O Software da Poda quer monitorar as condições das árvores pelos bairros de São Paulo
por
Julia Sena
|
03/11/2025 - 12h

Por Julia Sena

 

No bairro da Vila dos Remédios, na zona oeste de São Paulo, seu Francisco, de 68 anos, já se acostumou com o barulho de galhos batendo contra os fios de energia nos dias de vento forte. Diz que na rua, quando chove, já sabe que vai faltar luz. Ele já fez inúmeros pedidos de poda à prefeitura, mas as respostas, quando vêm, demoram meses. A cena se repete em muitos bairros da cidade, árvores plantadas há décadas, sem planejamento e monitoramento. Além de crescidas demais, raízes que invadem calçadas, rompem fios e danificam tubulações. A falta de gestão eficiente da arborização urbana torna-se ao mesmo tempo um problema de segurança e um desafio ambiental. Foi diante desse cenário que um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo desenvolveu o projeto Poda, uma iniciativa que usa inteligência artificial e softwares de modelagem ecológica para apoiar o poder público na tomada de decisões sobre o manejo de árvores nas cidades.

A iniciativa nasceu dentro do Instituto de Biociências da USP, sob coordenação do professor Marcos Buckeridge, especialista em fisiologia vegetal e diretor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (INCT Bioetanol). A ideia surgiu de uma pergunta simples sobre se seria possível usar dados científicos para prever quais árvores precisam de poda antes que se tornem um risco. Para ele, o manejo das árvores urbanas ainda é muito reativo, a poda acontece depois que o problema aparece. O que se pretende é criar um sistema preventivo, capaz de indicar quando e onde agir, usando informações sobre o crescimento das espécies, o clima e as condições do solo.

O sistema desenvolvido pela equipe combina imagens de satélite, modelos de crescimento vegetal e dados climáticos locais. A partir disso, os pesquisadores conseguem estimar o ritmo de desenvolvimento das árvores e identificar áreas de risco, como regiões onde há alta densidade de copas próximas à rede elétrica.

Um dos diferenciais do projeto é a criação de modelos preditivos que consideram o impacto das mudanças climáticas no comportamento das árvores. Com o aumento das temperaturas e das chuvas intensas, algumas espécies têm crescido mais rápido e de forma desordenada, o que aumenta a chance de quedas e rompimentos. O software já permite prever o comportamento das árvores ao longo do tempo. Isso ajuda o poder público a planejar melhor as podas e reduzir custos com emergências.

A proposta da Poda é tornar a arborização urbana mais sustentável e integrada à rotina das prefeituras. O sistema já foi testado em áreas piloto de São Paulo e pode, futuramente, ser adaptado a outras cidades brasileiras. E o objetivo não é apenas tecnológico, mas também social,. pois o que está em jogo quando se pensa em árvores é preciso considerar sombras, em conforto térmico, em qualidade do ar. Mas se não houver manejo, esses benefícios se perdem.

De volta à Vila dos Remédios, seu Francisco ouve falar do projeto com esperança. Ele considera que se tiver um jeito de a Prefeitura saber antes que a árvore vai cair, já ajuda muito, porque esperar cair em cima do carro ninguém quer.

A equipe da USP também trabalha em uma interface pública, que permitirá aos cidadãos acompanhar o mapeamento das árvores de suas regiões e reportar problemas diretamente pelo sistema. Assim, o ciclo se completa: da denúncia à prevenção, com base em dados e participação popular. “Cuidar das árvores é cuidar das pessoas”, resume Buckeridge. E agora, com a ajuda da ciência é possível fazer isso de maneira mais inteligente.



 

Invenção desenvolvida por cientistas da Universidade Estadual da Paraíba identifica, em segundos, a presença da substância tóxica usada em bebidas adulteradas
por
Inaiá Fernandes Misnerovicz
|
27/10/2025 - 12h

Por Inaiá Misnerovicz

 

Pesquisadores da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) desenvolveram um canudo descartável que muda de cor ao detectar metanol em bebidas. O dispositivo  biodegradável é capaz de identificar, em poucos segundos, a presença do álcool tóxico responsável por graves casos de intoxicação no País. A proposta é permitir que qualquer pessoa reconheça o risco antes de consumir uma bebida adulterada, sem precisar de equipamentos ou conhecimentos técnicos.

O projeto é coordenado por David Douglas, professor e pesquisador do Departamento de Química da UEPB. A ideia surgiu a partir da preocupação com o aumento dos casos de envenenamento por bebidas falsificadas, muitas vezes vendidas em festas, bares e eventos. O grupo buscava uma solução acessível, de baixo custo e uso imediato. Assim nasceu o canudo que muda de cor ao entrar em contato com o metanol.

O metanol é um tipo de produto que oferece um risco silencioso. À primeira vista, parece inofensivo: é incolor, tem cheiro fraco e se mistura facilmente ao etanol, o álcool comum das bebidas. Mas é altamente tóxico. Mesmo em pequenas quantidades, pode causar cegueira, coma e morte. Usado na indústria como solvente e combustível, o metanol jamais deveria estar presente em bebidas alcoólicas. Quando ingerido, o corpo o transforma em substâncias que atacam o sistema nervoso e os olhos, provocando danos irreversíveis.

Douglas explica que o canudo foi projetado para ser usado de maneira simples e intuitiva. . Em seu interior, há uma fita com reagentes químicos sensíveis ao metanol que, ao entrar em contato com a bebida, provoca uma reação capaz de alterar a cor do canudo, geralmente do amarelo para o vermelho. O processo é rápido, dura apenas alguns segundos e dispensa o uso de qualquer aparelho complementar. A ideia central é permitir que qualquer pessoa possa testar a bebida antes de consumi-la, sem precisar ter conhecimento técnico.

Segundo o pesquisador, o objetivo principal é oferecer um produto barato e eficaz. A equipe estima que cada unidade custe menos de dois reais, o que permitiria sua distribuição em larga escala. O canudo foi pensado para ser usado em bares, festas e eventos, mas também por órgãos de fiscalização e vigilância sanitária. Os testes vêm sendo realizados com diferentes tipos de bebidas, como cachaças, vodcas e licores artesanais, para garantir que a reação funcione em todas as composições.

O projeto começou em 2023, nos laboratórios da UEPB, em Campina Grande, e desde então tem recebido apoio de estudantes de graduação e pós-graduação. O grupo trabalha agora na padronização dos resultados, no registro de patente e na busca por parceiros que viabilizem a produção em escala comercial. Paralelamente, a universidade pretende promover campanhas de conscientização sobre os riscos do metanol, incentivando o consumo responsável e a compra de produtos de origem confiável.

O consumo de bebidas adulteradas é um problema de saúde pública no Brasil. O metanol, por ser mais barato que o etanol, é usado ilegalmente na fabricação clandestina. Essa prática ainda causa tragédias em várias regiões do país. Em 2025, surtos de intoxicação foram registrados em estados do Nordeste e do Sul, com dezenas de vítimas. A ausência de métodos simples de detecção e a dificuldade de fiscalização contribuem para o aumento dos casos.

Para David, o canudo funciona como uma ferramenta de prevenção e alerta. Ele não substitui a análise laboratorial, mas serve como um primeiro passo para evitar o consumo da bebida contaminada e estimular denúncias às autoridades. O pesquisador destaca que o ideal seria que ninguém precisasse recorrer a esse tipo de recurso, mas que, diante da realidade do mercado informal, oferecer um meio de defesa à população se torna essencial.

Os sintomas de envenenamento por metanol podem aparecer entre meia hora e doze horas após a ingestão. Entre os mais comuns estão visão turva, dor de cabeça, tontura, náuseas, dificuldade para respirar e, em casos graves, convulsões e coma. O tratamento precisa ser feito rapidamente em ambiente hospitalar. 

O desenvolvimento da pesquisa também mostra a força da ciência feita em universidades públicas regionais. Para o pesquisador, o projeto demonstra que é possível criar soluções inovadoras e de impacto social fora dos grandes centros de pesquisa. Ele destaca que o trabalho coletivo, envolvendo alunos e técnicos, é o que torna o resultado possível. O grupo já estuda novas aplicações para a tecnologia, como o desenvolvimento de palitos, adesivos e fitas reagentes capazes de identificar outros tipos de adulterantes, como solventes e corantes ilegais.

Douglas lembra que, em outros países, iniciativas parecidas ainda são raras e muitas vezes caras. O diferencial da equipe paraibana está no foco na simplicidade. O canudo é barato, descartável e usa materiais que não agridem o meio ambiente. É uma tecnologia pensada para o cotidiano, para chegar a quem mais precisa. A pesquisa tem despertado o interesse de instituições de ensino e de agências de fomento científico. O grupo da UEPB já foi convidado a apresentar os resultados preliminares em eventos acadêmicos e feiras de inovação. A expectativa é que, até o final de 2026, o produto esteja disponível comercialmente, após os testes de segurança e a aprovação dos órgãos reguladores.

Além da inovação química, o canudo também levanta um debate sobre educação científica e cidadania. O pesquisador acredita que a disseminação da informação é essencial para reduzir o número de casos de intoxicação e para valorizar o papel da ciência pública no enfrentamento de problemas sociais. A equipe planeja, junto à Pró-Reitoria de Extensão da UEPB, criar oficinas educativas em escolas e comunidades, unindo ciência, saúde e responsabilidade social.

Casos de intoxicação por metanol têm sido recorrentes no mundo todo. Em 2022, um surto na Índia matou mais de 40 pessoas após o consumo de uma bebida clandestina. No México, dezenas foram hospitalizadas em festas locais. No Brasil, os registros se multiplicam, especialmente em períodos de festas populares. Apesar disso, são raros os métodos de detecção acessíveis ao público. O canudo criado na Paraíba surge como uma inovação com potencial global, justamente por unir simplicidade, baixo custo e impacto social.

Enquanto o produto não chega ao mercado, os pesquisadores reforçam a importância de comprar bebidas apenas de fontes confiáveis, com rótulo e registro. Preços muito baixos e embalagens improvisadas são sinais de alerta. O pesquisador também destaca que as autoridades precisam intensificar a fiscalização, especialmente em períodos de festas populares e feriados prolongados.

O Brasil é pioneiro na criação de um medicamento que regenere a medula óssea de pacientes
por
manuela schenk scussiato
|
03/11/2025 - 12h

Por Manuela Schenk

 

Não fora uma sexta-feira qualquer para Júlia. A caminho do ponto de ônibus para voltar para sua casa após um dia de aula na faculdade um motorista embriagado atropelou-a e fugiu sem prestar socorro que mudou sua vida para sempre quando tinha apenas 19 anos. Júlia teve lesões nas vértebras T8, T9 e T10 que a deixaram paraplégica depois de cinco dias em coma quando recebeu a notícia de que jamais andaria novamente.

Hoje Júlia tem 22 anos e teve que reaprender a viver. Coisas que jamais imaginou ter dificuldades agora são grandes conquistas, como quando conseguiu tomar banho sozinha pela primeira vez ou quando pode se deitar na própria cama sem auxílio. Escadas se tornaram rampas, seu restaurante favorito virou delivery, já que não possui acessibilidade para que ela consiga entrar na cadeira de rodas. As festas que frequentava semanalmente agora são eventos anuais, pois a locomoção dentro de uma balada é quase impossível para alguém que não consegue usar as próprias pernas.

No início se adaptar parecia impossível, noites mal dormidas quando chorava no travesseiro até seus olhos cederem. Depois de receber alta do hospital ela foi encaminhada para terapia, consultas três vezes por semana que depois de dois anos se tornaram duas. A fisioterapia que antes era uma tortura aos poucos se tornou um momento divertido.

Nos anos que se passaram Júlia conheceu mais pessoas na mesma situação que ela e de pouco a pouco sua nova vida se tornou mais tolerável, mas mesmo depois de quase 4 anos do acidente ela ainda tem dias ruins, sua autoestima nunca mais foi a mesma já que por muito tempo não conseguia se arrumar como antes. Júlia conta que o momento mais difícil da vida dela foi descobrir que seu caso não tinha cura. Sem possibilidade de tratamento ou cirurgia, uma menina que antes era ativa, amava se exercitar, sair com suas amigas, passear com sua cachorrinha, agora se vê forçada a reaprender a viver.   

É possível perceber as dificuldades que marcam a vida das pessoas que são afetadas pela paraplegia. Infelizmente muitos casos não são reversíveis, mas graças a estudos de um grupo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o mundo pode estar mais próximo de encontrar uma cura para uma deficiência que interrompe a vida de tantas pessoas.

A pesquisa, desenvolvida no Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, representa um marco para a medicina brasileira. O medicamento experimental chamado Polilaminina foi criado a partir de uma proteína natural da placenta humana, capaz de estimular a regeneração das células nervosas. Em estudos com animais, especialmente cães que haviam perdido os movimentos, o tratamento apresentou resultados impressionantes: alguns conseguiram voltar a andar mesmo após anos de paralisia. Esse avanço chamou a atenção da comunidade científica internacional e fez com que o Ministério da Saúde e a Anvisa classificassem o estudo como de prioridade absoluta no País.

A equipe liderada por Tatiana Sampaio começou o estudo da eficiência polilaminina para promover a regeneração de fibras nervosas/axônios e reconectar áreas lesadas da medula espinhal começou em 2007, embasado em outro estudo da faculdade que iniciou em 1998. São quase três décadas de trabalho árduo que trouxeram a equipe ao sucesso que é exposto para o mundo hoje, com seis dos oito pacientes humanos recuperando, parcial ou completamente, os movimentos que lhes foram tomados. 

Além dos testes clínicos em andamento, o projeto da UFRJ tem recebido apoio de instituições públicas e privadas, como o Laboratório Cristália, que colabora na etapa de desenvolvimento farmacêutico e produção em larga escala da substância. O próximo passo dos pesquisadores é a realização de estudos em uma quantidade maior de voluntários, o que permitirá avaliar com mais precisão a segurança e a eficácia do medicamento. Caso os resultados se confirmem, o Brasil poderá ser o primeiro país a oferecer um tratamento realmente regenerativo para lesões medulares, uma conquista inédita na história da ciência.

Para Júlia e milhares de pessoas que convivem com a paraplegia, essa descoberta reacende uma esperança que parecia perdida. Mesmo que o caminho até a cura ainda seja longo, cada passo da pesquisa representa uma vitória contra a limitação imposta pela lesão medular. A história de Júlia mostra a força de quem se reinventa diante da adversidade. O que a ciência da UFRJ faz agora é provar que o impossível pode estar mais perto do que se imagina. Aquilo que antes era apenas sonho, agora começa a ganhar forma nas mãos de pesquisadores brasileiros dedicados a devolver o movimento e com ele a liberdade a tantas vidas interrompidas.

Consumo consciente e busca por saúde impulsionam a produção nacional
por
Chloé Dana
|
30/09/2025 - 12h

Por Chloé Dana

 

Em meados de 2025, pesquisas agronômicas da Embrapa e da Organis, apontam que a produção de orgânicos no País aumentaram em 12%, visando um consumo mais saudável e consciente. O crescimento aponta à prioridade por produtos sem agrotóxicos e ao fortalecimento de políticas públicas voltadas à agricultura ecológica. 

Porém, é preciso entender como esse aumento surge, en que se diferencia de outras nações por suas profundas raízes em movimentos sociais e agroecológicos, em vez de ser impulsionada exclusivamente por lógicas de mercado. Mais do que apenas um método de cultivo, a agricultura orgânica é definida por um sistema de produção agropecuária que utiliza técnicas particulares com a finalidade de aprimorar a utilização dos recursos naturais e socioeconômicos à disposição, preservando a integridade cultural das comunidades do campo. Seus fundamentos incluem a sustentabilidade econômica e ambiental, a maximização de vantagens sociais, a redução da dependência de fontes de energia não-renováveis e a adoção de métodos biológicos e mecânicos em lugar de organismos que foram geneticamente alterados.

O surgimento da agricultura orgânica no Brasil remonta a meados da década de 1970, impulsionado por uma reação ao avanço da Revolução Verde, que propunha uma modernização da agricultura em prol do melhoramento genético, uso de insumos e agrotóxicos. Nessa época, a comercialização de produtos ocorria de maneira direta, baseado em um simples sistema de confiança entre quem produzia e quem comprava. 

O mercado inicial consistia em um "segmento natural" oferecendo entregas semanais de cestas contendo frutas, verduras e legumes na casa dos clientes. A presença de lagartas e bichinhos no alimento, era percebida pelos primeiros clientes como uma sinalização de qualidade, indicando que os alimentos tinham sido cultivados sem o uso de produtos químicos. A valorização dos produtos orgânicos não se baseava em certificações formais, mas sim na confiança entre as partes e na evidência concreta da falta de químicos, o que destaca que as origens do movimento no Brasil são fundamentadas em princípios agroecológicos e filosóficos, e não apenas comerciais. 

O produtor de orgânicos e feirante na Vila Madalena Carlos Nascimento explica alguns motivos de porque optou pelo orgânico ao invés do convencional. Nascimento afirma que sua decisão surgiu de um desejo de produzir de maneira mais consciente pois ao observar a prática convencional, notou os efeitos negativos do uso incessante de pesticidas e fertilizantes químicos. O solo se tornava exaurido, a biodiversidade se perdia e a saúde das pessoas que lidavam frequentemente com esses produtos era comprometida. 

Outro fator que influenciou sua escolha foi a valorização crescente do mercado de produtos orgânicos. O agricultor percebe que esse segmento possui um grande potencial de crescimento, impulsionado por consumidores mais conscientes e prontos para apoiar práticas sustentáveis. Apesar do notável crescimento e das conquistas legislativas, o setor orgânico no Brasil enfrenta desafios estruturais que representam obstáculos significativos ao seu desenvolvimento pleno, e isso implica em tempo e políticas públicas para o setor.

Quando discute o amanhã, o produtor demonstra uma visão otimista, porém fundamentada na realidade. Ele enxerga um grande potencial para o crescimento da agricultura orgânica no Brasil, especialmente devido à mudança na conscientização dos consumidores. Cada vez mais, famílias estão em busca de alimentos que não contenham agrotóxicos, valorizando a origem dos produtos que adquirem e desejando apoiar práticas sustentáveis. Para ele, esse movimento representa não uma moda passageira, mas uma tendência crescente que deve se intensificar nos anos vindouros, alinhando-se à preocupação global com a saúde e o meio ambiente.

Outro aspecto que ele enfatiza é a urgência de aumentar o acesso. Atualmente, os produtos orgânicos ainda alcançam uma fração reduzida da população, frequentemente restrita às grandes áreas urbanas e a consumidores com maior capacidade financeira. Para o futuro, ele aspirar por um cenário em que os orgânicos se tornem mais disponíveis, integrando-se a feiras comunitárias, merendas escolares e até programas de abastecimento público, garantindo que alimentos saudáveis deixem de ser um privilégio e se tornem um direito.

O mercado de orgânicos no Brasil encontra-se em uma fase de crescimento explosivo, impulsionado por uma mudança no perfil do consumidor e políticas de fomento. No entanto, o setor enfrenta desafios estruturais significativos, como o desequilíbrio entre oferta e demanda, a fragmentação dos dados oficiais e as barreiras de entrada para os pequenos produtores. A superação desses gargalos, especialmente a questão da certificação e o fortalecimento da logística e da cadeia de valor, é crucial. Ao abordar essas questões de forma estratégica, o Brasil tem a oportunidade de não apenas manter sua liderança na América Latina, mas de se consolidar como um dos principais players globais, alinhando seu potencial de produção com o vigor de seu mercado consumidor.

Maior evento europeu do setor continua na rota por novidades eletricas e mais concorrência a cada ano
por
Vítor Nhoatto
|
22/09/2025 - 12h

Ocorrido entre os dias 9 e 14 de setembro, o IAA Mobility recebeu mais de 500 mil visitantes, superando a sua última edição em 2023. Estiveram presentes as germânicas Audi, BMW, Mercedes, Opel, Porsche e Volkswagen, mas Fiat, Peugeot e nenhuma japonesa compareceu. Com isso, mais uma vez uma grande parte de Munique foi palco para as chinesas se consolidarem e expandirem.

Com o lema “It’s all About Mobility”, em tradução livre, “É Tudo Sobre Mobilidade”, o foco da mostra se manteve em soluções inteligentes e inovadoras. Startups como a Linktour com  seus micro carros elétricos, e marcas de bicicletas e motocicletas elétricas estavam por todos os lados do München Expo Center. E repetindo o formato aplicado desde 2021, com o chamado “Open Space”, uma área de experiências interativas gratuitas ao ar livre, os visitantes podiam experimentar tudo isso.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

A post shared by IAA MOBILITY (@iaamobility)

 Além disso, a inovação tecnológica foi tema de muitos debates e coletivas de imprensa com representantes da indústria. Fornecedoras como a Bosch, Aisin e Revolt, além de empresas de carregadores como a Charge X e E-Mobilio e a gigante de baterias CATL foram só alguns dos mais de 750 expositores presentes. 

Setor premium atento

Falando em eletricidade, ela estava no centro das atenções de todas as marcas, apesar das vendas de carros elétricos (BEV) terem sido prejudicada na Europa no ano passado. O fim ou diminuição de subsídios governamentais e metas de descarbonização estagnadas na União Europeia foram os principais motivos segundo o Global EV Outlook 2025 da International Energy Agency (IEA). No entanto, as projeções para esse ano e os próximos são de crescimento.

De olho nisso a BMW lançou o novo iX3, modelo mais importante em anos ao inaugurar uma nova era para a alemã. A segunda geração do modelo estreia uma plataforma sob medida e exclusiva para elétricos de nova geração, chamada de Neue Klasse. O destaque fica com a nova bateria de 108.7kWh de capacidade integrada ao chassi, compatível com carregamento ultrarrápido de até 800V - ganha 372km em apenas dez minutos - e autonomia de 805km em uma carga segundo o ciclo WLTP. 

No quesito design a ruptura com o passado é ainda mais evidente, com uma nova linguagem visual, inspirado nos modelos da BMW dos anos 80. No interior foi inaugurado o Panoramic iDrive, com o painel de instrumentos correndo ao longo de todo o para-brisa, um novo volante de quatro raios e um multimídia com inteligência artificial de 17,5 polegadas. “A Neue Klasse é o nosso maior projeto futuro e marca um grande salto em termos de tecnologias, experiência de condução e design”, frisou o presidente do conselho de administração da marca, Oliver Zipse.

1
Alemã aproveitou o evento para apresentar o futuro Sedan i3, que seguirá o capítulo iniciado pelo SUV iX3,  irmão de plataforma. Foto: BMW Group / Divulgação 

Do outro lado do pavilhão, a Mercedes-Benz fez um movimento parecido, lançando a segunda geração do GLC elétrico. O modelo foi o primeiro elétrico da marca, ainda em 2018 como EQC. Mas pelas vendas baixas havia sido descontinuado no ano passado, e agora retorna com o nome “GLC With EQ Technology”, para evidenciar as mudanças. Rival direto do iX3, segue a linguagem de design inaugurada no novo CLA no ano passado, aqui com uma grade iluminada e enormemente proeminente.

Construído sob a inédita plataforma elétrica MB.EA Medium, independente do GLC, a combustão portanto, possui carregamento de até 800V e uma bateria de 94kWh, traduzidos em 713 km de autonomia. No interior, o SUV inaugura o “Hyperscreen”, transformando o painel inteiro em uma tela de 39.1 polegadas. O interior pode ser todo vegano e certificado, e a comunicação Car-to-X - que coleta e envia dados para comunicar outros veículos - se destaca no quesito segurança. O preço inicial deve girar em €60 mil quando chegar às lojas ainda esse ano, tal qual o rival.

2
Faróis possuem tecnologia Matrix, e sob o capô há um espaço de 128 litros para bagagens. Foto: Mercedes-Benz / Reprodução

Mas nem só de SUVs o mercado premium é formado, e a Polestar compareceu a Munique para o lançamento mundial do seu novo modelo de topo, o sedã 5. A marca do grupo Geely, divisão de performance da Volvo até 2017, aposta em sustentabilidade e alta performance, estreando a nova plataforma PPA do grupo. São 872 cavalos, tração integral, aceleração de 0 a 100 em 3,2 segundos e ausência de janela traseira, tal qual no crossover 4.

Um presente e futuro elétrico

Nas duas últimas edições do Salão de Munique, ambientalistas protestaram em frente ao evento em defesa de uma mudança sistêmica da indústria, o que se repetiu. As ONGs Extinction Rebellion e Attac levaram placas pedindo por mais investimento em transporte público e justiça social, jogando atenção para uma mentalidade individualista e o preço dos elétricos. 

Em relação a essa questão, um estudo da empresa de consultoria, Gartner, mostra que até 2027 os BEVs serão mais baratos de produzir que os carros a combustão (ICEVs), e o Grupo Volkswagen promete preços competitivos para sua nova geração de elétricos. 

Foram revelados no evento quatro modelos para o segmento B baseados na plataforma MEB Entry do conglomerado. O principal deles foi o ID.Polo da Volkswagen, com previsão de início de vendas em maio na casa dos € 25 mil. Como o seu nome sugere, é a versão elétrica do hatch Polo, e contará com baterias de 38 e 56 kWh, com uma autonomia de 350 e 450 km respectivamente. Uma versão GTI do modelo será também comercializada, com 223 cavalos.

Continuando o apelo esportivo que a versão encurtada da plataforma em que os modelos do segmento C, ID.3 e ID.4, são construídos, a espanhola Cupra mostrou a versão de produção do Raval. Com dimensões e motorizações basicamente iguais às do ID.Polo, promete continuar a expansão da nova marca do grupo, antigamente uma divisão de performance da Seat.

3
Cupra Raval, ID.Polo e ID.Polo GTI  (direita) serão lançados em março do ano que vem, enquanto os SUVs Epiq e ID.Cross (esquerda) chegarão no segundo semestre. Foto: Volkswagen AG / Divulgação

Como era de se esperar pela relação do Polo com o T-Cross, sua versão SUV, o conceito ID.Cross foi mostrado. Com o mesmo tamanho do modelo que substituirá em 2026, integra o segmento disputado dos B-SUV elétricos, formado por nomes como Peugeot e-2008, Renault 4 e Volvo EX30. Focando em espaço e ergonomia, marca a volta de botões físicos no volante e do ar condicionado, além de um maior uso de materiais reciclados. 

Por fim, a Skoda apresentou a sua versão do SUV, denominada Epiq. Tal qual os irmãos de plataforma, será construído em Pamplona, na Espanha, e contará com a capacidade de carregar dispositivos externos como eletrodomésticos (V2L). A velocidade de carregamento é de até 125 kW, indo de 10% a 80% em 20 minutos, e o modelo estreará uma nova identidade visual para a tcheca no ano que vem.

Ascensão chinesa continua 

Aprofundando essa questão dos preços, são as marcas chinesas que se destacam globalmente, como destaca a IEA. Com grandes reservas dos minérios utilizados nas baterias, as fábricas para construí-las e anos de investimento estatal na tecnologia, seguiram com sua expansão em solo alemão. 

A BYD, maior marca chinesa em números, marcou presença com o recém lançado Dolphin Surf - a versão europeia do Dolphin Mini. Avaliado com cinco estrelas pelo Euro NCAP, é um dos BEVs mais baratos hoje à venda na Europa, custando cerca de € 20 mil. No campo dos híbridos plug-in (PHEV) a Station Wagon do segmento D, Sealion 06, foi lançada, focada em conforto e tecnologia com até 1.092 km de autonomia combinada.

Outra marca com novidades foi a Leapmotor, que já vende o hatch subcompacto T03 e o D-SUV C10 no continente, de lançamento marcado para o Brasil ainda em 2025. Pertencendo 20% à Stellantis, que controla a sua operação internacional, apresentou o inédito hatch B05, rival de Volkswagen ID.3 e BYD Dolphin. Sob a mesma plataforma do C-SUV B10, terá cerca de 400 km de autonomia e início de vendas para o ano que vem por cerca de € 30 mil.

4
"O B05 (direita) reflete nosso compromisso com a inovação, acessibilidade e a capacitação da próxima geração de motoristas em toda a Europa e além", declarou o CEO global da marca, Zhu Jiangming. Foto: Leapmotor / Divulgação

Munique foi para além de um lugar de novos modelos, mais uma vez o palco de marcas inteiras debutando em solo europeu. A marca AITO, do grupo Seres, que usa a tecnologia da Huawei, se lançou no mercado internacional com os SUVs 9, 7 e 5. Mirando as marcas premium alemãs nos segmentos E e D, podem ser tanto BEVs ou elétricos com extensor de autonomia (REEV), repetindo a abordagem da Leapmotor com o C10.

O grupo Changan Auto iniciou as operações da sua marca Deepal com os SUVs de apelo jovem e esportivo S05 e S07, ambos com opções de serem elétricos ou PHEVs. No campo de luxo, a marca Avatr da gigante chinesa mostrou seu primeiro concept car, o Xpectra, além dos modelos 06, 07 e 12, já comercializados em alguns países europeus e com planos de chegarem a 50 mercados em breve.

A premium Hongqi esteve presente e revelou o C-SUV elétrico EHS5, além de anunciar planos de expansão com 15 modelos e 200 pontos de venda pela Europa nos próximos anos. E aumentando a sua aposta no evento, a Xpeng teve um stand dentro do pavilhão e apresentou a nova geração do P7, sedã que começou a ser comercializado na Europa no IAA Mobility 2023.

Além disso, a recém chegada ao Brasil, GAC, estreou no velho continente levando cinco modelos para a mostra. Seguindo com o “European Plan Market” anunciado no ano passado, lançou como modelos de topo o novo GS7, um SUV grande híbrido plug-in, e a MPV híbrida (HEV) E9. Mas os destaques da marca foram o hatch AION UT, rival de BYD Dolphin, e o D-SUV rival de Tesla Model Y, o AION V.

O primeiro possui bateria de 60 kW/h com 430 km de autonomia e previsão de início da comercialização em 2026 na casa dos € 30 mil. Já para o segundo, comercializado no Brasil por R$214.990, o preço de € 35.990 foi anunciado, muito competitivo para o segmento. Com 510km de autonomia e cinco estrelas no teste do Euro NCAP - com mais ADAS que o brasileiro - será o primeiro a chegar às lojas, já em setembro em mercados como Portugal, Finlândia e Polônia. O plano é que a marca venda em todos os países europeus até 2028.

5
Estava ainda em Munique o carro elétrico voador GOVI AirCab (ao fundo) buscando mostrar os avanços da indústria chinesa, segundo a empresa. Foto: GAC Group / Divulgação

Eletrificação em todos os níveis 

Para além das novatas, ícones do mercado aproveitaram os holofotes da feira para se renovarem completamente. Esse foi o caso da única francesa presente, a Renault, que lançou a sexta geração do hatch Clio, o segundo carro mais vendido no continente em 2024.

Construído sob a mesma plataforma que o seu predecessor, mantém o motor 1.2 TCe e uma opção movida a GPL, mas as semelhanças acabam por aqui. No powertrain, estreia um novo sistema full-hybrid (HEV) formado por um motor 1.8 e dois elétricos, resultando em 160 cavalos e modo de condução elétrico na cidade. Conforme a estratégia da marca, o Clio não terá versão elétrica, papel delegado ao hatch de estilo retrô, o 5.

6
Hatch cresceu 6 centímetros em comprimento, evocando uma silhueta mais esportiva e afilada. Foto: Renault Group / Divulgação

No quesito design, o carro rompe por inteiro com a geração anterior, o oposto do que havia acontecido com a quinta geração em relação à quarta. A frente ostenta uma nova assinatura em DRL, que forma o símbolo da Renault, e a traseira possui lanternas duplas, nunca vistas em um Clio. O interior é todo novo também em relação ao antecessor, mas com o mesmo layout e sistema operacional do Google do irmão elétrico 5.

A Volkswagen foi outra que debutou no IAA uma nova geração de um best-seller, o T-Roc. Em sua segunda encarnação, também não terá versões elétricas, sendo o último novo carro a combustão desenvolvido pela marca. Haverão pela primeira vez no SUV opções micro-híbridas (MHEV), já conhecidas dos irmãos de plataforma como o Golf e A3, além de um novo sistema HEV, com 134 e 168 cavalos. Não haverá, pelo menos por ora, versões PHEV, sendo o único modelo sob a MEB Evo sem essa possibilidade, no entanto.

Seu exterior é uma evolução da primeira geração, mantendo linhas semelhantes e o seu apelo descolado, descrito pela marca. As dimensões aumentaram, 12 centímetros em comprimento, chegando a 4.37 metros, o colocando alinhado a rivais como o Toyota CH-R e Mazda CX-30. Por dentro a abordagem continua, com telas maiores e mais itens de conectividade e segurança assistida, mas com uma disposição de elementos clássica, vista nos últimos Golf e Tiguan.

7
Modelo construído em Portugal foi o quinto carro mais vendido na Europa no ano passado. Foto: Volkswagen Group / Divulgação

Concorrência de todos os lados

Além das chinesas em franca expansão nos últimos anos no continente, outras concorrentes vêm se destacando na corrida pelos elétricos principalmente. A coreana Kia compareceu ao evento e mostrou ao público os novos integrantes da família EV, o EV4 e o EV5. 

O primeiro é um hatch do segmento C, acompanhado de uma variante sedã. Já o último se trata de um modelo lançado em 2023 - inclusive a venda no Brasil desde o ano passado - mas que chega só agora à União Europeia como a versão elétrica do Sportage. Sua conterrânea e marca irmã também esteve em Munique com o Concept 3, prevendo o futuro Hyundai Ioniq 3, equivalente do EV4.

Mas nem só da Ásia as novidades chegam, com a primeira marca turca de automóveis elétricos, a Togg, debutando em solo alemão a sua ofensiva no continente europeu. Fundada em 2018 e com a primeira fábrica inaugurada em 2022, apresentou o C-SUV T10X e o sedã T10F ao público. A pré-venda dos modelos começará em 29 de setembro na Alemanha, e no ano que vem a empresa pretende iniciar seus trabalhos na França e Itália, com meta de ter até 2030 um milhão de veículos em toda a Europa.

8
Preços ainda não foram divulgados, mas devem ficar em torno de € 40 mil tomando como base as cifras no mercado turco. Foto: Togg / Divulgação

Construídos sob uma plataforma elétrica, ambos receberam nota máxima no Euro NCAP recentemente, com mais de 9% de proteção para adultos e 80% nos ADAS. A respeito do desempenho, a bateria possui 88.5 kWh de capacidade, e autonomias de até 500 e 600 km para o SUV e o sedã respectivamente. 

“Nossos modelos proporcionam uma experiência de mobilidade voltada para o usuário e voltada para o futuro”, comentou Gürcan Karakaş, CEO da marca durante o evento. A marca anunciou ainda que trabalha no terceiro de cinco modelos que irá lançar até o fim da década, o B-SUV T8X. Karakaş finalizou destacando que prepara para introduzir baterias de pirofosfato de lítio (LFP), e que a indústria deve estar preparada para as mudanças e maior concorrência.

Em sua terceira edição, a mostra se consolida na indústria automotiva, mas ainda pode melhorar
por
Vitor Nhoatto
|
19/08/2024 - 12h

Criado em 2022 como um substituto aos órfãos do Salão do Automóvel de São Paulo, suspenso desde 2018, o Festival Interlagos aconteceu mais uma vez. Tomando as instalações do The Town, mobilizou cerca de 120 mil pessoas entre os dias 09 e 11 de agosto e as principais marcas do mercado. Tudo isso mexendo com as emoções dos apaixonados pelas quatro rodas na mítica pista de Interlagos, zona sul da capital paulista.

Vista de cima da pista de Interlagos durante o Festival Interlagos Carros 2024
Obras acontecem no complexo, palco da música em São Paulo e agora definitivamente das motos e carros também - Foto: Vitor Nhoatto

Um pouco de história

Idealizado inicialmente como Festival Duas Rodas em 2021 pela revista de mesmo nome e pela Fullpower, que como o nome sugere era dedicado ao universo das duas rodas, foi com o tempo se expandindo. No ano seguinte, mudou para Festival Interlagos Motos, já com um público considerável, e anunciou também um irmão mais novo e maior, a edição Carros. 

As expectativas eram altas, já completavam quatro anos de ausência de qualquer evento dedicado ao mundo dos automóveis no Brasil. Em um país com uma relação forte com os veículos, terra de Ayrton Senna e com relevância internacional no setor, algo estava faltando. Não era por baixa adesão popular tal buraco, mas como no mundo todo, pós-pandemia e gradativamente mais volátil, reclamações e reivindicações assombravam os tradicionais salões. 

Por parte das empresas, o principal descontentamento era com o formato em si. Estático, grandioso e caro, cada vez mais um negócio impraticável. E por parte dos espectadores, batia um cansaço do título de “agente unicamente passivo”. 

Com o Festival Interlagos as coisas seriam diferentes. Saía o termo antiquado e entrava em cena um evento de experiência automotor. Nele, os visitantes passariam a poder experimentar na pista os modelos antes restritos a exposição, enquanto as empresas poderiam comercializar seus produtos. E assim foi.

Jeep Gladiator Rubicon azul no canto com foco na sala de financiamentos do outro lado do Boulevard
De forma oposta aos estandes, salas de negócios e de financiamentos para o visitante se tornar cliente em Interlagos - Foto: Vitor Nhoatto

A primeira edição teve recepção morna, participação de dez marcas e um pouco mais de 20 mil pessoas. Em 2023, o público dobrou e apesar de ter mantido a quantidade de marcas, foi o palco de lançamentos no mercado brasileiro como o Ora 03 da GWM e o GR Corolla da Toyota. Já em 2024, o crescimento foi de fato expressivo: 19 fabricantes de veículos e 118,7 mil visitantes, segundo a organização do evento.

Como era o evento?

Sua estrutura manteve-se, com estandes localizados na área dos boxes da pista e também no piso superior, chamado de paddock mall. No entanto, para comportar o número bem maior de expositores, a pista se transformou em uma mostra a céu aberto. Com direito a terra nos calçados e caminhada na grama, mas sem o lamaçal visto no Lollapalooza, era visível a expansão do evento.

Em alguns momentos, era possível ter a sensação de algo de grande porte e com relevância minimamente nacional. Se ouviam alguns sotaques diferentes, principalmente sulistas, e havia fila nas principais ativações do festival, seguramente a sala de briefing - etapa anterior ao test-drive - e nas brincadeiras interativas nos estandes, com destaque para o divertido e aconchegante espaço da Renault.

Estande da Renault com Kardian laranja ao fundo e cafeteria no canto direito
Estande da marca francesa lembrava mais uma sala de estar do que uma exposição de carros - Foto: Vitor Nhoatto

O contato com as aparentes intermináveis obras do local prejudicava a imersão completa em alguns momentos na área externa, e os tapumes não tornavam a experiência visual tão agradável. Longe do charme e glamour dos salões com certeza. Mesmo assim, o entretenimento era diverso e cativante. Para as crianças, área kids com atividades de pintura e brinquedos infláveis, aos gamers, uma arena com simuladores, e aos passeadores de shopping, lojas de acessórios com atividades interativas e brindes, além de um quiosque da perfumaria Natura.

A praça de alimentação era modesta, com mais opções comparado às outras edições, mas ainda sem tantas variedades vegetarianas e veganas, além de preços não tão chamativos. Falando em valores, os ingressos custavam entre R$98 e R$2.960. A sinalização foi outro ponto a ser melhorado. Não havia muitas indicações de onde ficavam a área de credenciamento, de test drive, a tirolesa (herdada do The Town) ou mesmo a localização das escadas.

Outro destaque foram as atrações. Houveram apresentações de pilotos na pista de drift e shows de Fernando e Sorocaba e Filipe Ret. Aqui a organização foi vitoriosa, pois nenhum incidente ocorreu e as apresentações cativaram a plateia. Para curtir a dupla sertaneja, era necessário comparecer no sábado e ter o ingresso Show Pass, que custava R$250 e permitia o acesso a um churrasco, à vontade, por cinco horas. Para ver o rapper, na sexta-feira, o ingresso básico já era suficiente.

Dos boxes aos holofotes

Partimos para o foco do evento, os carros, área em que as coisas prometiam ser melhores e realmente emocionantes. Chegando ao autódromo, o barulho dos motores na pista chamava a atenção no longo percurso até o local de fato do evento. Transfers gratuitos estavam disponíveis no estacionamento para quem não fosse fã da caminhada, tanto ida como volta.

Caso houvesse vontade de sentir com as próprias mãos, e pneus, o circuito, era necessário desembolsar R$495 para correr com três veículos. Havia também o Range Rover Pass por R$1.295 com direito a experimentar modelos como Evoque e Velar. Por último no topo, salgados R$2.960 permitiam andar de Lamborghini, Ferrari ou Porsche. 

Vários carros na parte dos boxes na pista de Interlagos, como Honda Civic Type R, Omoda E5 e Ford Mustang
No caso da maioria dos carros, como Type R e Mustang era necessário ter CNH por pelo menos três anos, enquanto com Lamborghini e Ferrari, 5 - Foto: Vitor Nhoatto

Dentro do prédio estava a maioria dos estandes. Na parte de cima, estavam empresas diversas do setor, com carros “vestindo” seus uniformes, inclusive alguns modelos exclusivos, como um Rolls Royce Cullinan e alguns Porsche 911. Embaixo, na área dos boxes propriamente, finalmente as marcas de automóveis. 

Estiveram presentes Mitsubishi, Honda, Renault, Toyota, Lexus e Abarth, sem grandes novidades. Além destas, a Volvo marcou presença com todos os carros de sua linha atual, incluindo o recém-lançado no Brasil, EX30, SUV compacto elétrico mais barato da marca. Aliás, o modelo teve uma das maiores demandas de test drive da mostra. 

No entanto, as estrelas do evento foram, mais uma vez, as marcas chinesas. Por todos os lugares do evento, víamos estandes de empresas de acessórios, estacionamento, pista e arena com alguns Ora 03. Falando de GWM, um dirigível com a logo da marca pairava pelo céu durante os dias do festival. Além disso, mais uma vez ela apresentou modelos inéditos, ainda em homologação. Dessa vez foram dois SUVs, um de luxo com seis lugares, Wey 07, e outro off road, Tank 300, ambos híbridos.

Do lado, encontrava-se outra protagonista oriental, a BYD. Na frente de suas compatriotas em números de vendas, a nona maior do Brasil também usou a festa para atiçar os consumidores. A minivan híbrida D9, da submarca premium Denza, chamava a atenção de imediato pela sua presença, apesar de ser um produto de nicho. O modelo que realmente irá mexer com o mercado e que estava no estande, trancado e com uma espécie de máscara, era o Yuan Pro.

Byd Yuan Pro com camuflagem colorida no canto esquerdo ao lado da minivan Denza D9 branca e Seal Stock Car mais ao fundo
Além de Yuan Pro e da estreia da Denza, Seal Stock Car prevê categoria elétrica inédita na competição - Foto: Vitor Nhoatto

Com dimensões próximas a de um Hyundai Creta, o SUV elétrico será lançado ainda esse ano no Brasil. A empresa promete preços competitivos tal qual o hatch subcompacto Dolphin Mini, presente lá também em sua nova versão de cinco lugares. 

Interlagos como palco

Em constantes reformas desde 2014, a complexa propriedade da Prefeitura de São Paulo possibilitou uma nova área na edição 2024 do Festival Interlagos Carros. No meio do circuito, mesmo local onde os palcos do The Town são montados, mais marcas estavam presentes como dito no início desta reportagem.

O acesso se dava pelas escadas externas, que possibilitavam uma boa visão da pista e atraiam os mais afetuosos por fotos. Mas, de novo, a distância poderia incomodar alguns. Era uma descida considerável, mas se optasse pelo elevador, que era um pouco demorado, o incômodo poderia ser menor. Já na grama, a emoção voltava e aumentava quando comparado à área interna.

De cara, o pomposo estande branco de uma marca totalmente desconhecida chamava os olhares. Seja pelo nome não "aportuguesado" e, portanto, curioso aos brasileiros, ou pela estreia da empresa em território nacional. Essa em questão é a Neta, chinesa com pretensões de fabricação no Brasil de seus carros, totalmente elétricos.

Estande de dois andares da Neta Auto na área externa do Festival Interlagos Carros 2024
A Neta Auto promete fechar 2024 com três modelos e 35 concessionárias no Brasil, dobrando a quantidade de lojas em 2025 - Foto: Vitor Nhoatto

Seus primeiros lançamentos serão um hatch, um SUV e curiosamente um esportivo. O primeiro, o AYA, era o único não disponível para test drive e concorrerá com Dolphin e Ora 03, apesar de menor, tamanho semelhante a um Chevrolet Onix. Custando a partir de R$124.900 na versão de entrada sem assistentes de condução, tem potencial. O design é questionável, mix de monovolume e crossover, e a autonomia é menor que seus concorrentes, 263 km segundo o Inmetro. Mesmo assim o preço é atrativo.

Na casa dos R$200 mil eis o X, SUV médio com pegada esportiva e moderna. Diferente do hatch, a presença do modelo de 4,68 metros é boa e atrai. Custará entre R$194.900 e R$214,900, com variações nos assistentes, mais uma vez, e no tamanho da bateria. A versão de entrada, 400, tem autonomia de 258 km, enquanto as outras duas, 500, segundo Inmetro, podem rodar até 317 km.

Por último e em um movimento até então inédito, um esportivo de duas portas, o Neta GT. Imponente e harmonioso, o veículo também era figura constante na pista de Interlagos. A disponibilidade para test drive do modelo havia se esgotado rapidamente no site antes do evento. Ainda sem preço definido, é o único do trio em homologação. AYA e X têm previsão de comercialização em setembro e o GT até o fim do ano. 

Diversidade e exclusividade

Seguindo pelo espaço, era possível se deparar com alguns robôs, carregadores (de celular e de veículos), food trucks, mais estandes e arenas. Destaque na área de apresentações foi a pista de drift, atrás dos estandes mais ao final da área externa do evento. 

Três carros de drift, dois Nissan 350Z e um Nissan Silvia na p[ista de drift
Apenas os pilotos podiam derrapar na pista, por questões de segurança claro, mas o público curtia como se estivesse em meio a fumaça - Foto: Vitor Nhoatto

Após as fortes emoções a caminhada continuava. Perto da nova pista de habilidades, uma espécie de circuito formado por cones, estavam mais duas estreantes, e chinesas. Pertencentes a Chery, mas lançadas como marcas independentes, tal qual em mercados europeus, Omoda e Jaecoo.

A primeira, de apelo mais jovem e dinâmico, trouxe o híbrido leve 5 e sua versão elétrica E5. O porte é parecido ao rival Jeep Compass, mas com uma caída de teto acentuada e estilo que puxa para um SUV coupe. Já a segunda, com uma pegada mais cúbica e um toque maior de refinamento, apresentou o 7, híbrido plug-in. A qualidade percebida da tríade é boa, nível de equipamento completo e promessa de preços competitivos quando comercializados no início de 2025. A expectativa antes do evento era de início ainda este ano.

Os três modelos estavam disponíveis para teste, porém, foram ofuscados pela outra novata e demais chinesas. Até o último dia haviam horários disponíveis. Mesmo assim, as empresas têm altas expectativas. Investimento de R$200 milhões, rede com 50 concessionárias até o ano que vem, 30 mil vendas anuais, quatro modelos inéditos e intenção de produção nacional. 

De frente a pequena plataforma das chinesas, algo cercado de expectativas e história, o estande Museu Automóvel. De longe, a silhueta de dois clássicos já atraia os olhares, e lá dentro, até os menos entendidos sabiam que estavam diante de lendas do mundo dos automóveis. 

A iniciativa foi outra novidade da edição 2024, e trouxe raridades do século passado, como o Plymouth Superbird, além do trio de superesportivos Porsche 918, McLaren P1 e Ferrari LaFerrari. No espaço que também contava com um estúdio de tatuagem, fotos e comentários com onomatopeias de espanto eram constantes, seja de crianças ou adultos.

Mais ao fundo, estrategicamente próximos da pista off-road, que era inclusa em todos os ingressos, mas sujeito a disponibilidade no local, estavam estandes de Jeep, Ram, Ford e BYD novamente. A estadunidense Ford levou suas picapes Ranger Raptor e F-150 para o ar livre, com a segunda apresentada inclusive em sua variante elétrica Lightning, futuro lançamento. Enquanto isso, a BYD dedicou seu segundo estande a seu mais novo modelo, a picape híbrida plug-in Shark, primeira com tal motorização no segmento. 

Por fim, mas não menos relevante, a Chevrolet esteve no evento. Além de alguns modelos Stock Car espalhados pelo Festival e da nova edição do carro de competição no estande em si, havia outra novidade. Tendo sido anunciada apenas algumas semanas antes, se tratava da Blazer EV, verdadeira estrela do espaço.

Três modelos Blazer EV no estande da Chevrolet, dois dos carros vermelhos e um prata.
Preço do modelo que estrelou o filme Barbie em 2023 ainda não foi divulgado, mas pelo posicionamento proposto deve ficar em torno de R$500 mil - Foto: Vitor Nhoatto

Após alguns atrasos por questões no desenvolvimento do software do modelo que marca a chegada de uma nova geração de elétricos na GM, enfim é hora. Haviam três no estande e alguns rodando na pista. De apelo esportivo - conhecido como o SUV do Camaro nos Estados Unidos - cativa pelo design, tanto exterior como interior. O acabamento é ótimo, mas ainda aquém dos rivais na mira da marca no Brasil, BMW iX3 e a nova Porsche Macan. Além disso, fica devendo piloto automático adaptativo e centralização na faixa de rodagem. 

De olho no futuro

Em sua terceira edição, o Festival Interlagos Carros mostrou-se mais maduro, e a participação do público e das empresas comprovou a sua consolidação no calendário das quatro rodas. Obviamente, o glamour e as emoções proporcionadas pelo sucessivamente adiado Salão do Automóvel de São Paulo não são as mesmas. Mas isso não é de todo mal.

O local mexe com o imaginário popular e as demandas do público por participação efetiva se cumpriram, apesar de ainda limitada e cara para a maioria. Além disso, as marcas podem, finalmente, vender seus produtos e os custos operacionais são consideravelmente menores, segundo as participantes em suas coletivas de imprensa. Enfim, de alguma forma, ambos os lados são agradados.

O caminho traçado até aqui foi exitoso, apesar de problemas organizacionais e estruturais. Além disso, o futuro parece promissor e a prefeitura de São Paulo, inclusive, confirmou as datas para 2025. Edição Motos acontecerá entre 28 de maio a 1 de junho e Carros de 11 a 15 de junho. Já o Salão, estipulado até então para novembro de 2025, segue em negociações.

Ápice de atividade solar ocorre neste ano e atividades celestes já podem ser observadas
por
Juliana Bertini de Paula
|
05/06/2024 - 12h

 

Desde o início de maio, explosões solares foram observadas por laboratórios astronômicos de todo o planeta, causando auroras boreais pela Europa. Cientistas afirmam que o ano de 2024 será de atividades solares extremas.

“É o momento que os astrônomos piram”, diz Marcelo Rubinho, um dos astrônomos residentes do planetário de São Paulo. Ele explicou o fenômeno em entrevista à AGEMT.
 

O que são?

As explosões solares são uma súbita liberação de energia com segundos de duração que acontecem nas manchas solares, regiões ativas um pouco mais frias.

“Por ser fluido, os campos magnéticos do Sol ficam embaraçados e quanto mais embaraçados, mais atividade solares ocorrem. Isso ocorre normalmente a cada 11 anos, mas neste está anormal”, explica o astrônomo.

Ilustração explicando o campo magnético solar. Foto: Addison Wesley
Ilustração explicando o campo magnético solar. Foto: Addison Wesley.

 

 

As linhas destes campos funcionam como tubos para o plasma, composto por partículas, principalmente elétrons. As linhas formam caminho para o material passar de uma região para outra. Assim, o local onde a energia é expelida se torna mais frio e se formam as manchas solares. O Sol se mantém nesse estado até trocar a polaridade a cada 11 anos.

 

Nestas regiões existe uma concentração de plasma armazenado. Quando há alguma instabilidade nessa região, ocorre a explosão, originando radiação eletromagnética que pode ejetar partículas para o sistema solar. 

 

Como podem afetar a vida na terra?

 

Nessas explosões, pode ou não acontecer uma ejeção solar. Caso essa liberação de partículas esteja exatamente alinhada à Terra, pode atingir satélites artificiais, causando dano nos painéis solares, interrupção de transmissão de dados, e, na litosfera, alterações  no fornecimento de energia, provocando apagões e afetando sistemas de navegação.

 

“A chance da terra ser atingida é muito pequena pois a ejeção tem que sair na direção da Terra e a Terra tem que esta na linha direta da ejeção”, conta Rubinho. 

 

 Porém, as explosões não causam riscos diretos para os seres na Terra devido ao campo magnético, que impede que as partículas extremamente energéticas atinjam os seres vivos. Mas um astronauta que está fora desse campo, por exemplo, e que por algum motivo estaria fora da proteção de sua nave, poderia ter câncer de pele, catarata ou morrer.

 

Explosão solar, é perceptível o plasma seguindo as linhas do campo magnético. Foto: NASA.
Explosão solar, é perceptível o plasma seguindo as linhas do campo magnético. Foto: NASA. 

 

 

Na Terra, essas explosões se tornam perceptíveis com a ocorrência de auroras boreais incomuns no Hemisfério Norte e raras auroras austrais no Hemisfério Sul, como a que aconteceu na Argentina, observada em Ushuaia, no sul do país. No Chile, o fenômeno foi visto na região de Los Lagos e na Patagônia.

 

Aurora austral vista do Ushuaia, no sul da Argentina. Foto: Reprodução/Servicio Meteorológico Nacional/X.
Aurora austral vista do Ushuaia, no sul da Argentina. Foto: Reprodução/Servicio Meteorológico Nacional/X.

 

 

Na Europa, há relatos nas redes sociais de aurora boreal na Hungria, na Suíça, no Reino Unido e no norte de Portugal. Já nos Estados Unidos, a aurora boreal foi vista nos estados de Massachusetts, Wisconsin e Flórida.

 

Atividades extremas

Na primeira quinzena de maio deste ano foram registradas as explosões mais intensas desde 2003. 

Uma grande mancha escura na superfície do sol, nomeada AR3664, cresceu e se tornou uma das maiores e mais ativas manchas solares vistas neste ciclo solar.

 

Mancha AR3664, que cresceu nos últimos meses. Foto NOAA.
Mancha AR3664, que cresceu nos últimos meses. Foto NOAA

 

 

O fenômeno atraiu atenção dos astrônomos após o Centro de Previsão do Tempo Espacial da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) emitir um aviso de aumento do risco de erupções solares.

 

 Essas atividades são categorizadas por tamanho com letras, sendo a classe X a mais poderosa. Em seguida, existem as erupções da classe M, que são 10 vezes menos poderosas do que as da classe X, seguidas pelas erupções da classe C, que são 10 vezes mais fracas do que as da classe M, e assim por diante.

Acompanhado da letra, há uma escala numérica que vai até 9, para registrar a força da erupção.

 

Em 15 de maio, a Nasa, agência espacial estadunidense, registrou a explosão mais potente nos últimos 20 anos. Ela foi classificada como X8.7. Apesar de intensa, a atividade aconteceu no lado oeste do Sol, que se encontra em rotação na direção contrária da Terra. Por isso, não é esperado que o fenômeno provoque efeitos no planeta.

 

Outros fenômenos

 

Além das tempestades solares, dois meteoros chamaram a atenção dos cientistas recentemente: um que atravessou Portugal e Espanha e outro no Brasil.

 

Em 19 de maio, uma enorme bola de fogo gerada pela súbita destruição de uma rocha procedente de um cometa sobrevoou a região espanhola de Extremadura e vários distritos do noroeste de Portugal, até se desintegrar sobre o Oceano Atlântico. 

Essa rocha atravessou a atmosfera terrestre a uma velocidade de 161 mil km/h. A sua cor esverdeada e azulada indica que a bola de fogo é composta por magnésio.

 

Bola de fogo azulada vista em partes da Europa. Foto: Reprodução/Facebook.
Bola de fogo azulada vista em partes da Europa. Foto: Reprodução/Facebook.

 

 

Outro evento parecido ocorreu na madrugada da última sexta-feira (31). O observatório espacial Heller & Jung, localizado em Taquara, Porto Alegre, registrou a queda vertical de um meteoro sobre o Rio Grande do Sul.

"Este meteoro ingressou na atmosfera a uma altitude de 101,4 quilômetros e se extinguiu sobre o centro do estado na área de Santa Maria a uma altitude de 32 quilômetros", explica o professor Carlos Fernando Jung, responsável pelo observatório, em entrevista ao G1.

 

 

Meteoro caindo de maneira vertical no Rio Grande do Sul. Foto: Observatório Heller & Jung
Meteoro caindo de maneira vertical no Rio Grande do Sul. Foto: Observatório Heller & Jung

 

 

Outras atividades espaciais são esperadas ainda para esse ano, como eclipses lunares, chuva de meteoros e lançamentos de missões espaciais.

Acompanhe como foi a primeira mesa do evento , realizado no Tucarena, teatro da PUC-SP
por
Beatriz Alencar Gregório
João Pedro Lopes Oliveira
Geovana Bosak Santos
|
15/03/2024 - 12h

Na quarta-feira (13), a Agência Pública celebrou seus 13 anos de jornalismo investigativo no Tucarena, em Perdizes, em  parceria com o   curso de Jornalismo e a Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes da PUC São Paulo. O evento "Pública 13 anos: O jornalismo na linha de frente da democracia", contou com três mesas de debate ao longo do dia, reunindo nomes ilustres do jornalismo, da antropologia e do clima. A comemoração discutiu temas como a desinformação, a crise climática e a defesa da democracia.

A primeira mesa, com o tema “Desinformação e Populismo Digital”, foi mediada por Natalia Viana, co-fundadora e diretora executiva da Pública, ela também se graduou em Jornalismo na PUC e mencionou a escolha da universidade para sediar o evento. Segundo ela, “a democracia é a cara da PUC”. Como convidadas, juntaram-se à mesa a antropóloga Leticia Cesarino e a pesquisadora Nina Santos para discutir as ondas de desinformação, a regulamentação da inteligência artificial e o poder das big techs e algoritmos nos sistemas de informação.

Ao final da discussão, também foram abertas perguntas ao público. Geovana Bosak, estudante de jornalismo perguntou: "Como você vê o futuro do jornalismo em um ambiente que está cada vez mais dominado pela manipulação dos algoritmos e pela desinformação?"

Nina Santos:

"O jornalismo está passando por um momento de transformação, porque de fato a economia da atenção, que é o rege o funcionamento das plataformas digitais, acaba mudando muito até a forma de acesso das pessoas ao jornalismo. O que a gente vê nas últimas pesquisas é que as pessoas acessam cada vez mais o conteúdo jornalístico através das plataformas. Ao invés de entrar diretamente nos veículos, elas entram nas plataformas digitais, que são espaços de informação e também de entretenimento, e através dessas plataformas que elas acabam se informando sobre o que tá acontecendo, o que é importante, e sobre o quê que elas precisam agir".

A Agência Maurício Tragtenberg esteve presente na primeira mesa de discussão "Desinformação e Populismo Digital", e gravou um vídeo de cobertura. Para conferir, acesse: 

https://www.instagram.com/reel/C4icdfIOyQo/utm_source=ig_web_copy_link&igsh=MzRlODBiNWFlZA==

 

Como a adesão do sistema de videomonitoramento no Brasil representa a falência da segurança pública
por
Gabriela Figueiredo
Victoria Leal
|
27/11/2023 - 12h

Por Gabriela Figueiredo e Victoria Leal 

"Estão criando uma polêmica em algo que a gente já construiu, um sistema que muitas cidades já desenvolvem, que no metrô tem, em vários locais tem, é como se fosse algo muito inovador e na verdade estamos atrasados. São Paulo está correndo atrás de um prejuízo". Ricardo Nunes, prefeito da cidade de São Paulo, sobre o sistema de videomonitoramento Smart Sampa.

O Smart Sampa é o novo sistema de videomonitoramento da cidade de São Paulo, que iniciou, na segunda-feira (7) de agosto de 2023, a instalação de 20 mil câmeras inteligentes de segurança, que integram a tecnologia de biometria facial, com serviços públicos da cidade, para monitoração em tempo real da população. 

O sistema funciona unindo informações captadas dos rostos dos cidadãos pelas câmeras de segurança distribuídas pela cidade, com o banco de dados do sistema de segurança pública da região, para identificar, principalmente, pessoas que cometem infrações, mas segundo prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes, a monitoração será utilizada em união com outros órgãos, para identificar possíveis acidentes e chamados voltados para políticas públicas.

O prefeito explicou ainda que “tem que ter mais de 90% de similaridade na biometria facial [para iniciar uma operação de busca] e não teremos a transmissão automática às forças policiais quando for detectado alguém que seja, por exemplo, um procurado da Justiça. Ele vai passar ainda por um comitê integrado à Controladoria Geral do Município para a análise antes do envio”.

A decisão do consórcio que cuidará do sistema passou por um pregão eletrônico, que contou com a participação de 12 empresas, em que o contratado foi o Consórcio Smart City SP, formado pelas empresas CLD – Construtora, Laços Detentores e Eletrônica LTDA, Flama Serviços LTDA, Camerite Sistemas S.A. e PK9 Tecnologia e Serviços LTDA, com previsão de instalação das câmeras em 18 meses, por um custo mensal de R$ 9,8 milhões.

 

HISTÓRICO

O sistema de videomonitoramento já tem seu histórico no Brasil, com instalações no Rio de Janeiro e Bahia. Em uma pesquisa publicada em novembro deste ano, pela Rede de Observatórios da Segurança - grupo criado em maio para coletar indicadores que não são divulgados oficialmente - de março a outubro, foram detidas 151 pessoas com o uso de tecnologias de reconhecimento facial, sendo 52% dos casos na Bahia, 37% no Rio de Janeiro e 7% em Santa Catarina.

A organização não oficial levantou os dados usando reportagens de veículos de imprensa, páginas das polícias e de outras organizações e órgãos nas redes sociais. Ainda, segundo a pesquisa, o perfil das pessoas presas segue a tendência da população carcerária, sendo 90% das pessoas negras, 88% homens, com idade média de 35 anos e com abordagens por tráfico de drogas e roubo.

E é aqui que o histórico passa a ter seu contrapeso na implementação da tecnologia. Em um primeiro teste executado durante os quatro dias de Micareta, em Feira de Santana, Carnaval fora de época que acontece no município próximo a Salvador, mais de 1,3 milhão de pessoas tiveram seus rostos captados e 903 chamados foram gerados, mas apenas 33 mandados de prisão foram cumpridos.

No Rio de Janeiro, uma mulher e um homem foram detidos por engano em Copacabana, em julho, com acusação de homicídio, em que, no processo de investigação do caso, foi descoberto que a procurada já estava na prisão havia 4 anos.

A professora do Programa de Tecnologias Inteligentes e Design Digital (TIDD) PUC SP, Dora Kaufman, explica que "o reconhecimento facial é uma das aplicações da técnica de aprendizado de máquina, subcampo da inteligência artificial", a aplicação serve para diversas atividades, desde reconhecimento de imagens em pesquisas no Google até biometria facial, em que o algoritmo aprende com base exemplos extraído de dados.

No caso da biometria facial, um dos obstáculos é processo de reconhecimento do rosto, que não chega à precisão completa. O cálculo acontece a partir da distância entre alguns pontos do rosto e comparação com o banco de dados. Quando um certo grau de semelhança é emitido, o alerta é direcionado.

A professora ainda aponta que “existem estudos de ONGs indicando que mais de 20 secretarias de segurança de cidades brasileiras estão usando esses sistemas, com falhas significativas. O problema é alguém ser reconhecido equivocadamente, ou seja, ser preso sem ter incorrido em nenhum crime simplesmente porque o sistema falhou”.

 

O CICLO SE REPETE

Com 90% de identificação da população preta em alvo do sistema e uma das maiores porcentagens da instalação de câmeras na zona mais rica da cidade - 3.300 câmeras na região central, 6 mil na Zona Leste, 3.500 na Oeste, 2.700 na Norte e 4.500 na Sul -

Amailton Azevedo, professor do Programa de Estudos Pós-graduados em História e do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais da PUC-SP, aponta que "trata-se de outros mecanismos para renovar e sofisticar o racismo made in Brazil. Se há a tese de que considera o racismo brasileiro se manifesta de modo silencioso e velado, de outro, pode-se defender que políticas de segurança como essas tornam explícitas as soluções brancas para problemas negros e mestiços".

O prefeito Ricardo Nunes afirmou ainda que “quem tem que estar preocupado é quem fez alguma coisa contra a lei, mas quem não tem nada contra a lei, fique despreocupado. Alguém que fez algo contra a lei, alguém que traz transtorno para a sociedade, acho que essas pessoas têm que estar preocupadas”.

Em uma alusão com o mundo real, o anime japonês “Psycho-Pass” mostra, ainda no primeiro episódio, como o sistema de monitoramento por inteligência artificial pode ser falho a ponto de pôr em risco a vida da população que “não tem nada contra a lei”. O episódio apresenta um medidor de “potencial de criminalidade”, monitorado pelo Estado, que após atingir certos estágios, pode levar a prisão ou execução.

Após sofrer um trauma por tentativa de abuso, a personagem vítima tem seu psycho-pass elevado a nível de execução, mesmo sem nunca ter apresentado qualquer sinal natural do “potencial de criminalidade”.

Sendo 90% de potencial de identificação do sistema de monitoramento ou 90% dos alvos sendo pessoas pretas, a falta de precisão do Smart Sampa e de qualquer outro sistema vira mais um agravante para um problema estrutural da sociedade.

 

IMAGEM DE CAPA: Reprodução Portal Outras Palavras

Qualidade da água do rio continua muito ruim, mas margens recuperadas já trazem benefícios para a população
por
Lucas Gomes
Matheus Marcolino
|
21/11/2023 - 12h

Por Lucas Gomes (texto) e Matheus Marcolino (audiovisual)

 

Jhonatan Barbosa cresceu e passou grande parte de sua vida adulta em Cidade Tiradentes, extremo da Zona Leste de São Paulo. O dia a dia na periferia não era fácil. Ele começou a trabalhar aos 14, em buffets nas festas dos ricos do centro da capital. Já que a rotina de horas e horas dentro do transporte público era extremamente desgastante, sonhava em viver em um grande centro. E esse sonho é antigo: quando criança, nos anos 1990, sua mãe costumava levá-lo a um consultório médico na avenida Paulista. No caminho, passavam por hospitais e grandes monumentos da cidade, além da Marginal Pinheiros, que margeia o rio. Ele via os prédios na região da Vila Olímpia com espanto. Parecia uma outra realidade. 

Em 2019, Jhonatan conheceu sua atual esposa. Na época, ela morava numa kitnet em Santo Amaro, Zona Sul da capital. Com o início da pandemia, em 2020, ele decidiu se mudar para lá. O sul oferecia a Jhonatan o que o leste não tinha: além de conseguir morar perto do trabalho, agora ele e a companheira tinham opções de lazer, como as margens do Rio Pinheiros, que vive um processo de despoluição há quatro anos. Inaugurou-se um programa de casal: andar de bicicleta, caminhar, ou até mesmo fazer yoga no recém-inaugurado Parque Bruno Covas. Criou-se uma relação com um rio que estava morto.

O Rio Pinheiros sempre fez parte da história de São Paulo. Ele foi navegável até o início do século passado, quando o interesse do setor energético impulsionou uma mudança: o curso do Pinheiros mudou, e o rio passou a correr em direção à represa Billings, construída para servir como um reservatório para geração de energia hidrelétrica. Nos quase 100 anos que se passaram desde então, o Pinheiros foi um dos rios mais violentados pela população e pelo poder público, e se tornou sinônimo de sujeira, mau cheiro e descaso.

Em 2019, João Dória, então governador do Estado de São Paulo, fez uma promessa bastante ambiciosa: despoluir o Rio Pinheiros até o fim de 2022. O programa “Novo Rio Pinheiros” previa o investimento de mais de R$ 1,5 bilhão, que focaria no tratamento de esgoto para impedir que lixo e dejetos continuassem chegando ao rio. 

O mapeamento “Observando os Rios”, da ONG SOS Mata Atlântica, acompanha a situação do Rio Pinheiros e dá uma nota para a qualidade da água em três pontos de medição: Ponte João Dias, Ponte do Jaguaré e Ponte da Cidade Jardim. Desde o início do monitoramento mensal, em agosto de 2021, somente em duas vezes os pontos de medição não receberam a nota mínima (péssimo): em outubro de 2021, João Dias recebeu nota “ruim”, sendo o mesmo caso da Ponte Cidade Jardim, em janeiro deste ano. 

César Pegoraro, biólogo e integrante da Equipe de Água da SOS Mata Atlântica, conta que, passados quatro anos desde o início do programa Novo Rio Pinheiros, os avanços são inegáveis, mas a situação segue calamitosa. Foram registradas 650 mil ligações de domicílios à rede de esgoto, diminuiu-se a carga orgânica do rio, mas o estado da água do Pinheiros ainda é horrível. “A gente ressuscitou um rio e conseguiu devolver esse rio à UTI. Ele não é um rio saudável”, explica.  Na visão de César, João Dória cometeu um erro ao estipular uma data de entrega, já que a natureza tem um tempo próprio - e, às vezes, resultados concretos podem demorar a chegar.

A principal métrica usada no mundo para medir a limpeza de um rio é a de DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio). Ela determina quanto oxigênio é consumido em cada litro de água por causa da poluição. Em 2022, a gestão Dória afirmou que a meta estava sendo cumprida. “Dos 13 pontos de monitoramento do rio, 11 já apresentaram o chamado DBO abaixo de 30 mg/L, quantidade mínima para que a água não tenha odor, melhore a turbidez e permita vida aquática”, relata, em nota, a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (SEMIL) do Governo do Estado de SP. 

José Carlos Mierzwa, chefe do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Escola Politécnica (POLI) da USP, conta que um DBO de 30 mg/L não é o ideal para um rio vivo. Segundo ele, para que haja vida aquática é necessário um DBO na faixa dos 5 mg/L. O projeto de despoluição é coordenado pela SEMIL-SP e conta com participações da Sabesp e da Cetesb. 

Os órgãos e empresas citadas foram procurados, mas não responderam até o fechamento da reportagem. 

O CHEIRO 

Jhonatan conta que sentiu uma melhora no odor vindo do rio Pinheiros durante os últimos anos. O cheiro não incomoda seu trajeto para o trabalho ou quando ele sai com sua companheira para caminhar no Parque Bruno Covas, por exemplo. Na estação Cidade Universitária, da Linha 9-Esmeralda, porém, a história é outra: um odor forte de esgoto é notado pelos usuários do transporte público. A estudante Ana Carolina diz que o cheiro se intensifica em dias de chuva ou de calor, que estão se tornando cada vez mais comuns na capital.

Pegoraro explica que as diferenças entre os diferentes pontos do rio se dão pelos muitos afluentes do Pinheiros e do processo de saneamento nas regiões atendidas por eles. Enquanto nos arredores do Parque Bruno Covas o rio é mais verde e o tratamento de esgoto é localizado e avançado, regiões como a da estação Cidade Universitária ou do Parque Villa-Lobos sofrem para tratar grandes quantidades de esgoto. Os rios Pirajussara e Jaguaré, principais afluentes dessas localidades, ainda têm uma carga orgânica maior - o que acaba deixando o cheiro mais forte.

A IMPORTÂNCIA DO RIO

Um rio vivo impacta a comunidade de seu entorno de muitas formas, mas duas são as mais destacáveis. O primeiro - e mais imediato - aspecto é o da oferta de lazer. O Rio Pinheiros, por exemplo, teve suas margens revitalizadas, e pessoas como Jhonatan e outros moradores da Zona Sul ganharam uma nova opção de convívio com a família, amigos e natureza, mesmo que nem todo ambiente esteja próprio para isso. A despoluição de rios é uma boa oportunidade para o setor de turismo, e o caso do Rio Sena, na Europa, chama atenção: antes tido como “morto”, o canal francês agora é favorito a receber competições de natação nas Olimpíadas de Paris, em 2024.
 

O segundo aspecto impactado por um rio vivo é a saúde física e mental da população. A baixa qualidade da água dos rios vem, principalmente, do mau tratamento de esgoto - que afeta especialmente os mais pobres. Um relatório da OMS, divulgado em 2013, apontou que cada dólar investido em saneamento gera 4,3 dólares de economia na saúde global. “Saneamento é qualidade de vida e saúde pública”, afirma José Carlos Mierzwa, que acredita que o investimento do poder público nesse sentido é extremamente necessário.

A saúde mental também não fica para trás. Publicado em 2010, um estudo da Universidade de Chiba (JAP) aponta que a convivência com áreas verdes reduz o estresse e a pressão arterial. “Teríamos muito mais saúde se tivéssemos rios mais limpos. (...) Ajudariam muito a melhorar a saúde mental das pessoas e a diminuir a violência urbana”, aponta Pegoraro. 

Apesar dos avanços tímidos nos quatro anos do Novo Rio Pinheiros, o poder público e a sociedade civil devem continuar engajados no processo de recuperação do rio. Assim, quem sabe, o próximo passo pode ser tirar o Pinheiros da UTI.