Documentário I’m Not a Robot instiga o telespectador a refletir sobre a evolução das máquinas
por
Vítor Nhoatto
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08/04/2025 - 12h

Não sou um robô, uma etapa de checagem comum ao navegar na internet e uma sentença obviamente verdadeira, ou talvez não. O curta-metragem de co-produção holandesa e belga de mesmo nome, problematiza o chamado teste Captcha, quando a protagonista Lara (Ellen Parren, produtora musical, entra em uma crise existencial ao não conseguir provar sua humanidade.

Logo de cara o enredo de Victoria Warmerdam, também diretora da obra,  pode parecer apenas cômico, e a interpretação de Parren colabora para essa atmosfera. Os diálogos curtos e a indignação diante de uma suposta certeza de Lara prendem a atenção do telespectador ao fazer com que haja identificação com a situação. Provavelmente todos nós já erramos um destes testes simples em algum momento.

A história com pouco mais de 20 minutos continua com a indicação que a personagem tem a chance de ser 87% um robô, segundo um quiz online, e a essência incômoda da ficção científica começa a reluzir. Conversas entre humano e máquina existem há cerca de 60 anos, com a criação do chatbot Eliza, e com o avançar dos anos é cada vez mais comum, de fato.

Seja aquele número para marcar consultas ou o serviço de atendimento ao cliente das operadoras, a Inteligência Artificial rodeia as esferas da vida cotidiana e vem evoluindo rapidamente. Tome como exemplo o robô humanoide que já foi capa de revista e é considerada cidadã saudita, Sophia, da Hanson Robotics desenvolvido em 2015. Ou ainda os influencers virtuais com milhões de seguidores do Instagram hoje como a carismática Lu da empresa de varejo brasileira, Magazine Luiza.

Robô Sophia
Sophia foi inclusive ao Talk Show do apresentador norte-americano Jimmy Fallon - Foto: Hanson Robotics / Divulgação

Parece que a barreira entre o físico e digital, natural e artificial vem sendo quebrada, como aborda a obra de Margareth Boarini, “Dos humanos aos humanos digitais e os não humanos”, lançada em julho do ano passado pela editora Estação das Letras e Cores. O primeiro livro da doutora em tecnologias da inteligência e mestre em comunicação se aprofunda nesses casos de coexistência entre robôs e pessoas, porém, até onde se sabe as diferenças entre máquinas e humanos são perceptíveis, ainda. 

Mas como uma boa teoria de ficção científica, o documentário explora justamente um possível futuro da humanidade, em que máquinas e humanos serão indistinguíveis, A saga de Lara por respostas acaba com a revelação de que Daniël (Henry van Loon), marido da personagem, a encomendou sob medida há alguns anos, como se faz com uma roupa hoje.

Suas memórias, sentimentos e até mesmo relações com outras pessoas, ou robôs, são todas fabricadas, como uma versão muito mais avançada do robô Sophia. A comédia permeia a narrativa um tanto quanto impensável aos olhos de hoje, mas curiosa. A seriedade da executiva da empresa que fabricou Lara, Pam (Thekla Reuten) cria uma atmosfera cômica ao assunto, completada pela tranquilidade que Daniël fala sobre sua “aquisição”.

Parren entrega uma atuação que transborda indignação, e o trabalho cinematográfico é inteligente, com cortes que acompanham a visão de Lara. Sobre o ambiente que o filme se passa, todas as gravações foram no CBR Building em Bruxelas, e a ambientação feita com cores vibrantes e apenas carros de época no estacionamento propõe um contraste entre antigo e moderno, frio e robótico, quente e humano. 

O desfecho se dá com o desejo da protagonista de ser dona do próprio destino, relegando o fato de não poder morrer antes de seu “dono”. Isso pode ser visto talvez como uma negação em aceitar a única coisa que a diferencia de um humano, ou como uma mensagem da autora da obra sobre uma rebelião das máquinas.

Fato é que Lara se joga do topo do prédio, em um take muito inteligente por parte da direção ao filmar de cima, e que apesar de pesado e grotesco consegue ser engraçado e não desagradável aos olhos. Tal qual uma morte comum, há muito sangue saindo do corpo, as necessidades fisiológicas também são como de humanos, mas após alguns instantes a robô volta à vida.

Lara e Daniel em um Volkswagen Fusca azul
Com cinematografia cativante e enredo inesperado, é um Sci-Fi cômico e dramático - Foto: Indie Shorts Mag / Reprodução

Incômodo e perspicaz são boas palavras para definir a quinta produção de Warmerdam, que a fez faturar uma série de prêmios internacionais incluindo o Oscar de Melhor Curta-metragem deste ano. Sua produção também se destaca por ser carbono neutro, com o plantio de uma agrofloresta na Holanda para compensar as emissões de gás carbônico (CO2) da obra.

I’m Not a Robot está disponível de forma gratuita no YouTube desde o dia 15 de novembro de 2025 no canal The New Yorker, com legendas apenas em inglês ou holandês. Mesmo com essa barreira linguística, o choque final é inevitável, e a reflexão provavelmente também, se o seu cérebro não estiver se perguntando se você pode ser também um robô.

Cientistas brasileiros deixam o País em busca de melhores oportunidades no mercado científico
por
Brenda Martins
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19/11/2024 - 12h

Por Brenda Costa Martins

 

Enquanto nossos melhores pesquisadores são acolhidos por laboratórios estrangeiros e embarcam em direção aos países que valorizam a academia e a ciência, ficamos à margem das grandes inovações e descobertas científicas, como espectadores de um progresso que poderíamos estar liderando. A formação de cientistas no Brasil enfrenta uma crise profunda, marcada não por apenas dificuldades estruturais como a escassez de equipamentos em Universidades e laboratórios, mas também pela falta de incentivo à estudantes para que sigam na área acadêmica de pesquisas, além das oportunidades limitadas desse marcado no país. Nos últimos anos, temos assistido a uma crescente “fuga de cérebros” — fenômeno em que profissionais qualificados, principalmente cientistas e pesquisadores, optam por desenvolver suas carreiras no exterior, sendo atraídos por melhores condições de trabalho e valorização profissional. Fuga que tem sido alimentada pela escassez de investimentos no campo da ciência e da tecnologia no país.

Desde 2015, cortes orçamentários intensos afetaram diretamente a manutenção de bolsas de estudo, o financiamento de projetos de pesquisa, bem como a continuidade de programas de pós-graduação em diversas áreas. Com menos verbas, muitos laboratórios foram fechados e projetos interrompidos, situação que acabou por criar um ambiente de insegurança e instabilidade para jovens pesquisadores que desejam contribuir com o avanço científico no país.

Nos centros de excelência, como a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a Universidade Federal do ABC (UFABC) doutores e mestres formados com alto nível de competência se deparam com um mercado de trabalho retraído. Apesar de contar com instituições de ensino que formam profissionais altamente capacitados, os cortes e as limitações severas no mercado de trabalho continua a fazer com que esses cérebros embarquem para o exterior buscando oportunidades de maior rentabilidade e visibilidade pois para muitos desses cientistas, o ambiente brasileiro se mostra inviável para o desenvolvimento de suas carreiras.  Mesmo entre os profissionais que conseguem uma colocação, as condições de trabalho são frequentemente limitadas, com infraestrutura insuficiente e salários que não condizem com o nível de formação e as exigências da carreira científica.

Esse êxodo de cientistas gera impactos econômicos e sociais observados em longo prazo. Ao investir na formação desses profissionais e, em seguida, vê-los partir para outros países, o Brasil perde o retorno desse investimento, bem como a possibilidade de desenvolver inovações e avanços tecnológicos que poderiam impulsionar setores como saúde, agronegócio e tecnologia. Fato que evidencia outro problema: Não é preciso investir apenas na educação básica e incentivo aos jovens cientista se, no futuro, eles não terão um lugar nas grandes corporações, já que as poucas que existem no país continuam não oferecendo benefícios tão competitivos quantos os de vagas alocadas no exterior, sedes dessas empresas.

Para cientistas como Paula Rezende, doutora em Biomedicina, a decisão de deixar o Brasil é dolorosa, mas necessária. Após anos lidando com infraestrutura insuficiente e atrasos em recursos para pesquisa, ela aceitou uma proposta de trabalho na Alemanha, onde encontrou o ambiente ideal para continuar seu trabalho. Casos como o de Paula são cada vez mais comuns, o que ilustra como o cenário nacional tem se tornado um impeditivo para o progresso da ciência e da carreira dos profissionais brasileiros. A falta de oportunidades no Brasil também gera uma lacuna na academia e nas universidades, onde a quantidade de concursos e oportunidades para docentes e pesquisadores é insuficiente para absorver os doutores formados a cada ano. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que cerca de 25% dos doutores no Brasil ficam fora do mercado de trabalho adequado à sua formação, o que leva muitos a buscar alternativas no exterior, onde há mais estabilidade e reconhecimento.

Elisabeth Balbachevsky, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e coordenadora científica do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da USP, tem outra visão. A professora tenta analisar um lado positivo desse fenômeno da "fuga de cérebros", as mentes que vão embora do Brasil buscando melhores oportunidades podem "se inserir em redes de pesquisa internacionais, o que poderá ter um impacto extremamente positivo, porque irão se tornar lideranças brasileiras e, uma vez de volta ao Brasil, trarão novas expertises e abordagens para o País", diz a pesquisadora. Uma vez que esses cientistas brasileiros conseguem cada vez mais se estabelecer nas gigantes da tecnologia, por exemplo, o país indiretamente está ganhando reconhecimento, o que pode fazer com que os olhos dessas grandes corporações se voltem ao Brasil. Ainda que a "fuga" desses pesquisadores seja prejudicial no início, com mais profissionais produzindo ciência de qualidade em um ambiente no exterior que comporta suas necessidades, podemos colher frutos no futuro. Afinal, para que grandes corporações se desenvolvam no país, é preciso ver que a população tem capacidade de produzir recursos que possibilite sua expansão.

Outro fator que importante ser destacado é a busca pelo incentivo ao empreendedorismo desses jovens cientistas. Grandes empresas como o Facebook e a Amazon surgiram de um pequeno projeto de seus fundadores enquanto ainda eram estudantes, desenvolvendo uma start-up na garagem de suas casas. É claro que, a qualidade de ensino de ciências nas Universidades americanas possibilitam que seus alunos desenvolvam o pensamento empreendedor, enquanto no Brasil, os alunos são incentivados a bucar emprego fora, em empresas já estabelecidas, fator resultado do cenário de instabilidade não apenas do mercado científico, mas também do empreendedorismo. Algumas escolas de redes particulares no país contam com matérias de empreendedorismo e educação financeira, por outro lado, escolas da rede pública e estaduais se encontram em um cenário totalmente diferente. Ainda há um grande caminho a trilhar para que o acesso à uma educação de qualidade seja uma realidade igualitária entre todos os estudantes do país.

Propostas como a criação de um fundo nacional para Ciência e Tecnologia, que garanta recursos contínuos para a pesquisa, são defendidas por entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Outra alternativa é fortalecer as parcerias entre universidades e empresas, criando oportunidades de inovação e desenvolvimento em conjunto com o setor privado, o que poderia abrir novas frentes de trabalho para cientistas dentro do Brasil.

Enquanto não houver um comprometimento estrutural e financeiro com a ciência, o Brasil permanece vulnerável à saída de seus talentos. A fuga de cérebros se torna um símbolo das dificuldades enfrentadas pela ciência brasileira, limitando o potencial de avanço científico e tecnológico do país. A valorização da ciência e o investimento em condições de trabalho são essenciais para que o Brasil não apenas forme cientistas, mas também consiga retê-los e fortalecer sua base científica para o desenvolvimento nacional e reconhecimento internacional.

Produzir orgânicos é um desafio que envolve altos custos, manejo artesanal e um compromisso com a sustentabilidade.
por
NINA JANUZZI DA GLORIA
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12/11/2024 - 12h

Por Nina J. da Glória

 

No coração de uma pequena fazenda nos arredores de São Paulo, a paisagem exibe fileiras simétricas de verduras, um campo verde que mais parece um quadro pintado com paciência e precisão. Cada folha simboliza uma promessa livre de químicos, cultivada à mão, mas também testemunha de um trabalho árduo, invisível ao consumidor final. Esse é o cotidiano de Mariana Silva, uma agricultora que decidiu, há quase uma década, abandonar a produção convencional para dedicar-se ao orgânico. No início, acreditava que seria um retorno ao básico, uma reconexão com a natureza. Mas a realidade mostrou-se mais densa e complexa do que o imaginado. O solo, como um organismo vivo, exigia constantes cuidados e uma compreensão que ia além dos métodos tradicionais. Cada semente carregava uma incerteza, e cada colheita trazia consigo os riscos de uma produtividade menor, vulnerável a pragas e intempéries. "O solo não aceita pressa", sua frase parece pairar na atmosfera ao redor das hortas, impregnada de paciência e resignação.

Nas redondezas, em outra propriedade de São Roque, Paulo Mendes compartilha a mesma visão, mas com uma trajetória que o levou ao orgânico por caminhos distintos. Ao contrário de Mariana, ele vem de uma família que cultivava com agroquímicos, mas sempre sentiu a necessidade de transformar as práticas de cultivo. Para ele, o orgânico é como um resgate da essência da terra, uma escolha que exige mais do que habilidades tradicionais. É um compromisso com o solo, com o ciclo de nutrientes e com o futuro. Paulo vê o campo como um delicado organismo, onde a compostagem e a rotação de culturas são essenciais, mas também um desafio financeiro. Cada safra se transforma em uma experiência quase artesanal, onde a eficácia do manejo natural precisa competir com a tentação das facilidades químicas. Esse processo, para ele, é como uma dança cuidadosa com a natureza, em que observar e respeitar o ritmo das estações torna-se tão vital quanto qualquer técnica de plantio.

                                                            Comunidade de pessoas que trabalham juntas na agricultura para cultivar alimentos

Para Mariana e Paulo, a colheita orgânica traz consigo um custo invisível ao olhar do consumidor. A vulnerabilidade às pragas, por exemplo, é uma preocupação constante. Sem pesticidas convencionais cada infestação é uma batalha natural que, muitas vezes, se perde. A introdução de insetos benéficos para conter pragas ou o uso de biofertilizantes representa um custo adicional, tornando a logística do manejo um quebra-cabeça financeiro. Além disso, há as certificações rigorosas exigidas para que o produto receba o selo de orgânico, que Mariana descreve como "um segundo trabalho", com visitas e inspeções que, embora necessárias, absorvem ainda mais recursos.

No centro dessa cadeia está Cláudia Ramos, proprietária de uma loja de produtos orgânicos em São Paulo. De seu ponto de vista privilegiado, ela percebe o esforço e as dificuldades de seus fornecedores, mas também o descompasso entre o preço desses produtos e a percepção dos consumidores. Em cada item das prateleiras, Cláudia vê um microcosmo de esforço e idealismo, mas, ao explicar as diferenças entre orgânico e convencional, enfrenta um público que ainda considera o orgânico um luxo. Ela afirma que cada produto é uma história de sacrifício, e explica que o custo mais alto representa a vulnerabilidade da produção orgânica, que exige cuidados permanentes e colheitas menos previsíveis.

                                                                                           Close-up de plantas verdes na estufa

A produção orgânica, então, emerge como uma complexa equação de valores, sacrifícios e riscos. Cada um dos envolvidos—do campo à prateleira—carrega uma parte dessa carga, como se fosse um ciclo contínuo de compromissos, onde o ideal e o real se encontram e se confrontam. A busca pela pureza e pelo cuidado no cultivo se mescla a um cotidiano cheio de dificuldades, e o produto final se transforma numa espécie de narrativa silenciosa sobre perseverança e dedicação ao que se acredita ser o melhor para o futuro do planeta e do ser humano.

A jornada dos entregadores não se limita ao trajeto, mas envolve obstáculos que vão da segurança no trânsito às incertezas de um dia de trabalho autônomo.
por |
12/11/2024 - 12h

Por Thais Oliveira 

 

Se antigamente era comum esperar dias ou semanas para que um pedido chegasse, hoje a demanda por rapidez e eficiência exige uma operação logística reforçada. O dia começa antes do sol nascer, com o medo e a ansiedade tomando conta de Joice Alves, mãe solteira de 50 anos que precisou se reinventar após um divórcio e o enfraquecimento das vendas em seu comércio de plantas. Seus cabelos longos e quase grisalhos carregam histórias de uma mulher forte que devido a gravidez, parou os estudos na quinta série. Tudo que aprendeu é resultado de suas vivências.

A tecnologia dominou o mundo e os seres humanos. Para Joice isso não passava de uma grande perda de tempo, até que tudo mudou em sua vida e a tecnologia virou sinônimo de estabilidade financeira e independência. Conseguir realizar uma entrega parece fácil aos olhos dos que recebem em casa. O suor do trabalho de prestadores de serviço das grandes empresas está presente em cada pacote entregue.

Os desafios começam à frente da seleção. Um aplicativo viabiliza para os entregadores os percursos disponíveis, juntamente ao valor a receber, e cada um seleciona o de sua preferência. Mas o número de prestadores é maior do que os de entregas e, às vezes é necessário passar horas olhando as atualizações no celular. Há dois meses o aparelho eletrônico, que não passava de uma ferramenta de comunicação com a família, amigos e clientes, se tornou o principal equipamento do trabalho de Joice. Foram semanas aprendendo a usar o mapa, abrir e fechar aplicativos, escrever mensagens mais rápidas e, principalmente, a contabilizar os resultados do seu novo emprego. No início de sua trajetória, Lucas, o filho mais velho, acompanhou a mãe em todos os percursos e assim, ela ganhou confiança para trabalhar sozinha. 

Desde a adolescência, Joice foi diagnosticada com TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada) e comenta que essa logística piora os sintomas diariamente. O seu conforto é o chá de camomila colhido diretamente dos vasos sobrepostos na janela do sexto andar e do calmante recomendado pela cardiologista. Ao conseguir uma corrida, agradece a Deus pela oportunidade e pula o café da manhã, colocando tudo que precisa dentro de uma bolsa térmica. De acordo com o aplicativo fornecido pela empresa, cada percurso tem a duração de 4h e 6h e os valores são correspondentes a estes horários. Explica que foi acordado entre a empresa e os prestadores de serviço que todas as entregas contariam com, no máximo, 45 pacotes e 40 paradas. 

Ao chegar no Centro de Distribuição, Joice recebe a rota com 52 paradas, 65 pacotes amarelos e o medo de não conseguir finalizar dentro do prazo estipulado. É necessário entregar todas as mercadorias para receber os valores completos, independente da chuva, dos ventos de 100km/h, dos postes desligados e das ruas escuras. Joice sai de Mauá com o seu destino traçado em um papel com nomes de pessoas desconhecidas diretamente para a cidade de São Paulo. Na travessa da Avenida Vila Ema e nas mãos Joice, o primeiro pacote foi entregue para a Renata, uma mulher simpática que desejou um bom dia para a entregadora.

Dentro do carro, o estômago de Joice espera por um alimento desde às 9h00min, porém os donos dos 50 pacotes pendentes têm prioridade na fila e as refeições ficam em segundo plano, sendo necessário seguir o caminho ingerindo apenas uma banana. A falta de hidratação e de nutrientes causa cansaço excessivo, perda de cabelo e, consequentemente, ausência de vitaminas importantes para o funcionamento do corpo. Relata, que praticava uma rotina saudável, alimentando-se bem e correndo na rua todos os dias de manhã com os seus filhos, porém precisou abrir mão do estilo de vida para arcar com os novos custos, como por exemplo o aluguel. A infraestrutura básica é uma questão: nas cidades grandes, com quilômetros percorridos entre um ponto e outro, muitas vezes não há onde parar para descansar ou usar o banheiro. A cidade se torna um palco de correria constante, onde não há tempo ou lugar para uma pausa, justifica Joice, ao informar que não consegue ingerir ao menos 200ml de água durante a jornada de trabalho. 

O futuro do setor aponta para uma integração cada vez maior entre tecnologia e logística, com inovações que prometem transformar ainda mais a experiência de compra e aproximar o e-commerce dos consumidores. Embora a constante evolução esteja dominando o cenário, não há direitos trabalhistas ou benefícios assegurados, como convênio médico ou seguro de saúde. Se houver algum acidente ou emergência, o entregador precisa arcar com os custos e lidar com as consequências sozinho. 

Dentro do aplicativo de entregas é possível saber que, dependendo do nível, o entregador terá acesso a mais pedidos, melhores comissões e suporte especializado. A grande corporação criou um sistema de níveis que funciona como uma espécie de escada, onde cada degrau alcançado representa mais oportunidades, e consequentemente, mais pressão. Estar em um nível mais alto pode significar, por exemplo, maior acesso a entregas em horários de pico ou de longa distância, que pagam melhor. Joice é prata, mas conta que demorou meses para alcançar a nomenclatura, afinal qualquer queda no desempenho pode significar uma descida de nível. Cancelamentos, avaliações ruins ou atrasos podem rebaixar o entregador, retirando seus, quase que invisíveis, benefícios. 

Joice conseguiu dois percursos no mesmo dia, isso significa que a corrida contra o tempo é primordial para finalizar o primeiro, voltar ao Centro de Distribuição e recolher as próximas encomendas. Ao sair, os clientes recebem notificações de que o produto está a caminho, causando ansiedade e desconfiança dos que aguardam em suas casas. Durante a noite as entregas são realizadas das 18h00 às 22h00 e Matheus, o filho mais novo, auxilia a mãe ligando para os clientes e entregando os pacotes enquanto ela separa os próximos. Em meio à movimentação, Matheus recebe uma mensagem de uma mulher que estava aguardando o produto há 30 minutos e precisava dormir. Era sexta-feira, 19h39min, quando os insultos começaram e mudaram a rota da família. Cada pacote recebe uma numeração de envio, o itinerário e os dados relevantes do consumidor, em consequência das mudanças Matheus e Joice aumentam a duração do percurso e os quilômetros rodados no carro. A quantidade de remessas no período da noite é majoritariamente maior, entretanto os consumidores não sentem confiança em recebê-las e, frequentemente, rejeitam a tão esperada aquisição. 

As embalagens amarelas recusadas devem atravessar a cidade e voltar à corporação até às 23h00min, horário de finalização dos serviços diários. Joice retorna com o peso da consciência de classe descendo em seus cabelos, refletindo sobre o comportamento interpessoal dos consumidores, do egoísmo e da falta de empatia. O mundo não é mais o mesmo e as pessoas estão preocupadas com as futilidades expostas nas prateleiras invisíveis dos comércios online. Não se importam se a voz que clama do lado de fora da residência está enfrentando a maior chuva do ano na cidade ou se está com um prazo apertado, o importante é aconchego e a novela das 21h00min. 

Após 15 horas, Joice finalmente chega em casa, sentindo-se cansada, fraca e estressada. O dia foi longo, repleto de entregas que exigiam rapidez, atenção e resistência. Cada pedido, cada quilômetro percorrido, parecia se arrastar em meio à chuva, ao trânsito caótico e à pressão por cumprir os prazos apertados. Como muitos entregadores, Joice não tem garantia de descanso ou segurança no trabalho, e mesmo ao chegar em casa, a sensação de que poderia ter feito mais, ou o medo de não atingir o número de entregas esperado, a acompanha. Mas para Joice, o trabalho nunca termina realmente. Ela reflete sobre o que poderia ter feito para ser mais rápida, ou se valeu a pena o esforço de correr contra o relógio. Em sua mente, os desafios que ela enfrentou ao longo do dia continuam vivos, a insegurança nas ruas, o risco de acidentes, a exaustão física e emocional. Mas amanhã, o caminho se repete, enfrentando as mesmas dificuldades em nome de um dia melhor, ou, quem sabe, uma coroa de ouro na guerra contra a logística desumana.

Os chamados cibercrimes são considerados um tipo de violência contra o idoso, e a campanha Junho Violeta busca conscientizar à população sobre a violência patrimonial
por
Alice Di Biase
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11/11/2024 - 12h

Por Alice di Biase

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a população acima de 60 anos no Brasil deve crescer em ritmo acelerado, quase triplicando até 2050. Dados como esse expõem o crescente aumento da população idosa, além de um novo perfil de envelhecimento que requer atenção especial em políticas públicas. Adriana Horvath, diretora voluntária de captação de recursos da Casa Ondina Lobo, relata que a principal queixa dos residentes da Casa é a invisibilidade, a visão estereotipada do “vovozinho” de cabelo branco e ingênuo, e adiciona que os idosos querem ser vistos como seres humanos que ainda tem muito a oferecer.

A Casa de Repouso Ondina Lobo é uma instituição de longa permanência para idosos em situação de vulnerabilidade social, o projeto é sustentado por doações filantrópicas. A missão da organização é promover o bem-estar e a integração do idoso na sociedade, por meio de atividades plurais. Ela relata que muitos dos idosos residentes da Casa já passaram por alguma violência ou situação de preconceito e atribui isso a forma como a sociedade olha os idosos, relacionando-o com a finitude da vida. E adiciona que é preciso entender que a velhice é apenas mais uma fase. Além disso, ela também cita a importância de campanhas de conscientização contra a violência ao idoso, como o Junho Violeta.

Existem vários tipos de violências direcionadas aos idosos, uma delas é a violência patrimonial. Com o avanço tecnológico, os mais velhos se tornaram mais vulneráveis para a violência patrimonial, por meio dos chamados golpes. O Disque 100, do governo federal, registrou, nos cinco primeiros meses de 2023 mais de 15 mil denúncias de violações financeiras ou materiais contra idosos; 73% a mais do que no mesmo período de 2022. Cada vez mais conectada, a terceira idade tem sido um dos principais alvos de quadrilhas especializadas em crimes cibernéticos que comprometem o patrimônio da vítima.

Ondina Lobo e Image Magica

“Mãe, mudei de número, salva esse contato aqui”, assim começa uma das formas mais comuns de fraudes financeiras contra os idosos, a foto de perfil é a mesma que o filho utiliza no seu número próprio e logo em seguida são solicitadas as transferências. Cláudia, aposentada de 66 anos relata como caiu no phishing - tipo de golpe realizado por e-mails, redes sociais e sites que utilizam uma “isca” para fazer a vítima fornecer informações pessoais. Uma loja conhecida com descontos extravagantes, a propaganda era feita por celebridades como Gisele Bündchen e a apresentadora Angélica que recomendavam a promoção. Tudo feito com inteligência artificial. O valor perdido não foi alto, como conta Claúdia, com alívio, no entanto, a sensação de ter sido enganado com facilidade pelos golpistas causa constrangimento.

O constrangimento também é um dos motivos que leva os idosos a se tornarem um alvo fácil dos golpistas. Envergonhados de demonstrar a fragilidade e, de certo modo, alimentar os estereótipos de ingenuidade que a sociedade cria em relação a faixa etária, muitos idosos não contam aos familiares a situação e deixam o ciclo de golpes se estender. Em 2024, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos já recebeu mais de 21 mil denúncias de violações deste tipo contra idosos, destes 80% dos casos são denunciados por terceiros, e não pela própria vítima.

A psicóloga e psicanalista Moema Sarmento compartilha suas perspectivas sobre a saúde mental na terceira idade, ela argumenta que a falta de respeito e os maus tratos podem levar ao isolamento e depressão, o que faz que muitos idosos que sofrem esses abusos patrimoniais não procurem ajuda, assim os casos só chegam aos familiares e autoridades quando já estão em estágios alarmantes.

Com o intuito de alterar esse cenário, a Casa Ondina Lobo em pareceria com a ONG Image Mágica, levou o Circuito Cultura e Inclusão para as mulheres da Casa. As aulas de inclusão digital e fotografia buscam conscientizar os moradores a respeito dos golpes digitais, resgate da autoestima e criar intimidade com o meio tecnológico.
 

Ondina Lobo e Image MagicaOndina Lobo e Image Magica

Como comenta Horvath, a velhice é só mais uma fase da vida que envolve atenção e deve ser aproveitada com qualidade de vida e isso envolve a liberdade de consumir a Internet com segurança.

Nos últimos anos, os produtores de conteúdo vem alterando drasticamente a essência das vendas online
por
Felipe Abel Horowicz Pjevac
Pedro Paes Barreto Monteiro
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17/10/2023 - 12h

As redes sociais mudaram profundamente a maneira como as pessoas se relacionam no mundo real e virtual. Com esse crescimento das mídias nos últimos 15 anos, surgiram diversos produtores de conteúdos que se tornaram verdadeiras personas, mostrando aos seus seguidores uma “vida perfeita”, quando na realidade o que se passa no dia a dia é totalmente diferente do que é mostrado no Instagram, por exemplo. Infelizmente, esse é um fenômeno que tem crescido muito nessa era digital e acabou se tornando algo mais comum do que o esperado.

Plataformas digitais como Twitter, TikTok e Instagram são grandes palcos virtuais onde as pessoas podem exibir suas vidas da maneira que quiserem para que outros vejam. Os influenciadores têm um papel decisivo para esse ideal utópico onde tudo é lindo e maravilhoso. Através de fotos e vídeos com filtro, legendas muito bem elaboradas e com toda uma equipe por trás pensando em cada detalhe do perfil, a internet se tornou um ambiente fora da realidade que vivemos.

Uma linha do tempo em relação à produção e venda de conteúdo pessoal na internet pode esclarecer um pouco como chegamos até aqui: no final da década de 2000 e início da década de 2010, o YouTube começava a se destacar como uma soberana plataforma digital de vídeos. Como tudo ainda era ‘pouco explorado’, não existia um manual de comportamento a ser seguido pelos youtubers. Dessa maneira, muitos começaram a ter destaque publicando as próprias vidas de maneira quase literal. Por meio de vídeos opinativos, vlogs diários de rotina, transmissões jogando videogames ou até mesmo gravações de turismo, os conteúdos eram autênticos e espontâneos. Nas mídias de texto e imagem, o Facebook e o Twitter eram encarregados desse papel; enquanto o primeiro era mais elaborado, com portais de debates, compartilhamento de ideias e notas bem escritas, o segundo assumia um formato mais leve, com tuites curtos e diretos e uma proposta mais cômica.

Em entrevista para a AGEMT, a psicóloga e neurologista Eliane Duek falou sobre esse panorama: “Na primeira era digital das redes sociais, cada pessoa foi ‘jogada’ em um universo até então quase desconhecido e o conceito era trazer a pessoa da esfera material para o ambiente virtual. Por isso, a esmagadora maioria tanto dos usuários quanto dos primeiros produtores de conteúdo enxergaram uma possibilidade de apresentar suas vidas das mais diversas maneiras para que os outros pudessem assistir e comentar. Ali era criado um ambiente que tentava emular a vida real da maneira mais realista possível”, diz Duek.

No entanto, tudo começou a mudar com a ascensão do Instagram por volta de 2015, quando a rede de fotos começou a chamar à atenção do mundo. As legendas com hashtags compartilhadas já começavam a demonstrar um certo padrão (quem não se lembra do ‘Partiu!’) e as fotos já buscavam algum tipo de reconhecimento estético. “A grande questão do Instagram é que o fato do conteúdo ser transmitido principalmente em fotos ao invés de vídeos falados ou palavras escritas já tira um pouco da naturalidade e da espontaneidade do momento. Desde que os primeiros instrumentos de fotografia foram inventados, as imagens são pensadas e produzidas de certa maneira; a pessoa pensa no conteúdo que vai ser produzido antes de criá-lo. Além disso, com um maior número de cadastros, cada usuário começa a se sentir mais vigiado e, consequentemente, vulnerável, muitas vezes relutante em postar algo pessoal ou informal devido ao grande número de visualizações por amigos e familiares”, explica a psicóloga.

Mais recentemente, o Instagram criou os Stories, que consistem em vídeos ou fotos de pequena duração que ficam expostos por 24 horas a fim de que os usuários apresentem mais das suas próprias vivências ao invés de postar apenas o que é produzido. Mesmo assim, muitos famosos enxergaram nessa nova ferramenta um espaço para anúncios, propagandas, e mais interação com assinantes através da interpretação de um ‘personagem’. Para incrementar ainda mais a era volátil, nasceu o chinês TikTok.

Com o início da pandemia de Covid-19, o TikTok se tornou a rede social mais utilizada no planeta, trazendo vídeos curtos sobre os temas mais variados para diversos grupos de usuários. Esse aplicativo viralizou com produções que de fato vinham para apresentar o cotidiano da pandemia, as dificuldades (algo frequentemente escondido nessa era de padrões) e os reflexos do isolamento social. Porém, as famosas trends, correntes de repetição de algum vídeo popular ao redor da plataforma por milhões de usuários, surgiram e cresceram exponencialmente como um reflexo desse novo período no qual os produtores se adaptam às modas mais consumidas pelos fãs para viralizarem na plataforma.

“A internet está atravessando um momento que podemos definir como ‘era do algoritmo’. O reconhecimento e o sucesso nas redes sociais pode ser conseguido se o produtor de conteúdo consegue fazer uso das chaves de cada algoritmo; alguns conteúdos são mais divulgados do que outros, até mesmo por vontade do público consumidor. Aqueles que entendem a maneira de agir, o comportamento nos vídeos, as fotos postadas ou o conteúdo apresentado que rendem mais visualizações e likes conseguem se destacar e alavancar a própria carreira rapidamente”, afirma Duek.

Ela completa: “Um ponto negativo em relação a isso é que os grandes produtores estão deixando de ser reconhecidos por trabalhos autorais, pelas próprias ideias e até mesmo pela própria vida. Muitos youtubers que vendiam o seu dia-a-dia em geral para os fãs, hoje se rendem a trends, roteiros prontos e personagens que em nada lembram as características da própria pessoa”.

Esse comportamento acaba gerando uma dualidade ‘pessoa-personagem’ que acaba transportando essa metodologia até mesmo para outros espaços. Um exemplo é o youtuber Felipe Neto; relatos de fãs e até mesmo amigos afirmam que nos últimos anos, o influenciador age e se comporta de maneira diferente durante o seu cotidiano e até mesmo nos espaços sociais particulares devido a um processo de adaptação que sofreu em suas redes sociais desde 2017. As figuras públicas pensam em tudo antes de fazer um post ou um story, e escolhem cuidadosamente os momentos que devem ou não ser mostrados para a grande massa. Isso cria uma imagem de que todos os momentos vividos vão ser extraordinários, mas infelizmente a vida não é assim. Esse exagero é terrível para quem o acompanha nas redes, porque causa uma pressão desnecessária por uma perfeição que nunca vai ser atingida.

"A busca pela excelência tem consequências significativas para a saúde mental de quem quer atingir esse nível imaginário. A constante comparação entre o fã e o famoso que vemos online pode levar à ansiedade, depressão e baixa autoestima. Muitas pessoas se sentem inadequadas diante das imagens de felicidade constante e sucesso que inundam suas redes. A pressão social para manter essa imagem perfeita online pode ser avassaladora. Além disso, ela pode resultar em uma busca incessante por aprovação e validação em forma de curtidas e comentários, em vez de construir conexões significativas com outros", ressalta Duek.

Outro aspecto crítico é o papel do cyberbullying e da intimidação nas redes sociais, que pode ter repercussões devastadoras na saúde mental das vítimas. O anonimato proporcionado pela internet, frequentemente causa gatilhos e comportamentos prejudiciais, resultando em danos psicológicos graves e, em alguns casos, desfechos trágicos. "É importante ressaltar que a vida perfeita do Instagram é frequentemente uma ilusão; por trás das imagens brilhantes e estilizadas, há uma vida real, repleta de desafios e com muitos altos e baixos em diversas ocasiões", diz Duek.

As redes sociais mostram o que as pessoas escolhem compartilhar, mas raramente revelam os momentos difíceis e as imperfeições. Quando a tempestade chega, com notícias e fatos ruins acontecendo, o público não vê porque os “personagens” não ganham nada mostrando esse tipo de conteúdo. As pessoas que se tornaram "personagens" nas redes sociais são um reflexo da era digital em que vivemos. Elas exploram as possibilidades de se expressar, conectar-se com outros, apenas no intuito de alcançar seus objetivos pessoais e profissionais. No fim, o mais importante é entender que o conceito de ‘vida’ apresentado pelos produtores de conteúdo digital já deixou de ser algo realista e natural há muitos anos, e hoje em dia não há mais motivos para se espelhar no ‘ídolo do YouTube’ ou ‘naquele tiktoker que viaja o mundo inteiro’ para qualquer tipo de projeto pessoal. Compreender isso é um passo que torna a relação do usuário com as redes sociais em uma aproximação muito mais saudável. 

Novo sistema de segurança em São Paulo conta com denuncias automáticas em caso de compatibilidade de dados
por
Gabriela da Silva Thier
Pietra Nelli Nóbrega
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16/10/2023 - 12h
Foi aprovado para o segundo semestre deste ano pelo Prefeito Ricardo Nunes um novo projeto na área da segura. O Smart Sampa ocorrerá a partir da instalação de 20 mil câmeras inteligentes públicas, que trabalham com reconhecimento facial, além da disponibilização de mais 20 mil câmeras privadas com a mesma tecnologia, chegando a 40 mil equipamentos de vigilância. O prefeito Ricardo Nunes afirma "que as câmeras são seguras e só notificam a polícia em casos com mais de 90% de similaridade na biometria facial e ainda passa por um comitê integrado à Controladoria Geral do Município antes do envio". Mas, o que preocupa a população é o quão eficaz e livre de riscos é a nova tecnologia, apesar das afirmações do Prefeito garantindo a proteção dos dados coletados, já que sabemos que os sistemas de reconhecimento facial foram projetados, na grande maioria, em cima de rostos brancos, o que causa deficiência caso o sistema encontre um rosto negro, por exemplo. 
 
Como funcionam as câmeras biométricas
 
No mundo cada vez mais digital e interconectado a busca por métodos avançados de segurança e identificação está em constante evolução. Nesse cenário, as câmeras biométricas surgem, prometendo uma ampla gama de aplicações. Os sistemas de câmeras por biometria estão emergindo como uma abordagem para aprimorar a segurança em vários contextos, desde controle de acesso até monitoramento de eventos em tempo real, como postos da Polícia Federal em aeroportos ou entradas em edifícios residenciais e comerciais. 
 
A biometria refere-se à identificação de indivíduos com base em características físicas ou comportamentais únicas. Isso inclui impressões digitais, reconhecimento facial, íris, voz, entre outros. A principal vantagem da biometria é que esses traços são exclusivos para cada pessoa, tornando-a uma forma altamente precisa de autenticação. “A biometria facial utiliza tecnologias de processamento de imagens e algoritmos de aprendizagem de máquina para identificar e verificar dados analisando características faciais únicas, como a distância entre os olhos e o formato do nariz”, diz Brenda Ortiz, advogada especializada em direito digital e inteligência artificial, em entrevista para AGEMT. Similar a impressão digital, o software ligado as câmeras mapeia matematicamente os traços faciais de uma pessoa e por meio desses algoritmos é capaz de compará-los com a imagem digital.
 
“O software reconhece ou nega essa identidade e as fases de mapeamento levam em conta os nossos pontos nodais, esse nome é dado por conta das nossas feições que são distintas umas das outras, a profundidade ocular, a forma das “maçãs”, o comprimento”, afirma Ortiz, que explica ainda que a capacidade de identificar indivíduos com base em características únicas eleva o nível de segurança em comparação a métodos tradicionais, como senhas ou cartões de identificação em diversos setores, como instituições financeiras, empresas de tecnologia e governos.
 
“O sistemas de câmeras com a biometria trazem mais segurança e controle do que os sistemas comuns, eles usam o reconhecimento do rosto para identificar pessoas e podem agir automaticamente, por exemplo liberando ou barrando acessos. Esses sistemas também observam comportamentos estranhos e mantém o registro de quem entra e sai dos espaços tudo isso torna o ambiente mais seguro e a gestão mais prática e eficiente”, pontuou a advogada. Aeroportos já estão utilizando o reconhecimento facial para simplificar procedimentos de check-in e controle de segurança. O setor de varejo está adotando sistemas de pagamento baseados em reconhecimento facial, agilizando as compras. Na área da saúde, a tecnologia biométrica pode garantir a identificação precisa de pacientes.
 
Quais são as Preocupações?
 
A proliferação das câmeras biométricas também levanta questões significativas relacionadas à privacidade, segurança de dados e potenciais problemas de discriminação. Sistemas biométricos não são infalíveis e podem apresentar erros, o que pode resultar em falsas identificações. Para o secretário Adjunto de Segurança Urbana, Junior Fagotti, "a plataforma só vai  levar pontos biométricos faciais, sem reconhecer cor”. O que para Ortiz pode ser um problema e explica que "embora cor de pele não seja um marcador biométrico crucial, o sistema precisará ser robusto, com bons hardwares e bons softwares para evitar confusões com os chamados falsos positivos". “A tecnologia de reconhecimento facial já é bastante avançada, inclusive tem sido implementada em várias partes do mundo, com monitoramento em larga escala, no entanto, questões como privacidade, ética, viés racial e falsos positivos são pontos que ainda necessitam de melhorias e regulamentação. Quando a tecnologia avança muito, as leis precisam acompanhar”, acrescenta ela.
 
As câmeras biométricas estão desempenhando um papel de destaque na identificação e segurança na sociedade moderna. Seu potencial é inegável, mas é igualmente importante equilibrar a conveniência que oferecem com medidas rigorosas de proteção da privacidade e regulamentação. À medida que a tecnologia biométrica continua a se desenvolver, a sociedade enfrenta a responsabilidade de aproveitar seus benefícios, mantendo a segurança e a integridade dos dados pessoais. “Eu volto a ressaltar, é necessária a melhoria das leis de regulamentação, porque quando envolve incidentes de crime ou violência não da para lei ficar muito atrás, para que não aconteçam essas divergências com as quais a gente tem se deparado”, finaliza Ortiz.
 
 
Tecnologia é capaz de trazer melhorias no cotidiano dos usuários com base em suas próprias preferências
por
Isabelle Maieru
Jalile Elias
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16/10/2023 - 12h

A partir do século 21, o algoritmo passou a ser utilizado para definir uma sequência de ações que devem ser executadas para conseguir resolver um problema. O termo ganhou maior relevância com o desenvolvimento da tecnologia e das máquinas. Ele está por trás de todos os processos executados pela máquina e tem a capacidade de resolver problemas complexos em frações de segundos. Porém, para um computador seguir um algoritmo, alguém precisa programá-lo, isto é, “dizer” a ele as instruções a serem seguidas. No início da computação, pelos idos de 1965, a programação era manual e envolvia trocar os cabos de lugares a cada operação que o computador tinha que executar.

Hoje, os algoritmos são escritos em códigos, ou seja, a sequência de instruções para chegar a um resultado concreto é escrita em uma linguagem de programação. Além de ordenar, organizar e processar grandes quantidades de dados, os algoritmos também podem dar aos computadores a habilidade de aprender com eles, fazer previsões e tomar decisões. Isso é o que chamamos de “Machine Learning” ou “aprendizado de máquinas”. 

Machine Learning (ML) é um subcampo da inteligência artificial que visa resolver problemas mais complexos, dos quais os programadores ainda não têm um conhecimento tão amplo. A cada interação do usuário com a máquina, ela passa a aprender sobre o que recomendar ao usuário ou não, testando uma possibilidade enorme de cenários, até escolher o que se ajusta melhor ao gosto do humano. Com essa informação, ela tenta prever o que você pode querer ver no futuro. Após isso, ela aguarda a sua resposta para saber se acertou ou não (um click em um vídeo recomendado, por exemplo) e aprender mais uma vez. Quanto mais dados recebe e processa, mais sofisticado fica o algoritmo, mais preciso ele consegue se tornar. Esse mecanismo não se resume à facilitação do dia a dia das pessoas. A tecnologia ML é considerada a solução ideal para a redução de custos, a melhoria dos processos corporativos e o aumento da qualidade de entregas.

O sucesso do Machine Learning se dá principalmente pela melhoria da identificação do cliente (ser humano) com a máquina. Dessa forma, é possível garantir uma melhor experiência tanto de compra quanto de interação. E é exatamente por isso que ter conhecimento aprofundado nessa tecnologia permite ao profissional estar em uma posição privilegiada no mercado. Os benefícios dessa solução se estendem também a outras esferas do cotidiano. Quem nunca se sentiu “vigiado” pelo seu próprio aparelho celular ou notebook? Desde um pedido de delivery de comida até uma sugestão de série por parte de uma plataforma de streaming, as máquinas conseguem armazenar dados visando uma experiência mais personalizada do consumidor através de suas preferências com base no  seu próprio histórico. Isso pode ser observado também nas redes sociais, especialmente em uma das que mais estão em alta nos últimos anos: o Tik Tok. Muitos usuários relatam constantemente que a página “For you” ou “Para você” seleciona justamente vídeos baseados em outros conteúdos que foram consumidos com frequência anteriormente. Não só isso, mas também as interações, como curtidas, comentários e compartilhamentos, também são “supervisionados” pela plataforma, que busca identificar padrões estratégicos para assim oferecer a “experiência perfeita” ao usuário - o que consequentemente aumenta a lucratividade de empresas, já que os processos são mais ágeis e otimizados. O aprendizado das máquinas é uma parte essencial da inteligência artificial, que é fazer com que máquinas ou sistemas possam imitar comportamentos humanos ou aprender a resolver problemas. No entanto, também possui um lado problemático, os algoritmos se alimentam dos nossos dados e nos mostram só o que eles consideram que queremos, pode criar uma bolha que distorce ou nos dá uma visão parcial da realidade, reforçando a nossa visão de mundo. Um outro ponto que deve ser levado em consideração, é que assim como nós, os algoritmos podem ser enviesados de acordo com a sua educação. 

Para o engenheiro de dados Gilberto Almeida, e entrevista à AGEMT, "o ML traz muitos benefícios. Com certeza todos os algoritmos de Machine Learning nos trazem benefícios a longo e a curto prazo, eu acredito que o Machine Learning ainda vai evoluir muito, e isso vai ajudar o mundo a ter excelentes resultados”, diz Almeida, que não acredita que a técnica pode evoluir tanto a ponto de substituir os humanos, porém trabalhar em conjunto para alcançar um melhor resultado.

“Isso é um tipo de pensamento que as pessoas têm atualmente, porém eu discordo totalmente. A interação com o ser humano sempre vai existir. Os algoritmos de ML somente vão nos ajudar a ter uma análise preditiva, uma visão mais detalhada sobre as análises dos dados e principalmente sobre a tomada de decisão. Imagine só, um médico pronto para fazer uma cirurgia , um tratamento extremamente arriscado, onde ele pode obter a ajuda de um algoritmo de ML para tomar a melhor decisão na hora do procedimento. Ou seja, sempre precisaremos ter um médico para efetuar o procedimento, e o ML te ajudará a tomar a melhor decisão naquele momento, ou seja, isso não significa substituição, e sim uma grande ajuda”.

 

Comercial da Nike traz um universo no qual a tecnologia ameaça o esporte mais famoso do mundo
por
Felipe Oliveira
Daniel Santana
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16/10/2023 - 12h

Em 2014, a empresa estadunidense Nike criou uma campanha como marketing para a Copa do Mundo (torneio mais importante de futebol, que ocorreria naquele ano) com o slogan “Arrisque tudo”. O intuito da marca, além de promover seus produtos através de comerciais bem produzidos, era de passar uma mensagem inspiradora ao público de que, mesmo nas adversidades, lidando sob pressão e em momentos difíceis, quem ousar e arriscar mais tende a se sair melhor diante de tais problemas e consegue conquistar o mundo.

E por meio de uma animação em 3D chamada “O Último Jogo”, lançada mundialmente no dia 9 de Junho daquele ano - três dias antes para o início da Copa - a Nike pegou alguns dos principais jogadores do mundo que representavam a marca, que no caso foram: Cristiano Ronaldo (CR7), Neymar Jr, Zlatan Ibrahimovic, Wayne Rooney, Andrés Iniesta, David Luiz, Franck Ribéry, Tim Howard e uma participação especial do ex-jogador Ronaldo “Fenômeno”. Todos esses atletas tinham o objetivo de ganhar uma partida de futebol contra seus próprios clones perfeitos, todos criados por um gênio cientista, na crença que o uso da racionalidade dos seus robôs trazem mais resultados do que a criatividade dos jogadores humanos.

Nesta realidade, o futebol virou um esporte de estatísticas e de movimentos práticos e objetivos. Sem dribles e jogadas arriscadas que são a essência do esporte mais famoso do mundo, o transformando em algo chato de ser assistido. Os jogadores ao enfrentarem essa nova realidade, foram forçados a se aposentarem ou buscarem outro estilo de vida, e de forma humorada, a animação retratou como seria a vida das principais estrelas fora do mundo da bola. Neymar e David Luiz viraram cabeleireiros, Ibrahimovic um vendedor não tão bem sucedido de livros e Cr7 optou por trabalhar como manequim de lojas de roupas. Uma maneira descontraída de apontar o desemprego causado pelas máquinas.

Até que o personagem de Ronaldo entra em cena para salvar o futuro do esporte e as carreiras dos principais atletas em uma partida decisiva, na qual um único gol resolveria se os clones continuariam, ou não, no futebol. E por meio de improvisos, uso da técnica e habilidade nos pés, a imaginação humana se sobressaiu diante das máquinas, tornando os atletas vencedores. Acesse o link abaixo, para assistir o comercial

neymar
O último jogo - Nike - arrisque tudo.

Tecnologia no futebol

Puxando para o mundo real, a ciência mudou o cenário futebolístico e o desempenho dos atletas. Hoje em dia, grande parte das instituições investem alto em tecnologias como, mapas de calor, aparelhos altamente tecnológicos que apontam o desempenho do jogador durante uma partida ou treino, além de máquinas que progridem na performance pessoal.

Em entrevista a AGEMT, o ex-jogador da base do Boa Esperança, Guilherme Gomes, 18 anos, foi perguntado se a tecnologia veio para ajudar o esporte ou para atrapalhar. “Ela veio pra ajudar, porém por a gente ter ficado muito tempo e ter se acostumado com o futebol sem ela, a gente acaba estranhando, porém podemos dizer que ela deixa o futebol mais regrado. Nunca vai agradar a todos, mas eu acho que ela tem ajudado muito’’, diz Gomes.

Podemos resumir os objetivos das soluções tecnológicas como expandir as capacidades humanas e trazer melhorias concretas às nossas vidas. A tecnologia pode superar nossas limitações em todos os campos. É assim que a inovação entra nas mais diversas áreas e âmbitos da vida humana. O objetivo é fornecer um atalho, uma maneira mais curta e eficiente de resolver problemas clássicos.

Nos esportes, é necessário alto desempenho. O foco é treinar o corpo humano para obter melhores respostas em termos de flexibilidade, precisão, força, energia, velocidade, etc., o que propiciou a vitória em competições de alto nível. Portanto, cada bit conta. O ser humano ainda está limitado ao que seus olhos podem ver, analisando em um ritmo natural e lento. Em alguns casos, simplesmente não é possível garantir a atenção a todos os aspectos.

A tecnologia desportiva pode realçar a essência de quem somos como seres humanos. Por outro lado, podemos pensar no desporto como um jogo com regras fixas e claras, acordadas por todas as partes. Estas regras definem o que é justiça neste contexto. Nesse sentido, a tecnologia também visa ajudar no cumprimento das regras e garantir a harmonia no ambiente de jogo. Isso facilita o surgimento de questões disciplinares envolvendo a equipe e o jogo em si.


 

Literatura foi por muito tempo a principal forma de entretenimento da população, mas com as tecnologias isso mudou
por
Felipe Volpi Botter
Felipe Bragagnolo Barbosa
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16/10/2023 - 12h

A tecnologia é algo que facilitou e muito a vida da população, em praticamente todas as áreas, mas é fato que nas últimas décadas, a humanidade vem perdendo o hábito de ler. Uma pesquisa realizada em 2019 pela Kantar Media, no Reino Unido, mostra que só 51% dos adultos haviam lido pelo menos um livro no ano anterior. Existem diversas tecnologias que podem estar tirando a atenção das pessoas, como é o caso dos streamings, dos videogames, entre outras. Para o professor Pedro Ivo, em entrevista para AGEMT, "as pessoas têm ficado cada vez mais imediatistas, querendo coisas mais fáceis e rápidas de consumir, e cada vez em maior quantidade. Exemplo disso é o TikTok, que traz trechos curtos de músicas, sempre se renovando, ou seja, você absorve grande quantidade e variedade de informações, sem reter o conteúdo".  

Os livros estão na contramão disso: pra ler um livro você demora muito mais tempo, e não consegue atingir a mesma quantidade do que conteúdos curtos e imediatos. A produção também é muito mais demorada: escrever um livro demora muito mais do que produzir um vídeo ou uma música para o TikTok. Por isso, as novas mídias acabam sendo mais fáceis e rápidas de consumir que os livros. O que também significa menos profundidade e menos qualidade de reflexão, entretenimento e edificação. "A troca dos livros, por essas mídias digitais, significa um empobrecimento cultural das pessoas, que se tornam mais imediatistas e menos profundas” , diz Ivo. 

O Kindle vem sendo uma opção muito utilizada pelos leitores da atualidade.  “Minha opinião neste caso é inteiramente pessoal. Eu prefiro livro físico, porque me dá mais liberdade e visão mais ampla. No livro físico eu consigo interagir melhor com minhas anotações, com meus grifos, com minhas reflexões e, eu posso ir e voltar", declara Ivo, que acrescenta, sobre uma conversa que a esposa teve com uma amiga psicóloga, quando disse que "as telas, como as do Kindle ou de celulares e computadores, empobrecem o trabalho cerebral, porque só uma parte do cérebro trabalha. Quando mexemos com o livro físico, com visão ampla, mais setores do nosso cérebro são utilizados.” 

Como último questionamento, foi perguntado ao Ivo se ele acredita que essa diminuição da leitura vai continuar crescendo, ou ainda teremos uma volta das pessoas para ela, e ele comenta o seguinte. “Não posso prever o futuro, mas o que vejo com o presente é o abandono dos livros e a preferência pelas mídias. Infelizmente, não vejo uma reviravolta que retorne ao livro, não no presente”. 

A baixa da leitura resulta em um mercado onde assistimos pedidos de recuperação financeira ou até mesmo falência de grandes livrarias. Mas por quê? Um dos motivos é que o brasileiro lê muito menos comparado ao resto do mundo, em média 4 livros por ano, se comparada com o Canadá por exemplo, é pífia, os canadenses em média leem 12 livros por ano.  Um dos agravantes é a diminuição da compra de livros vindo do estado, em que comprava e distribuía os livros para escolas, faculdades e entre outros. Essa queda é resultado da grande crise de 2015 e agravando ainda mais a pandemia de Covid-19. A chegada da Amazon agravou mais ainda, os preços muito mais abaixo e a logística e facilidade de entrega, sem contar o sucesso do Kindle. 

As empresas brasileiras não acreditaram na tecnologia e evolução da leitura, de acordo com o vídeo do canal Elementar do Youtube, Pedro Herz, dono da livraria Cultura, em entrevista em 2011, disse não acreditar nos E-Books e no futuro do Kindle. Tiveram a oportunidade de crescer com a tecnologia, mas estagnaram e o mercado não perdoou.