Para Mércia Cristina, a ausência do celular trará um aproveitamento melhor dos conteúdos educacionais
por
Laila Santos
Tamara Ferreira
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09/06/2025 - 12h

Em 13 de janeiro deste ano, foi sancionada a lei nº 15.100/2025 pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que limita o uso de celulares em escolas das redes pública e privada. O objetivo é diminuir os impactos negativos deste aparelho, como o vício em tecnologia, a falta de concentração e os prejuízos à saúde mental dos jovens. Não está proibido portar os dispositivos eletrônicos nas classes, mas sua utilização é apenas para emergências, necessidades de saúde e atividades pedagógicas que necessitam deles. Tudo fica sempre sob supervisão do professor. Essa 'brecha' tem levado muitos alunos a tentar burlar as regras, afirma Mércia Cristina de Freitas Andrade, inspetora de alunos em uma escola da rede pública, em entrevista à AGEMT. 

Com foco em diminuir o cyberbullying, que causa dificuldades nas relações interpessoais e no desempenho escolar, além dos problemas de sono e das questões psicológicas, as instituições de ensino tiveram que definir as estratégias de implementação da lei, inclusive em recreios e intervalos entre as aulas.   

Estudante com um celular em sala de aula
Estudante com um celular em sala de aula. Foto/Agência de Notícias Yonhap

Com a dependência em inteligências artificiais (IAs) atualmente, a funcionária do Educandário comentou se notou alguma diferença na aprendizagem dos alunos com a utilização desenfreada da internet e o acesso à inteligência artificial: "O uso de celulares e a utilização da IA, de certa forma, fez com que os alunos fizessem o uso demasiado de respostas e pesquisas prontas. Dessa forma, a aprendizagem e o aprimoramento da bagagem cultural foram seriamente comprometidos", ressalta. 

São Paulo foi o primeiro estado a adotar a medida, antes mesmo da criação da lei federal. Os regulamentos mais detalhados da implementação da legislação ficaram ao cargo do CNE (Conselho Nacional de Educação), órgão consultivo do Ministério da Educação (MEC), que decidiu dar autonomia aos colégios na maneira de armazenar e lidar com os aparelhos. Para Mércia, a proibição foi uma medida tardia, mas necessária e, com isso, os estudantes poderão fazer melhor uso do tempo e se concentrar melhor nos estudos. Ela cita: “Notei uma ligeira melhora nas relações humanas. Uma atenção mais direcionada às disciplinas, mas ainda uma resistência à proibição…" 

A entrevistada: Mércia Cristina
A entrevistada: Mércia Cristina de Freitas Andrade. Foto/Arquivo Pessoal

Essa atitude reflete um relacionamento não saudável com um dispositivo que era, praticamente, parte do material escolar e que está cada vez mais presente na vida social. Quando foi proibido, causou uma onda de irritação nos jovens, relata a inspetora.   

A partir de 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) começou a reconhecer a dependência do celular e em outros meios digitais como um transtorno chamado nomofobia. Um estudo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) diz que cerca de 25% dos adolescentes brasileiros são viciados na internet. Além disso, a Opinion Box traz os dados de que 95% das crianças do país, entre 10 e 12 anos, têm acesso a pelo menos um smartphone.  Com essa medida, espera-se que a escola volte a ser um ambiente de interação, que os estudantes voltem a ter uma aprendizagem mais fluida e que desenvolvam uma relação mais equilibrada com a tecnologia. 

Apontada como uma ferramenta no combate às mudanças climáticas, a nuclearização envolve questões colaterais complexas
por
Vítor Nhoatto
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30/05/2025 - 12h

O setor de energia respondeu em 2024 por 68% de toda a emissão de CO2 no mundo, segundo relatório da United Nations Environment Programme (UNEP). O gás é o principal causador do aquecimento global e precisa diminuir drasticamente nos próximos anos, apontando para a necessidade da chamada transição energética e descarbonização. Mudar a forma como se produz energia é um desafio, e a nuclearização ressurge como uma possível resposta.

A produção de energia a partir de material nuclear é antiga, e de forma simplificada funciona em algumas etapas. O combustível radioativo (urânio) tem seus átomos divididos no processo de fissão, liberando uma grande quantidade de energia que aquece a água em torno do reator e o vapor gerado acaba movimentando turbinas na usina que geram a energia. 

O que chama a atenção para a modalidade é a produção de grandes quantidades de energia com pouco material e baixa pegada de carbono em comparação aos combustíveis fósseis. De acordo com dados de 2020 da German Environment Agency levantados pela organização holandesa fundada em 1978, World Information Service on Energy (WISE), para cada Kwh gerado por usinas nucleares, cerca de 117 gramas de CO2 são emitidos. No caso do carvão e do gás natural as médias giram em torno de 950 e 440 gramas respectivamente. 

Cláudio Geraldo Schön, doutor em Ciências Naturais pela Universität de Dortmund, mestre em Engenharia Metalúrgica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor titular na instituição destaca o potencial e a evolução nuclear com o passar dos anos. "Expandi-la poderia substituir as usinas termelétricas, diminuindo a geração de gases de efeito estufa [...] “o processo é continuamente atualizado, e resulta em avanços mesmo sendo uma tecnologia consolidada”.

Foi na extinta União Soviética que a primeira usina nuclear para uso doméstico começou a funcionar para contextualização, a Obninsk em 1954. Em seguida vieram outras, como a de Calder Hall no Reino Unido em 1956 e Shippingport nos Estados Unidos da América (EUA) em 1957. No Brasil, a usina Angra I foi a pioneira, com operações iniciadas em 1985.

Cinza e não verde

No entanto, o cinzento urânio traz um efeito não tão expressivo. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), se a capacidade de produção nuclear triplicasse, a redução na emissão de CO2 do setor de energia seria cerca de apenas 6% devido principalmente à grande quantidade de carbono liberada na construção de reatores e usinas, que exigem grandes quantidades de recursos e décadas até começarem a funcionar, e para a mineração do urânio também. 

Além disso, a pegada de carbono das principais fontes renováveis de produção de energia são bem mais baixas que a nuclear. Ainda de acordo com o levantamento de 2020 da German Environment Agency, no caso da solar, cada Kwh emite algo em torno de 30 gramas de CO2, para a eólica a cifra é inferior a 10 e para a hidrelétrica de apenas 4 aproximadamente. 

Para o especialista sênior em energia nuclear e integrante da WISE International, Jan Haverkamp, a energia nuclear não é efetiva e nem tem a emergência climática como foco. “O uso do argumento climático é uma cobertura para outros interesses [...] os países com uso tradicional de energia nuclear não a desenvolveram devido às alterações climáticas, o fator inicial foi militar como EUA, China, Rússia e Brasil. Já para outros países era um sinal de importância, como no caso da Romênia, Bulgária e Coreia do Sul. Ou ainda visando a redução da dependência do petróleo como na Alemanha e Reino Unido, ou ainda uma tentativa fracassada de desenvolver uma fonte barata de energia como na Suécia e Canadá”.

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Última usina nuclear na Alemanha começou a ser demolida em 2023, mas novo governo de extrema-direita avalia reativar a base; “resumindo, para alguns é geopolítica” comenta Jan Haverkamp - Foto: Thomas Frey / DPA / Picture Alliance

Atualmente existem 437 reatores nucleares em funcionamento no mundo, que representam 14% de toda a energia gerada no mundo, de acordo com a World Nuclear Association (WNA). Os EUA ocupam a primeira posição do ranking com 96 unidades, com França, China e Rússia em seguida com 56, 55 e 37 cada, respectivamente. O país asiático tem planos inclusive de se tornar uma potência nuclear, e até 2035 ter o dobro da capacidade atual dos EUA. 

No caso do Brasil, a geração nuclear responde por apenas 2% da matriz energética, produzidos nas usinas Angra I e Angra II. Ambas fazem parte da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, ao lado da Angra III, ainda em obras, e o complexo começou a ser construído durante a ditadura militar no país.  

Aquilino Senra Martinez, doutor em Ciências da Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia da Presidência da República explica as nuances da modalidade: “O seu uso para geração de eletricidade depende do contexto de cada país. Em lugares com alta demanda e poucos recursos renováveis, a sua expansão pode ser estratégica. No cenário das mudanças climáticas, ela não pode ser descartada, mas também não deve ser tratada como solução única".

Com dimensões continentais e clima tropical, o Brasil se destaca no cenário mundial justamente pelo seu potencial de produção energética renovável, e hoje é referência no quesito. O Balanço Energético Nacional (BEN) de 2024, feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em parceria com Ministério de Minas e Energia (MME), constatou que foi de 49% o índice de energia proveniente de fontes renováveis. 

Mesmo assim, no fim do ano passado a usina Angra I teve seu licenciamento para operação renovado por mais 20 anos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão do Governo Federal, e demandará investimento de R$3,2 bilhões nos próximos 3 anos. A continuação das obras de Angra III seguem em análise, mesmo com a administradora das usinas, a empresa de capital misto Eletronuclear, tendo uma dívida de R$6,3 bilhões com a Caixa e o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). 

As operações no terceiro reator foram paralisadas em 2015 e voltaram somente em 2022 após reajuste do orçamento, com 65% das obras concluídas. Isso demandou um investimento até então de R$7,8 bilhões, e apesar da conclusão não ter sido incluída no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) anunciado em 2023, estima-se cerca de R$20 bilhões necessários para tal.

Para Rárisson Sampaio, porta-voz da Frente de Transição Energética do Greenpeace Brasil, essas cifras revelam como a nuclearização desvia dinheiro necessário das fontes renováveis e ameaça um desenvolvimento sustentável e acessível. “O investimento em usinas nucleares não se conecta com a realidade do país, que poderia direcionar tais recursos para outras áreas, fortalecendo políticas como o Luz para Todos, que garante acesso a fontes de energia limpa, segura e barata, combatendo a pobreza energética e alinhando-se aos ODS da Agenda 2030”, diz Sampaio. 

Criado em 2003, o programa do Governo federal tem como intuito universalizar o acesso à energia no país, especialmente em áreas afastadas e periféricas e já impactou 17,5 milhões de pessoas. Para essa nova fase, uma das frentes é justamente possibilitar a instalação de placas solares em domicílios de baixa renda. 

Jan Haverkamp, da WISE, defende como em muitos países o investimento na energia nuclear desvia efetivamente o foco e dinheiro para medidas concretas no combate às mudanças climáticas, o que não é verídico: “As fontes de energia renováveis ​​produzem atualmente mais energia do que a nuclear em todo o mundo, e essa quantidade continua aumentando. A geração nuclear está mais ou menos estável há 3 décadas. A Finlândia, por exemplo, está atrasada na implementação de energia eólica desde que decidiu construir a usina Olkiluoto 3, que sofreu um atraso significativo”.

Segurança x planejamento

De acordo com estimativas de 2024 da Agência Internacional de Energia, a demanda energética global aumentará 4% ao ano entre 2024 e 2025, cifra bem maior que os 2,5% registrados em 2023. Os principais impulsionadores serão o maior uso de ar-condicionado devido justamente às mudanças climáticas, a progressiva eletrificação da frota de veículos, imprescindível na descarbonização do setor, e pelo avanço das Inteligências Artificiais (IA). 

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Demanda por energia pelas big techs só cresce, tal qual o uso de água potável para resfriamento dos computadores, o que aponta para uma necessidade de consciência ao usar IAs e a internet -  Foto: Microsoft / Divulgação

Os data centers deverão mais que duplicar as suas necessidades de energia até 2030 segundo a AIE, ultrapassando em alguns anos a energia consumida pelo Japão. Corroborando com esses indicativos, o Ministério de Minas e Energias realizou um estudo que aponta para um aumento de 25% na necessidade de produção energética brasileira até 2034. Nesse cenário, uma questão levantada na transição energética é a segurança e expansão necessárias para a manutenção sadia da sociedade.

Carlos Schön argumenta sobre o papel da energia nuclear, portanto, e as questões em relação ao clima: “Nós produzimos muita energia, mas ainda é pouco considerando o tamanho do país [...] a energia nuclear é a principal aliada das fontes renováveis, justamente porque essas dependem de fatores extrínsecos (sol na geração fotovoltaica, vento na geração eólica) que por sua própria natureza são flutuantes”.

Uma vez extraído do solo, o urânio pode abastecer por décadas uma usina nuclear, as quais em média podem funcionar por 40 anos, com a possibilidade de extensão, como no caso de Angra I, em funcionamento desde 1985 e renovada até 2044. Tudo isso acontece também sem depender de fatores externos como o vento, que pode danificar as hélices das turbinas eólicas, as nuvens que afetam a produção solar e a variação dos reservatórios que impactam as hidrelétricas. 

Contudo, Ana Fabiola Leite Almeida, professora do Departamento de Engenharia Mecânica e Produção da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Mestre em Química pela instituição, destaca que o problema reside no planejamento energético. Mesmo que a produção diminua, é algo manejável com vontade. “O risco não está nas renováveis em si, mas na falta de planejamento. Em cenários críticos, pode haver queda média de 20 a 40% na produção energética dependendo da região, mas com previsibilidade climática, diversificação geográfica e sistemas híbridos conseguimos mitigar esses efeitos”, explica Almeida.

Em períodos como de ondas de calor em que a demanda energética aumenta, fontes como as termelétricas passam a ter maior participação na produção de energia, e como são mais caras que as hidrelétricas, a conta de luz pressiona o bolso da população. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no acumulado de 2023 o aumento na tarifa foi de 9,52%, bem acima da inflação, de 4,62% no mesmo período. 

Relatório de 2024 do Tribunal de Contas da União (TCU) em parceria com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Empresa de Pesquisa Energética aponta que a nuclearização não resolveria justamente essa questão. A energia nuclear produzida em Angra III aumentará em 2,9% a conta de luz por ano e custará à população até 77 bilhões em despesas na contratação se a obra for concluída.

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“Existe todo um investimento que pode ser perdido, mas não justifica a continuidade de Angra III. É o resultado do  mal planejamento e desalinhamento com a política energética aponta Rarisson do Greenpeace - Foto: Eletrobras / Divulgação

O mesmo estudo do TCU destaca que as despesas com a obra “parada” chegam a R$2 bilhões por ano e uma desistência definitiva custaria cerca de R$13 bilhões, menos que o montante necessário para conclusão. Países como Áustria, Portugal e Dinamarca não classificam a energia nuclear como uma fonte limpa, e Itália e mais recentemente Alemanha, desativaram seus reatores ainda em funcionamento.

No caso do Brasil em relação ao setor de energias, as renováveis se destacam em várias frentes. Segundo o “Atlas Eólico” de 2022 do governo do Espírito Santo em parceria com a Embaixada Alemã, o potencial de geração pelo vento somente no estado é de 160 GWh, quase um terço da demanda anual do país hoje.

A energia solar também é outro enorme potencial, levando em consideração que o Brasil é o país que mais recebe irradiação solar no mundo, até então desperdiçado. Em 2023 a companhia de consultoria BloombergNEF apontou que se as políticas de incentivo à modalidade permanecerem iguais, em 2050 a capacidade de geração será de 121 GW por ano. Na ocasião, o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), Ronaldo Koloszuk, defendeu que isso pode acontecer ainda em 2040 com apoio e expansão do setor. 

Ana Fabiola destaca: "O Brasil tem um dos maiores potenciais renováveis do mundo, mas para isso precisamos investir em inovação, infraestrutura de rede, armazenamento e educação técnica [...] é preciso ter suporte de armazenamento, interligação entre regiões e tecnologias de resposta à demanda. As fontes renováveis podem sim suprir a demanda crescente se houver vontade política e investimento contínuo", afirma. 

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Maior parque solar do mundo fica em Minas Gerais e foi inaugurado em 2023, fazendo com que a capacidade do estado chegue a 8 GW por ano - Foto: Solatio / Divulgação

Potencial radioativo denso

Falando em demandas futuras e recursos para sanar problemas sem gerar mais, uma outra implicação da energia nuclear gira em torno dos resíduos perigosos da atividade. A World Nuclear Association aponta que o resíduo nuclear equivalente à demanda de uma pessoa por um ano é do tamanho de um tijolo. Pode não parecer tanto de início, mas o problema está na radioatividade do material. 

A meia vida do urânio 235, o tempo que o material leva para se desintegrar e deixar de ser extremamente radioativo, gira em torno de 700 milhões de anos. Durante esse tempo as substâncias líquidas e sólidas precisam ficar armazenadas e isoladas do mundo, seja em reservatórios subterrâneos, piscinas gigantes ou toneis de chumbo. Não existe hoje uma solução para esse material, e como os primeiros usos são do século passado apenas, respostas sobre o comportamento dele também não foram encontradas. 

Isso em si já acende um alerta pois relega uma questão das gerações passadas às futuras, e a possível fuga de material radioativo das usinas pode colocar em risco a segurança nacional com a produção de bombas. Mas olhando para a história mais uma vez, a situação se complica. Em 1986 ocorreu na atual Ucrânia o famigerado desastre nuclear de Chernobyl, zona até hoje inabitável. A explosão da usina contaminou uma área de milhares de quilômetros ao seu redor, causou milhares de mortes e adoeceu os que resistiram. Um caso mais recente foi em Fukushima no Japão em 2011, que apesar de menor e diferente, reforça o cuidado exigido. 

Aquilino Senra afirma que a questão é muito relevante no debate atual, mas avanços foram feitos e que não deve ser a única levada em consideração: “É essencial que seja considerado dentro de um contexto histórico e tecnológico, à luz dos avanços obtidos nas décadas subsequentes e da comparação com outras fontes de geração de energia, como as fontes fósseis, que também provocam milhares de mortes anuais em decorrência da poluição atmosférica”.

A Organização das Nações Unidas estima que por ano a poluição atmosférica mata entre 7 e 8 milhões de pessoas ao redor do mundo. Somente no ano de 2021, 8,1 milhões de pessoas morreram, além do fator contribuir decisivamente para o desenvolvimento de câncer de pulmão e doenças respiratórias. 

Fazendas de turbinas eólicas, sítios de placas solares e usinas hidrelétricas também estão sujeitas a acidentes e impactam o meio ambiente, mas em um grau muito menor. Além dos grandes desastres, existe a possibilidade de vazamento de material radioativo. No Brasil, por exemplo, a Comissão Nacional de Energia Nuclear constatou um caso em 2022 na unidade de Angra I, no qual a água contaminada chegou ao mar. Na ocasião, a Eletronuclear foi multada em mais de R$2 milhões de reais pelo órgão

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ONG fez protestos em frente a usina de Angra I e relembrou o desejo ilegal de milhões de litros de água contaminada pela usina em 1986 - Foto: Greenpeace Brasil / Divulgação

Rárisson do Greenpeace destaca: “a energia nuclear não tem lugar em um futuro seguro, limpo e sustentável. A energia nuclear é cara e perigosa. Apesar de oferecer energia não intermitente, há outras soluções no país que podem ser mais eficientes, seguras e baratas [...] só porque a poluição nuclear é invisível não significa que seja limpa, nessa conta toda, a energia nuclear é inexpressiva”.

Mesmo assim, nos últimos anos empresas e nomes do vale do silício floresceram no cenário da nuclearização em defesa dos chamados Small Modular Reactors (SMR), em tradução livre, pequenos reatores modulares. Segundo a Agência Internacional de Energia, as unidades menores podem ser uma solução para a demanda crescente por energia dos data centers, e por serem menores, construídos em uma fábrica e depois enviados ao local de destino, podem baratear os custos.

Com um tempo de construção diminuído para cerca de 5 anos em comparação aos reatores convencionais e cinco vezes menores em tamanho, o primeiro SMR instalado no mundo data de 2023 na China, o Linglong One. A capacidade do reator será de 1 GW quando entrar em operação regular segundo a Corporação Nacional de Energia Nuclear da China. Mesmo assim, de acordo um estudo independente da Universidade de Stanford que avaliou os dados preliminares da empresa norte-americana NuScale Power, mais lixo radiativo é gerado e há maior dispersão de energia no interior dos SMRs.

Os principais projetos na área ainda vão levar tempo também, com expectativa de começarem a operar em meados da próxima década apenas, como o da britânica Rolls Royce. Ainda existe a startup de Bill Gates, Terra Power, com expectativa que o seu reator em Wyoming, o estado menos populoso do país, entre em operação no começo de 2030. No entanto, nessa data as emissões de CO2 na atmosfera já deverão ter caído 42% para que o aquecimento fique em 1,5 graus celsius de acordo com o relatório de 2024 da United Nations Environment Programme.

 “Não é surpresa que tecno-oligarcas como Gates, Musk, Zuckerberg e Bezos sejam especialmente atraídos pelas ideias por trás de pequenos reatores nucleares modulares. Mas eles não percebem que essas tecnologias são fundamentalmente diferentes da internet ou mesmo das estruturas de energia renovável, incluindo armazenamento, com custos mais elevados em comparação com sistemas totalmente renováveis, tempos de desenvolvimento muito mais longos e sérios riscos”, alerta Jan Haverkamp da WISE International.

Esclarecendo dúvidas sobre os riscos em uma conversa com Luiz Padulla
por
Clara Dell'Armelina
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05/05/2025 - 12h

O mundo está farto de plástico. Estão presentes em utensílios, móveis, roupas e, agora, também nos alimentos, mas não para por aí, estudos recentes, como o feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), comprovam a existência de plástico acumulado no corpo humano. Estamos falando de microplásticos, pequenas partículas de plástico com dimensões inferiores a 5 milímetros causadoras de danos tóxicos aos seres vivos. 

A presença de plástico nos oceanos foi detectada pela primeira vez na década de 70 e só em 2004, com o pesquisador Richard Thompson, que tivemos o conhecimento dos "microplásticos". Entre 2010 e 2020 foi quando  identificaram a presença de microplástico em toda a cadeia alimentar, mas só a partir de 2023 que as pesquisas se voltaram para mapear seus impactos na saúde humana. O professor, biólogo, doutor e autor do blog "Biólogo Socialista", Luiz Fernando Padulla, conversa sobre o assunto com a repórter da AGEMT. Confira!

Pressão do governo Trump sobre instituições de ensino provoca medo sobre fuga de cientistas
por
João Paulo Moura
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05/05/2025 - 12h

Instabilidade é um rótulo que nenhuma nação deseja carregar. Seja na economia ou na educação, viver em um lugar de incertezas gera apreensão a todos. E, embora Donald Trump tenha recém completado 100 dias no cargo de presidente, graças às medidas adotadas, os cientistas se encontram em um mar de insegurança nunca vivido nestas últimas décadas. Columbia, Princeton e a Universidade da Pensilvânia sofreram com os cortes e ameaças de Donald Trump. Columbia teve US$ 400 milhões em subsídios federais suspensos devido à casos de assédio a estudantes judeus. Harvard foi uma das universidades que negou as demandas da Casa Branca.

Em consequência, no dia 14 de março, o Departamento de Educação anunciou o congelamento de US$ 2,3 bilhões em subsídios para a instituição. "Uma das grandes vantagens comparativas que os EUA tinha era sua capacidade de atração e fixação de cérebros de pesquisadores de outros países, principalmente do Sul Geopolítico”, diz Cristina Pecequilo, doutora em ciência política pela USP e professora de relações internacionais da UNIFESP. Assim, se os EUA deixarem de ser atrativos, os pesquisadores se moverão a outras nações, e com isso haverá uma perda de conhecimento de ponta”, ressalta Pecequilo em entrevista à AGEMT.    

As ações tomadas pelo governo Trump provocaram um temor generalizado entre os cientistas com medo de uma possível fuga de cérebros. O termo se refere ao processo de migração de pesquisadores, cientistas e profissionais altamente qualificados. Em pesquisa realizada pela revista Nature, dos 2000 pesquisadores consultados no levantamento, 75% consideram sair do país nos próximos anos. Desde que assumiu a presidência dos Estados Unidos no dia 20 de janeiro e, em seu primeiro dia de mandato, revogou 78 ordens executivas do governo anterior, retirou o país da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do acordo de Paris. Durante os três meses seguintes, as ações tomadas pelo governo se intensificaram, principalmente no setor econômico.  

Donald Trump segurando decreto no salão oval da casa branca
Donald Trump exibe decreto assinado no dia 20 de janeiro. Foto: Anna Moneymaker/Getty Images 

No dia 2 de abril, intitulado pelos republicanos como o “dia da libertação”, iniciou-se uma guerra comercial entre os EUA e o mundo. Com a meta de corrigir o déficit comercial internacional do país, o governo norte-americano impôs taxas a 185 países. As altas porcentagens geraram respostas das nações, principalmente por parte da China que revidou com um grande pacote de alíquotas sobre as commodities americanas. Mas as medidas não pararam somente no setor econômico. Dentro das universidades do país, o temor do corte de financiamento e da fiscalização do conteúdo dos cursos aumentou.

A tensão entre o governo Trump e as instituições de ensino superior se elevou a partir do mês de março. Investigações de programas de diversidade e inclusão foram abertas em 45 universidades, com exigências sobre a auditoria de conteúdos e as condutas de alunos em favor da Palestina. Em resposta a esse cenário, instituições e países ao redor do mundo começaram a se movimentar para atrair os cientistas que se encontram nos EUA. A Universidade de Aix-Marselha, localizada na França, lançou uma iniciativa chamada Safe Place for Science, que investirá 15 milhões de euros para apoiar 15 pesquisadores. A União Europeia lançou a campanha Choose Europe for Science, como um refúgio para a liberdade acadêmica. Bélgica, Holanda e países nórdicos vêm oferecendo bolsas e infraestrutura de ponta para pesquisadores norte-americanos. 

Além das universidades europeias, China e Índia se consolidam como potenciais concorrentes dos pesquisadores estadunidenses. “Eu destacaria a China como uma potencial concorrente, até porque basta lembrar que todos estes outros países, principalmente a França tem problemas com forças políticas conservadoras anticiência. Além dela, mencionaria igualmente a Índia, que tem investido pesadamente em ciência e tecnologia”, completa Pecequilo. 

Nos últimos anos, a China despontou como a líder mundial em número de artigos científicos publicados. Segundo Ministério de Ciência e Tecnologia da China, em 2024, o país destinou mais de US$ 496 bilhões para pesquisa e desenvolvimento. Esse valor corresponde a 2,68% do Produto Interno Bruto (PIB) chinês, sendo o segundo maior investidor mundial em pesquisas, atrás apenas dos Estados Unidos. 

A Índia também tem se destacado como uma potência emergente em ciência e tecnologia, apesar de ainda apresentar desafios estruturais. O país investe 0,64% de seu PIB em pesquisa e desenvolvimento. Entretanto, esse investimento tem crescido de forma constante, dobrando na última década. O governo indiano é o principal financiador, respondendo por mais da metade do total, com destaque para agências como o DRDO (Defesa), o Departamento de Espaço e o Departamento de Energia Atômica. 

Apesar das incertezas internas e das ameaças que pairam sobre o sistema científico dos Estados Unidos, a ciência mundial está encontrando novos centros. Essa reconfiguração global do conhecimento pode redefinir o papel dos EUA como epicentro da inovação e da produção científica.

Documentário I’m Not a Robot instiga o telespectador a refletir sobre a evolução das máquinas
por
Vítor Nhoatto
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08/04/2025 - 12h

Não sou um robô, uma etapa de checagem comum ao navegar na internet e uma sentença obviamente verdadeira, ou talvez não. O curta-metragem de co-produção holandesa e belga de mesmo nome, problematiza o chamado teste Captcha, quando a protagonista Lara (Ellen Parren, produtora musical, entra em uma crise existencial ao não conseguir provar sua humanidade.

Logo de cara o enredo de Victoria Warmerdam, também diretora da obra,  pode parecer apenas cômico, e a interpretação de Parren colabora para essa atmosfera. Os diálogos curtos e a indignação diante de uma suposta certeza de Lara prendem a atenção do telespectador ao fazer com que haja identificação com a situação. Provavelmente todos nós já erramos um destes testes simples em algum momento.

A história com pouco mais de 20 minutos continua com a indicação que a personagem tem a chance de ser 87% um robô, segundo um quiz online, e a essência incômoda da ficção científica começa a reluzir. Conversas entre humano e máquina existem há cerca de 60 anos, com a criação do chatbot Eliza, e com o avançar dos anos é cada vez mais comum, de fato.

Seja aquele número para marcar consultas ou o serviço de atendimento ao cliente das operadoras, a Inteligência Artificial rodeia as esferas da vida cotidiana e vem evoluindo rapidamente. Tome como exemplo o robô humanoide que já foi capa de revista e é considerada cidadã saudita, Sophia, da Hanson Robotics desenvolvido em 2015. Ou ainda os influencers virtuais com milhões de seguidores do Instagram hoje como a carismática Lu da empresa de varejo brasileira, Magazine Luiza.

Robô Sophia
Sophia foi inclusive ao Talk Show do apresentador norte-americano Jimmy Fallon - Foto: Hanson Robotics / Divulgação

Parece que a barreira entre o físico e digital, natural e artificial vem sendo quebrada, como aborda a obra de Margareth Boarini, “Dos humanos aos humanos digitais e os não humanos”, lançada em julho do ano passado pela editora Estação das Letras e Cores. O primeiro livro da doutora em tecnologias da inteligência e mestre em comunicação se aprofunda nesses casos de coexistência entre robôs e pessoas, porém, até onde se sabe as diferenças entre máquinas e humanos são perceptíveis, ainda. 

Mas como uma boa teoria de ficção científica, o documentário explora justamente um possível futuro da humanidade, em que máquinas e humanos serão indistinguíveis, A saga de Lara por respostas acaba com a revelação de que Daniël (Henry van Loon), marido da personagem, a encomendou sob medida há alguns anos, como se faz com uma roupa hoje.

Suas memórias, sentimentos e até mesmo relações com outras pessoas, ou robôs, são todas fabricadas, como uma versão muito mais avançada do robô Sophia. A comédia permeia a narrativa um tanto quanto impensável aos olhos de hoje, mas curiosa. A seriedade da executiva da empresa que fabricou Lara, Pam (Thekla Reuten) cria uma atmosfera cômica ao assunto, completada pela tranquilidade que Daniël fala sobre sua “aquisição”.

Parren entrega uma atuação que transborda indignação, e o trabalho cinematográfico é inteligente, com cortes que acompanham a visão de Lara. Sobre o ambiente que o filme se passa, todas as gravações foram no CBR Building em Bruxelas, e a ambientação feita com cores vibrantes e apenas carros de época no estacionamento propõe um contraste entre antigo e moderno, frio e robótico, quente e humano. 

O desfecho se dá com o desejo da protagonista de ser dona do próprio destino, relegando o fato de não poder morrer antes de seu “dono”. Isso pode ser visto talvez como uma negação em aceitar a única coisa que a diferencia de um humano, ou como uma mensagem da autora da obra sobre uma rebelião das máquinas.

Fato é que Lara se joga do topo do prédio, em um take muito inteligente por parte da direção ao filmar de cima, e que apesar de pesado e grotesco consegue ser engraçado e não desagradável aos olhos. Tal qual uma morte comum, há muito sangue saindo do corpo, as necessidades fisiológicas também são como de humanos, mas após alguns instantes a robô volta à vida.

Lara e Daniel em um Volkswagen Fusca azul
Com cinematografia cativante e enredo inesperado, é um Sci-Fi cômico e dramático - Foto: Indie Shorts Mag / Reprodução

Incômodo e perspicaz são boas palavras para definir a quinta produção de Warmerdam, que a fez faturar uma série de prêmios internacionais incluindo o Oscar de Melhor Curta-metragem deste ano. Sua produção também se destaca por ser carbono neutro, com o plantio de uma agrofloresta na Holanda para compensar as emissões de gás carbônico (CO2) da obra.

I’m Not a Robot está disponível de forma gratuita no YouTube desde o dia 15 de novembro de 2025 no canal The New Yorker, com legendas apenas em inglês ou holandês. Mesmo com essa barreira linguística, o choque final é inevitável, e a reflexão provavelmente também, se o seu cérebro não estiver se perguntando se você pode ser também um robô.

Em uma civilização que caminha para digitalização de todos os processos é inevitável que a tecnologia dos NFT tome forma
por
Carlos Gonçalves
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28/09/2021 - 12h

     Entre as principais características que arte possui, a adaptabilidade é uma das principais. Com a chegada da arte moderna, houve diversos tipos de rompimentos, como a fuga dos cavaletes e a rejeição ao academicismo. Porém, na nova fase da arte contemporânea aconteceu um novo salto, quando arte expandiu-se por todos os meios possíveis; do grafite às projeções feitas com arte computadorizada. E já não há limites, a arte percebeu que pode ocupar todos os espaços usando todas ferramentas que há e o que “não há”.

     Dos fatores que potencializam o crescimento da arte no decorrer dos séculos, a comercialização é uma das principais causas. Bilhões de dólares já foram negociados para a aquisição de obras de artes, seja por meio de leilões, marchands ou direto com o artista (sendo essa a mais difícil, pois costuma haver um intermediário); além ser um meio restrito, onde as elites têm facilidade e poder para a compra. Não é à toa que ainda há o estigma de que quem consome arte ou se interessa sobre o tema é possivelmente de uma classe econômica alta. Mas com as ressignificações que estão ocorrendo no campo arte, ela está se tornando acessível ao público, seja somente pelo o encontro com a obra e o seu conteúdo, como também, com a compra propriamente dita.

     Há poucos anos, tudo que era criado pelo meio digital poderia ser visto como algo público, quando qualquer pessoa poderia reproduzi-la ou fazer uma cópia e salvá-la em seu computador sem problemas, configurando um tipo de "use e abuse" democrático. Mas e se fosse possível comprar o direito de imagem e ser o seu dono? Evidentemente, a imagem continuaria circulando pelas redes, mas só você seria o proprietário. A arte digital atrelada ao NFT, foi o causador dessa nova forma de ver e comercializar arte. O NFT (“Non Fungible Token” – Traduzido: token não substituível) é a tecnologia através da qual a arte digital vem sendo comercializada. O “token” funciona como um contrato, que autentifica a compra e venda no meio digital; funciona de forma semelhante como quando compramos um imóvel ou algo que necessite de um cartório. Já o “não fungível” significa que é um objeto único, havendo somente ele, sem cópias (por exemplo: obras de arte, objetos raros, contratos e patentes). Portanto, o NFT é a venda de um produto único por intermédio de um contrato digital. E como todo contrato, que precisa ficar em um livro de registros no cartório, com o NFT também não é diferente; é a blockchain que faz este papel, arquivando todos os registros de compra e venda em servidores que operam 24 horas por dia.

     Na última semana de agosto de 2021, houve o recorde de vendas de NFT. O valor ultrapassou USD 800 milhões em diversos tipos de artes digitais, comparado com a primeira semana do ano, o valor foi em torno de USD 2 milhões. Os números não mentem, a comercialização de arte digital já é mais uma nova alternativa para se adquirir arte. A dinâmica da compra também se modifica, quando comparada com o estilo convencional. Agora o comprador pode comprar diretamente do artista sem grandes trâmites, não havendo mais nenhum intermediário entre eles; rompendo o status quo que havia com a galeria. Para o artista é mais vantajoso, pois além de aumentar a facilidade de comercialização e de expandir o alcance da sua obra (rompendo esferas que limitavam o alcance da arte), pode também aumentar o seu lucro no futuro. Por exemplo, se o comprador resolver revender a obra no futuro, e ela estiver valorizada, o artista tem direito a uma porcentagem do valor da venda (comissão). O acesso ao histórico de revenda pode ser algo dificultoso de se rastrear (na arte não digital), pois o artista não tinha como consultar de forma confiável e eficiente com quem está a sua obra e por quanto ela estaria sendo negociada. Algo que a blockchain mostraria rapidamente, dando o acesso à transação de contratos de compra e venda.

     Alexandre Rangel é artista multimídia e desenvolvedor de software, sendo um dos percussores da arte digital no Brasil. Para ele, o NFT é uma tecnologia que age de boa-fé, pois além da transparência na informação e dos históricos, é possível o artista ter um panorama exato de como está repercutindo a sua obra na esfera digital; a questão da popularidade das obras, algo que se tornou fácil para o artista analisar como a sua obra está sendo aceita. Para ele, a plataforma serve também como estímulo entre os artistas iniciantes, que compram obras entre eles como forma de reconhecimento e admiração pelo trabalho criado.

                                                                                  

Histórico dos valores transacionados em artes digitais até o início de setembro de 2021.
                                                                                        Histórico dos valores transacionados em artes digitais até o início de setembro de 2021.

     Por ainda ser algo abstrato e recente, os programadores estão criando espaços que se assemelhem a uma galeria de artes digital (metaverso), criando uma estrutura 3D em que o interessado pode circular pelo o espaço e “ver” a arte em exposição; podendo comprá-la de imediato se quiser. Outra forma criada pelos artistas para haver um elo entre o digital e o real é fazer uma cópia da arte (sendo uma impressão com certificado). Dessa forma, o comprador teria um contato mais próximo com a obra, porém, pouquíssimos artistas adotam essa estratégia. É possível que este método seja temporário, sendo apenas um processo de adaptação na transição entre o tátil e o imaterial.

     Porém, nem todo o processo da arte digital está sendo amigável, sendo um método criado por um coletivo de artistas com uma visão radical (podendo serem considerados como iconoclastas da arte materialista). O coletivo participara de um leilão da Christie's e arremataram um desenho do artista Picasso por USD 21 mil (obra: "Fumeur V", 1964). Em seguida, digitalizaram a obra em um scanner em alta resolução e arquivaram a imagem em um servidor. Bem, e a original? Ela foi queimada em uma fogueira ao ar livre (todo o ato foi filmado). O processo de digitalizar a obra e queimá-la foi visto por muitos como algo espantoso, criando a problemática de por onde a arte pode caminhar, e a preocupação de como pode ser violento este processo. No fim, a obra incinerada se transformou em uma NFT e não só isso, quem arrematasse a obra, receberia as cinzas da obra original emoldurada. O que acaba criando um paradoxo. Perante as leis contratuais, qual seria a obra original? As cinzas ou os pixels?

     Ainda há muito o que se discutir sobre o tema, será necessário observar o seu comportamento e como a sociedade (seja os colecionadores ou os aficionados) reagirá no decorrer das décadas. Em uma civilização que caminha para digitalização de todos os processos, é inevitável que essa tecnologia tome forma; o problema mora aí, de qual forma ela vai desenvolver-se. Para Rangel, é um processo natural. Somada a potência das criptomoedas, a arte digital terá o seu reconhecimento assim como ocorre com a moeda digital. Naturalmente, existem atitudes radicais que podem servir como oportunismo ou como algo revolucionário, dependendo de qual perspectiva utilizar. Sobre um olhar conservador, atitudes que querem romper com o materialidade podem ser vistas como violência à imagem e ao peso simbólico do que ela representa. Mas é necessário relembrar que ao longo do processo truculento da história da arte, foi necessário romper a reatividade com a subversão, seja com pinceladas raivosas ou com fogo na tela.

Conhecidas informalmente como 'deep fakes', os meios de comunicação sintéticos incluem imagens, vídeos e áudios de pessoas fazendo e dizendo coisas que nunca aconteceram.
por
Giovanna Crescitelli
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21/09/2021 - 12h

Por Giovanna Crescitelli

Seres humanos quase sempre estão programados para acreditar que algo que parece e soa verdadeiro, é real. É um viés cognitivo conhecido como fluência de processamento. Portanto, não é surpresa que a manipulação da mídia tenha uma longa história como uma ferramenta poderosa para moldar a percepção humana coletiva. Na metade do século XX a manipulação de imagem era um trabalho que exigia dias de trabalho de um artesão muito habilidoso. Até hoje a tecnologia está no processo de se tornar mais fácil, barata e acessível. 

Nos anos 1990, surgiu o programa de tratamento de imagem "Photoshop", que foi o primeiro software de edição de fotos amplamente difundido no mundo e que, desde então, passou por grandes transformações como os aplicativos para smartphones e os filtros de vídeo do Instagram, indicando algo completamente novo: a era das deep fakes

Deep fake é um pedaço de mídia sintética o que significa falar que é uma imagem, vídeo ou áudio que foi ou manipulado por ou gerado inteiramente por um software de Inteligência Artificial (AI) é muito competente em criar mídia falsa de pessoas que existem e também em criar imagens de pessoas que não existem. As AIs podem ser treinadas para emular a biometria de humanos, o que inclui o rosto e a voz. Conforme a AI se desenvolve, menos dados são necessários para treiná-la para clonar alguém. É o que explica Nina Schick em seu livro Deep Fakes and the Infocalypse onde analisa como as tecnologias estão transformando a política e a sociedade.

 


Título: Capa do livro Deep Fakes and the Infocalypse da autora Nina Schick. (Google, 2020)

 

 

 

 

 

 

 

Capa do livro Deep Fakes and the Infocalypse da autora Nina Schick. (Google, 2020)

Até 2014 criar um humano “sintético” era algo inovador descrito apenas em artigos do genial pesquisador de machine learning Ian Goodfellow que atualmente é diretor da área na Apple. Em cinco isso evoluiu exponencialmente e uma foto de um humano criada hoje pela AI, enganaria a maioria das pessoas. Como todas as tecnologias poderosas, a mídia sintética é um amplificador da intenção humana e oferece muitas oportunidades, mas com potencial para se tornar arma de desinformação. 

À medida que o ambiente digital evolui, as restrições técnicas irão se dissipar e a fidelidade das deep fakes já é incomparável. A barreira de entrada para criar algo com altíssima fidelidade ainda existe. Entretanto a limitação tem tudo a ver com restrições técnicas, e não com questões éticas. 

Portanto, em 2030, um criador individual, um YouTuber ou TickTalker será capaz de criar conteúdo falso tão bom ou até melhor do que um estúdio de Hollywood pode criar hoje com equipes de artistas de efeitos especiais e orçamentos multimilionários. É o que prevê a autora e especialista.

Em 2023 mais de 5,6 bilhões de pessoas estarão compartilhando fotos e vídeos online, e os produzirão em seus smartphones. Para Schick, os dados sugerem que até o final da década de 2030, o vídeo será a principal fonte de informação para quase todos. Hoje cerca de dois terços da humanidade já usa o vídeo como fonte primária de informação. Portanto, a mídia sintética vai começar a se tornar onipresente em nosso ecossistema de informações digitais.

 A pesquisa "The State of Deepfakes 2020" revelou que o número de vídeos sintéticos na Internet dobra tem dobrado a cada seis meses desde dezembro de 2018. As estatísticas do estudo apenas consideram as deep fakes relacionadas a difamação de figuras públicas - estima-se que 96% de todo conteúdo sintético disponível seja pornográfico. É o que afirma Giorgio Patrini, CEO e cofundador da Sensity, empresa que realizou a pesquisa em entrevista ao CyberNews em maio de 2021. 

 A tecnologia apareceu pela primeira vez no final de 2017 no Reddit. Seu primeiro uso foi na produção de pornografia falsa e não consensual dirigida a mulheres famosas, como a atriz Emma Watson que na época era protagonista da série de filmes “Harry Potter” voltada para o público adolescente e infantil. É inegavelmente um fenômeno de gênero. Segundo Patrini mais de 100.000 mulheres foram alvos de agressores majoritariamente do sexo masculino.

Curiosamente, não se trata apenas de celebridades. Cada vez mais, isso está se tornando um fenômeno voltado para mulheres comuns. O especialista ressaltou que o relatório de 2020 indicou uma mudança no modus operandi. A forma de provocação era, anteriormente, reservada para personalidades famosas. Atualmente, indivíduos comuns são cada vez mais alvo dos ataques difamatórios. Em 2021 a pornografia se tornou um problema sério e desenvolveu seu próprio tipo de ecossistema online.  A parte preocupante da pornografia deep fake é sua natureza não consensual. Tudo o que você precisa para criar pornografia falsa é mídia autêntica de alguém para ser usada como trainning data pela AI que, obviamente, é facilmente encontrado nos sites de relacionamento.
 

Com o avanço da tecnologia tem sido cada vez mais comum ver a medicina usando novas ferramentas para agilizar e democratizar o atendimento aos pacientes
por
Laura Mariano
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28/09/2021 - 12h

Por Laura Mariano

Como seria se tivéssemos um sistema público e privado de saúde integrados, de norte a sul do País, de maneira que contemplasse o histórico de saúde do paciente, fornecesse dados para possíveis tratamentos e diagnósticos? Parece roteiro de filme de ficção, ou um pensamento utópico, mas na verdade, essa é uma realidade muito próxima. Com os avanços tecnológicos têm sido cada vez mais comum ver a área da saúde usando ferramentas como big data, machine learning e data analytics.

Cada paciente se torna um desafio de big data, com uma carga de dados que ultrapassa a capacidade de processamento do cérebro humano. O médico intensivista e pesquisador do Hospital Israelita Albert Einstein e professor livre-docente da Universidade de São Paulo (USP), Ary Serpa, explica as razões de se implementar tecnologia na saúde: “A medicina de uma forma geral, em especial na parte hospitalar, a geração de dados é gigante. [...] Uma hora o cérebro falha, é normal, somos seres humanos. Além disso, temos o exemplo de um paciente que chega na unidade inconsciente e não conseguimos contato com nenhum familiar, não temos o histórico do paciente, não sabemos se ele toma remédios ou se tem alguma doença. Pensando nesse momento que todos temos acesso à informação, é um absurdo não termos conhecimento dela. Por isso, sem dúvida nenhuma, precisamos da digitalização da medicina”, defende.

Diante da mudança no perfil demográfico e epidemiológico da população, sujeita a desenvolver novas enfermidades ao longo do tempo que podem ser evitadas, ou amenizadas por diagnósticos precoces, não faz mais sentido insistir em apenas um modelo de oferta de tratamento, focado quase que exclusivamente na saúde suplementar no século passado. A inteligência artificial (IA) tem sido encarada como uma grande aliada dos profissionais de saúde. Giovanni Sima, farmacêutico e pesquisador da Escola Paulista de Medicina e Hospital São Paulo pertencente ao Sistema Único de Saúde - SUS, analisa esse fato: “Sabemos que a maior causa de morte no mundo ocorre por condutas erradas dos profissionais de saúde, e nesse sentido, a Medicina de Dados pode ser um grande aliado para evitar erros médicos”.

Registrar dados de saúde pode parecer uma tarefa simples, mas não é bem assim, especialmente no Brasil, que soma 211 milhões de pessoas com necessidades muito divergentes na rede de saúde pública, como o SUS, que é universal e acessível a todos.

“É interessante de se pensar, inicialmente, na interação ‘profissional de saúde com o paciente’ de uma forma geral, até um contato mais especializado num âmbito hospitalar ou em clínicas. Nós que trabalhamos no SUS costumamos dizer que a prática do dado é o que temos de mais humanizado. Se pensarmos no profissional como um agente humanizado, fica mais fácil visualizar a tecnologia no cuidado. Temos a telemedicina como exemplo, especialmente nesse período de pandemia, já é de senso comum que essa ferramenta otimiza o cuidado”, explica Giovanni.

Alguns projetos destinados que envolvem esses novos dispositivos já têm adesão no Brasil e servem de exemplo para suportes utilitários futuros, como é o caso do Regula+Brasil, que faz parte do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS) e foi desenvolvido pelo Hospital Sírio Libânes em 2018, a fim de melhorar os serviços da atenção primária à saúde, diminuindo o tempo de espera para consultas com especialistas. O Regula+ atua de duas formas: usando a tele-saúde para apoiar os médicos presentes nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e orientando a regulação das filas para consultas na atenção secundária à saúde, através de uma coleta e armazenamento de dados.

Stephan Sperling, médico de família e coordenador médico do Regula+Brasil, explicou sobre o projeto: “A ideia do Regula+Brasil é facilitar o trânsito das pessoas que estão na estação primária, nas UBSs, e recebem encaminhamentos para serem cuidadas em ambulatórios de especialidades utilizando a tele-saúde e a medicina de dados. Geralmente, a gente entra nos sistemas de regulação das localidades - a maioria utiliza o sistema do próprio Ministério da Saúde, o Sistema Nacional de Regulação (SisReg). Os médicos entram nesse sistema, avaliam as características físicas e clínicas do paciente descrito ali, listando a prioridade e de qual especialidade médica aquela pessoa precisa. Além disso, registramos as informações de regulação no nosso banco de dados, assim facilita nosso trabalho, porque atendemos inúmeras pessoas e projetos, e nos permite avaliar os CIDs [Classificação Internacional de Doenças] mais recorrentes e o comportamento das localidades”, conta.

Para que profissionais de saúde e pacientes possam usufruir desse sistema unificado e tecnológico, não se pode pensar apenas em softwares de inteligência artificial ou aparelhos avançados. Existe a necessidade de discutir de qual modo será feito o registro dos dados clínicos da população.

Sperling acrescenta que a inovação deve ser uma aliada, visando um bem maior, não focando apenas numa criação desenfreada de novas ferramentas de saúde. Para ele a tecnologia não é uma finalidade, é um vetor para que as coisas aconteçam e é preciso conectar as coisas. "Temos o caso do Recife, onde estamos tentando plataformas para registrar as tele-consultas e pegar as informações para armazenar no prontuário eletrônico, a fim de diminuir a quantidade de sistemas abertos, pois o médico da ponta precisa acessar cerca de 4 sistemas de uma só vez. A ideia de inter-operacionalidade desse projeto é agilizar e simplificar o trabalho”, argumenta.

Ademais, é preciso avaliar os aspectos que envolvem a funcionalidade e praticidade dos sistemas de armazenamento de dados para que profissional atuante, naquele momento, não tenha maiores dificuldades. “Aquela imagem do ‘robozinho’ atendendo [os pacientes] é uma realidade muito distante, pode até acontecer, mas não é o que temos hoje", diz. Uma grande desvantagem é a carga de trabalho que acrescenta ao profissional de saúde, principalmente o profissional de enfermagem. "Ao mesmo tempo que é fácil obter todos esses dados, ainda é necessário ter alguém registrando num formulário digital, deixando de dedicar seu tempo totalmente ao paciente" afirma. Existem estudos que comprovam que um do componente importante que induz [Síndrome de] Burnout no profissional são as obrigações relacionadas à documentação. "Para resolver esse problema tem duas opções: contratar mais profissionais ou automatizar e simplificar mais os softwares", pontua Ary Serpa.

Para que a IA seja capaz de coletar um grande volume de dados, reconhecer padrões e gerar algoritmos que podem tanto auxiliar médicos no atendimento diário, quanto projetar diagnósticos e tratamentos, é preciso ter sistemas informatizados e unificados para substituir as inúmeras fichas de papel por prontuários eletrônicos — o que, além de evitar gastos e erros, economiza tempo nas consultas.

Para que isso se concretize, Sima sugere que essa instalação tem que ser feita de maneira gradual, pois precisa atender desde as metrópoles até as populações indígenas e ribeirinhas. O SUS, por exemplo, é universal. Falar sobre administração de saúde é falar também sobre política, não apenas o dinheiro resolve o problema estrutural do Brasil. É preciso haver uma mobilização social para entender que essa inovação pode ser a solução do problema", prevê. Ele diz que nesse quesito o setor científico vai desenvolver os estudos de impacto social e orçamentário, sobretudo para o debate político e ainda acrescenta: “Em seguida, é importante haver uma comunicação integrada, nesse sentido, jornalistas são essenciais. Os formadores de opinião ganham uma posição de destaque, pois trazem a informação correta à população. Deve existir esse ‘caminhar de mãos dadas’ para que essas tecnologias possam existir efetivamente", defende.

 

Registros Eletrônicos

 

Uma pesquisa feita em 2016, pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), incluiu 30 países-membros e revelou que, apesar de a maioria investir em registros eletrônicos, poucos conseguiram alcançar um nível de integração que permita extrair dados para pesquisas e estatísticas. A maior parte ainda colhe informações de forma isolada e as analisa separadamente.

Segundo Ary, isso pode tornar-se realidade através de um bom planejamento. Para ele socializar esses dados, torná-los mais democráticos é essencial. "Sem dúvida nenhuma, a tecnologia bem empregada nos dá mais tempo para ficar com o paciente, aumentando a qualidade do atendimento. Um dinheiro bem empregado e profissionais adequados, sendo eles um profissional de Tecnologia da Informação [T.I], um de saúde e um datasets, que são imprescindíveis, afinal, o médico traz a prática, o datasets analisa os dados e o T.I acopla isso aos sistemas”, explica.

Incentivos à pesquisa também são um dos grandes pilares para o desenvolvimento. Serpa explica que a pesquisa é uma das formas mais inteligentes de utilizar dinheiro e atender ao paciente. Ela tem salvado vidas de pessoas que não tinham acesso aos tratamentos como no caso da oncologia. "Muitas coisas no SUS só são feitas por esse incentivo, por parcerias com indústrias ou com governos federais ou estaduais. Sobretudo, também é preciso mudar a visão da população, para que se entenda que pesquisas não servem para fazer ninguém de cobaia ou para mascarar um ato corruptível”, adverte.

Outro desafio enfrentado por essa revolução é o aspecto humanitário do atendimento ao paciente. Profissionais e usuários dos serviços argumentam sobre a suposta falta de humanidade do cuidado igualitário, feito por equipes multiprofissionais. O algoritmo, a inteligência artificial, o deep learning podem acabar dominando o cuidado¹.

Entretanto, os apoiadores da inovação rebatem: “Se falarmos das principais críticas ao acesso dos pacientes aos sistemas de saúde pode haver um pouco de preconceito da nossa parte. Nós já operamos teleconsultas no interior do Amazonas e a grande surpresa foi saber que a comunidade tinha acesso à Internet, mas não tinha sinal de operadoras ou cabos de telefonia. Atendemos crianças que precisavam de neuropediatras, e estavam aguardando há 3 anos na fila. Sem essas tele-consultas não seria possível orientar a família e passar o tratamento correto. Nós testamos e vimos que, apesar dos desafios, foi fácil atingir nosso objetivo”, argumenta Sperling.

Para Sabrina Dalbosco Gadenz, gerente de projetos no Hospital Sírio Libanês dentro do portfólio Regula+Brasil, essa revolução tecnológica já aconteceu em outras profissões: “A transformação digital que a saúde está passando agora, muito por conta da pandemia, nós já vimos antes. Nós não chamamos o banco de tele-banco, por exemplo, e hoje em dia fazemos tudo pelo celular. A medicina não é ‘tele-nada’, é saúde e medicina como qualquer outra coisa. É preciso revisar e avaliar todos esses processos para ser bom para os profissionais e pacientes. Ambos precisam enxergar valor e qualidade no serviço oferecido, é para isso que nós trabalhamos”, explica.

Os diferentes pontos de vista acerca de toda essa modernização acabam enriquecendo o debate, e proporcionando diferentes maneiras de solucionar os problemas que o upgrade na medicina enfrenta, a fim de simplificar e unificar os atendimentos aos pacientes brasileiros. A evolução tecnológica no campo da medicina está em busca de comprovar sua utilidade terapêutica. “Muitas vezes o que tem de mais humanitário num atendimento é o tratamento e o resultado final positivo, como a cura de determinada doença”, finaliza Giovanni Sima.

 

 

Glossário:

Big data: Segundo o Oracle Brasil, big data é um conjunto de dados maior e mais complexo, especialmente de novas fontes de dados. Esses conjuntos de dados são tão volumosos que o software tradicional de processamento de dados simplesmente não consegue gerenciá-los.

Machine learning: Segundo IBM Watson, é uma tecnologia onde os computadores têm a capacidade de aprender de acordo com as respostas esperadas por meio associações de diferentes dados, os quais podem ser imagens, números e tudo que essa tecnologia possa identificar.

Data analytics: Processo de analisar informações (dados) com um propósito específico. Isto é, pesquisar e responder perguntas com base em dados e com uma metodologia clara para todos os participantes.

Datasets: Um conjunto de dados ou "dataset" é uma coleção de dados normalmente tabulados.

¹Adaptação da frase do médico e escritor Luiz Vianna Sobrinho, que disse: “Acabou a figura do médico à beira do leito. O algoritmo, a inteligência artificial, o deep learning e…a lógica da gestão acabam tomando à frente do cuidado”.

Por Eleonora Marques

Como seria o seu dia se você não pudesse usar Internet, celular, computador e televisão? Você conseguiria trabalhar, estudar, passear e viajar? Mesmo que tenha respondido “sim” para alguma dessas perguntas, será que conseguiria chegar a todos esses locais sem um GPS? Em um mundo tão conectado - especialmente na pandemia - às vezes parece que a tecnologia sempre esteve aqui. Mas não é bem assim. Os eventos da história sempre foram registrados e transmitidos com as tecnologias disponíveis em seus tempos.

Quando Luzia Maria de Almeida (85) nasceu, em 1936, o rádio era artigo de luxo: ainda menina, ela conta que se lembra de ter apenas um em toda a vizinhança. Aos poucos, o produto começou a se popularizar um pouco e outras casas passaram a ter não só o rádio, mas também um móvel específico para colocá-lo. Afinal, naquela época, ouvir as notícias, músicas e novelas era um evento especial. “Lembro que de ouvir sobre a Segunda Guerra e de papai ficar preocupado, achando que podiam chegar no Brasil ou que alistariam ele e meu irmão. Quando ele falava disso, mamãe sempre ia para a cozinha. Lembro do cheiro do cigarro de palha dela e ela ensinando a gente a depenar galinha”, conta. 

Segunda Guerra Mundial. Cigarro de palha. Depenar galinha. Todas essas cenas, que fizeram parte da vida de Luzia e de muitos dos idosos do Brasil, parecem estrangeiras aos mais jovens. Edil Baffa (88), natural de Queluzito-MG, também relembra acontecimentos que para ela parecem recentes, claros na memória, mas que já podem estar distantes para boa parte da população. Ela conta que veio para São Paulo aos 17 anos, acompanhada do pai e dos irmãos. “Íamos todos juntos ‘tomar’ o bonde para ir trabalhar. Meu pai tinha me conseguido um emprego de datilógrafa no Ministério do Trabalho na época, eles trabalhavam lá perto também”, diz. 

Ao ouvir suas histórias, é possível perceber que Luzia, Edil e todos os idosos presentes na sociedade viram a maior parte das invenções do século passado surgirem. E se adaptaram a elas. Porém, na velhice, essa tarefa pode ficar mais difícil. 

“Até hoje não sei usar WhatsApp. Consigo mandar mensagens para os contatos que tenho salvos, mas ligar, mandar áudio... Vish!”, brinca Luzia. 

De acordo com o neurologista Bruno Funchal, colunista do site "Neurologia Integrada", essa dificuldade relatada por Luzia é normal. Com o passar dos anos, os neurônios atingem seu limite de funcionamento cognitivo, fazendo com que a velocidade e a qualidade das conexões sejam prejudicadas. 

Além disso, uma pesquisa realizada pela Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto (FMRP), mostrou que os idosos ainda encontram barreiras adicionais. Entre elas estão as letras pequenas e o aparelho vir configurado em inglês. Segundo a autora do estudo, Taiuani Marquine Raymundo, outro problema é a idade com que foram apresentados às novas tecnologias. Para ela, isso pode ser um obstáculo tanto para que entendam a tecnologia, quanto para que a acrescentem ao seu cotidiano. 

Ainda, do total dos entrevistados por Taiuani, 40% relataram ter medo de utilizar novas tecnologias, 24% deles por receio de danificar o aparelho. Os motivos para isso podem ser múltiplos, mas, entre eles, pode estar a maneira com que os idosos foram ensinados a lidar com a tecnologia ainda na infância. 

Como o rádio, vitrola e demais aparelhos modernos para a época eram caros, tanto a família de Edil, quanto a família de Luzia não permitiam que elas tocassem neles: o manuseio dos aparelhos era restrito somente aos adultos. 

Para driblar esse possível trauma, a paciência de filhos e netos e a criação de cursos de inclusão digital voltados para esse público podem ser boas escolhas. 
 

Após a sanção da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a Internet se torna mais regulada
por
Laura Mello
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21/09/2021 - 12h

Por Laura de Almeida Melo

Quem nunca abriu um site qualquer e se deparou com uma grande mensagem dizendo que este site utiliza cookies e, ao continuar navegando, você aceita essa política? Mas, afinal, o que são esses cookies e o que eles estão armazenando? De acordo com a advogada Cristina Cantú Prestes em seu artigo “Privacidade e Intimidade: A Legalidade dos Cookies e Spam”, cookies são pequenos arquivos armazenados em nossos navegadores e dispositivos que contém dois pedaços de informação: um identificador do consumidor e um identificador da página. Derivando do conceito de “Magic cookies” (biscoitos mágicos), ela afirma que cookies são capazes de armazenar dados como passes para localizar cada usuário e fornecer maior facilidade para navegação e propagandas mais direcionadas, como os spams que chegam ao email em segundos. Mas você sabe o que acontece depois que seu navegador é fechado? 

Existem três tipos de cookies: de sessão/transitórios; permanentes/persistentes e os maléficos. Cookies de sessão são apagados do seu dispositivo assim que o seu navegador é fechado, eles não coletam nenhum dado pessoal ou informações do computador, apenas armazenam informações que identifiquem o usuário. Os cookies permanentes, no entanto, permanecem no seu dispositivo até serem excluídos manualmente ou quando sua data de validade é expirada – que pode ser em um dia ou mil anos. Ao contrário dos cookies de sessão, os permanentes coletam informações do usuário como, por exemplo, sites que ele visitou anteriormente e seus favoritos, para construir a preferência daquele usuário. Já os cookies maliciosos, como diz o próprio nome, são os mais perigosos e os que devemos nos preocupar. Esse tipo de cookie, além de coletar informações do usuário como os cookies permanentes, acompanham toda a sua atividade online, rastreiam e montam um perfil do usuário, que podem ser vendidos e utilizados para qualquer propósito, além de captarem informações pessoais e sensíveis, como senhas de bancos ou até sua religião. É por causa deste último e mais outros casos que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) entrou em vigor no Brasil em setembro de 2020, pois esses, também conhecidos por serem pequenos arquivos rastreadores, violam a privacidade e intimidade do titular dos dados, agora ilegal pela sanção da lei.

“Depois de escândalos como o dos Estados Unidos de vazamento de dados, se entendeu que era necessário um limite de legislação. A gente sabe que a internet é um ambiente autorregulado muito positivo e útil, mas o direito vem para impor limites. Crime é crime, dentro ou fora das redes.”, comenta Cristina. “Só o fato de o Brasil reconhecer a proteção de dados já é muito positivo, pois o coloca como um País sensível e confiável quanto à essa problemática internacional.”. Tendo como principal referência a General Data Protection Regulation (GDPR) da Europa, a LGPD possui uma agência regulatória - a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) para fiscalizar e aplicar multas quando necessário. Além disso, a lei foi incorporada no Código de Defesa do Consumidor, podendo ser atendida tanto pela ANPD quanto pelo PROCON. 

Mesmo com todo cuidado da lei, ainda há especialistas que a acham pouco eficaz, como o doutor em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Josué de Oliveira Rios. “Se fosse levada à risca, os cookies quase deixariam de existir”, argumenta. “Falta transparência, pois só apresenta para o titular dos dados (usuário) uma possibilidade – concordar com os cookies. A maioria das pessoas, pensando que perderão o acesso ao site, concordam, mesmo não sabendo do que se trata. Deve-se esclarecer a finalidade para o titular consentir conscientemente.”. Para excluir os dados recolhidos por cookies, o titular deve entrar em contato com o controlador do site, normalmente indicado na Política de Privacidade, ou excluir remotamente do seu dispositivo nas configurações na opção limpar dados de cachê e cookies.  

Mas, afinal, qual é o risco do recolhimento de dados? E como isso infringe nossa privacidade? O caso mais famoso de mapeamento de perfis com base de dados recolhidos pelo Facebook foi o da Cambridge Analytica, que mapeou perfis de pessoas indecisas quanto ao voto das eleições de 2018 dos EUA e também no plesbicito do Brexit, na Inglaterra. A empresa de publicidade, ao mapear esses perfis com dados pessoais sensíveis, como raça, religião e posicionamento político, bombardeava cada pessoa com anúncios ou notícias falsas que a tiravam de cima do muro para votar no candidato da campanha. Assim, iniciou-se a caça à segurança dos dados e leis como a LGPD e a GDPR entraram em pauta no legislativo.