Psiquiatras estão preocupados com jovens que fazem uso excessivo de vídeos curtos.
por
Martim Tarifa
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20/05/2025 - 12h

Segundo a psiquiatra Luciana Bagatella, estímulos gerados pelos vídeos liberam uma carga esgotadora de dopamina no cérebro. Uma carga tão grande acaba causando colapso nesse sistema, que agora exigirá estímulos mais intensos para alcançar o bem-estar, que antes era alcançado com estímulos muitos menores. “Assim, tarefas como trabalhar, estudar e praticar atividades físicas, ficam mais difíceis de serem desempenhadas”, afirmou Luciana.  

A Dra. alerta que os jovens podem ser os principais afetados, pois seu cérebro ainda está em desenvolvimento e eles são os principais usuários de redes sociais. Segundo ela, os vídeos têm impacto direto na saúde mental desses jovens: “Podem desenvolver transtornos psiquiátricos, tais como transtornos ansiosos, transtornos de humor, dependências, dentre outros.”  

Jovens entretidas por seus smartphones. Foto: Reprodução
Jovens entretidas por seus smartphones. Foto: Reprodução

O jovem de 17 anos Téo Lima desinstalou as redes sociais por conta dos vídeos curtos. Ele se deu conta que estava viciado e que o tempo que passava vendo vídeos curtos poderia ser mais aproveitado fazendo atividades mais úteis na opinião dele. Apesar de não se sentir afetado mentalmente, ele ouviu profissionais falando disso e desinstalou para se prevenir, porque não achava que aquele conteúdo contribuía em algo para sua vida. “Eu não queria ser afetado por esses vídeos, então desinstalei de forma preventiva”, disse ele.  

Sem mais vídeos curtos, Téo percebe que sente mais vontade de realizar outras atividades e aproveita mais seu dia. “Comecei a ler jornais, assistir programas de TV e ler mais livros do que eu lia antes.” No caso desse jovem, a informação foi fundamental para que ele percebesse como sua saúde mental estava vulnerável e decidisse parar de consumir esse tipo de conteúdo. 

Mas infelizmente, Téo é um caso raro, já que 41% dos usuários do TikTok no Brasil têm entre 16 e 24 anos.  Segundo o DataReportal o Brasil tem mais de 98 milhões de usuários ativos no TikTok, o que significaria mais de 40 milhões de jovens ativos no aplicativo.  

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Em sua quarta edição, ação reforça a importância da informação e do apoio às famílias
por
João Pedro Lindolfo
Lucca Andreoli
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04/06/2025 - 12h

 

Fotografia: Wellington Freitas  Reprodução/Instagram: @35elementos
Fotografia: Wellington Freitas 
Reprodução/Instagram: @35elementos

A caminhada de conscientização sobre a síndrome Cri Du Chat - ou Síndrome do Choro do Gato, uma alteração genética rara que afeta o desenvolvimento físico e intelectual - aconteceu no sábado (17), no Parque Villa Lobos, em São Paulo.

A doença, presente em uma a cada 50 mil pessoas, ocorre quando uma parte do cromossomo cinco é perdida, o que causa características como a face arredondada, olhos separados, mandíbula pequena, orelhas baixas e um choro agudo parecido com um miado de gato, de onde vem o apelido.

O diagnóstico é realizado através da genética clínica, com testes que avaliam os cromossomos, e o teste de FISH ou CGH-array, que detectam a deleção do cromossomo cinco.

A síndrome impacta diretamente a rotina das famílias, exigindo acompanhamento contínuo com diferentes especialistas. Por isso, a disseminação de informações confiáveis e o estímulo ao diagnóstico precoce são fundamentais para promover mais qualidade de vida às crianças e a quem cuida delas.

A importância do diagnóstico precoce vai além do aspecto clínico: ele abre caminhos para que as famílias se organizem emocionalmente e encontrem apoio em redes especializadas, fortalecendo a jornada de cuidado e inclusão. O conhecimento da síndrome, associado à troca de experiências entre famílias, é um passo decisivo para transformar desafios em conquistas diárias.

Em 2022 foi lançado o primeiro livro a respeito da síndrome no Brasil, intitulado de "Síndrome de Cri du Chat: mais amor, realidade e esperança” (EFeditores e Literare Books International, 264 págs., R$ 72), além de ser o ano da primeira edição da caminhada dedicada a pessoas que convivem com a síndrome.

A publicação veio a partir da vivência de famílias e do engajamento de profissionais que acompanham de perto os desafios do diagnóstico e do tratamento. O livro se tornou referência para quem busca compreender não só os aspectos clínicos da condição, mas também as realidades sociais, emocionais e educacionais enfrentadas por quem convive com ela.

Com entrevistas de profissionais médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e psicólogos, a obra de Sandra Doria Xavier, Fernando da Silva Xavier e Monica Levy Andersen traz também uma perspectiva que auxilia familiares e profissionais que trabalham com portadores da síndrome.

Capa do livro: Síndrome Cri Du Chat: mais amor, realidade e esperança  Instagram: @criduchatbrasil
Capa do livro: Síndrome Cri Du Chat: mais amor, realidade e esperança 
Instagram: @criduchatbrasil

A publicação do livro e a realização da caminhada refletem o compromisso com a visibilidade da condição. Ao longo dos últimos anos, a entidade tem promovido ações que unem acolhimento, informação e mobilização social, contribuindo para a construção de uma rede de apoio mais sólida e atuante.

Em meio a esse esforço coletivo, o aspecto emocional e comunitário da Caminhada se destaca. “Encontrar outras famílias na Caminhada Cri Du Chat é encontrar a sua tribo”, define Juliane Gehm, mãe do Martin. “É um momento onde todos podem ser livres para ser quem são!”

Agora em sua quarta edição, a “Caminhada Cri Du Chat 2025” apresentou uma programação com atividades inclusivas, como áreas sensoriais (massinha, slime, bolha de sabão), desenhos e pinturas, pinturas faciais e tatuagens de adesivo, além de recreação com palhaços e personagens infantis.

Através do ato de conscientização, familiares, profissionais e portadores trouxeram luz ao tema. 

Segundo a neuropsicóloga Bianca Balbueno, a estimulação precoce é a chave: “Nos primeiros anos de vida, o cérebro da criança está num pico de neuroplasticidade, ou seja, a capacidade de aprendizagem é mais potente neste período, sendo assim, a estimulação precoce aproveita essa fase para promover o desenvolvimento de áreas centrais, como motor, cognitivo e social.” 

“Intervenção precoce promove o desenvolvimento redirecionando e fortalecendo trilhas de aprendizagem que podem estar em risco, especialmente em casos de alterações do neurodesenvolvimento”, ela acrescenta. 

Essa também foi a percepção de Lilian Lima, engenheira de software e mãe do Heitor Monteiro Lima, de 7 anos. O diagnóstico veio aos 19 dias de vida e aos 30 dias ele já iniciou a fisioterapia. “Com 2 anos e 9 meses ele andou. Hoje ele corre, chuta bola, arremessa para a cesta, ensaia quicar e treina saques de vôlei”, conta Lilian. Ela lembra que, no início, havia muitos medos — do desconhecido, do futuro e de como seria criar um filho com um prognóstico tão incerto. Mas reforça que o acesso a terapias e os estímulos desde cedo fizeram toda a diferença. “A fisioterapia foi essencial nos primeiros anos de vida, e os estímulos fizeram toda a diferença.”

Ainda sobre o plano de tratamento, Bianca afirma que deve ser individualizado “pois cada criança terá uma necessidade diferente, mesmo tendo o mesmo diagnóstico. Leva-se em consideração não apenas características da síndrome, mas áreas gerais de desenvolvimento, comportamentos desafiadores, excessos e déficits comportamentais, bem como a rede de apoio da família e o suporte fornecido pela escola”.

Participantes exploram atividades sensoriais durante a Caminhada. Fotografia: Wellington Freitas Reprodução/Instagram: @35elementos
Participantes exploram atividades sensoriais durante a Caminhada.
Fotografia: Wellington Freitas
Reprodução/Instagram: @35elementos
Caminhada tem presença de personagens infantis e momentos de interação Imagem: Wellington Freitas  Reprodução/Instagram: @35elementos
Caminhada tem presença de personagens infantis e momentos de interação
Imagem: Wellington Freitas 
Reprodução/Instagram: @35elementos
Espaço de desenho e pintura incentiva a criatividade  Fotografia: Wellington Freitas  Instagram: @35elementos
Espaço de desenho e pintura incentiva a criatividade 
Fotografia: Wellington Freitas 
Instagram: @35elementos
Cabo de guerra e outras dinâmicas de grupo promovem inclusão  Fotografia: Wellington Freitas  Instagram: @35elementos
Cabo de guerra e outras dinâmicas de grupo promovem inclusão 
Fotografia: Wellington Freitas 
Instagram: @35elementos

 

Após dois anos da concessão pública, Pérola Byington tem conflitos na administração da Organização Social Seconci
por
Daniella Ramos
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15/05/2025 - 12h

O Centro de Referência em Saúde da Mulher, do estado de São Paulo, trocou a humanização no atendimento pelo cumprimento de metas a serem batidas. Isso é o que garantem os funcionários que acompanharam a mudança vivida pelo hospital nos últimos três anos.

Em setembro de 2022, o Hospital Pérola Byington mudou de nome e local. Foi da Avenida Brigadeiro Luís Antônio, na região central, para a Avenida Rio Branco, nos Campos Elíseos, região conhecida como Cracolândia. E passou a se chamar “Hospital da Mulher”.

Após concessão do Estado para a Seconci, o local passou a ser uma Parceria Público-Privada (PPP). A enfermeira Denise Souza, funcionária pública que continua no hospital após a privatização, relata que no Pérola havia um comprometimento com um atendimento mais humanizado aos paciente, mas a atual organização social se preocupa mais com as metas que devem ser batidas pelos funcionários.

“Na primeira vez, achei tudo muito bonito e limpo, apesar das pessoas em situação de rua ao redor do hospital”, afirma Áurea Suda, tia de uma paciente em início de tratamento. Ela reclama da falta de assentos na recepção para aguardar atendimento.

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Fachada do Hospital da Mulher na Avenida Rio Branco. Foto: Daniella Ramos


Hoje, o hospital ainda atende pelo SUS. Após a PPP, funcionários públicos e privados passaram a trabalhar juntos. O número de leitos de UTI quadruplicou e essa melhoria veio junto ao aumento de cirurgias para bater metas, segundo relato de Denise. No Pérola Byington, havia apenas 5 leitos, o que quase causou a morte da paciente Edma Dias, internada para remoção de um nódulo. Ela relata ter ido mais de 3 vezes para o centro cirúrgico: "voltava, pois não conseguia realizar a cirurgia devido à falta de leito de UTI".

Denise ainda diz sentir falta de trabalhar em um hospital de referência como o Pérola Byington. Ela lamenta que o atual Hospital da Mulher ainda não tenha conquistado o destaque devido. “A notoriedade não é feita apenas com equipamentos, temos que contar com uma boa gestão da Organização”, reitera a enfermeira. 

Entramos em contato com a assessoria da Secretaria da Saúde, mas não tivemos retorno até a publicação da matéria.

 

 

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Entenda os danos causados por fake news sobre a alimentação
por
Laura Petroucic
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08/05/2025 - 12h

Com o acesso ilimitado à internet, atualmente é fácil encontrar informações sobre nutrição. Basta um clique para que as pessoas se informem sobre dietas e calorias pelo Instagram, TikTok ou X (antigoTwitter). Mas é preciso tomar muito cuidado com a fonte desses dados. Clickbaits como “arroz dá câncer”, “o açúcar das frutas faz mal” e “emagreça cinco quilos tomando essa sopa” parecem absurdos, porém muitas pessoas acabam tomando essas frases como verdadeiras. A nutricionista Fernanda Zanon, em entrevista à AGEMT, explica: “Informações nutricionais falsas podem levar a deficiências nutricionais, problemas hormonais e queda de imunidade”. E acrescenta: "os danos de misturar desinformação com alimentação não são apenas físicos, mas também psicológicos. A relação com a comida fica deturpada e confusa, podendo até gerar distúrbios alimentares em pessoas que buscavam melhorar sua alimentação", explica Zanon.

Um dos grandes responsáveis pela onda de desinformação nutricional são influenciadores com milhões de seguidores que, mesmo sem nenhuma formação na área, fazem postagens indicando dietas e produtos sem eficácia comprovada. Vitaminas e chás milagrosos são vendidos sem nenhum tipo de fiscalização por parte das big techs — e quem sofre o prejuízo são os consumidores.

E por que as pessoas compartilham esse tipo de desinformação na internet? Fernanda afirma que "algumas dessas pessoas acreditam porque tiveram alguma experiência pessoal que funcionou para elas — e acabam generalizando, como se aquilo fosse uma verdade universal. O que funciona para um pode ser prejudicial para outro. Outras, infelizmente, estão mais interessadas em ganhar visibilidade e engajamento, mesmo sabendo que o que divulgam não tem respaldo científico”, diz. 

Fernanda também comenta sobre o motivo de a população preferir buscar soluções online: “ainda existe uma barreira de acesso, seja por questões financeiras, falta de informação ou até pela ideia de que só se deve procurar um nutricionista quando se quer emagrecer. Isso faz com que muita gente recorra à internet em busca de respostas rápidas e fáceis — o famoso milagre!”. Em um país cuja acessibilidade à saúde ainda é segregada, a conscientização sobre o impacto negativo da desinformação é essencial para criar um ambiente mais seguro e saudável para todos, como aponta Fernanda. 

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Políticas públicas devem assegurar o direto à saúde de quem sofrem com essa condição, ainda pouco estudada
por
Khadijah Calil
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28/04/2025 - 12h

A regulamentação da Lei 32/2025, sancionada em 27 de março em Portugal, representa o reconhecimento dos direitos das pessoas com endometriose. A nova legislação estabelece que quem tiver o diagnóstico da doença têm direito a até três dias de faltas mensais justificadas no trabalho ou na escola, sem prejuízo da remuneração e de outros direitos trabalhistas ou estudantis. Segundo o Diário da República, a norma entra em vigor a partir de abril deste ano e requer a apresentação de um laudo médico mensal para ter sua ausência abonada.  

O contexto social em que essa regulamentação surge é o de enfrentamento a preconceitos relacionados à menstruação e à saúde reprodutiva das pessoas com útero. De acordo com o portal SciElo em um estudo sobre os efeitos da masculinidade tóxica, o machismo estrutural, entendido como um fenômeno social que se manifesta por meio de normas, práticas e instituições, gera estigmas de fragilidade ou incapacidade sobre quem enfrenta esses sintomas. Servindo de exemplo para outros países, a nova medida portuguesa rompe com a lógica de que essas pessoas devem se adaptar ao ambiente de trabalho sem levar em consideração suas condições de saúde.  

A advogada brasileira e especialista trabalhista Ingrid Raunaimer, explica algumas das medidas descritas na nova lei estrangeira: respeitar os afastamentos devidamente justificados por motivos de saúde, incluindo aqueles relacionados ao ciclo menstrual, sem retaliações ou descontos indevidos; garantir o sigilo e respeito à intimidade, evitando constrangimentos; criar políticas internas de acolhimento e orientação para promover um ambiente livre de preconceitos; e adotar uma abordagem inclusiva, considerando medidas como flexibilidade de horários, possibilidade de trabalho remoto ou reposição de aulas/atividades, sempre que possível. 

“Essa regulamentação é, portanto, não apenas um instrumento jurídico, mas também um marco simbólico e político, pois reconhece que dores menstruais incapacitantes não devem ser normalizadas e nem ignoradas em nenhum lugar do mundo”, explica Ingrid. 

Cenário Brasileiro  

O ginecologista Thiago Pareja, membro da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Estado de São Paulo, explica que a endometriose afeta cerca de 10% das pessoas que menstruam e estão em idade reprodutiva no Brasil, o que representa aproximadamente 8 milhões de pacientes. A doença, caracterizada pela presença de tecido endometrial fora do útero, pode causar dor intensa, infertilidade e outros sintomas debilitantes, comprometendo significativamente a qualidade de vida de quem recebe o diagnóstico. 

Kizzy Novicov Silva, ex-agente de turismo e paciente com endometriose, compartilha sua experiência com o SUS e o INSS. Após três processos de afastamento, Kizzy recorreu à ajuda de um advogado para provar sua incapacidade de trabalhar devido à doença. “É desumano ter que provar sua dor para quem nunca a sentiu”, afirmou a paciente, que passou por sete cirurgias sem conseguir alívio para a dor crônica da endometriose. 

Ela também conta que sua rotina e sua saúde era um quebra-cabeça de tratamentos, frustrações e burocracias. As consequências foram além do físico: perdeu empregos por faltas constantes, se afastou da faculdade e viu momentos de lazer serem interrompidos por crises abruptas.  

Ingrid Raunaimer acredita que o Brasil precisa integrar mais os direitos trabalhistas com a política pública de saúde para que casos como os de Kizzy não sejam normalizados. A criação de campanhas de conscientização e a capacitação de profissionais de saúde são necessárias para garantir que os direitos previstos em lei cheguem de fato a quem precisa. 

No Brasil, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1.069/2023, que propõe incluir a endometriose como manifestação incapacitante no rol de doenças que dispensam o período de carência para a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Contudo, a concessão desses benefícios ainda dependerá da comprovação médica da incapacidade laboral, conforme os critérios estabelecidos pela Previdência Social. 

Visto que uma das maiores problemáticas desse quadro ginecológico é o diagnostico tardio, as políticas públicas ainda são insuficientes e imaturas.  Segundo a CNN, a média no Brasil é de 8 a 10 anos até a descoberta da doença, o que não só intensifica os sintomas, mas também a progressão da doença. 

Além de ser uma questão de saúde, a endometriose também é uma questão de direitos humanos. A Constituição prevê o direito à saúde, à dignidade da pessoa humana e à igualdade de gênero a todas as pessoas, sem distinção, conforme os artigos 1º, inciso III e 5º, no inciso I, respectivamente. O Brasil precisa assegurar que quem sofre com a endometriose não enfrente preconceitos ou penalizações por sua condição médica, implementando políticas públicas que permitam o acesso adequado à saúde e o cumprimento de seus direitos trabalhistas. 

 

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Para além de desafios científicos, programas de planejamento familiar frequentemente ignoram a necessidade de inclusão dos homens nas decisões reprodutivas
por
Laura Mariano
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23/10/2024 - 12h

Desde da década de 1960, esforços têm sido feitos para desenvolver um método contraceptivo masculino que seja reversível e possua uma eficácia comparável, ou até superior, à da pílula anticoncepcional. Contudo, até o presente momento, esse produto não chegou ao mercado. Ainda que a pesquisa sobre contraceptivos masculinos seja conduzida desde a introdução dos métodos contraceptivos femininos à população, os métodos convencionais de contracepção continuam predominantemente focados no controle da fertilidade das mulheres.

As razões abrangem desde os desafios fisiológicos do sistema reprodutivo masculino, uma vez que isso implica na redução das taxas de testosterona, podendo levar a problemas de função erétil e incapacidade de conceber, até a insuficiente dedicação por parte da indústria farmacêutica e aos estigmas associados aos diversos métodos potenciais, sejam eles baseados em hormônios ou de natureza de bloqueio, como exemplificado pelo Risug — Inibição Reversível do Esperma sob Orientação: um conceito que atraiu interesse desde o início de suas pesquisas nos anos 1970.

Dessa ideia, surgiu o Risug que injeta um polímero — popularmente conhecido como gel, chamado SMA (anidrido maleico de estireno) — no canal do deferente que, próximo à bolsa escrotal, inibe a passagem do fluido espermático local. Como alternativa, o procedimento promete, de acordo com estudos em modelos animais, esterilidade em até 10 anos.

O Instituto Indiano de Tecnologia (IIT), que estuda o procedimento com SMA, divulgou que os testes estão em estágio avançado e o Risug estaria disponível para a população. Isto é, caso haja a liberação dos órgãos reguladores de cada país, como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), no Brasil. A injeção contraceptiva chegaria ao mercado valendo, em média, R$400,00, segundo o IIT.

O médico urologista do Centro de Medicina Sexual do Hospital Sírio Libanês, Celso Gromatsky, explicou que existe a possibilidade de reversibilidade do procedimento através de uma nova injeção no deferente, com uma mistura de bicarbonato de sódio e ácido dinitrosalicílico (DNS), um composto de moléculas redutoras.

“O gel atua na motilidade do esperma. Então, o indivíduo vai ejacular normalmente, só não vai conter espermatozoide. Há uma semelhança com a vasectomia, ou seja, o mecanismo é mais ou menos o mesmo, a diferença é que a reversibilidade do Risug é mais simples”, afirma Gromatsky.

Métodos contraceptivos espalhados com um fundo rosa
Nova método contraceptivo masculino foi eficaz em reduzir a fertilidade em testes do Instituto Indiano - Fonte: Freepik
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Mesmo assim, não parece a solução perfeita. Os espermatozoides ainda conseguem ultrapassar a barreira, e quando entram em contato com SMA, após uma transformação química, acabam sofrendo defeitos morfológicos, fragmentação do DNA e habilidade e fertilização prejudicada. Para além disso, os métodos propostos à população masculina ainda apresentam taxas de insucesso, além dos riscos de reversão, infertilidade e obstruções locais. 

A partir do momento em que os primeiros estudos sobre esse assunto foram divulgados, os pesquisadores enfrentam desafios para introduzir os medicamentos na indústria farmacêutica, dado que a taxa de eficácia se destaca como um fator de risco significativo. Ao analisar os resultados, a pílula anticoncepcional feminina, por exemplo, emerge como um dos métodos mais seguros quando utilizado de forma adequada, demonstrando uma eficácia de 99,9% dos casos.

“É muito caro produzir medicamentos, ainda mais quando falamos de uma situação na qual existem métodos muito mais efetivos. A pílula feminina, por exemplo, tem um perfil de segurança e um custo benefício maior, né? Tem que ser um produto que seja tão eficaz e tão seguro quanto, para ser lançado ao mercado”, afirma Erick José Ramo da Silva, doutor em Farmacologia e professor do Departamento de Biofísica e Farmacologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).

A sociedade contemporânea está mais inclinada a deixar a responsabilidade de controle da reprodução para mulheres. Uma possível razão para essa situação é que, em sua grande maioria, a determinação da fertilidade é conduzida pelas mulheres, uma vez que são elas que enfrentam os riscos associados à gravidez e desempenham predominantemente o papel principal na criação dos filhos. Como resultado, a maioria dos métodos contraceptivos é voltada para o público feminino, deixando apenas três opções disponíveis para o público masculino: preservativo, vasectomia e o método de retirada.

“Estamos no século XXI, a vasectomia existe há mais de um século e existem homens que acreditam que o procedimento impactaria no desempenho sexual. Por isso, o advento do anticoncepcional masculino no mercado possibilita compartilhar a responsabilidade da gravidez de forma igualitária entre parceiro e parceira”, pondera Celso Gromatsky. 

No presente, em que se enfatiza tanto a necessidade de os homens assumirem suas responsabilidades reprodutivas, fica mais evidente essa lacuna de conhecimento e cada vez mais evidente a reivindicação da participação masculina no mérito da reprodução, bem como sua percepção acerca dos diferentes papéis de gênero em relação às decisões sobre quando ter relação sexual e uma gravidez.

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Segundo secretário de Polícia Civil do Rio, erro nos resultados dos testes tinha objetivo de obter lucro
por
Laura Mariano
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14/10/2024 - 12h

 

A Polícia Civil do Rio de Janeiro iniciou nesta segunda-feira (14) uma operação que investiga o laboratório PCS-Saleme. A empresa é apontada como responsável pelo erro que provocou a infecção por HIV em seis pacientes após o transplante de órgãos infectados.


Os agentes prenderam duas pessoas envolvidas na emissão de laudos falsos que resultaram no transplante de órgãos infectados com HIV. As prisões de Walter Vieira, médico ginecologista e sócio do Laboratório PCS-Saleme; e Ivanilson Fernandes, técnico do laboratório, foram resultado da primeira fase da operação “Verum”, realizada pela Delegacia do Consumidor (DECON).

“As informações iniciais, colhidas até o momento, dão conta de que houve uma falha operacional de controle de qualidade nos testes aplicados ao diagnóstico de HIV. E tudo isso com o objetivo de obter lucro”, afirmou o secretário de Polícia Civil, Felipe Curi, em coletiva nesta segunda-feira (14).

Segundo as investigações, a análise das amostras deixou de ser realizada diariamente para se tornar semanal para diminuir os custos. A questão contratual com o laboratório também está sendo investigada pela Polícia Civil.

O outro sócio do laboratório, Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira, filho de Walter, se apresentou à polícia para prestar depoimento. Ao todo, onze mandados de busca e apreensão foram expedidos pela Justiça do Rio de Janeiro. Duas pessoas estão foragidas.


“Assim que tive conhecimento sobre os casos, determinei a apuração imediata dos fatos. Todos os envolvidos estão sendo investigados e os culpados serão punidos com o rigor da lei. Esse crime atenta contra todo o estado, e daremos uma resposta dura”, declarou o governador Cláudio Castro.

Em nota, o Laboratório PCS Saleme afirmou que Walter Vieira, em depoimento nesta segunda-feira (14), disse que a sindicância interna do laboratório apontou falha humana na transcrição dos resultados de dois testes de HIV. 

“A defesa dele e de Mateus Vieira repudia com veemência a insinuação de que existiria um esquema criminoso para forjar laudos no laboratório, que atua no mercado desde 1969. A defesa confia que, após os esclarecimentos prestados por Walter, a Justiça entenderá desnecessário mantê-lo preso”, diz o posicionamento da defesa.

“O laboratório reafirma que dará todo suporte necessário às vitimas assim que tiver acesso oficial à identidade delas; e que está à disposição das autoridades que investigam o caso”, finaliza a nota. 

autoridades da policia civil sentadas a mesa durante uma coletiva de imprensa
Coletiva de imprensa sobre a operação contra envolvidos em contaminação de transplantados por HIV - Fotos: Rafael Campos (Polícia Civil)

Entenda o caso


No dia 10 de setembro, um paciente que fez um transplante de coração foi ao hospital com sintomas neurológicos e teve o resultado para HIV positivo — ele afirmou que não tinha o vírus antes.

A partir daí, as autoridades refizeram todo o processo e chegaram aos exames feitos pelo PCS-Saleme com resultado falso negativo. O doador infectado morreu em 23 de janeiro, aos 28 anos, no Hospital Municipal Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias.

Foram doados os rins, o fígado, o coração e a córnea. Todos foram testados, de acordo com o laboratório PCS, e não reagentes para HIV. Sempre que um órgão é doado, uma amostra é guardada. A SES-RJ, então, fez uma contraprova do material e identificou o HIV.

Em paralelo, a pasta rastreou os demais receptores e confirmou que dois doadores tiveram exames com falsos negativos no laboratório. Ao todo, foram duas pessoas que receberam os rins testaram positivo para o HIV; a paciente que recebeu o fígado morreu pouco depois do transplante, mas o quadro dela já era grave, e a morte não teria relação com o HIV. Um paciente recebeu a córnea, que não é tão vascularizada, e testou negativo.

No dia 3 de outubro, outro transplantado apresentou sintomas neurológicos e testou positivo para HIV. Essa pessoa também não tinha o vírus antes da cirurgia.

Na última sexta-feira (11), a Polícia Civil informou que investigava o caso. O Ministério Público do Rio de Janeiro também instaurou um inquérito para apurar as infecções. O objetivo é identificar os responsáveis pela emissão de laudos falsos que resultaram no transplante de órgãos infectados com HIV. A investigação ainda suspeita que o laboratório tenha falsificado laudos em outros casos.

A Secretaria de Estado de Saúde (SES-RJ) contratou o laboratório PCS-Saleme para realizar os exames dos doadores de órgãos a partir de dezembro de 2023. Ao todo, até agora, seis pessoas foram infectadas por HIV após passarem por transplantes de órgãos na rede pública de saúde do Rio de Janeiro.

De acordo com a secretaria, todos os exames de sorologia dos doadores deste laboratório foram transferidos para o HemoRio, uma unidade de saúde estadual, que vai retestar o material armazenado de 286 doadores.

A polícia investiga ainda se o PCS-Saleme falsificou laudos em outros casos além dos transplantes. A unidade atendia outras 10 unidades de saúde estadual.

As autoridades também chegaram a outro exame errado, o de uma doadora no dia 25 de maio deste ano. Uma mulher de 40 anos morreu no Hospital Municipal Albert Schweitzer, em Realengo, e teve os rins e fígado doados. Os exames na PCS haviam dado negativo, mas a contraprova constatou que os três receptores dos órgãos dela haviam sido infectados.


O laboratório Patologia Clínica Doutor Saleme (PCS-Saleme) tem como sócios dois parentes do ex-secretário estadual de Saúde do estado, Doutor Luizinho, atualmente deputado federal e líder do Partido Progressistas (PP) na Câmara. Na época, os parentes de Luizinho chegaram a fazer campanha para a candidatura dele para o Legislativo — são eles Walter Vieira, casado com a tia do deputado; Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira, primo de Luizinho.


Em nota, o deputado disse que jamais participou da contratação de qualquer laboratório e lamentou o ocorrido — Luizinho deixou a secretaria três meses antes de o laboratório ser contratado.

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A saúde mental dos universitários tem sido um tema cada vez mais urgente nos debates atuais
por
Victória Toral
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26/09/2024 - 12h

 

A transição para a vida adulta, marcada pela entrada na universidade e a busca por independência financeira, é um período que desencadeia em muitos jovens uma crise psicológica. A pressão pela excelência e o não entendimento de que errar é humano estão criando jovens com transtornos mentais que se não diagnosticados e tratados de forma correta, geram adultos ansiosos, estressados e depressivos. 


O advogado João Victor de Oliveira Silva, atualmente especialista em Direito à Saúde e Direito dos Autistas e PCDs, compartilhou sua história contra a depressão, em entrevista à Agemt. 
Em 2017, após alcançar todas as metas que havia traçado para a faculdade, incluindo estágios, pesquisas e prêmios, o jovem se deparou com uma realidade inesperada: a infelicidade diante das conquistas. 


Após o diagnóstico do transtorno mental, João contou que interrompeu seus estudos e buscou tratamento psicológico e psiquiátrico.“Tive, além de apoio familiar e de amigos próximos, o apoio dos meus superiores no trabalho.”
Após um ano de tratamento, ele percebeu que seu maior desafio era o perfeccionismo em suas conquistas. “Mesmo quando eu atingia meus objetivos, se eu não tivesse feito como planejei, não comemorava, mas sim me criticava. Como quando passei na OAB, eu não tinha o material que queria para estudar, e passei mesmo assim, mas não fiquei satisfeito.” 


Essa busca incessante pela excelência, comum entre muitos jovens, pode levar a altos níveis de estresse e ansiedade.
No período de transição para a vida adulta, ocorrem grandes mudanças na vida: a entrada na universidade e a busca por independência, com a criação e o desenvolvimento profissional, entre outros fatores que influenciam a incidência de transtornos mentais.


A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a saúde mental como um estado de bem-estar que permite ao indivíduo usar suas habilidades, recuperar-se do estresse, ser produtivo e contribuir com a comunidade. 
Um estudo realizado pela organização, conhecido como World Mental Health Survey, revelou que 35% dos universitários de diversos países apresentam sintomas de ansiedade ou depressão.


O estudo conduzido pela psicóloga Giovanna Belei Miyazaki, especialista em análise comportamental de Rio Preto, mestre e doutora em Psicologia pela FAMERP, revela dados sobre a prevalência de transtornos como ansiedade e depressão entre os jovens universitários.


A pesquisa de Miyazaki embasa o estudo da OMS e analisa universitários desde o primeiro ano, de faculdades públicas e privadas de São José do Rio Preto. Segundo a especialista, por mais que estudantes de universidades privadas apresentassem níveis mais altos de ansiedade em comparação com os de instituições públicas, todos tinham ou estavam desenvolvendo algum tipo de transtorno mental, como estresse ou depressão.


No entanto, ela ressalta que a intervenção precoce pode fazer toda a diferença. "Nosso estudo mostrou que um programa de intervenção no início do curso pode melhorar significativamente o bem-estar mental dos estudantes e até mesmo prevenir o agravamento de problemas", afirma à Agemt.

 

um a cada três universitários tem problemas de saúde mental, segundo a OMS. Foto: Beatriz Toral.
Um a cada três universitários tem problemas de saúde mental, segundo a OMS. Foto: Beatriz Toral.


Como identificar os sinais de alerta?


João Victor contou ainda que durante o período pré tratamento, seu comportamento social mudou. O consumo de bebidas alcoólicas durante eventos sociais tornou-se mais frequente. Além também de utilizar o período de descanso para que pudesse trabalhar mais. 
A identificação precoce dos transtornos mentais é fundamental para um tratamento eficaz. Segundo a especialista Miyazaki, é importante estar atento para mudanças de comportamento, como perda de interesse em atividades antes prazerosas, isolamento social, alterações no sono e no apetite, e aumento do consumo de álcool ou outras drogas.


"Ansiedade, depressão e estresse são rótulos que damos para mudanças de comportamento", explica a psicóloga. 
Ela completa: "A ansiedade, por exemplo, se caracteriza por uma preocupação excessiva e sintomas físicos como taquicardia e sudorese. Já a depressão se manifesta pela perda de prazer nas atividades, tristeza profunda e falta de energia. E o estresse, é um transtorno complexo, porque ele envolve um estado de alerta, mas para coisas específicas".  


A importância do diagnóstico e tratamento


Durante o período de tratamento, João buscou escrever. Ele produziu o livro “Amarelo: Diálogo com a depressão”, que surgiu por meio destes textos, “Amarelo não é um livro sobre depressão e suicídio, mas um livro feito em depressão e pela ideia de suicídio. 
O advogado contou que seu foco não foi que o livro ficasse famoso, mas apenas expressar o que estava sentindo e se conhecer ainda mais.


É fundamental buscar ajuda profissional para um diagnóstico preciso e tratamento adequado. A psicóloga ressalta a importância de desmistificar os transtornos mentais e incentivar as pessoas a procurarem ajuda.
A saúde mental é tão importante quanto a saúde física e com o tratamento adequado, é possível superar os desafios e viver uma vida mais plena e feliz. 


Se você ou alguém próximo estiver precisando de ajuda é importante buscar por uma psicoterapia. O atendimento também pode ser feito pelo Sistema Único de Saúde, pelo Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), que encaminhará um psicólogo gratuito. Em momentos de crise, é possível também entrar em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV)  pelo telefone 188, disponível 24 horas por dia. 

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Medicamentos hipnóticos e indutores do sono se tornaram muito atrativos nos últimos tempos
por
Alice Di Biase
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24/09/2024 - 12h

Por Alice Di Biase

 

Após o "boa noite" de Renata e Bonner no Jornal Nacional, a televisão é desligada e Fernanda inicia seus preparos para dormir. Com muita calma, escova os dentes e passa seus cremes faciais. Ao entrar no quarto, seu marido já está na cama, cansada, se deita também. As luzes são apagadas, e ao fechar os olhos, sente seu coração acelerar. Os pequenos barulhos como estalo da geladeira, um cachorro latindo ou um carro passando na rua, parecem ensurdecedores em meio ao silêncio que a noite traz. E lá se vão horas esperando o adormecer, se revirando de um lado para o outro e quando finalmente consegue pegar no sono, é logo interrompido pelo ronco de seu marido ou um ruído vindo do apartamento de cima. 

Essa era a experiência de Fernanda Martins em relação ao sono, com 56 anos, é comum, como sintoma da menopausa, a dificuldade para dormir ou até mesmo a insônia. Um estudo com mais de 6 mil mulheres divulgado na revista científica Maturitas, revelou que 46,3% das mulheres com 45 anos ou mais (que passam ou já passaram pela menopausa) relatavam sono de má qualidade ou insônia, com queixas de acordar no meio da madrugada e não conseguir retomar o sono. Para dona Eunice, o sono também é uma dificuldade e um momento de tensão em sua rotina. Diz que a pior hora do dia para é a noite. Se pudesse, não dormia nunca, conta. Eunice está com 88 anos, e pela idade avançada não tem a mesma disposição que antes. Acompanhada de uma cuidadora, sua rotina consiste em leituras, conversas ao telefone e assistir televisão. Pela rotina pacata, não despende a quantidade de energia necessária para sentir cansaço ao fim do dia, então, passa horas a fio tentando adormecer e acorda por volta das 6 da manhã, reiniciando o ciclo.  

Essas duas mulheres têm algo em comum: além da dificuldade de dormir, ambas iniciaram um tratamento para insônia a base de indutores do sono. Fernanda utiliza o Hemitartarato de Zolpidem – mais conhecido como Zolpidem – há um ano e meio. O medicamento foi prescrito por seu ginecologista acompanhado da reposição hormonal para amenizar os sintomas de menopausa. 

O que é e como funciona o Zolpidem 

O Zolpidem é um remédio hipnótico indicado para tratar a insônia, de acordo com a bula, o objetivo é encurtar o tempo de indução ao sono e reduzir o número de despertares noturnos. Ele atua nos receptores GABA (ácido gama-aminobutírico) – neurotransmissor que atua como um mensageiro químico, responsável por reduzir a atividade do sistema nervoso central, que promove o relaxamento e sono.  Quando dormimos naturalmente, esse processo acontece aos poucos, o cérebro vai relaxando e se desconectando da realidade, até entrarmos no estado de sono. O Zolpidem faz isso, mas de maneira quase imediata. 

Hemitartarato de Zolpidem
Medicamento genérico - Hemitartarato de Zolpidem

 

Disponível no Brasil há mais de 30 anos no mercado brasileiro, a procura pelo medicamento cresceu abruptamente nos últimos anos. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2018, foram comercializadas 13,8 milhões de caixas de Zolpidem. Em 2020, primeiro ano da pandemia da Covid-19, foram 23,3 milhões. Após a pandemia os números diminuíram, porém continuaram altos, ultrapassando as 20 milhões de caixas em 2022. 

Para Gabriela dos Santos Salvador, psicóloga especializada em Terapia Cognitiva Comportamental (TCC) e foco em distúrbios do sono, a busca por indutores do sono retrata uma sociedade imediatista e cada vez mais agitada. Ela afirma que o aumento do consumo, especificamente, de Zolpidem pode ser atribuído à busca rápida por alívio dos sintomas, à facilidade de prescrição, que existia até agosto desse ano, além da percepção de que os medicamentos podem solucionar rapidamente o problema do sono. É possível pensar também que esse aumento reflete uma sociedade que, muitas vezes, não tem paciência ou acesso a tratamentos psicoterapêuticos que levam mais tempo, mas que são eficazes a longo prazo.

Gabriela dos Santos
Gabriela dos Santos Salvador

 

A percepção de Fernanda se relaciona ao apontamento da psicóloga que entende que o tratamento da insônia é amplo e envolve mudanças de hábitos, mas alimentação, atividade física, yoga e meditação são coisas que demandam tempo e dinheiro.

Dificuldade para adormecer

A insônia é uma doença multifatorial. Pode ser pontual ou crônica. Por isso mesmo, ela precisa ser tratada em sua causa para que o (a) paciente passe a dormir bem e tenha uma melhora geral da sua saúde. Os medicamentos, são um apoio para períodos determinados – e não a solução para o problema. De acordo com o Instituto do Sono de São Paulo, os brasileiros estão dormindo cerca de 1h30min a menos, do que em 1990: são só 6h30min por noite e mais de 70 milhões de brasileiros têm algum grau de insônia. 

A psicóloga do sono relaciona a dificuldade para dormir com o estilo de vida atual, que nos deixa mais ansiosos. Outra questão que observa em sua prática é o aumento dos casos de "ansiedade do sono", em que a preocupação excessiva com o ato de dormir torna-se uma barreira para o próprio sono, além das preocupações com o dia seguinte, trabalho, tarefas etc. Ainda destaca o isolamento social, trabalho remoto e mudanças nas rotinas do dia a dia também como fatores que têm interferido no ritmo circadiano de muitas pessoas. A somatória de diversos fatores como rotina estressante, isolamento social (realidade de muitos que realizam trabalho remoto) e o modelo de sociedade imediatista e ansioso, contribuem para o aumento da procura de “soluções rápidas”, não só de hipnóticos e ansiolíticos, mas também de medicamentos isentos de qualquer prescrição como: melatonina e fitoterápicos.  

Quebrando o ciclo 

O aumento acelerado da procura por Zolpidem, com casos de automedicação, dependência química e o surgimento do comércio ilegal da droga foram alguns dos motivos pelos quais a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu ter mais controle sobre a prescrição e venda da substância, tornando-a um medicamento controlado (o famoso ‘tarja preta’) a partir em agosto deste ano. Assim, para ter acesso ao tratamento, os pacientes precisam apresentar uma receita azul. 

Essa mudança, além de restringir o acesso da população ao medicamento, como também demanda uma maior responsabilidade do médico em suas prescrições. E, também, estimula a procura por outras formas de tratar a insônia, como a Terapia Cognitiva Comportamental. A Terapia Cognitivo-Comportamental para Insônia (TCC-I) é reconhecida como uma das abordagens mais eficazes, para o tratamento da insônia crônica. Com o objetivo de identificar e modificar pensamentos e comportamentos que perpetuam a insônia, utilizando técnicas como psicoeducação, controle de estímulos, restrição do sono, reestruturação. 

Grabriela, especialista em TCC-I, vê a mudança como um sinal de que é possível tratar o sono com mais reponsabilidade. Ela observa as pessoas e os profissionais de saúde mais conscientes sobre os riscos quanto ao uso indiscriminado de medicamentos, principalmente o Zolpidem. Isso sugere um movimento para tratamentos não farmacológicos. Destaca as abordagens psicológicas, como primeiro recurso, principalmente a TCC- I, sem esquecer que a insônia deve ser tratada por equipe multiprofissional, sendo o uso de medicamentos cada vez mais criterioso, avaliando cada caso e como parte desse tratamento.   

 

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Um mergulho nas comunidades on-line que promovem a anorexia
por
Giovanna Takamatsu
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24/09/2024 - 12h

Por Giovanna Takamatsu

 

Eram quase 17h00min, quando a luz do pôr-do-sol  bateu diretamente nos cabelos da cor Borgonha de Ana que pareciam estar em chamas. Ela, uma menina alta, magra, estilosa, estava vestindo um suéter vermelho vivo. Ela se senta, e começa a comentar sobre assuntos do cotidiano: faculdade, clima, bienal do livro... e então, fala sobre uma experiência que chama atenção. Anorexia, ela confirma. Por causa de blogs pró-ana. Essa declaração veio de forma abrupta. Sem trepidação, ela admite que já havia passado pelas turbulências de um distúrbio alimentar. E, ainda mais, estimulada por uma comunidade on-line

Não é segredo – ou pelo menos, não deveria ser - que existem centenas de “associações” espalhadas pelas redes sociais, que discutem os mais diversos temas. Algumas totalmente ilegais, como as que fazem apologia ao nazismo. Outras nem tão ilegais, mas certamente, imorais. Então talvez não seja um choque saber que existem grupos dedicados somente a uma coisa: estimular o desenvolvimento de transtornos alimentares. O mais famoso deles é o pró-ana, uma máscara para o termo “pró-anorexia”, que, muitas vezes, vem acompanhado de sua irmã caçula a pró-mia, ou pró-bulimia. 

Tudo começou no Tumblr, uma rede social popular entre adolescentes que se declaravam “amantes da cultura alternativa”. Antes da mudança da regulamentação do aplicativo, em 2018, era possível explorar vários assuntos obscuros sem nenhuma censura. Automutilação, pornografia, consumo de drogas e transtornos alimentares eram tópicos que podiam ser facilmente consumidos pelos usuários, sem nenhum tipo de limitação, além de serem glorificados pelas comunidades. Ana se autointitulou como uma adolescente alternativa, que consumia conteúdos “cults”, como a banda Arctic Monkeys e a cantora Fiona Apple. Por causa disso, utilizava o Tumblr. Enquanto estava utilizando a rede social, algumas postagens da comunidade pró-ana começaram a aparecer em sua timeline: fotos de corpos esqueléticos, ou então posts que incentivam não comer. Talvez isso não seja algo atraente para todos nós, mas para Ana – e diversas outras pessoas, especialmente, adolescentes – é algo que começa a virar um alvo. A magreza extrema começa a ser algo desejado. 

blog pro-ana
Exemplos de blogs pró-ana. Em sua biografia, o usuário coloca seu peso inicial (SW), peso atual (CW), peso desejado (GW) e peso objetivo final (UGW). Imagem: Reprodução/Tumblr/@fatphobiabusters
blog proana2
Exemplos de blogs pró-ana. Traduzido livremente como “faminto por perfeição”, que possui duplo sentindo, estimulando usuários a desenvolverem magreza extrema. Imagem: Reprodução/Tumblr/@fatphobiabusters

Ao tentar entender o porquê do apelo por atingir um corpo esquelético, Ana explica que queria duas coisas. Ela sempre foi magra, mas queria mais; queria ser o que as fotos mostravam. E queria atenção. Queria ficar tão magra que seria necessário ser internada no hospital e tomar soro. Isso não é exclusivo de Ana. Em uma conversa com a psicóloga Teresa Müller, especialista em comportamento e transtornos alimentares, ela conta que meninas adolescentes são as mais atingidas pela anorexia. Quando paramos para pensar, estamos inseridos em uma sociedade gordofóbica. A grande mídia tem histórico de endeusar modelos extremamente magras. Nas redes sociais, quanto mais uma pessoa é magra, mais bonita e saudável ela é. Qualquer um que aparente ser “acima do peso” e foge do padrão já é taxado como feio e é lhe atribuído a diversos problemas de saúde. Essa pressão de possuir uma imagem bonita é fator importante – talvez não o principal, já que a anorexia é multicausal – para o desenvolvimento e manutenção desse transtorno. 

revista profana
A atriz Priscila Fantin na capa da revista Capricho, edição de julho de 2002. Retratada como uma pessoa fora do padrão de magreza. 

Além de desejar um corpo diferente do seu, Ana conta que também tinha problemas com a imagem que via no espelho. Mesmo tendo a plena consciência que era uma pessoa magra, ela se reconhecia como gorda e torta; se via maior do que realmente era em fotos e no espelho. E isso apenas estimulou ainda mais a busca por um corpo esquelético. A distorção corporal, ou dismorfia – o que estava acontecendo com Ana - segundo Müller, é comum no quadro de anorexia nervosa. A paciente anoréxica, na maioria das vezes, não consegue ver – ou simplesmente não quer ver – que está realmente magra, pelo medo de sair do quadro desse transtorno, ou então, da recuperação. 

 

A comunidade pró-ana

 

Ana resume em poucas palavras o que, efetivamente, acontecia dentro dessas organizações: tough love (traduzido livremente como amor duro), agressividade passiva, estímulos para não comer e bodychecks/thinspo (fotos que mostram o quão magra uma pessoa estava). Ana chama bastante atenção para a agressividade passiva. Os usuários do pró-ana competem entre si para ver quem é mais magro. Por isso, muitos deles colocam, em suas biografias, o seu peso atual. Muitas coisas dentro dessas comunidades se resumem a essa palavra: competição. E essa competição é a chave da manutenção da anorexia.

blog profana
Um blog pró-ana. Entre as postagens estão receitas para emagrecer, frases motivacionais e rotinas de exercícios. 

Teresa Müller explica que existe essa rivalidade no peso, mas também na quantidade de comida consumida por cada um. Por exemplo, se um usuário postar que sua dieta consiste em 3 maçãs por dia, outro usuário vê aquilo, e começa a ser sua prioridade ter uma dieta que seja apenas 2 maçãs por dia.

blog proana
A modelo Bella Hadid, figura polêmica por sua magreza, em seu Tumblr, realizando um “bodycheck”. 

A busca por um corpo perfeito talvez nunca saia de moda. Foi introduzido, socialmente, um modelo de corpo que todas as mulheres devem ter como alvo. Essas comunidades on-line somente estimulam a procura insalubre pela figura ideal.  Após várias reclamações, a rede social Tumblr retirou do ar vários conteúdos explícitos. Mas isso não matou a comunidade pró-ana; ao invés disso, ela migrou para outras redes, como TikTok e X (ex-twitter). Algumas mudanças foram feitas, para se encaixar nas regras dessas outras redes, como o seu nome – que passou a ser conhecido como edtt (eating disorder twitter ou twitter de transtorno alimentar) – e deixou de ser tão explícito, como era no Tumblr. E uma pergunta aparentemente retórica, extraída de um blog pró-ana, trazia a resposta: "mereço estar sozinha, solteira, mal amada e afins enquanto estiver gorda".  

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