Apontada como uma ferramenta no combate às mudanças climáticas, a nuclearização envolve questões colaterais complexas
por
Vítor Nhoatto
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30/05/2025 - 12h

O setor de energia respondeu em 2024 por 68% de toda a emissão de CO2 no mundo, segundo relatório da United Nations Environment Programme (UNEP). O gás é o principal causador do aquecimento global e precisa diminuir drasticamente nos próximos anos, apontando para a necessidade da chamada transição energética e descarbonização. Mudar a forma como se produz energia é um desafio, e a nuclearização ressurge como uma possível resposta.

A produção de energia a partir de material nuclear é antiga, e de forma simplificada funciona em algumas etapas. O combustível radioativo (urânio) tem seus átomos divididos no processo de fissão, liberando uma grande quantidade de energia que aquece a água em torno do reator e o vapor gerado acaba movimentando turbinas na usina que geram a energia. 

O que chama a atenção para a modalidade é a produção de grandes quantidades de energia com pouco material e baixa pegada de carbono em comparação aos combustíveis fósseis. De acordo com dados de 2020 da German Environment Agency levantados pela organização holandesa fundada em 1978, World Information Service on Energy (WISE), para cada Kwh gerado por usinas nucleares, cerca de 117 gramas de CO2 são emitidos. No caso do carvão e do gás natural as médias giram em torno de 950 e 440 gramas respectivamente. 

Cláudio Geraldo Schön, doutor em Ciências Naturais pela Universität de Dortmund, mestre em Engenharia Metalúrgica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor titular na instituição destaca o potencial e a evolução nuclear com o passar dos anos. "Expandi-la poderia substituir as usinas termelétricas, diminuindo a geração de gases de efeito estufa [...] “o processo é continuamente atualizado, e resulta em avanços mesmo sendo uma tecnologia consolidada”.

Foi na extinta União Soviética que a primeira usina nuclear para uso doméstico começou a funcionar para contextualização, a Obninsk em 1954. Em seguida vieram outras, como a de Calder Hall no Reino Unido em 1956 e Shippingport nos Estados Unidos da América (EUA) em 1957. No Brasil, a usina Angra I foi a pioneira, com operações iniciadas em 1985.

Cinza e não verde

No entanto, o cinzento urânio traz um efeito não tão expressivo. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), se a capacidade de produção nuclear triplicasse, a redução na emissão de CO2 do setor de energia seria cerca de apenas 6% devido principalmente à grande quantidade de carbono liberada na construção de reatores e usinas, que exigem grandes quantidades de recursos e décadas até começarem a funcionar, e para a mineração do urânio também. 

Além disso, a pegada de carbono das principais fontes renováveis de produção de energia são bem mais baixas que a nuclear. Ainda de acordo com o levantamento de 2020 da German Environment Agency, no caso da solar, cada Kwh emite algo em torno de 30 gramas de CO2, para a eólica a cifra é inferior a 10 e para a hidrelétrica de apenas 4 aproximadamente. 

Para o especialista sênior em energia nuclear e integrante da WISE International, Jan Haverkamp, a energia nuclear não é efetiva e nem tem a emergência climática como foco. “O uso do argumento climático é uma cobertura para outros interesses [...] os países com uso tradicional de energia nuclear não a desenvolveram devido às alterações climáticas, o fator inicial foi militar como EUA, China, Rússia e Brasil. Já para outros países era um sinal de importância, como no caso da Romênia, Bulgária e Coreia do Sul. Ou ainda visando a redução da dependência do petróleo como na Alemanha e Reino Unido, ou ainda uma tentativa fracassada de desenvolver uma fonte barata de energia como na Suécia e Canadá”.

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Última usina nuclear na Alemanha começou a ser demolida em 2023, mas novo governo de extrema-direita avalia reativar a base; “resumindo, para alguns é geopolítica” comenta Jan Haverkamp - Foto: Thomas Frey / DPA / Picture Alliance

Atualmente existem 437 reatores nucleares em funcionamento no mundo, que representam 14% de toda a energia gerada no mundo, de acordo com a World Nuclear Association (WNA). Os EUA ocupam a primeira posição do ranking com 96 unidades, com França, China e Rússia em seguida com 56, 55 e 37 cada, respectivamente. O país asiático tem planos inclusive de se tornar uma potência nuclear, e até 2035 ter o dobro da capacidade atual dos EUA. 

No caso do Brasil, a geração nuclear responde por apenas 2% da matriz energética, produzidos nas usinas Angra I e Angra II. Ambas fazem parte da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, ao lado da Angra III, ainda em obras, e o complexo começou a ser construído durante a ditadura militar no país.  

Aquilino Senra Martinez, doutor em Ciências da Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia da Presidência da República explica as nuances da modalidade: “O seu uso para geração de eletricidade depende do contexto de cada país. Em lugares com alta demanda e poucos recursos renováveis, a sua expansão pode ser estratégica. No cenário das mudanças climáticas, ela não pode ser descartada, mas também não deve ser tratada como solução única".

Com dimensões continentais e clima tropical, o Brasil se destaca no cenário mundial justamente pelo seu potencial de produção energética renovável, e hoje é referência no quesito. O Balanço Energético Nacional (BEN) de 2024, feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em parceria com Ministério de Minas e Energia (MME), constatou que foi de 49% o índice de energia proveniente de fontes renováveis. 

Mesmo assim, no fim do ano passado a usina Angra I teve seu licenciamento para operação renovado por mais 20 anos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão do Governo Federal, e demandará investimento de R$3,2 bilhões nos próximos 3 anos. A continuação das obras de Angra III seguem em análise, mesmo com a administradora das usinas, a empresa de capital misto Eletronuclear, tendo uma dívida de R$6,3 bilhões com a Caixa e o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). 

As operações no terceiro reator foram paralisadas em 2015 e voltaram somente em 2022 após reajuste do orçamento, com 65% das obras concluídas. Isso demandou um investimento até então de R$7,8 bilhões, e apesar da conclusão não ter sido incluída no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) anunciado em 2023, estima-se cerca de R$20 bilhões necessários para tal.

Para Rárisson Sampaio, porta-voz da Frente de Transição Energética do Greenpeace Brasil, essas cifras revelam como a nuclearização desvia dinheiro necessário das fontes renováveis e ameaça um desenvolvimento sustentável e acessível. “O investimento em usinas nucleares não se conecta com a realidade do país, que poderia direcionar tais recursos para outras áreas, fortalecendo políticas como o Luz para Todos, que garante acesso a fontes de energia limpa, segura e barata, combatendo a pobreza energética e alinhando-se aos ODS da Agenda 2030”, diz Sampaio. 

Criado em 2003, o programa do Governo federal tem como intuito universalizar o acesso à energia no país, especialmente em áreas afastadas e periféricas e já impactou 17,5 milhões de pessoas. Para essa nova fase, uma das frentes é justamente possibilitar a instalação de placas solares em domicílios de baixa renda. 

Jan Haverkamp, da WISE, defende como em muitos países o investimento na energia nuclear desvia efetivamente o foco e dinheiro para medidas concretas no combate às mudanças climáticas, o que não é verídico: “As fontes de energia renováveis ​​produzem atualmente mais energia do que a nuclear em todo o mundo, e essa quantidade continua aumentando. A geração nuclear está mais ou menos estável há 3 décadas. A Finlândia, por exemplo, está atrasada na implementação de energia eólica desde que decidiu construir a usina Olkiluoto 3, que sofreu um atraso significativo”.

Segurança x planejamento

De acordo com estimativas de 2024 da Agência Internacional de Energia, a demanda energética global aumentará 4% ao ano entre 2024 e 2025, cifra bem maior que os 2,5% registrados em 2023. Os principais impulsionadores serão o maior uso de ar-condicionado devido justamente às mudanças climáticas, a progressiva eletrificação da frota de veículos, imprescindível na descarbonização do setor, e pelo avanço das Inteligências Artificiais (IA). 

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Demanda por energia pelas big techs só cresce, tal qual o uso de água potável para resfriamento dos computadores, o que aponta para uma necessidade de consciência ao usar IAs e a internet -  Foto: Microsoft / Divulgação

Os data centers deverão mais que duplicar as suas necessidades de energia até 2030 segundo a AIE, ultrapassando em alguns anos a energia consumida pelo Japão. Corroborando com esses indicativos, o Ministério de Minas e Energias realizou um estudo que aponta para um aumento de 25% na necessidade de produção energética brasileira até 2034. Nesse cenário, uma questão levantada na transição energética é a segurança e expansão necessárias para a manutenção sadia da sociedade.

Carlos Schön argumenta sobre o papel da energia nuclear, portanto, e as questões em relação ao clima: “Nós produzimos muita energia, mas ainda é pouco considerando o tamanho do país [...] a energia nuclear é a principal aliada das fontes renováveis, justamente porque essas dependem de fatores extrínsecos (sol na geração fotovoltaica, vento na geração eólica) que por sua própria natureza são flutuantes”.

Uma vez extraído do solo, o urânio pode abastecer por décadas uma usina nuclear, as quais em média podem funcionar por 40 anos, com a possibilidade de extensão, como no caso de Angra I, em funcionamento desde 1985 e renovada até 2044. Tudo isso acontece também sem depender de fatores externos como o vento, que pode danificar as hélices das turbinas eólicas, as nuvens que afetam a produção solar e a variação dos reservatórios que impactam as hidrelétricas. 

Contudo, Ana Fabiola Leite Almeida, professora do Departamento de Engenharia Mecânica e Produção da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Mestre em Química pela instituição, destaca que o problema reside no planejamento energético. Mesmo que a produção diminua, é algo manejável com vontade. “O risco não está nas renováveis em si, mas na falta de planejamento. Em cenários críticos, pode haver queda média de 20 a 40% na produção energética dependendo da região, mas com previsibilidade climática, diversificação geográfica e sistemas híbridos conseguimos mitigar esses efeitos”, explica Almeida.

Em períodos como de ondas de calor em que a demanda energética aumenta, fontes como as termelétricas passam a ter maior participação na produção de energia, e como são mais caras que as hidrelétricas, a conta de luz pressiona o bolso da população. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no acumulado de 2023 o aumento na tarifa foi de 9,52%, bem acima da inflação, de 4,62% no mesmo período. 

Relatório de 2024 do Tribunal de Contas da União (TCU) em parceria com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Empresa de Pesquisa Energética aponta que a nuclearização não resolveria justamente essa questão. A energia nuclear produzida em Angra III aumentará em 2,9% a conta de luz por ano e custará à população até 77 bilhões em despesas na contratação se a obra for concluída.

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“Existe todo um investimento que pode ser perdido, mas não justifica a continuidade de Angra III. É o resultado do  mal planejamento e desalinhamento com a política energética aponta Rarisson do Greenpeace - Foto: Eletrobras / Divulgação

O mesmo estudo do TCU destaca que as despesas com a obra “parada” chegam a R$2 bilhões por ano e uma desistência definitiva custaria cerca de R$13 bilhões, menos que o montante necessário para conclusão. Países como Áustria, Portugal e Dinamarca não classificam a energia nuclear como uma fonte limpa, e Itália e mais recentemente Alemanha, desativaram seus reatores ainda em funcionamento.

No caso do Brasil em relação ao setor de energias, as renováveis se destacam em várias frentes. Segundo o “Atlas Eólico” de 2022 do governo do Espírito Santo em parceria com a Embaixada Alemã, o potencial de geração pelo vento somente no estado é de 160 GWh, quase um terço da demanda anual do país hoje.

A energia solar também é outro enorme potencial, levando em consideração que o Brasil é o país que mais recebe irradiação solar no mundo, até então desperdiçado. Em 2023 a companhia de consultoria BloombergNEF apontou que se as políticas de incentivo à modalidade permanecerem iguais, em 2050 a capacidade de geração será de 121 GW por ano. Na ocasião, o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), Ronaldo Koloszuk, defendeu que isso pode acontecer ainda em 2040 com apoio e expansão do setor. 

Ana Fabiola destaca: "O Brasil tem um dos maiores potenciais renováveis do mundo, mas para isso precisamos investir em inovação, infraestrutura de rede, armazenamento e educação técnica [...] é preciso ter suporte de armazenamento, interligação entre regiões e tecnologias de resposta à demanda. As fontes renováveis podem sim suprir a demanda crescente se houver vontade política e investimento contínuo", afirma. 

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Maior parque solar do mundo fica em Minas Gerais e foi inaugurado em 2023, fazendo com que a capacidade do estado chegue a 8 GW por ano - Foto: Solatio / Divulgação

Potencial radioativo denso

Falando em demandas futuras e recursos para sanar problemas sem gerar mais, uma outra implicação da energia nuclear gira em torno dos resíduos perigosos da atividade. A World Nuclear Association aponta que o resíduo nuclear equivalente à demanda de uma pessoa por um ano é do tamanho de um tijolo. Pode não parecer tanto de início, mas o problema está na radioatividade do material. 

A meia vida do urânio 235, o tempo que o material leva para se desintegrar e deixar de ser extremamente radioativo, gira em torno de 700 milhões de anos. Durante esse tempo as substâncias líquidas e sólidas precisam ficar armazenadas e isoladas do mundo, seja em reservatórios subterrâneos, piscinas gigantes ou toneis de chumbo. Não existe hoje uma solução para esse material, e como os primeiros usos são do século passado apenas, respostas sobre o comportamento dele também não foram encontradas. 

Isso em si já acende um alerta pois relega uma questão das gerações passadas às futuras, e a possível fuga de material radioativo das usinas pode colocar em risco a segurança nacional com a produção de bombas. Mas olhando para a história mais uma vez, a situação se complica. Em 1986 ocorreu na atual Ucrânia o famigerado desastre nuclear de Chernobyl, zona até hoje inabitável. A explosão da usina contaminou uma área de milhares de quilômetros ao seu redor, causou milhares de mortes e adoeceu os que resistiram. Um caso mais recente foi em Fukushima no Japão em 2011, que apesar de menor e diferente, reforça o cuidado exigido. 

Aquilino Senra afirma que a questão é muito relevante no debate atual, mas avanços foram feitos e que não deve ser a única levada em consideração: “É essencial que seja considerado dentro de um contexto histórico e tecnológico, à luz dos avanços obtidos nas décadas subsequentes e da comparação com outras fontes de geração de energia, como as fontes fósseis, que também provocam milhares de mortes anuais em decorrência da poluição atmosférica”.

A Organização das Nações Unidas estima que por ano a poluição atmosférica mata entre 7 e 8 milhões de pessoas ao redor do mundo. Somente no ano de 2021, 8,1 milhões de pessoas morreram, além do fator contribuir decisivamente para o desenvolvimento de câncer de pulmão e doenças respiratórias. 

Fazendas de turbinas eólicas, sítios de placas solares e usinas hidrelétricas também estão sujeitas a acidentes e impactam o meio ambiente, mas em um grau muito menor. Além dos grandes desastres, existe a possibilidade de vazamento de material radioativo. No Brasil, por exemplo, a Comissão Nacional de Energia Nuclear constatou um caso em 2022 na unidade de Angra I, no qual a água contaminada chegou ao mar. Na ocasião, a Eletronuclear foi multada em mais de R$2 milhões de reais pelo órgão

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ONG fez protestos em frente a usina de Angra I e relembrou o desejo ilegal de milhões de litros de água contaminada pela usina em 1986 - Foto: Greenpeace Brasil / Divulgação

Rárisson do Greenpeace destaca: “a energia nuclear não tem lugar em um futuro seguro, limpo e sustentável. A energia nuclear é cara e perigosa. Apesar de oferecer energia não intermitente, há outras soluções no país que podem ser mais eficientes, seguras e baratas [...] só porque a poluição nuclear é invisível não significa que seja limpa, nessa conta toda, a energia nuclear é inexpressiva”.

Mesmo assim, nos últimos anos empresas e nomes do vale do silício floresceram no cenário da nuclearização em defesa dos chamados Small Modular Reactors (SMR), em tradução livre, pequenos reatores modulares. Segundo a Agência Internacional de Energia, as unidades menores podem ser uma solução para a demanda crescente por energia dos data centers, e por serem menores, construídos em uma fábrica e depois enviados ao local de destino, podem baratear os custos.

Com um tempo de construção diminuído para cerca de 5 anos em comparação aos reatores convencionais e cinco vezes menores em tamanho, o primeiro SMR instalado no mundo data de 2023 na China, o Linglong One. A capacidade do reator será de 1 GW quando entrar em operação regular segundo a Corporação Nacional de Energia Nuclear da China. Mesmo assim, de acordo um estudo independente da Universidade de Stanford que avaliou os dados preliminares da empresa norte-americana NuScale Power, mais lixo radiativo é gerado e há maior dispersão de energia no interior dos SMRs.

Os principais projetos na área ainda vão levar tempo também, com expectativa de começarem a operar em meados da próxima década apenas, como o da britânica Rolls Royce. Ainda existe a startup de Bill Gates, Terra Power, com expectativa que o seu reator em Wyoming, o estado menos populoso do país, entre em operação no começo de 2030. No entanto, nessa data as emissões de CO2 na atmosfera já deverão ter caído 42% para que o aquecimento fique em 1,5 graus celsius de acordo com o relatório de 2024 da United Nations Environment Programme.

 “Não é surpresa que tecno-oligarcas como Gates, Musk, Zuckerberg e Bezos sejam especialmente atraídos pelas ideias por trás de pequenos reatores nucleares modulares. Mas eles não percebem que essas tecnologias são fundamentalmente diferentes da internet ou mesmo das estruturas de energia renovável, incluindo armazenamento, com custos mais elevados em comparação com sistemas totalmente renováveis, tempos de desenvolvimento muito mais longos e sérios riscos”, alerta Jan Haverkamp da WISE International.

Esclarecendo dúvidas sobre os riscos em uma conversa com Luiz Padulla
por
Clara Dell'Armelina
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05/05/2025 - 12h

O mundo está farto de plástico. Estão presentes em utensílios, móveis, roupas e, agora, também nos alimentos, mas não para por aí, estudos recentes, como o feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), comprovam a existência de plástico acumulado no corpo humano. Estamos falando de microplásticos, pequenas partículas de plástico com dimensões inferiores a 5 milímetros causadoras de danos tóxicos aos seres vivos. 

A presença de plástico nos oceanos foi detectada pela primeira vez na década de 70 e só em 2004, com o pesquisador Richard Thompson, que tivemos o conhecimento dos "microplásticos". Entre 2010 e 2020 foi quando  identificaram a presença de microplástico em toda a cadeia alimentar, mas só a partir de 2023 que as pesquisas se voltaram para mapear seus impactos na saúde humana. O professor, biólogo, doutor e autor do blog "Biólogo Socialista", Luiz Fernando Padulla, conversa sobre o assunto com a repórter da AGEMT. Confira!

Pressão do governo Trump sobre instituições de ensino provoca medo sobre fuga de cientistas
por
João Paulo Moura
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05/05/2025 - 12h

Instabilidade é um rótulo que nenhuma nação deseja carregar. Seja na economia ou na educação, viver em um lugar de incertezas gera apreensão a todos. E, embora Donald Trump tenha recém completado 100 dias no cargo de presidente, graças às medidas adotadas, os cientistas se encontram em um mar de insegurança nunca vivido nestas últimas décadas. Columbia, Princeton e a Universidade da Pensilvânia sofreram com os cortes e ameaças de Donald Trump. Columbia teve US$ 400 milhões em subsídios federais suspensos devido à casos de assédio a estudantes judeus. Harvard foi uma das universidades que negou as demandas da Casa Branca.

Em consequência, no dia 14 de março, o Departamento de Educação anunciou o congelamento de US$ 2,3 bilhões em subsídios para a instituição. "Uma das grandes vantagens comparativas que os EUA tinha era sua capacidade de atração e fixação de cérebros de pesquisadores de outros países, principalmente do Sul Geopolítico”, diz Cristina Pecequilo, doutora em ciência política pela USP e professora de relações internacionais da UNIFESP. Assim, se os EUA deixarem de ser atrativos, os pesquisadores se moverão a outras nações, e com isso haverá uma perda de conhecimento de ponta”, ressalta Pecequilo em entrevista à AGEMT.    

As ações tomadas pelo governo Trump provocaram um temor generalizado entre os cientistas com medo de uma possível fuga de cérebros. O termo se refere ao processo de migração de pesquisadores, cientistas e profissionais altamente qualificados. Em pesquisa realizada pela revista Nature, dos 2000 pesquisadores consultados no levantamento, 75% consideram sair do país nos próximos anos. Desde que assumiu a presidência dos Estados Unidos no dia 20 de janeiro e, em seu primeiro dia de mandato, revogou 78 ordens executivas do governo anterior, retirou o país da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do acordo de Paris. Durante os três meses seguintes, as ações tomadas pelo governo se intensificaram, principalmente no setor econômico.  

Donald Trump segurando decreto no salão oval da casa branca
Donald Trump exibe decreto assinado no dia 20 de janeiro. Foto: Anna Moneymaker/Getty Images 

No dia 2 de abril, intitulado pelos republicanos como o “dia da libertação”, iniciou-se uma guerra comercial entre os EUA e o mundo. Com a meta de corrigir o déficit comercial internacional do país, o governo norte-americano impôs taxas a 185 países. As altas porcentagens geraram respostas das nações, principalmente por parte da China que revidou com um grande pacote de alíquotas sobre as commodities americanas. Mas as medidas não pararam somente no setor econômico. Dentro das universidades do país, o temor do corte de financiamento e da fiscalização do conteúdo dos cursos aumentou.

A tensão entre o governo Trump e as instituições de ensino superior se elevou a partir do mês de março. Investigações de programas de diversidade e inclusão foram abertas em 45 universidades, com exigências sobre a auditoria de conteúdos e as condutas de alunos em favor da Palestina. Em resposta a esse cenário, instituições e países ao redor do mundo começaram a se movimentar para atrair os cientistas que se encontram nos EUA. A Universidade de Aix-Marselha, localizada na França, lançou uma iniciativa chamada Safe Place for Science, que investirá 15 milhões de euros para apoiar 15 pesquisadores. A União Europeia lançou a campanha Choose Europe for Science, como um refúgio para a liberdade acadêmica. Bélgica, Holanda e países nórdicos vêm oferecendo bolsas e infraestrutura de ponta para pesquisadores norte-americanos. 

Além das universidades europeias, China e Índia se consolidam como potenciais concorrentes dos pesquisadores estadunidenses. “Eu destacaria a China como uma potencial concorrente, até porque basta lembrar que todos estes outros países, principalmente a França tem problemas com forças políticas conservadoras anticiência. Além dela, mencionaria igualmente a Índia, que tem investido pesadamente em ciência e tecnologia”, completa Pecequilo. 

Nos últimos anos, a China despontou como a líder mundial em número de artigos científicos publicados. Segundo Ministério de Ciência e Tecnologia da China, em 2024, o país destinou mais de US$ 496 bilhões para pesquisa e desenvolvimento. Esse valor corresponde a 2,68% do Produto Interno Bruto (PIB) chinês, sendo o segundo maior investidor mundial em pesquisas, atrás apenas dos Estados Unidos. 

A Índia também tem se destacado como uma potência emergente em ciência e tecnologia, apesar de ainda apresentar desafios estruturais. O país investe 0,64% de seu PIB em pesquisa e desenvolvimento. Entretanto, esse investimento tem crescido de forma constante, dobrando na última década. O governo indiano é o principal financiador, respondendo por mais da metade do total, com destaque para agências como o DRDO (Defesa), o Departamento de Espaço e o Departamento de Energia Atômica. 

Apesar das incertezas internas e das ameaças que pairam sobre o sistema científico dos Estados Unidos, a ciência mundial está encontrando novos centros. Essa reconfiguração global do conhecimento pode redefinir o papel dos EUA como epicentro da inovação e da produção científica.

Documentário I’m Not a Robot instiga o telespectador a refletir sobre a evolução das máquinas
por
Vítor Nhoatto
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08/04/2025 - 12h

Não sou um robô, uma etapa de checagem comum ao navegar na internet e uma sentença obviamente verdadeira, ou talvez não. O curta-metragem de co-produção holandesa e belga de mesmo nome, problematiza o chamado teste Captcha, quando a protagonista Lara (Ellen Parren, produtora musical, entra em uma crise existencial ao não conseguir provar sua humanidade.

Logo de cara o enredo de Victoria Warmerdam, também diretora da obra,  pode parecer apenas cômico, e a interpretação de Parren colabora para essa atmosfera. Os diálogos curtos e a indignação diante de uma suposta certeza de Lara prendem a atenção do telespectador ao fazer com que haja identificação com a situação. Provavelmente todos nós já erramos um destes testes simples em algum momento.

A história com pouco mais de 20 minutos continua com a indicação que a personagem tem a chance de ser 87% um robô, segundo um quiz online, e a essência incômoda da ficção científica começa a reluzir. Conversas entre humano e máquina existem há cerca de 60 anos, com a criação do chatbot Eliza, e com o avançar dos anos é cada vez mais comum, de fato.

Seja aquele número para marcar consultas ou o serviço de atendimento ao cliente das operadoras, a Inteligência Artificial rodeia as esferas da vida cotidiana e vem evoluindo rapidamente. Tome como exemplo o robô humanoide que já foi capa de revista e é considerada cidadã saudita, Sophia, da Hanson Robotics desenvolvido em 2015. Ou ainda os influencers virtuais com milhões de seguidores do Instagram hoje como a carismática Lu da empresa de varejo brasileira, Magazine Luiza.

Robô Sophia
Sophia foi inclusive ao Talk Show do apresentador norte-americano Jimmy Fallon - Foto: Hanson Robotics / Divulgação

Parece que a barreira entre o físico e digital, natural e artificial vem sendo quebrada, como aborda a obra de Margareth Boarini, “Dos humanos aos humanos digitais e os não humanos”, lançada em julho do ano passado pela editora Estação das Letras e Cores. O primeiro livro da doutora em tecnologias da inteligência e mestre em comunicação se aprofunda nesses casos de coexistência entre robôs e pessoas, porém, até onde se sabe as diferenças entre máquinas e humanos são perceptíveis, ainda. 

Mas como uma boa teoria de ficção científica, o documentário explora justamente um possível futuro da humanidade, em que máquinas e humanos serão indistinguíveis, A saga de Lara por respostas acaba com a revelação de que Daniël (Henry van Loon), marido da personagem, a encomendou sob medida há alguns anos, como se faz com uma roupa hoje.

Suas memórias, sentimentos e até mesmo relações com outras pessoas, ou robôs, são todas fabricadas, como uma versão muito mais avançada do robô Sophia. A comédia permeia a narrativa um tanto quanto impensável aos olhos de hoje, mas curiosa. A seriedade da executiva da empresa que fabricou Lara, Pam (Thekla Reuten) cria uma atmosfera cômica ao assunto, completada pela tranquilidade que Daniël fala sobre sua “aquisição”.

Parren entrega uma atuação que transborda indignação, e o trabalho cinematográfico é inteligente, com cortes que acompanham a visão de Lara. Sobre o ambiente que o filme se passa, todas as gravações foram no CBR Building em Bruxelas, e a ambientação feita com cores vibrantes e apenas carros de época no estacionamento propõe um contraste entre antigo e moderno, frio e robótico, quente e humano. 

O desfecho se dá com o desejo da protagonista de ser dona do próprio destino, relegando o fato de não poder morrer antes de seu “dono”. Isso pode ser visto talvez como uma negação em aceitar a única coisa que a diferencia de um humano, ou como uma mensagem da autora da obra sobre uma rebelião das máquinas.

Fato é que Lara se joga do topo do prédio, em um take muito inteligente por parte da direção ao filmar de cima, e que apesar de pesado e grotesco consegue ser engraçado e não desagradável aos olhos. Tal qual uma morte comum, há muito sangue saindo do corpo, as necessidades fisiológicas também são como de humanos, mas após alguns instantes a robô volta à vida.

Lara e Daniel em um Volkswagen Fusca azul
Com cinematografia cativante e enredo inesperado, é um Sci-Fi cômico e dramático - Foto: Indie Shorts Mag / Reprodução

Incômodo e perspicaz são boas palavras para definir a quinta produção de Warmerdam, que a fez faturar uma série de prêmios internacionais incluindo o Oscar de Melhor Curta-metragem deste ano. Sua produção também se destaca por ser carbono neutro, com o plantio de uma agrofloresta na Holanda para compensar as emissões de gás carbônico (CO2) da obra.

I’m Not a Robot está disponível de forma gratuita no YouTube desde o dia 15 de novembro de 2025 no canal The New Yorker, com legendas apenas em inglês ou holandês. Mesmo com essa barreira linguística, o choque final é inevitável, e a reflexão provavelmente também, se o seu cérebro não estiver se perguntando se você pode ser também um robô.

Cientistas brasileiros deixam o País em busca de melhores oportunidades no mercado científico
por
Brenda Martins
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19/11/2024 - 12h

Por Brenda Costa Martins

 

Enquanto nossos melhores pesquisadores são acolhidos por laboratórios estrangeiros e embarcam em direção aos países que valorizam a academia e a ciência, ficamos à margem das grandes inovações e descobertas científicas, como espectadores de um progresso que poderíamos estar liderando. A formação de cientistas no Brasil enfrenta uma crise profunda, marcada não por apenas dificuldades estruturais como a escassez de equipamentos em Universidades e laboratórios, mas também pela falta de incentivo à estudantes para que sigam na área acadêmica de pesquisas, além das oportunidades limitadas desse marcado no país. Nos últimos anos, temos assistido a uma crescente “fuga de cérebros” — fenômeno em que profissionais qualificados, principalmente cientistas e pesquisadores, optam por desenvolver suas carreiras no exterior, sendo atraídos por melhores condições de trabalho e valorização profissional. Fuga que tem sido alimentada pela escassez de investimentos no campo da ciência e da tecnologia no país.

Desde 2015, cortes orçamentários intensos afetaram diretamente a manutenção de bolsas de estudo, o financiamento de projetos de pesquisa, bem como a continuidade de programas de pós-graduação em diversas áreas. Com menos verbas, muitos laboratórios foram fechados e projetos interrompidos, situação que acabou por criar um ambiente de insegurança e instabilidade para jovens pesquisadores que desejam contribuir com o avanço científico no país.

Nos centros de excelência, como a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a Universidade Federal do ABC (UFABC) doutores e mestres formados com alto nível de competência se deparam com um mercado de trabalho retraído. Apesar de contar com instituições de ensino que formam profissionais altamente capacitados, os cortes e as limitações severas no mercado de trabalho continua a fazer com que esses cérebros embarquem para o exterior buscando oportunidades de maior rentabilidade e visibilidade pois para muitos desses cientistas, o ambiente brasileiro se mostra inviável para o desenvolvimento de suas carreiras.  Mesmo entre os profissionais que conseguem uma colocação, as condições de trabalho são frequentemente limitadas, com infraestrutura insuficiente e salários que não condizem com o nível de formação e as exigências da carreira científica.

Esse êxodo de cientistas gera impactos econômicos e sociais observados em longo prazo. Ao investir na formação desses profissionais e, em seguida, vê-los partir para outros países, o Brasil perde o retorno desse investimento, bem como a possibilidade de desenvolver inovações e avanços tecnológicos que poderiam impulsionar setores como saúde, agronegócio e tecnologia. Fato que evidencia outro problema: Não é preciso investir apenas na educação básica e incentivo aos jovens cientista se, no futuro, eles não terão um lugar nas grandes corporações, já que as poucas que existem no país continuam não oferecendo benefícios tão competitivos quantos os de vagas alocadas no exterior, sedes dessas empresas.

Para cientistas como Paula Rezende, doutora em Biomedicina, a decisão de deixar o Brasil é dolorosa, mas necessária. Após anos lidando com infraestrutura insuficiente e atrasos em recursos para pesquisa, ela aceitou uma proposta de trabalho na Alemanha, onde encontrou o ambiente ideal para continuar seu trabalho. Casos como o de Paula são cada vez mais comuns, o que ilustra como o cenário nacional tem se tornado um impeditivo para o progresso da ciência e da carreira dos profissionais brasileiros. A falta de oportunidades no Brasil também gera uma lacuna na academia e nas universidades, onde a quantidade de concursos e oportunidades para docentes e pesquisadores é insuficiente para absorver os doutores formados a cada ano. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que cerca de 25% dos doutores no Brasil ficam fora do mercado de trabalho adequado à sua formação, o que leva muitos a buscar alternativas no exterior, onde há mais estabilidade e reconhecimento.

Elisabeth Balbachevsky, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e coordenadora científica do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da USP, tem outra visão. A professora tenta analisar um lado positivo desse fenômeno da "fuga de cérebros", as mentes que vão embora do Brasil buscando melhores oportunidades podem "se inserir em redes de pesquisa internacionais, o que poderá ter um impacto extremamente positivo, porque irão se tornar lideranças brasileiras e, uma vez de volta ao Brasil, trarão novas expertises e abordagens para o País", diz a pesquisadora. Uma vez que esses cientistas brasileiros conseguem cada vez mais se estabelecer nas gigantes da tecnologia, por exemplo, o país indiretamente está ganhando reconhecimento, o que pode fazer com que os olhos dessas grandes corporações se voltem ao Brasil. Ainda que a "fuga" desses pesquisadores seja prejudicial no início, com mais profissionais produzindo ciência de qualidade em um ambiente no exterior que comporta suas necessidades, podemos colher frutos no futuro. Afinal, para que grandes corporações se desenvolvam no país, é preciso ver que a população tem capacidade de produzir recursos que possibilite sua expansão.

Outro fator que importante ser destacado é a busca pelo incentivo ao empreendedorismo desses jovens cientistas. Grandes empresas como o Facebook e a Amazon surgiram de um pequeno projeto de seus fundadores enquanto ainda eram estudantes, desenvolvendo uma start-up na garagem de suas casas. É claro que, a qualidade de ensino de ciências nas Universidades americanas possibilitam que seus alunos desenvolvam o pensamento empreendedor, enquanto no Brasil, os alunos são incentivados a bucar emprego fora, em empresas já estabelecidas, fator resultado do cenário de instabilidade não apenas do mercado científico, mas também do empreendedorismo. Algumas escolas de redes particulares no país contam com matérias de empreendedorismo e educação financeira, por outro lado, escolas da rede pública e estaduais se encontram em um cenário totalmente diferente. Ainda há um grande caminho a trilhar para que o acesso à uma educação de qualidade seja uma realidade igualitária entre todos os estudantes do país.

Propostas como a criação de um fundo nacional para Ciência e Tecnologia, que garanta recursos contínuos para a pesquisa, são defendidas por entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Outra alternativa é fortalecer as parcerias entre universidades e empresas, criando oportunidades de inovação e desenvolvimento em conjunto com o setor privado, o que poderia abrir novas frentes de trabalho para cientistas dentro do Brasil.

Enquanto não houver um comprometimento estrutural e financeiro com a ciência, o Brasil permanece vulnerável à saída de seus talentos. A fuga de cérebros se torna um símbolo das dificuldades enfrentadas pela ciência brasileira, limitando o potencial de avanço científico e tecnológico do país. A valorização da ciência e o investimento em condições de trabalho são essenciais para que o Brasil não apenas forme cientistas, mas também consiga retê-los e fortalecer sua base científica para o desenvolvimento nacional e reconhecimento internacional.

Como a Inteligência Artificial vem dividindo opiniões na sociedade e no meio publicitário
por
Sophia Pietá Milhorim Botta
Isabella Santos
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05/09/2023 - 12h

A inteligência artificial (IA) é uma tecnologia que permite computadores executarem uma série de inovações por meio de algoritmos e uma das funções em alta em 2023 é recriar pessoas mortas via base de dados, o que se tornou popular,  principalmente, no segmento publicitário. Essa novidade acaba por acarretar divergência entre o público, já que as agências de marketing estão recriando falecidos ilustres, mas para o judiciário a atitude, pouco ética, deve ser limitada judicialmente, justamente por não ter autorização de quem está sendo recriado. Segundo a advogada Kátia Jacinto, ‘‘os direitos de personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, ou seja não é um bem material, a campanha da Volkswagen teve uma estratégia ousada, mas o código civil determina o uso dessas imagens desde que não corrompa a reputação da pessoa”. 

Esse assunto está em alta devido a propaganda de 70 anos da Volkswagen, na qual a cantora Elis Regina, morta em janeiro de 1982, é trazida de volta à vida por meio de inovações tecnológicas proporcionadas pela IA. Ao som de “Como Nossos Pais”, a estrela dos anos 70 reencontra sua filha, Maria Rita; ambas dirigindo um dos automóveis mais icônicos da história da marca, a Kombi. A propaganda emocionou muitos telespectadores, porém a publicidade chamou a atenção do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), em que foi aberta uma representação ética contra a campanha. Como ela contou com a autorização da família da cantora, foi considerada uma prática legal.

A regulamentação da prática da IA tornou-se uma preocupação atual, uma vez que nos anos 2000, por exemplo, não era possível exercer esse feito. Grandes artistas deixaram escrito em seus testamentos se gostariam ou não de serem recriados, um desses exemplos é Robin Williams, ator americano falecido em 2014, ele restringiu o uso de sua imagem em até 25 anos após sua morte, para que sua figura não fosse comercializada sem sua autorização. Já Madonna, após deixar o hospital em 2023, proibiu o uso da IA após sua morte para proteger sua imagem.

Algumas empresas  já estão comercializando a “vida após a morte”. O aplicativo HereAfter AI permite que as pessoas conversem com falecidos a partir da recriação de vozes por inteligência artificial, combinando ferramentas de dados antigos para gerar novas conversas com os usuários. Em meio a debates éticos e judiciais de quando e onde se usar a IA, Gustavo Miller, head de marketing da Defined.AI pontua: “Isso não é uma ferramenta exclusiva de um estúdio de publicidade ou de filmes, qualquer pessoa pode usar. Daí a importância de debatermos aquilo que chamamos de Inteligência Artificial Ética, que tem como um de seus principais pilares o seu uso responsável. É importante avançarmos com isso porque a Inteligência Artificial evolui mais rápido que a regulamentação.”

O estudante de ciências da computação, na Universidade de São Paulo (USP), João Misson afirma que “é muito controverso o uso da IA em pessoas mortas, pois debate sobre os efeitos psicológicos naqueles que vão assistir e nos familiares das pessoas. O uso da tecnologia toca em questões como consentimento, autenticidade e finitude da vida. Não é uma forma transparente de se utilizar a programação nas publicidades”, afirma Misson.

Por mais que o público tenha opiniões divergentes sobre a utilização dessa tecnologia nas propagandas, a base precisa vir do judiciário, em que é necessário uma regulamentação rigorosa para a utilização da imagem das pessoas, uma vez que a mesma já tenha falecido, garantindo que suas vidas sejam amparadas e protegidas pela Lei.

Regulamentação das questões éticas são chave para boa convivência com IA no futuro
por
Gabriela da Silva
Pietra Nóbrega
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05/09/2023 - 12h

A Inteligência Artificial (IA) é uma das tecnologias mais utilizadas do século XXI, oferecendo um acesso muito ágil a informações de qualquer meio, assim transformando a vida e o cotidiano da sociedade. No entanto, seu impacto não é unicamente positivo, pois também traz desafios e dilemas éticos significativos. Conforme essa ferramenta se tornou mais onipresente, surgiram questões relacionadas à privacidade, viés algorítmico e ética no uso da tecnologia. Governos e reguladores começaram a se envolver na regulamentação da IA para garantir seu uso responsável. Empresas usam IA para personalizar serviços e produtos, oferecendo experiências mais relevantes e tecnológicas aos clientes.

Segundo Jefferson de Oliveira, doutor em Ciências da Computação, o futuro do mercado de trabalho no Brasil já se modificou. “Atualmente a inteligência artificial é bastante presente nos algoritmos de recomendação de conteúdo como, por exemplo, TikTok, YouTube e Instagram, mas também é muito visto no atendimento ao cliente", diz Oliveira, que acrescenta: "você sempre vai falar com uma máquina antes de chegar em uma pessoa”. 
 
A automação impulsionada pela IA pode resultar na substituição de empregos tradicionais, causando desigualdade econômica e social e o desemprego de alguns setores. Quando falamos de dilemas éticos, a IA levanta questões éticas complexas, incluindo responsabilidade legal por decisões tomadas por máquinas autônomas. “Podemos dizer que um dos primeiro serviços adotados pelas grandes empresas é o atendimento ao cliente, o telemarketing e outras tarefas repetitivas que já são quase totalmente automatizadas, IA nunca vai substituir totalmente as pessoas. Afinal, ela não cria sozinha, precisa que alguém forneça os dados pra isso”, afirma Oliveira.
 
Entretanto, a privacidade e segurança da maioria das pessoas que fazem o uso da Internet é duvidosa, a coleta e uso de dados pessoais levantam preocupações sobre o direito da privacidade de todo e qualquer cidadão, além de criar riscos de segurança cibernética, a confiança excessiva na inteligência artificial pode tornar as futuras sociedades vulneráveis a falhas tecnológicas e ameaças cibernéticas.  O crescimento exponencial da quantidade de dados disponíveis e o aumento da capacidade computacional permitiram o aperfeiçoamento do aprendizado de máquina e das redes neurais profundas. Isso impulsionou a IA a novos patamares de desempenho em tarefas como reconhecimento de padrões e processamento de linguagem natural.
“Acho que mesmo se a inteligência artificial tivesse sido criada com uma base de dados livre de estereótipos e preconceitos isso teria se desenvolvido mais tarde com o Machine Learning, aliás a maneira de resolver isso é justamente não alimentar o algoritmo com esse tipo de conteúdo, não dar engajamento para o preconceito para que o Machine Learning não entenda essas coisas como algo que deve ser reproduzido”, ressalta Oliveira.  
 
O Machine Learnin é um "sistema que usa da inteligência artificial para identificar padrões e a partir disso realizar tarefas sem ajuda humana, já o Deep Learning (aprendizado profundo) é bem mais complexo, ele usa redes neurais artificiais para resolver problemas ao invés de só usar o próprio histórico de dados como o Machine Learning. Por exemplo o Machine Learning pode aprender qual tipo de vídeo deve te recomendar no YouTube a partir do seu histórico de vídeos marcados com like, já o Deep Learning seria capaz de identificar as características presentes nos vídeos e buscar vídeos com as mesmas características para te recomendar.”
 
O desenvolvimento da IA continua, com pesquisas focadas em sistemas de IA mais avançados, como a IA geral, que pode executar uma ampla gama de tarefas com compreensão e raciocínio humanos. Também é esperado que a IA continue a transformar setores inteiros e a sociedade em geral. “Sobre o futuro, a chave para aproveitar ao máximo os benefícios da inteligência artificial enquanto minimizamos seus riscos está em abordar essas questões de forma ética e responsável. A regulamentação adequada, o treinamento de algoritmos com dados imparciais e a conscientização sobre as implicações éticas são passos cruciais, pelo menos eu espero para que a gente possa conviver com a IA como auxiliar das pessoas e não como um substituto ou obstáculo”, diz ele.
 
A inteligência artificial é uma ferramenta simbólica nos tempos atuais que oferece inúmeras vantagens, mas também apresenta desafios significativos. O equilíbrio entre maximizar seus benefícios e mitigar seus riscos é um desafio crucial que nossa sociedade enfrenta na era da tecnologia avançada. O futuro da IA dependerá da capacidade de abordar essas questões de forma ética e responsável presando sempre pela segurança plena de todo indivíduo. Enquanto continuamos a explorar o potencial dessa tecnologia, ela continuará a evoluir e moldar nossa sociedade, é imperativo que mantenhamos um equilíbrio entre a inovação e a consideração dos impactos sociais, éticos e legais.
Por mais benéfico que seja, o uso da Inteligência Artificial aponta riscos e condutas éticas que devem ser estudadas na área da propaganda
por
Catarina Pace
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04/09/2023 - 12h

A Inteligência Artificial é uma das tecnologias mais comentadas hoje em dia, principalmente em relação aos seus riscos e vantagens para a sociedade. Quando se trata de publicidade, a IA já está mais que confortável nesse meio e através de todas as suas ferramentas, conseguiu se tornar mais atrativa para os profissionais da área. Mas, mesmo que seja uma boa opção facilitadora, muito ainda se discute sobre o que pode ou não ser produzido por ela e quais os seus limites.

A IA surgiu como um ramo da ciência da computação, que a partir de algoritmos e análise de dados tenta simular a inteligência humana. Ela avançou muito desde que seu uso começou a ser frequente, conseguindo aperfeiçoar as tarefas e ser cada vez mais autônoma. Na publicidade, ela é muito utilizada na forma dos chatbots, por exemplo, que são os “robôs” que simulam uma pessoa real e conseguem conversar com o usuário. Hoje, esses chatbots também se transformaram em assistentes virtuais e avatares, que parecem ser tão reais quanto humanos. 

A Lu da Magalu é um desses exemplos, ela se tornou a maior influenciadora virtual do mundo e alcançou mais de 55 milhões de seguidores no Instagram. Além disso, ela também interage com pessoas reais e cada vez mais é incrementada para se parecer com elas. Por mais tecnológica que a Lu seja, seu real objetivo desde 2003 - ano de sua criação - é conquistar o cliente e se tornar mais próximo dele, criando uma narrativa em múltiplas plataformas. 

Assistentes virtuais, como Siri, Alexa e Google Assistant, também estão se tornando parte integrante da publicidade. Eles podem fornecer informações sobre produtos, fazer recomendações e até mesmo compras online com base nas solicitações dos usuários. Isso cria novas oportunidades para as marcas se envolverem com os consumidores em um nível mais vertical. O seu potencial para a produtividade nas tarefas é indiscutível, mas ainda existem dúvidas e questões éticas envolvidas e uma das maiores preocupações é se a IA poderá substituir postos de trabalho.

Para o professor do curso de Publicidade e Propaganda da PUC-SP, Claudir Segura, nenhum profissional dessa área vai ser substituído: “Eu não vejo desvantagem, mas eu vejo uma acomodação. Quando as pessoas deixarem a máquina trabalhar para elas, o olhar delas vai ser engessado pela tecnologia. Você jamais vai ser substituído por alguém sem criatividade”, argumenta o professor, doutor em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD). 

À medida que a IA se torna mais sofisticada na publicidade, a ética e a transparência se tornam questões cruciais. A coleta de dados pessoais e o uso de algoritmos para personalizar anúncios levantam preocupações sobre privacidade e manipulação. As empresas precisam ser transparentes sobre como usam os dados dos consumidores e garantir que estão em conformidade com as regulamentações de proteção de dados, além de pensar também no que pode ser criado a partir dela. 

Uma das grandes discussões em torno do tema ocorreu após o lançamento do comercial comemorativo dos 70 anos da Volkswagen, em que recriaram a cantora Elis Regina, falecida há 41 anos. Nele, Elis aparece dirigindo a clássica Kombi, enquanto sua filha Maria Rita dirige a versão mais nova do automóvel, batizada de ID.Buzz e 100% elétrica. A técnica usada na propaganda foi o DeepFake, uma tecnologia que recria e faz alterações realistas em rostos. 

Autor: Catarina Pace
Trecho da campanha comemorativa dos 70 anos da Volkswagen no Brasil. Imagem: [Reprodução/Volkswagen Brasil]

O comercial foi aprovado por Maria Rita, o que incomodou muitos usuários das redes sociais, que julgaram a falta de questões éticas nesse processo. Até o Conar, Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, abriu um processo em julho de 2023 para avaliar se a campanha da Volkswagen teria ferido o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. O caso foi arquivado e segundo o órgão, “por manifestações contrárias e favoráveis de consumidores”. 

Para Segura, a campanha foi uma maneira de resgatar a memória de uma artista muito importante para o Brasil e não deveria ser vista como um impasse. “Elis Regina foi uma mulher incrível e resgatar a memória dela é mais incrível ainda. O jovem não conhece a Elis. Então é legal você trazer de volta essas pessoas. Olha que legal o que estão fazendo com a cultura. Existe uma diferença entre o que você considera ético e uma crítica sem fundamento. Não estão roubando a imagem dela”, completa o professor. 

Pensando nessa discussão entre ética e tecnologia, a ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) produziu um guia sobre os impactos da presença da inteligência artificial na publicidade. Nele, estão as mais urgentes questões jurídicas, éticas e aplicações práticas da IA na área. O guia não chega a ser uma regulação do que pode ou não ser utilizado e produzido, mas indica o que pode se tornar boas práticas no setor. 

 “O que se deve levar em consideração é o quanto isso pode afetar a vida das pessoas, em termos do que isso pode fazer bem ou mal . A tecnologia traz um olhar, uma percepção na maneira como as pessoas vão criar daqui pra frente.”, argumenta o professor, que é contra uma regulação da IA. Para ele, a regulação deve ocorrer em ambientes específicos, como empresas, e não na sociedade em geral. Se isso ocorrer, os limites éticos podem entrar em ação contra uma postura de “censura” na área de criação, não só da publicidade, mas do uso da ferramenta no Brasil. 

Mesmo que a regulação ainda não exista, há questões que devem ser levadas em conta antes de usar a ferramenta. Evitar a disseminação de informações sensíveis ou confidenciais em plataformas não seguras, entender como e onde seus dados estão sendo coletados e utilizados, são etapas importantes. Além disso, é bom estar ciente do potencial de vieses algorítmicos, do colonialismo digital e a discriminação na IA. 

O uso da inteligência artificial está redefinindo a publicidade, oferecendo oportunidades para a personalização, automação e interação mais significativa com os consumidores. E embora a IA possa revolucionar essa área, ainda existem muitos embates éticos e morais em sua aplicação prática, que devem receber atenção para um futuro que usufrui de seus benefícios e ao mesmo tempo se protege de possíveis riscos. “Para tratar de tecnologia, aquela máxima se encaixa muito bem: o que eu não consigo dominar eu rejeito, o que eu não entendo eu vou combater.”, finaliza Segura. 

Imagens geradas por inteligência artificial viram tendência e geram debates na sociedade
por
Felipe Oliveira
Rodrigo Marques
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04/09/2023 - 12h

"Há exatos seis meses, o lançamento discreto de uma nova ferramenta mudou o mundo. O ChatGPT, modelo de inteligência artificial conversacional desenvolvido pela OpenAI, baseado na arquitetura GPT, chegou em 30 de novembro de 2022", diz reportagem do Olhar Digital. E talvez uma das inovações mais interessantes no mundo das artes digitais, é a criação de imagens feitas por essa tecnologia, que beiram o realismo. Desta forma, com um simples texto e alguns cálculos matemáticos, uma máquina poderá produzir tais retratos, utilizando sua rede neural. O designer gráfico José Luis Rodrigues, 56 anos, formado em marketing e publicidade pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), afirmou utilizar a IA como uma ferramenta de ajuda para seu trabalho de criação. Ele produz ilustrações de desenhos conceituais artísticos, principalmente recriações de personagens de universos cinematográficos e de HQs.

Rodrigues também deixa claro que além de usar essa tecnologia profissionalmente, a Inteligência Artificial pode ser utilizada para entretenimento. “Elas [IA] podem ser úteis tanto para trabalho, quanto para divertimento. Um exemplo disso, é que algumas plataformas perguntam como o usuário irá utilizá-la, se de maneira profissional ou por diversão”, afirma Rodrigues. De fato, com o advento desta tecnologia, as IAs estão ganhando mais espaço na vida das pessoas e das grandes empresas, se tornando uma nova tendência no campo cultural e gerando alguns questionamentos. Com isso, é evidente que estamos presenciando uma nova era da revolução digital, impulsionada por enormes quantidades de dados, afetando diretamente nas criações artísticas que são influenciadas por essa inovação. Diversos artistas estão experimentando a inteligência artificial para ajudar, aprimorar, simular ou aumentar sua própria criatividade. Novos recursos permitem que esses profissionais criem trabalhos mais complexos.

Talvez você mesmo ou algum conhecido seu, já tenha mexido com ferramentas do tipo. O Dall-E 2 é o exemplo mais popular atualmente. Seu nome é um trocadilho da junção de WALL- E (robô protagonista do filme de mesmo nome da Pixar) e Salvador Dalí (famoso pintor espanhol do surrealismo). Mas também há outras plataformas, como Stable Diffusion e Midjourney. Vale mencionar que o Adobe Photoshop lançou recentemente uma ferramenta que permite transformar palavras em imagens, atualmente ela ainda está na versão Beta. Todas as ferramentas citadas acima, são softwares que utilizam IAs para transformar textos dos usuários em imagens que, exploram combinações de cores, formas e técnicas de composições variadas.

Os perigos das IAs

Com essa tecnologia sendo disponibilizada para o público, alguns questionamentos também surgem sobre perigos que podem surgir e causar grande impacto em nossa sociedade. Uma das preocupações mais importantes dos últimos tempos são relacionadas com as Fake News (notícias falsas), que a cada dia que passa vem sendo altamente disseminada nesta era digital. Com isso, uma tecnologia de alto nível de manipulação se cair em mãos erradas pode causar um grande dano. Esta realidade não está muito distante.

Recentemente, imagens manipuladas do Papa Francisco, vestindo casaco fashion e de Donald Trump, ex-presidente dos EUA, brigando com inúmeros seguranças, viralizaram na rede pelo alto nível de realismo nas fotos. Desta forma, caso a IA evolua ainda mais, com capacidade de criar estes estilos de imagens de maneira totalmente realista, se criará uma desordem midiática na qual nenhuma notícia será confiável. “As IAs podem ser usadas para causar algum mal se forem utilizadas sem princípios, morais e éticos. Existe uma gíria norte-americana chamada NSFW, no caso, “Not Safe for Work” (traduzindo para português: Não é seguro ver no trabalho), que seria uma mensagem restritiva, alertando os usuários sobre conteúdos impróprios para serem visualizados em um ambiente público.

Com isso, algumas pessoas usam a IA para fazer brincadeiras maldosas com outras pessoas, compartilhando imagens imorais feitas por esta tecnologia”, diz Rodrigues sobre os perigos da inteligência artificial.

 

 

 

 

Os debates que rondam o uso de automações nas redações jornalísticas
por
Isabelle Maieru
Jalile Elias
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04/09/2023 - 12h
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                                                                            Imagem: shutterstock/GogOfVector

 

Com o desenvolvimento da tecnologia, muitas ferramentas vêm surgindo e transformando os nossos métodos de trabalho. Um dos mais recentes debates acerca do assunto é o uso da Inteligência Artificial (IA). Esse campo da tecnologia é responsável por estudar o comportamento humano e desenvolver máquinas que se assemelham a tal, tornando-as capazes de desenvolver tarefas de forma independente. 

O tema tem sido amplamente discutido, aprovado por uns e criticado por muitos. O recurso já chegou nos mais diversos campos da sociedade, e não foi diferente no jornalismo. Sistemas são capazes de escrever reportagens, transcrever textos e até mesmo definir o melhor método de publicação. Notícias que antes passavam por um sério rigor de apuração, escrita e publicação, agora são facilmente criadas por máquinas e espalhadas pela população. Algoritmos de IA podem processar grandes quantidades de dados e identificar padrões para apoiar a pesquisa jornalística e a escrita de histórias.

O debate se tornou ainda mais fervoroso em 2022, no período eleitoral onde apoiadores políticos eram responsáveis por criar “bots” (robôs capazes de executar diversas vezes tarefas automatizadas e pré definidas) que escreviam e disseminavam repetidamente notícias criadas favoráveis ao lado que defendiam. Essas notícias, publicadas normalmente no WhatsApp ou no Twitter e compartilhadas milhares de vezes, gerando uma teia de desinformação, uma vez que essas pessoas compartilham os links somente pelo título e muitas vezes não chegavam nem a ler e muito menos checar a veracidade da informação. Por isso, a incorporação de IA no jornalismo gera preocupações sobre a precisão e imparcialidade das notícias. 

Os direitos de propriedade intelectual e a privacidade são dois pontos principais de discórdia no que diz respeito ao uso ético de ferramentas de IA. Muitos protótipos são alimentados por conteúdo criado por pessoas reais. Por exemplo, quais são as restrições à edição de textos, fotos ou ilustrações jornalísticas? Ou onde esses dados são armazenados e quem tem acesso a eles?

Por outro lado, muitos criadores de conteúdo acreditam que se usada de maneira correta, a IA pode se conectar com o jornalismo promovendo os debates sobre inclusão e direitos digitais e otimizando os processos de produção de conteúdo. Para a jornalista Monique Caroline, que atua com o jornalismo transmídia, a ferramenta pode ser benéfica se regulada, mas caso contrário, pode trazer prejuízos ao jornalismo. “Se tiver regulação, eu sou a favor. O ganho ilustrativo e até educativo de quem assiste seria enorme. A gente teria imagens feitas com inteligência artificial realistas para passar uma mensagem positiva. Porém, se não regulamentada, a IA poderá modificar um vídeo, texto ou foto sem princípios éticos", pontuou. 

Uma outra preocupação dos produtores e conteúdo gira em torno de como ficaria a empregabilidade dos profissionais caso a automatização seja efetivamente implantada nas redações. “Eu acredito que no futuro a gente corre o risco de ter uma diminuição de profissionais nessa área. Por isso, a importância de regulamentar. Principalmente, porque não é tudo que está ali, que é 100% verdade. O nome já diz, né? Inteligência artificial não é humana, então pode acontecer muitas falhas com quem usa esse tipo de recurso”, afirmou Monique. 

“Tendo uma visão bem realista, eu acho que esse debate para regulamentar essas ferramentas, ele acontece, mas ele está longe de ser colocado em prática. Então, logo a gente pode começar a ter perdas de emprego e muito espaço para fake news. Por mais que seja benéfico nos casos que eu citei acima, é uma ferramenta que pode ir para a mão de qualquer um, tanto para o bem quanto para o mal. Eu acredito, que as reportagens televisivas, por exemplo, vão ter um ganho imagético, mas, por exemplo, na internet, a gente terá perda e uma distorção de tudo que acontece ali, com fake news, deep fake (vídeo falso) e muito mais”, concluiu a jornalista.