria”—, o psicólogo também sofreu com a angústia costumeira. Explica como as tensões se agravam conforme se aproximam do prazo de entrega. 

Para lidar com a pressão, cada estudante cria sua própria estratégia. Alguns se apoiam em grupos de amigos, outros buscam terapia, e há quem recorra ao café e à força de vontade. “É difícil falar sobre como pacientes em geral lidam com essa fase da vida, porque todos vivem de forma muito distante. Mas, posso afirmar que acho difícil que seja algo muito tranquilo, sempre tem uma dose de angústia.” diz o psicólogo. 

Uma forma de evitar o peso maciço de demandas como a do TCC, foi descrita pela escritora inglesa, Virgínia Woolf. A mesma dizia intercalar seus romances complexos e profundos com narrativas mais simples e mais facilmente prazerosas, “livros de férias”,  como uma forma de escape da pressão que sentia na escrita dos livros mais difíceis. 

Se pode trazer este conceito para perto do assunto do TCC, ideia desenvolvida por Paulo Scholze, que usou essa analogia para exemplificar uma orientação que ajuda a lidar com a complexidade do trabalho, usando os hobbies e outros interesses como um escape para os formandos.

 

Prevenção do estresse excessivo

Algumas orientações e indicações gerais de Scholze para levar o desenvolvimento do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de maneira mais equilibrada são:

  • Fazer com que não seja um esforço contínuo: pensar no projeto com calma e tentar um ritmo menos intenso;

  • Escolher um tema que lhe agrade para manter o interesse;

  • Encontrar uma voz: não precisa ser perfeito e se auto cobrar menos;

  • Ter alguém que te escute e auxilie nessa fase desafiadora; 

  • Encontrar paz;

  • Refletir sobre como o projeto é algo que irá se concluir, algo passageiro;

  • Fazer coisas que te interessam;

  • Falar de temas que instigam algo dentro de você.




 

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Os hormônios chamados bioidênticos têm sido usados no tratamento de sintomas da menopausa.
por
manuela schenk scussiato
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17/11/2025 - 12h

Por: Manuela Schenk

 

Maria Rosa é moradora de um bairro tranquilo em Belo Horizonte e tem 58 anos. Vivia dias que pareciam sempre nublados. A menopausa havia chegado silenciosa, mas dominando cada detalhe de sua rotina: noites interrompidas por ondas de calor, cansaço persistente e um humor tão instável quanto o clima da cidade. Professora aposentada, ela se viu pela primeira vez incapaz de organizar sua própria vida, como se o corpo tivesse assumido o comando sem pedir permissão.

Os meses seguintes foram marcados por idas e vindas a médicos, tentativas de adaptar a rotina e conversas demoradas com amigas que compartilhavam experiências semelhantes. Nada parecia surtir efeito, até que ouviu falar de uma abordagem que ganhava espaço em consultórios especializados: a terapia com hormônios bioidênticos. Curiosa e cansada de sentir que estava vivendo apenas no piloto automático, Maria decidiu buscar uma avaliação completa para entender se aquela alternativa poderia ser adequada para ela.

A equipe médica analisou seu histórico e, após uma explicação detalhada sobre os possíveis benefícios e limitações, apresentou a reposição hormonal bioidêntica como uma opção. Maria aceitou iniciar o tratamento, não como uma promessa de solução mágica, mas como a possibilidade de reencontrar a si mesma. Nos dias seguintes, seu ceticismo dividia espaço com uma esperança tímida, que ela mal ousava verbalizar.

As mudanças começaram de forma sutil. As noites tornaram-se menos turbulentas, os suores repentinos diminuíram e, com o sono mais estável, veio também uma energia que Maria acreditava ter perdido para sempre. Pequenas vitórias foram se acumulando: a disposição para caminhar pela manhã, o prazer em preparar o próprio café e até a vontade de retomar projetos que havia abandonado quando os sintomas apertavam.

Com o passar dos meses, a melhora deixou de ser apenas física, ela sentiu seu mundo voltando a ter cor. Amigos próximos notaram o brilho renovado no olhar, e Maria passou a falar abertamente sobre sua experiência, sempre destacando que cada mulher tem sua trajetória e que o acompanhamento profissional é indispensável. Para ela, a reposição hormonal bioidêntica representou mais do que um tratamento: foi a reconquista de uma vida que parecia ter escapado pelas frestas do tempo.

Hoje, Maria Rosa caminha pela praça do bairro com passos firmes, como quem recuperou não só o controle do próprio corpo, mas também o entusiasmo pelos dias que virão. Sua história é uma entre tantas que ilustram a complexidade da menopausa e a importância de abordar o tema com informação, cuidado e sensibilidade. E, enquanto observava o movimento ao redor, ela resumiu sua jornada com simplicidade dizendo que a menopausa tentou paralisá-la mas aos poucos ela aprendeu que existe sempre um caminho para voltar a florescer.

Com o tempo, Maria foi percebendo que a melhora não se refletia apenas no cotidiano, mas também em suas relações. Ela voltou a frequentar rodas de leitura, retomou encontros semanais com antigas colegas de profissão e até se animou a planejar pequenas viagens. “Parece que eu reencontrei minha própria companhia”, comentou certa vez, rindo com a naturalidade que havia deixado de sentir. O que antes era medo de enfrentar os dias transformou-se em vontade de ocupar novamente os espaços que sempre foram seus.

Seu marido, Antônio, também testemunhou essa transformação de perto. Ele lembra que, antes do tratamento, as noites eram marcadas por inquietação e cansaço, e as conversas acabavam ofuscadas pela exaustão. Agora, o casal redescobre uma rotina mais leve, com caminhadas ao entardecer e longas conversas na cozinha. Para ambos, a mudança de Maria representou não apenas um avanço individual, mas uma renovação de laços, mostrando como o bem-estar de uma mulher reverbera por toda a família.

Os hormônios desempenham papéis essenciais no equilíbrio do organismo, regulando funções como metabolismo, humor, sono e, quando falamos em reposição hormonal, especialmente para mulheres na menopausa, é comum surgirem dúvidas sobre a diferença entre hormônios tradicionais (sintéticos) e hormônios bioidênticos. Embora ambos tenham o objetivo de aliviar sintomas decorrentes da queda hormonal, eles se distinguem principalmente pela estrutura química e pela forma como o corpo os reconhece.

Os hormônios tradicionais, frequentemente chamados de sintéticos ou não bioidênticos, são produzidos em laboratório, mas não necessariamente possuem a mesma estrutura molecular dos hormônios humanos. Apesar de eficazes para muitas mulheres, podem apresentar respostas variáveis no organismo porque sua interação com os receptores hormonais nem sempre ocorre da mesma forma que com os hormônios naturais. Isso pode influenciar tanto os efeitos desejados quanto o perfil de efeitos colaterais.

Já os hormônios bioidênticos são formulados para terem estrutura molecular idêntica à dos hormônios produzidos naturalmente pelo corpo humano. Por esse motivo, o organismo costuma reconhecê-los e metabolizá-los de maneira mais semelhante aos hormônios endógenos. Essa similaridade é o principal argumento de profissionais e pacientes que relatam maior tolerabilidade e adaptação, embora a resposta possa variar de pessoa para pessoa.

A reposição hormonal feita com hormônios bioidênticos pode oferecer benefícios para mulheres na menopausa, como alívio de ondas de calor, melhora da qualidade do sono, redução da irritabilidade, maior lubrificação vaginal e, em alguns casos, melhora da vitalidade e do bem-estar geral. Algumas mulheres relatam que os bioidênticos promovem um equilíbrio mais suave, possivelmente por serem metabolizados de forma mais natural pelo organismo.

Além disso, especialistas ressaltam que os hormônios bioidênticos podem ser formulados de maneira personalizada, ajustando dosagens e combinações conforme as necessidades individuais de cada mulher, sempre com supervisão de profissionais qualificados. Essa possibilidade de personalização é um dos pontos que costumam atrair pacientes que buscam uma abordagem mais adaptada ao próprio corpo, embora continue sendo fundamental o acompanhamento regular, exames periódicos e avaliação cuidadosa dos resultados.

Apesar das vantagens relatadas, é importante lembrar que qualquer terapia hormonal exige acompanhamento médico, independentemente de ser feita com hormônios sintéticos ou bioidênticos. A combinação adequada de hormônios, a forma de administração e o monitoramento regular são fundamentais para garantir segurança e eficácia. Cada mulher possui necessidades individuais, e somente um profissional qualificado pode orientar a melhor abordagem para cada caso.


 

É importante saber até onde ela esbarra no limite da ética científica
por
Chloé Dana
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18/11/2025 - 12h

Por Chloé Dana

 

Em "A Condição Humana", Hannah Arendt analisa de que maneira a época moderna alterou a centralidade da experiência humana. No passado, a política era o ambiente onde as pessoas se reuniam para construir um mundo compartilhado, um espaço vibrante de debate, divergências e criação coletiva. Atualmente, ela afirma que a política se transformou na gestão da vida orgânica. O foco mudou para a preservação do corpo, aumentando sua longevidade e minimizando seu sofrimento. Assim, a vida pública foi substituída pela luta pela sobrevivência. É nesse cenário que a bioética surge como uma resposta aos desafios que reconfiguram a visão que a humanidade tem de si mesma. Ela facilita discussões sobre o começo e o término da vida, a qualidade da vivência humana, os limites éticos dos experimentos científicos e as implicações das decisões relacionadas ao corpo. Baseia-se em valores como autonomia, dignidade e justiça, tornando-se um guia essencial em um mundo em que a ciência pode interferir de maneira cada vez mais profunda na nossa essência.

A vastidão desse domínio reflete a complexidade da vida atual, envolvendo discussões sobre aborto, euthanasia, objeção de consciência, maternidade substitutiva, tecnologias reprodutivas, decisões médicas influenciadas por crenças religiosas, modificações genéticas e os efeitos ambientais sobre os organismos vivos. A bioética surge porque a ciência contemporânea ganhou a capacidade de editar genes, escolher embriões, manipular dados pessoais, prolongar vidas e transformar corpos. Questionar “até onde a ciência deve ir” é, na essência, perguntar como proteger a humanidade que reside por trás das inovações. É assegurar autonomia, privacidade, proteção dos vulneráveis e igualdade no acesso aos benefícios da biotecnologia. Contudo, essas questões não se restringem apenas à filosofia. Elas se materializam nos consultórios, onde ciência e vulnerabilidade humana se encontram diariamente.

É nesse contexto que a vivência do geneticista Elias Monteiro ilumina, com seu corpo e voz, aquilo que muitas vezes permanece no abstrato. Uma pessoa que carrega, sem alardear, a serena responsabilidade de lidar diariamente com escolhas complicadas. Seu dia inicia cedo, sempre com exames dispostos sobre a mesa, fragmentos de DNA organizados como se fossem pequenas cartas enviadas pelo corpo humano. Cada laudo gera indagações, cada sequência genética oferece uma nova possibilidade, cada variante pode alterar o rumo de uma vida.

Entre esses documentos, aparecem histórias concretas: famílias que buscam esclarecimentos após anos de dúvidas, casais que tentam planejar o futuro com menor temor, adultos que carregam desde a infância incertezas que nunca foram nomeadas. A rotina dele é composta por precisão técnica, mas também por gestos sensíveis. A genética, em suas mãos, não se restringe à análise molecular; se transforma também em tradução, convertendo a linguagem científica em algo que alguém possa utilizar para respirar melhor, entender mais e viver de forma mais plena.

E ao discutir os limites éticos na ciência, é perceptível uma leve alteração em sua perspectiva. Não se trata de medo; é clareza mental. Ele percebe que a tecnologia vigente tem o potencial de modificar estruturas que antes eram imutáveis: realizar edições genéticas, selecionar traços, alterar direções que vão além da vida de quem está na sua frente. Para ele, tal poder requer mais cautela do que entusiasmo. Interferir no DNA de um indivíduo afeta também o futuro de gerações que ainda estão por vir. Por essa razão, ele argumenta que todo progresso deve ser acompanhado por dignidade, autonomia e justiça, pilares fundamentais para que a ciência mantenha sua integridade moral.

A genética, em sua visão, representa um domínio onde a precisão se alia à sensibilidade. Não há imparcialidade diante de um diagnóstico que pode reconfigurar a vida de uma família inteira. Cada explicação, cada resultado e cada previsão traz um impacto emocional que um algoritmo não consegue prever. Para ele, sua função não se encerra ao descobrir uma mutação; é aí que realmente começa. E talvez seja isso que faz sua presença parecer a de alguém que transita entre dois mundos: a exatidão dos dados e a fragilidade humana, a rigidez do código e a empatia da experiência. Seguindo suas considerações, torna-se claro que a bioética não é um território isolado da vida cotidiana, mas uma demanda urgente que permeia cada exame, cada consulta e cada decisão. Pois enquanto a ciência evolui, a ética deve avançar simultaneamente, não como entrave, mas como salvaguarda.

A manipulação genética em humanos traz à tona esse desafio em sua forma mais intensa. Alterar o código que forma a identidade de um ser envolve riscos imprevisíveis e consequências que podem se estender por gerações. Há também a tentação de empregar essas tecnologias para fins não terapêuticos: melhorar a aparência, a capacidade cognitiva, a força física, aumentando desigualdades, criando distinções artificiais, convertendo diferenças em produtos. Portanto, estabelecer limites éticos e legais se mostra essencial para resguardar a dignidade humana e assegurar que o futuro não fique moldado apenas pelos anseios dos mais favorecidos.

Ao considerar todos esses aspectos, desde as inquietações filosóficas de Arendt até os dilemas éticos que a genética contemporânea propõe, torna-se claro que estamos em um ponto crucial da trajetória humana. Nunca tivemos tanta influência sobre a vida e nunca fomos tão responsáveis por decidir como utilizá-la. A ciência avança, rompendo barreiras que antes eram sagradas; a bioética tenta acompanhar esse movimento, lembrando que nenhuma descoberta é isenta de influência, e que qualquer intervenção na vida deve ser feita com cuidado, prudência e compaixão.

O debate acerca da edição genética transcende uma mera questão técnica. é uma reflexão sobre a humanidade que almejamos ser. É nossa responsabilidade, tanto como indivíduos quanto como coletividade, determinar se iremos criar um mundo impulsionado pela urgência de aprimorar a existência ou pela compreensão de sua preservação. Nesse contexto, a bioética aparece não como um obstáculo, mas sim como um guia: uma ferramenta para assegurar que, ao alterarmos elementos do código da vida, não negligenciamos a conservação daquilo que nos caracteriza como seres humanos.

 

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Com impacto semelhante ao da depressão, a dor persistente atinge 37% dos brasileiros acima de 50 anos.
por
Wanessa Celina
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17/11/2025 - 12h

Por Wanessa Celina

No Brasil, em 2023, o Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos (ELSI-Brasil)  apontou que 37% dos adultos com mais de 50 anos possuem dores crônicas. Além do desconforto físico elas afetam a saúde mental dos pacientes. Em março de 2025, uma pesquisa feita por Johns Hopkins Medicine revelou que, aproximadamente, 40% dos adultos com dor crônica manifestam sintomas clinicamente significativos de depressão e ansiedade.

Dores crônicas são definidas como aquelas que duram mais de três meses e que devem ser tratadas para sempre. Podem ser fibromialgia, dor lombar crônica, enxaqueca crônica, hipertensão, diabetes e outras outras doenças, explica o reumatologista da Secretaria de Saúde do Governo do Estado de São Paulo, José Eduardo Martinez. Segundo afirma, existe uma ligação direta entre dores crônicas e o estado emocional do paciente, sendo que um influência o outro. 

Do ponto de vista da neurofisiologia, a correlação é facilmente explicada. O cérebro humano percebe a dor após uma série de modificações nos nervos que caminham pelo sistema nervoso periférico – o que  transmite informações dos órgãos para o cérebro – , algumas das áreas cerebrais que precipitam a dor são, também, as que são ativadas nas questões emocionais, explica Martinez. 

Para tratamentos de dores crônicas, a associação entre os tratamentos com médicos e  fisioterapeutas em conjunto com um apoio psicológico, pode ter uma boa ação no quadro dos pacientes. Em outubro de 2023, foi sancionada a Lei nº 14.705/2023 que oferece a pacientes com fibromialgia, síndrome da fadiga crônica ou síndrome complexa de dor regional, um atendimento multidisciplinar – como fisioterapia, psicoterapias e medicina –  feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). 

Mesmo com esses outros apoios psicológicos, o impacto que a doença traz na relação social também afeta o paciente. Segundo José Martinez, uma das principais queixas dos pacientes que têm doenças que geram dor é não serem compreendidas como doentes. Muitas pessoas não percebem que estão convivendo com alguém que esteja sofrendo de dor crônica e o tratamento acaba por ser mais difícil para o paciente.

Isso é um caso de Giovana, que possui enxaqueca crônica. Com apenas 23 anos, ela gosta de sair e se divertir com os amigos, mas muitas vezes fica incapaz de sair de casa por causa das dores. Quando era adolescente suas dores começavam leves e aumentavam até ser uma dor insuportável, depois de adulta, as dores começaram a ser sempre as mesmas, começavam a doer muito forte de uma vez.  

Muitas vezes, quando ia sair com seus amigos e as dores começavam fortes, Giovana teve que desmarcar os encontros. “A dor que sinto é tão forte que só quero ficar deitada na cama, um dos fatores que me atrapalha muito é a iluminação, então lugares muito iluminados, com luzes piscantes acabam piorando minha dor”, relata a jovem. Muitas vezes, seus amigos achavam que ela só estava sendo “frescurenta” e ficavam chateados, assim, o seu tratamento começou a ficar solitário, não ia mais para as aulas, se isolava, e comparava com “pessoas mais saudáveis que eu”, declara.

O reconhecimento da enxaqueca crônica como uma doença pelos seus amigos seria fundamental para Giovana. “Muitas pessoas ainda dizem coisas do tipo "Eu faço várias coisas com dor de cabeça, trabalho com dor de cabeça, vou pra aula, é só tomar um remédio que passa", mas a enxaqueca é uma dor totalmente diferente, chega a ser insuportável”, diz. Giovana é uma entre as milhares de pessoas que entendem que tratar doenças não necessita só dos médicos e dos medicamentos, mas, também, de uma colaboração com toda a população.

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Mesmo após avanços na ciência, a saúde feminina continua sub-representada em pesquisas e consultas. O corpo das mulheres segue sendo tratado como exceção.
por
Helena Costa Haddad
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27/10/2025 - 12h

Por Helena Haddad

 

Apesar de representarem metade da população mundial, as mulheres continuam sub-representadas nas pesquisas médicas. A lacuna nos ensaios clínicos compromete a eficácia, a segurança e a equidade dos tratamentos disponíveis hoje. Segundo levantamento publicado na Nature Medicine (2024), menos de 35% dos estudos clínicos globais incluem dados diferenciados por sexo, e apenas 20% consideram como os medicamentos afetam homens e mulheres de forma distinta. Até 1993, o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH) proibia a participação de mulheres em idade fértil em ensaios clínicos, sob o argumento de proteger possíveis gestações. O resultado foi uma medicina construída sobre o corpo masculino como padrão universal: dosagens, efeitos colaterais e até sintomas de doenças graves, como o infarto, foram definidos a partir de corpos de homens jovens e brancos.

Durante décadas, o corpo feminino foi visto como instável, hormonal e difícil de estudar — uma percepção que moldou uma ciência que não representa as mulheres. Até hoje, muitos sintomas femininos são subestimados ou confundidos com causas psicológicas, explica a psiquiatra Maria Franco.

Casos recentes reforçam a urgência dessa discussão. Um exemplo é o medicamento Zolpidem, usado para insônia. Estudos mostraram que as mulheres metabolizam a substância mais lentamente, o que faz com que acordem ainda sob efeito sedativo — aumentando o risco de acidentes. A FDA já havia reduzido pela metade a dose recomendada para mulheres em 2013, e, em 2024, a Anvisa atualizou as bulas no Brasil após relatos de efeitos adversos graves, como sonambulismo e confusão mental.

Um estudo publicado na Biology of Sex Differences em 2024, analisou 86 medicamentos aprovados pela FDA: em 76 deles, as mulheres apresentaram maior concentração da substância no sangue, e em 96% dos casos isso estava associado a maior incidência de reações adversas — como náusea, tontura e arritmia. Em resumo, a maioria dos remédios vendidos hoje ainda é testada e dosada para corpos masculinos.

O corpo feminino possui diferenças de massa magra, gordura e metabolismo hepático. Essas variáveis interferem diretamente na absorção e eliminação de medicamentos, explica a psiquiatra.

A desigualdade de gênero também aparece no atendimento médico. Em 2024, um levantamento do Instituto Patrícia Galvão apontou que 61% das mulheres brasileiras afirmam não se sentirem ouvidas por profissionais de saúde. As queixas vão de dores crônicas desconsideradas a diagnósticos errados de doenças cardíacas, endometriose e lúpus. Casos como o de Lidiane Vieira Frazão, que morreu 22 dias após o parto durante a pandemia de Covid-19, sem atendimento adequado, ilustram o impacto disso. A família denunciou o hospital por violência obstétrica e negligência médica. 

O viés masculino na medicina é tão antigo quanto a própria ciência. A partir do século XIX, o corpo feminino passou a ser tratado como “anômalo” — sujeito a histerias, desequilíbrios hormonais e instabilidade emocional. Essa visão ainda ecoa em práticas clínicas e diagnósticos enviesados. A Organização Mundial da Saúde reconhece que o viés de gênero é uma das principais causas de erro de diagnóstico no mundo. Não basta incluir mais mulheres nos testes. É preciso mudar o olhar, considerar o ciclo hormonal, a gravidez e a menopausa, conclui a Dra. Franco.

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Após dois anos da concessão pública, Pérola Byington tem conflitos na administração da Organização Social Seconci
por
Daniella Ramos
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15/05/2025 - 12h

O Centro de Referência em Saúde da Mulher, do estado de São Paulo, trocou a humanização no atendimento pelo cumprimento de metas a serem batidas. Isso é o que garantem os funcionários que acompanharam a mudança vivida pelo hospital nos últimos três anos.

Em setembro de 2022, o Hospital Pérola Byington mudou de nome e local. Foi da Avenida Brigadeiro Luís Antônio, na região central, para a Avenida Rio Branco, nos Campos Elíseos, região conhecida como Cracolândia. E passou a se chamar “Hospital da Mulher”.

Após concessão do Estado para a Seconci, o local passou a ser uma Parceria Público-Privada (PPP). A enfermeira Denise Souza, funcionária pública que continua no hospital após a privatização, relata que no Pérola havia um comprometimento com um atendimento mais humanizado aos paciente, mas a atual organização social se preocupa mais com as metas que devem ser batidas pelos funcionários.

“Na primeira vez, achei tudo muito bonito e limpo, apesar das pessoas em situação de rua ao redor do hospital”, afirma Áurea Suda, tia de uma paciente em início de tratamento. Ela reclama da falta de assentos na recepção para aguardar atendimento.

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Fachada do Hospital da Mulher na Avenida Rio Branco. Foto: Daniella Ramos


Hoje, o hospital ainda atende pelo SUS. Após a PPP, funcionários públicos e privados passaram a trabalhar juntos. O número de leitos de UTI quadruplicou e essa melhoria veio junto ao aumento de cirurgias para bater metas, segundo relato de Denise. No Pérola Byington, havia apenas 5 leitos, o que quase causou a morte da paciente Edma Dias, internada para remoção de um nódulo. Ela relata ter ido mais de 3 vezes para o centro cirúrgico: "voltava, pois não conseguia realizar a cirurgia devido à falta de leito de UTI".

Denise ainda diz sentir falta de trabalhar em um hospital de referência como o Pérola Byington. Ela lamenta que o atual Hospital da Mulher ainda não tenha conquistado o destaque devido. “A notoriedade não é feita apenas com equipamentos, temos que contar com uma boa gestão da Organização”, reitera a enfermeira. 

Entramos em contato com a assessoria da Secretaria da Saúde, mas não tivemos retorno até a publicação da matéria.

 

 

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Entenda os danos causados por fake news sobre a alimentação
por
Laura Petroucic
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08/05/2025 - 12h

Com o acesso ilimitado à internet, atualmente é fácil encontrar informações sobre nutrição. Basta um clique para que as pessoas se informem sobre dietas e calorias pelo Instagram, TikTok ou X (antigoTwitter). Mas é preciso tomar muito cuidado com a fonte desses dados. Clickbaits como “arroz dá câncer”, “o açúcar das frutas faz mal” e “emagreça cinco quilos tomando essa sopa” parecem absurdos, porém muitas pessoas acabam tomando essas frases como verdadeiras. A nutricionista Fernanda Zanon, em entrevista à AGEMT, explica: “Informações nutricionais falsas podem levar a deficiências nutricionais, problemas hormonais e queda de imunidade”. E acrescenta: "os danos de misturar desinformação com alimentação não são apenas físicos, mas também psicológicos. A relação com a comida fica deturpada e confusa, podendo até gerar distúrbios alimentares em pessoas que buscavam melhorar sua alimentação", explica Zanon.

Um dos grandes responsáveis pela onda de desinformação nutricional são influenciadores com milhões de seguidores que, mesmo sem nenhuma formação na área, fazem postagens indicando dietas e produtos sem eficácia comprovada. Vitaminas e chás milagrosos são vendidos sem nenhum tipo de fiscalização por parte das big techs — e quem sofre o prejuízo são os consumidores.

E por que as pessoas compartilham esse tipo de desinformação na internet? Fernanda afirma que "algumas dessas pessoas acreditam porque tiveram alguma experiência pessoal que funcionou para elas — e acabam generalizando, como se aquilo fosse uma verdade universal. O que funciona para um pode ser prejudicial para outro. Outras, infelizmente, estão mais interessadas em ganhar visibilidade e engajamento, mesmo sabendo que o que divulgam não tem respaldo científico”, diz. 

Fernanda também comenta sobre o motivo de a população preferir buscar soluções online: “ainda existe uma barreira de acesso, seja por questões financeiras, falta de informação ou até pela ideia de que só se deve procurar um nutricionista quando se quer emagrecer. Isso faz com que muita gente recorra à internet em busca de respostas rápidas e fáceis — o famoso milagre!”. Em um país cuja acessibilidade à saúde ainda é segregada, a conscientização sobre o impacto negativo da desinformação é essencial para criar um ambiente mais seguro e saudável para todos, como aponta Fernanda. 

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Políticas públicas devem assegurar o direto à saúde de quem sofrem com essa condição, ainda pouco estudada
por
Khadijah Calil
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28/04/2025 - 12h

A regulamentação da Lei 32/2025, sancionada em 27 de março em Portugal, representa o reconhecimento dos direitos das pessoas com endometriose. A nova legislação estabelece que quem tiver o diagnóstico da doença têm direito a até três dias de faltas mensais justificadas no trabalho ou na escola, sem prejuízo da remuneração e de outros direitos trabalhistas ou estudantis. Segundo o Diário da República, a norma entra em vigor a partir de abril deste ano e requer a apresentação de um laudo médico mensal para ter sua ausência abonada.  

O contexto social em que essa regulamentação surge é o de enfrentamento a preconceitos relacionados à menstruação e à saúde reprodutiva das pessoas com útero. De acordo com o portal SciElo em um estudo sobre os efeitos da masculinidade tóxica, o machismo estrutural, entendido como um fenômeno social que se manifesta por meio de normas, práticas e instituições, gera estigmas de fragilidade ou incapacidade sobre quem enfrenta esses sintomas. Servindo de exemplo para outros países, a nova medida portuguesa rompe com a lógica de que essas pessoas devem se adaptar ao ambiente de trabalho sem levar em consideração suas condições de saúde.  

A advogada brasileira e especialista trabalhista Ingrid Raunaimer, explica algumas das medidas descritas na nova lei estrangeira: respeitar os afastamentos devidamente justificados por motivos de saúde, incluindo aqueles relacionados ao ciclo menstrual, sem retaliações ou descontos indevidos; garantir o sigilo e respeito à intimidade, evitando constrangimentos; criar políticas internas de acolhimento e orientação para promover um ambiente livre de preconceitos; e adotar uma abordagem inclusiva, considerando medidas como flexibilidade de horários, possibilidade de trabalho remoto ou reposição de aulas/atividades, sempre que possível. 

“Essa regulamentação é, portanto, não apenas um instrumento jurídico, mas também um marco simbólico e político, pois reconhece que dores menstruais incapacitantes não devem ser normalizadas e nem ignoradas em nenhum lugar do mundo”, explica Ingrid. 

Cenário Brasileiro  

O ginecologista Thiago Pareja, membro da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Estado de São Paulo, explica que a endometriose afeta cerca de 10% das pessoas que menstruam e estão em idade reprodutiva no Brasil, o que representa aproximadamente 8 milhões de pacientes. A doença, caracterizada pela presença de tecido endometrial fora do útero, pode causar dor intensa, infertilidade e outros sintomas debilitantes, comprometendo significativamente a qualidade de vida de quem recebe o diagnóstico. 

Kizzy Novicov Silva, ex-agente de turismo e paciente com endometriose, compartilha sua experiência com o SUS e o INSS. Após três processos de afastamento, Kizzy recorreu à ajuda de um advogado para provar sua incapacidade de trabalhar devido à doença. “É desumano ter que provar sua dor para quem nunca a sentiu”, afirmou a paciente, que passou por sete cirurgias sem conseguir alívio para a dor crônica da endometriose. 

Ela também conta que sua rotina e sua saúde era um quebra-cabeça de tratamentos, frustrações e burocracias. As consequências foram além do físico: perdeu empregos por faltas constantes, se afastou da faculdade e viu momentos de lazer serem interrompidos por crises abruptas.  

Ingrid Raunaimer acredita que o Brasil precisa integrar mais os direitos trabalhistas com a política pública de saúde para que casos como os de Kizzy não sejam normalizados. A criação de campanhas de conscientização e a capacitação de profissionais de saúde são necessárias para garantir que os direitos previstos em lei cheguem de fato a quem precisa. 

No Brasil, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1.069/2023, que propõe incluir a endometriose como manifestação incapacitante no rol de doenças que dispensam o período de carência para a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Contudo, a concessão desses benefícios ainda dependerá da comprovação médica da incapacidade laboral, conforme os critérios estabelecidos pela Previdência Social. 

Visto que uma das maiores problemáticas desse quadro ginecológico é o diagnostico tardio, as políticas públicas ainda são insuficientes e imaturas.  Segundo a CNN, a média no Brasil é de 8 a 10 anos até a descoberta da doença, o que não só intensifica os sintomas, mas também a progressão da doença. 

Além de ser uma questão de saúde, a endometriose também é uma questão de direitos humanos. A Constituição prevê o direito à saúde, à dignidade da pessoa humana e à igualdade de gênero a todas as pessoas, sem distinção, conforme os artigos 1º, inciso III e 5º, no inciso I, respectivamente. O Brasil precisa assegurar que quem sofre com a endometriose não enfrente preconceitos ou penalizações por sua condição médica, implementando políticas públicas que permitam o acesso adequado à saúde e o cumprimento de seus direitos trabalhistas. 

 

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A profissão de professor é uma das mais afetadas por transtornos mentais. Entenda o que tem impactado a vida dessas pessoas
por
Guilbert Inácio
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19/05/2025 - 12h

Segundo pesquisa Atuação Docente em Múltiplas Escolas no Brasil, divulgada em 2024 pela Fundação Carlos Chagas (FCC), aproximadamente 460 mil professores e professoras da educação básica trabalham em mais de uma escola no país. Os dados acendem um alerta para o cuidado da saúde mental dessas pessoas.

Ao fundo há um quadro com ilustrações de gráficos. No centro da imagem, há uma mulher de óculos segurando papeis com a mão esquerda e com a mão direita no queixo, demonstrando cansaço. Ela está com ambos os cotovelos encostados em uma mesa, que tem um xícara e um notebook em cima.
Falta de tempo é algo recorrente no magistério / Fonte: Freepik

De acordo com o estudo, que usou dados do Censo Escolar 2023, docentes que atuam em jornadas extensas têm maiores chances de se ausentarem do trabalho por causa da saúde, em especial por questões psicológicas e relativas à voz, além de não conseguirem administrar o tempo, gerando estresse e menor participação em atividades coletivas, o que vai impactar diretamente na educação dos e das estudantes. 

Segundo a Pesquisa Saúde Mental dos Educadores, realizada pela Nova Escola, em 2022, 21,5% de educadores e educadoras consideravam sua saúde mental ruim ou muito ruim. As consequências mais citadas foram sentimentos intensos e frequentes de ansiedade (60,1%), baixo rendimento e cansaço excessivo (48,1%) e problemas com sono (41,1%). Para lidar com a pressão, 40,4% relataram que fazer atividade física ou ao ar livre pode ajudar e 36,8% destacam o contato com amigos e familiares que ofereçam apoio emocional. 

Exercícios físicos e contatos sociais requerem uma certa disponibilidade, porém o cenário atual não contribui. Os dados obtidos pela FCC mostram que a creche é o segmento com menor proporção de profissionais em mais de uma escola: 12,7%. Mas o número aumenta nas próximas fases, até chegar em 36,4% no Ensino Médio. 

A hipótese é que nos anos iniciais de ensino, as professoras – em sua maioria – são polivalentes e passam todo o turno com uma turma. Nos anos finais, os e as docentes são especialistas, lecionando, de acordo com sua formação, um ou dois componentes curriculares, portanto não passam todo o turno com uma mesma turma. Para cumprir a carga horária necessária, esse grupo assume várias classes, o que aumenta as chances de uma atuação em mais de uma escola. 

De acordo com o exemplo da nota técnica da FCC, um docente em uma jornada de 40h semanais, com um terço do tempo para as atividades extraclasse, leciona, no máximo, por 26 horas e 40 minutos por semana. Se considerar redes de ensino com aulas de 50 minutos e que o componente curricular só tenha duas aulas por semana, esse profissional pode chegar a lecionar 32 aulas por semana para 16 turmas diferentes.  

Se usarmos uma média de 30 alunos por turma, docentes, na situação do exemplo, dão aulas para 480 estudantes, o que significa uma alta demanda para quem vai ter que explicar a mesma coisa várias vezes, tirar dúvidas, corrigir lições e trabalhos, além de se deslocar entre as turmas e escolas. 

A partir da pesquisa, a FCC traçou o perfil de profissionais nessa situação - docentes do sexo masculino que lecionam disciplinas com menor carga curricular, como biologia, física, filosofia, entre outras. A hipótese levantada pela FCC sobre isso, é que há concentração de docentes masculinos na etapa em que isso mais ocorre, enquanto as mulheres estão mais distribuídas nas etapas de ensino - Censo Escolar 2022: 90% de docentes das creches e da educação infantil são mulheres. Além de que os dados demonstrem menor disponibilidade de tempo por parte das mulheres para acumular mais escolas, em comparação com os homens, tendo em vista que, segundo o IBGE 2024, mulheres dedicam quase o dobro das horas do que os homens, em média, para afazeres domésticos e cuidados familiares.

A ilustração apresenta um fundo cinza com os dizeres a frente: 29,8% de professores atuam em mais de uma escola (143.940 de 482.984) 16,8% de professoras atuam em mais de uma escola (364.364 de 1.871.210)
Recorte por gênero / Fonte: Fundação Carlos Chagas (FCC) / Arte: Guilbert Inácio

Em entrevista à AGEMT, o Dr. Marcelo Afonso Ribeiro, professor do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Serviço de Orientação Profissional (SOPI) e do Laboratório de Estudos do Trabalho e Orientação Profissional (LABOR) da USP, destacou que a saúde mental requer condições dignas de vida, respeito, reconhecimento e autonomia. “A falta de condições de trabalho com sobrecarga de tarefas, uma organização do trabalho centrada na produtividade e uma falta de reconhecimento social e econômico do professor tendem a levar ao adoecimento, não como condição individual, mas como resposta a este conjunto de condições insatisfatórias de trabalho.”, comenta o professor. 

Adoecimento profissional

Segundo Marcelo, os principais dilemas contemporâneos da profissão estão em três campos:

  • Questões pessoais e profissionais: Há falta de limite entre vida pessoal e profissional, insatisfação versus realização e falta de sentido no que faz. 

  • Questões estruturais e organizacionais: Falta de condições dignas de trabalho, ampliação e sobrecarga do trabalho, defasagem entre trabalho prescrito e trabalho real, assédio moral, demanda ao lidar com tecnologia e mundo digital, além de autorresponsabilização por problemas estruturais. 

  • Questões sociais: Falta de reconhecimento, declínio no discurso de autoridade, falta de autonomia, conflito entre o discurso de formador e doutrinador, pressão das famílias dos e das discentes e dos ambientes públicos.

Dados obtidos pela TV Globo, por meio da Lei de Acesso à Informação, revelam que no primeiro semestre de 2023, 20.173 docentes da rede estadual de São Paulo foram afastados do trabalho por questões relacionadas à saúde mental, como depressão, ansiedade e crise do pânico. Os dados demostram um aumento de 15% em comparação ao mesmo período de 2022 e que, em média, 112 profissionais são afastados por dia. Este ano, o G1 obteve, por meio da mesma lei, dados da Secretaria de Estado da Educação (Seduc-SP) que revelam que Campinas (SP) teve 3.421 docentes afastados por transtornos mentais de 2022 para cá. 

Cruzando os dados acima com a pesquisa da FCC, 12,9% da rede municipal de Campinas e 23,5% de docentes da rede estadual de São Paulo trabalham em múltiplas escolas. Segundo o Dr. Odair Furtado, professor de psicologia e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trabalho e Ação Social (NTAS) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), profissionais da educação básica recebem salários incompatíveis com a sua função social e por isso optam por uma dupla ou tripla jornada desumana para conseguirem sobreviver e isso é catastrófico. 

A questão salarial foi pauta do antigo Plano Nacional de Educação (PNE), 2014-2024, que tinha como meta equiparar, até 2024, a remuneração média de docentes com as demais profissões que requerem Ensino Superior. Contudo, o piso salarial atual (2025) para professores do ensino básico da rede pública é de R$ 4.867,77 para exercício de 40h mínimas; representando 68,6% de R$ 7.094,17; salário médio de uma pessoa com graduação, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

Devido à crise econômica, principalmente depois da pandemia, não só educadores, mas todas as profissões passaram por uma precarização. Dentre os fatores, Odair Furtado, aponta a crescente utilização da Inteligência Artificial (IA) nas atividades profissionais que aumentaram a produtividade, mas também a pressão em cima do trabalhador, que acumula estresse e, consequentemente, pode gerar ansiedade e depressão. “Trabalhadores sabem que se buscarem atendimento, são afastados do trabalho e isso leva, inexoravelmente, à demissão. Então, essas pessoas suportam até surtarem”, comenta o professor. 

O Brasil passa por uma epidemia de doenças relacionadas à saúde mental no ambiente profissional. De acordo com o Ministério da Previdência Social, em 2024, cerca de 470 mil trabalhadores foram afastados do emprego por causa de transtornos mentais. Os dados representam, em comparação com 2023, um aumento de 68% de licenças concedidas, além de ser o maior desde 2014. As duas doenças mais diagnosticadas foram ansiedade e depressão.

A ilustração demonstra um gráfico com os dados da Previdência Social sobre afastamentos do trabalho por causa de doenças mentais. O gráfico inicia em 2014 com 221.721 casos. Os dados caem em 2015 e sobem até 2018, quando voltam a cair até 2020. Após isso, os dados sobem muito rápido, chegando em 472.328, em 2024.
Dados do Ministério da Previdência Social / Arte: Guilbert Inácio 

Caminhos futuros 

No dia 26 de maio de 2025, riscos psicossociais serão incluídos na NR-1, norma que apresenta as diretrizes de saúde no ambiente do trabalho. Após a inclusão, o Ministério do Trabalho passa a fiscalizar os riscos psicossociais no processo de gestão de Segurança e Saúde no Trabalho (SST), o que pode acarretar penalizações às empresas, caso sejam identificadas questões como: 

  • Metas excessivas 

  • Jornadas extensas 

  • Ausência de suporte 

  • Assédio moral 

  • Conflitos interpessoais 

  • Falta de autonomia no trabalho 

  • Condições precárias de trabalho 

Quanto à valorização da carreira docente, em junho do ano passado, o novo PNE, 2024-2034, foi encaminhado ao Congresso Nacional. A pasta prevê 18 objetivos a serem cumpridos nos próximos dez anos. O Plano será prioridade da Bancada da Educação em 2025. 

Confira outras propostas defendidas pela Bancada ao longo do ano que dizem respeito à profissão:

Ilustração em formato de pergaminho na cor cinza. Há os dizeres: SNE - Sistema Nacional de Educação;  PEC 169/19- permite ao professor acumular cargos públicos,  PL 3628/2024 - visa garantir que as diretrizes já estabelecidas pela Lei nº 14.817 sejam implementadas em todo o país;  PL 2387/23 - inclui os professores de Educação Infantil como profissionais do magistério;  PL 3824/23 - estabelece a Política Nacional de Indução à Docência na Educação Básica
Projetos em tramitação / Arte: Guilbert Inácio ​​​​​​

Em janeiro de 2025, o Governo Federal lançou o programa Mais Professores, com o objetivo de incentivar estudantes a seguirem a carreira docente. Dentre as medidas está o Pé-de-Meia Licenciaturas que concedera uma bolsa mensal de R$1.050 por mês para quem tirar mais de 650 pontos no ENEM e ingressar na licenciatura via Sisu, Prouni ou Fies Social. 

A medida é um ponto importante para aumentar a atratividade da carreira, pois, em 2022, uma pesquisa do Instituto Semesp projetou que, em 2040, o Brasil enfrentará um “apagão” na educação básica - a projeção é de que faltarão 235 mil docentes nas escolas do país. 

Segundo Marcelo Afonso, para mudar o cenário de precarização da carreira docente, as políticas públicas precisam se centrar em: “valorizar mais o professor e a professora, oferecer melhores condições de trabalho, remunerar melhor, oferecer qualificação contínua e, acima de tudo, construir um ambiente de respeito para formação de seres humanos.”.

Primeiro de São Paulo e da América Latina, o Centro para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) foi aberto ao público no dia 02 de abril
por
Cecília Schwengber Leite
Laura Petroucic
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04/04/2025 - 12h

Na última quarta-feira, 02 de abril, foi inaugurado o primeiro Centro Municipal para Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (Centro TEA) da América Latina, nomeado em homenagem à ativista da causa, Dra. Marina Magro Beringhs Martinez. Localizado na zona norte da cidade de São Paulo, o Centro conta com uma equipe multidisciplinar composta por profissionais das áreas de psicologia, assistência social, fonoaudiologia, terapia ocupacional, nutrição, educação física, psicopedagogia e administração.

Fachada do Centro TEA.
Fachada do Centro TEA. Foto: site/canalautismo.com.br

O Centro é público e atenderá gratuitamente pessoas com TEA de todas as idades. De acordo com o Ministério da Saúde, há mais de 300 mil diagnosticados só no Estado de São Paulo. Estes cidadãos enfrentam não apenas o estigma e preconceito social, mas também o alto custo dos tratamentos e a falta de informação. Em entrevista à AGEMT, Renata Delluzzo, coordenadora de projetos e políticas de inclusão, defende que o Centro TEA “é inovador por não se tratar de uma clínica-escola, mas sim de um espaço de socialização que busca promover o acolhimento de pessoas com autismo e seus familiares, além de atender ao público profissional”. E acrescenta: "é a primeira vez que munícipes da cidade de São Paulo são contemplados dessa forma".

Muitas famílias não sabem quais terapias e atividades são necessárias para estimular o desenvolvimento da pessoa com TEA, e mesmo as que sabem muitas vezes sofrem com a falta de acessibilidade a tais serviços. Um dos objetivos do Centro é justamente criar uma comunidade para as famílias que não têm uma rede de apoio e/ou condição financeira. Com acesso a tratamento, exercícios e acompanhamento adequados, os indivíduos no espectro autista atendidos terão melhores condições para se desenvolver e incluírem-se na sociedade.

De acordo com informações do site da Prefeitura de São Paulo, “o Centro TEA será um espaço pioneiro dedicado ao desenvolvimento integral de autistas e seus familiares. Fundamentado em cinco eixos estratégicos – Cultura; Esportes; Formação; Trabalho e Empreendedorismo; Bem-Estar e Autonomia –, também promoverá a capacitação de profissionais da rede de atenção”. Para isso, sua estrutura conta com quadra poliesportiva, teatro, piscina, biblioteca, brinquedoteca, jardim sensorial, sala de informática, cozinha comunitária, entre outros ambientes.

Além do atendimento cotidiano, o Centro buscará realizar anualmente a Semana Municipal de Conscientização do Autismo; adquirir equipamentos de saúde e educação para fortalecimento do atendimento da pessoa com TEA na rede municipal; realizar 10.000 atendimentos em mutirões de serviços para pessoas com deficiência, famílias e cuidadores; criar novos indicadores relativos à pessoa com deficiência no Observatório Municipal da Pessoa com Deficiência; entre outras iniciativas.

Para Renata, “a criação do Centro TEA é um grande passo na atenção e no cuidado ao público com autismo”. Ela conta que, para somar ao espaço recém inaugurado, está prevista no Programa de Metas 2025/2028 da Prefeitura de São Paulo a construção de mais três Centros TEA, nas zonas Leste, Oeste e Sul.

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