Acompanhe como foi a primeira mesa do evento , realizado no Tucarena, teatro da PUC-SP
por
Beatriz Alencar Gregório
João Pedro Lopes Oliveira
Geovana Bosak Santos
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15/03/2024 - 12h

Na quarta-feira (13), a Agência Pública celebrou seus 13 anos de jornalismo investigativo no Tucarena, em Perdizes, em  parceria com o   curso de Jornalismo e a Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes da PUC São Paulo. O evento "Pública 13 anos: O jornalismo na linha de frente da democracia", contou com três mesas de debate ao longo do dia, reunindo nomes ilustres do jornalismo, da antropologia e do clima. A comemoração discutiu temas como a desinformação, a crise climática e a defesa da democracia.

A primeira mesa, com o tema “Desinformação e Populismo Digital”, foi mediada por Natalia Viana, co-fundadora e diretora executiva da Pública, ela também se graduou em Jornalismo na PUC e mencionou a escolha da universidade para sediar o evento. Segundo ela, “a democracia é a cara da PUC”. Como convidadas, juntaram-se à mesa a antropóloga Leticia Cesarino e a pesquisadora Nina Santos para discutir as ondas de desinformação, a regulamentação da inteligência artificial e o poder das big techs e algoritmos nos sistemas de informação.

Ao final da discussão, também foram abertas perguntas ao público. Geovana Bosak, estudante de jornalismo perguntou: "Como você vê o futuro do jornalismo em um ambiente que está cada vez mais dominado pela manipulação dos algoritmos e pela desinformação?"

Nina Santos:

"O jornalismo está passando por um momento de transformação, porque de fato a economia da atenção, que é o rege o funcionamento das plataformas digitais, acaba mudando muito até a forma de acesso das pessoas ao jornalismo. O que a gente vê nas últimas pesquisas é que as pessoas acessam cada vez mais o conteúdo jornalístico através das plataformas. Ao invés de entrar diretamente nos veículos, elas entram nas plataformas digitais, que são espaços de informação e também de entretenimento, e através dessas plataformas que elas acabam se informando sobre o que tá acontecendo, o que é importante, e sobre o quê que elas precisam agir".

A Agência Maurício Tragtenberg esteve presente na primeira mesa de discussão "Desinformação e Populismo Digital", e gravou um vídeo de cobertura. Para conferir, acesse: 

https://www.instagram.com/reel/C4icdfIOyQo/utm_source=ig_web_copy_link&igsh=MzRlODBiNWFlZA==

 

Como a adesão do sistema de videomonitoramento no Brasil representa a falência da segurança pública
por
Gabriela Figueiredo
Victoria Leal
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27/11/2023 - 12h

Por Gabriela Figueiredo e Victoria Leal 

"Estão criando uma polêmica em algo que a gente já construiu, um sistema que muitas cidades já desenvolvem, que no metrô tem, em vários locais tem, é como se fosse algo muito inovador e na verdade estamos atrasados. São Paulo está correndo atrás de um prejuízo". Ricardo Nunes, prefeito da cidade de São Paulo, sobre o sistema de videomonitoramento Smart Sampa.

O Smart Sampa é o novo sistema de videomonitoramento da cidade de São Paulo, que iniciou, na segunda-feira (7) de agosto de 2023, a instalação de 20 mil câmeras inteligentes de segurança, que integram a tecnologia de biometria facial, com serviços públicos da cidade, para monitoração em tempo real da população. 

O sistema funciona unindo informações captadas dos rostos dos cidadãos pelas câmeras de segurança distribuídas pela cidade, com o banco de dados do sistema de segurança pública da região, para identificar, principalmente, pessoas que cometem infrações, mas segundo prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes, a monitoração será utilizada em união com outros órgãos, para identificar possíveis acidentes e chamados voltados para políticas públicas.

O prefeito explicou ainda que “tem que ter mais de 90% de similaridade na biometria facial [para iniciar uma operação de busca] e não teremos a transmissão automática às forças policiais quando for detectado alguém que seja, por exemplo, um procurado da Justiça. Ele vai passar ainda por um comitê integrado à Controladoria Geral do Município para a análise antes do envio”.

A decisão do consórcio que cuidará do sistema passou por um pregão eletrônico, que contou com a participação de 12 empresas, em que o contratado foi o Consórcio Smart City SP, formado pelas empresas CLD – Construtora, Laços Detentores e Eletrônica LTDA, Flama Serviços LTDA, Camerite Sistemas S.A. e PK9 Tecnologia e Serviços LTDA, com previsão de instalação das câmeras em 18 meses, por um custo mensal de R$ 9,8 milhões.

 

HISTÓRICO

O sistema de videomonitoramento já tem seu histórico no Brasil, com instalações no Rio de Janeiro e Bahia. Em uma pesquisa publicada em novembro deste ano, pela Rede de Observatórios da Segurança - grupo criado em maio para coletar indicadores que não são divulgados oficialmente - de março a outubro, foram detidas 151 pessoas com o uso de tecnologias de reconhecimento facial, sendo 52% dos casos na Bahia, 37% no Rio de Janeiro e 7% em Santa Catarina.

A organização não oficial levantou os dados usando reportagens de veículos de imprensa, páginas das polícias e de outras organizações e órgãos nas redes sociais. Ainda, segundo a pesquisa, o perfil das pessoas presas segue a tendência da população carcerária, sendo 90% das pessoas negras, 88% homens, com idade média de 35 anos e com abordagens por tráfico de drogas e roubo.

E é aqui que o histórico passa a ter seu contrapeso na implementação da tecnologia. Em um primeiro teste executado durante os quatro dias de Micareta, em Feira de Santana, Carnaval fora de época que acontece no município próximo a Salvador, mais de 1,3 milhão de pessoas tiveram seus rostos captados e 903 chamados foram gerados, mas apenas 33 mandados de prisão foram cumpridos.

No Rio de Janeiro, uma mulher e um homem foram detidos por engano em Copacabana, em julho, com acusação de homicídio, em que, no processo de investigação do caso, foi descoberto que a procurada já estava na prisão havia 4 anos.

A professora do Programa de Tecnologias Inteligentes e Design Digital (TIDD) PUC SP, Dora Kaufman, explica que "o reconhecimento facial é uma das aplicações da técnica de aprendizado de máquina, subcampo da inteligência artificial", a aplicação serve para diversas atividades, desde reconhecimento de imagens em pesquisas no Google até biometria facial, em que o algoritmo aprende com base exemplos extraído de dados.

No caso da biometria facial, um dos obstáculos é processo de reconhecimento do rosto, que não chega à precisão completa. O cálculo acontece a partir da distância entre alguns pontos do rosto e comparação com o banco de dados. Quando um certo grau de semelhança é emitido, o alerta é direcionado.

A professora ainda aponta que “existem estudos de ONGs indicando que mais de 20 secretarias de segurança de cidades brasileiras estão usando esses sistemas, com falhas significativas. O problema é alguém ser reconhecido equivocadamente, ou seja, ser preso sem ter incorrido em nenhum crime simplesmente porque o sistema falhou”.

 

O CICLO SE REPETE

Com 90% de identificação da população preta em alvo do sistema e uma das maiores porcentagens da instalação de câmeras na zona mais rica da cidade - 3.300 câmeras na região central, 6 mil na Zona Leste, 3.500 na Oeste, 2.700 na Norte e 4.500 na Sul -

Amailton Azevedo, professor do Programa de Estudos Pós-graduados em História e do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais da PUC-SP, aponta que "trata-se de outros mecanismos para renovar e sofisticar o racismo made in Brazil. Se há a tese de que considera o racismo brasileiro se manifesta de modo silencioso e velado, de outro, pode-se defender que políticas de segurança como essas tornam explícitas as soluções brancas para problemas negros e mestiços".

O prefeito Ricardo Nunes afirmou ainda que “quem tem que estar preocupado é quem fez alguma coisa contra a lei, mas quem não tem nada contra a lei, fique despreocupado. Alguém que fez algo contra a lei, alguém que traz transtorno para a sociedade, acho que essas pessoas têm que estar preocupadas”.

Em uma alusão com o mundo real, o anime japonês “Psycho-Pass” mostra, ainda no primeiro episódio, como o sistema de monitoramento por inteligência artificial pode ser falho a ponto de pôr em risco a vida da população que “não tem nada contra a lei”. O episódio apresenta um medidor de “potencial de criminalidade”, monitorado pelo Estado, que após atingir certos estágios, pode levar a prisão ou execução.

Após sofrer um trauma por tentativa de abuso, a personagem vítima tem seu psycho-pass elevado a nível de execução, mesmo sem nunca ter apresentado qualquer sinal natural do “potencial de criminalidade”.

Sendo 90% de potencial de identificação do sistema de monitoramento ou 90% dos alvos sendo pessoas pretas, a falta de precisão do Smart Sampa e de qualquer outro sistema vira mais um agravante para um problema estrutural da sociedade.

 

IMAGEM DE CAPA: Reprodução Portal Outras Palavras

Qualidade da água do rio continua muito ruim, mas margens recuperadas já trazem benefícios para a população
por
Lucas Gomes
Matheus Marcolino
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21/11/2023 - 12h

Por Lucas Gomes (texto) e Matheus Marcolino (audiovisual)

 

Jhonatan Barbosa cresceu e passou grande parte de sua vida adulta em Cidade Tiradentes, extremo da Zona Leste de São Paulo. O dia a dia na periferia não era fácil. Ele começou a trabalhar aos 14, em buffets nas festas dos ricos do centro da capital. Já que a rotina de horas e horas dentro do transporte público era extremamente desgastante, sonhava em viver em um grande centro. E esse sonho é antigo: quando criança, nos anos 1990, sua mãe costumava levá-lo a um consultório médico na avenida Paulista. No caminho, passavam por hospitais e grandes monumentos da cidade, além da Marginal Pinheiros, que margeia o rio. Ele via os prédios na região da Vila Olímpia com espanto. Parecia uma outra realidade. 

Em 2019, Jhonatan conheceu sua atual esposa. Na época, ela morava numa kitnet em Santo Amaro, Zona Sul da capital. Com o início da pandemia, em 2020, ele decidiu se mudar para lá. O sul oferecia a Jhonatan o que o leste não tinha: além de conseguir morar perto do trabalho, agora ele e a companheira tinham opções de lazer, como as margens do Rio Pinheiros, que vive um processo de despoluição há quatro anos. Inaugurou-se um programa de casal: andar de bicicleta, caminhar, ou até mesmo fazer yoga no recém-inaugurado Parque Bruno Covas. Criou-se uma relação com um rio que estava morto.

O Rio Pinheiros sempre fez parte da história de São Paulo. Ele foi navegável até o início do século passado, quando o interesse do setor energético impulsionou uma mudança: o curso do Pinheiros mudou, e o rio passou a correr em direção à represa Billings, construída para servir como um reservatório para geração de energia hidrelétrica. Nos quase 100 anos que se passaram desde então, o Pinheiros foi um dos rios mais violentados pela população e pelo poder público, e se tornou sinônimo de sujeira, mau cheiro e descaso.

Em 2019, João Dória, então governador do Estado de São Paulo, fez uma promessa bastante ambiciosa: despoluir o Rio Pinheiros até o fim de 2022. O programa “Novo Rio Pinheiros” previa o investimento de mais de R$ 1,5 bilhão, que focaria no tratamento de esgoto para impedir que lixo e dejetos continuassem chegando ao rio. 

O mapeamento “Observando os Rios”, da ONG SOS Mata Atlântica, acompanha a situação do Rio Pinheiros e dá uma nota para a qualidade da água em três pontos de medição: Ponte João Dias, Ponte do Jaguaré e Ponte da Cidade Jardim. Desde o início do monitoramento mensal, em agosto de 2021, somente em duas vezes os pontos de medição não receberam a nota mínima (péssimo): em outubro de 2021, João Dias recebeu nota “ruim”, sendo o mesmo caso da Ponte Cidade Jardim, em janeiro deste ano. 

César Pegoraro, biólogo e integrante da Equipe de Água da SOS Mata Atlântica, conta que, passados quatro anos desde o início do programa Novo Rio Pinheiros, os avanços são inegáveis, mas a situação segue calamitosa. Foram registradas 650 mil ligações de domicílios à rede de esgoto, diminuiu-se a carga orgânica do rio, mas o estado da água do Pinheiros ainda é horrível. “A gente ressuscitou um rio e conseguiu devolver esse rio à UTI. Ele não é um rio saudável”, explica.  Na visão de César, João Dória cometeu um erro ao estipular uma data de entrega, já que a natureza tem um tempo próprio - e, às vezes, resultados concretos podem demorar a chegar.

A principal métrica usada no mundo para medir a limpeza de um rio é a de DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio). Ela determina quanto oxigênio é consumido em cada litro de água por causa da poluição. Em 2022, a gestão Dória afirmou que a meta estava sendo cumprida. “Dos 13 pontos de monitoramento do rio, 11 já apresentaram o chamado DBO abaixo de 30 mg/L, quantidade mínima para que a água não tenha odor, melhore a turbidez e permita vida aquática”, relata, em nota, a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (SEMIL) do Governo do Estado de SP. 

José Carlos Mierzwa, chefe do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Escola Politécnica (POLI) da USP, conta que um DBO de 30 mg/L não é o ideal para um rio vivo. Segundo ele, para que haja vida aquática é necessário um DBO na faixa dos 5 mg/L. O projeto de despoluição é coordenado pela SEMIL-SP e conta com participações da Sabesp e da Cetesb. 

Os órgãos e empresas citadas foram procurados, mas não responderam até o fechamento da reportagem. 

O CHEIRO 

Jhonatan conta que sentiu uma melhora no odor vindo do rio Pinheiros durante os últimos anos. O cheiro não incomoda seu trajeto para o trabalho ou quando ele sai com sua companheira para caminhar no Parque Bruno Covas, por exemplo. Na estação Cidade Universitária, da Linha 9-Esmeralda, porém, a história é outra: um odor forte de esgoto é notado pelos usuários do transporte público. A estudante Ana Carolina diz que o cheiro se intensifica em dias de chuva ou de calor, que estão se tornando cada vez mais comuns na capital.

Pegoraro explica que as diferenças entre os diferentes pontos do rio se dão pelos muitos afluentes do Pinheiros e do processo de saneamento nas regiões atendidas por eles. Enquanto nos arredores do Parque Bruno Covas o rio é mais verde e o tratamento de esgoto é localizado e avançado, regiões como a da estação Cidade Universitária ou do Parque Villa-Lobos sofrem para tratar grandes quantidades de esgoto. Os rios Pirajussara e Jaguaré, principais afluentes dessas localidades, ainda têm uma carga orgânica maior - o que acaba deixando o cheiro mais forte.

A IMPORTÂNCIA DO RIO

Um rio vivo impacta a comunidade de seu entorno de muitas formas, mas duas são as mais destacáveis. O primeiro - e mais imediato - aspecto é o da oferta de lazer. O Rio Pinheiros, por exemplo, teve suas margens revitalizadas, e pessoas como Jhonatan e outros moradores da Zona Sul ganharam uma nova opção de convívio com a família, amigos e natureza, mesmo que nem todo ambiente esteja próprio para isso. A despoluição de rios é uma boa oportunidade para o setor de turismo, e o caso do Rio Sena, na Europa, chama atenção: antes tido como “morto”, o canal francês agora é favorito a receber competições de natação nas Olimpíadas de Paris, em 2024.
 

O segundo aspecto impactado por um rio vivo é a saúde física e mental da população. A baixa qualidade da água dos rios vem, principalmente, do mau tratamento de esgoto - que afeta especialmente os mais pobres. Um relatório da OMS, divulgado em 2013, apontou que cada dólar investido em saneamento gera 4,3 dólares de economia na saúde global. “Saneamento é qualidade de vida e saúde pública”, afirma José Carlos Mierzwa, que acredita que o investimento do poder público nesse sentido é extremamente necessário.

A saúde mental também não fica para trás. Publicado em 2010, um estudo da Universidade de Chiba (JAP) aponta que a convivência com áreas verdes reduz o estresse e a pressão arterial. “Teríamos muito mais saúde se tivéssemos rios mais limpos. (...) Ajudariam muito a melhorar a saúde mental das pessoas e a diminuir a violência urbana”, aponta Pegoraro. 

Apesar dos avanços tímidos nos quatro anos do Novo Rio Pinheiros, o poder público e a sociedade civil devem continuar engajados no processo de recuperação do rio. Assim, quem sabe, o próximo passo pode ser tirar o Pinheiros da UTI.
 

Como a falta de regulamentação das plataformas digitais modula o comportamento civil e estatal
por
Amanda Tescari
Fernanda Querne
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12/11/2023 - 12h

Por Amanda Tescari (texto) e Fernanda Querne (audiovisual) 

 

A modernização contínua das sociedades atuais a partir dos avanços tecnológicos alavancou diversos questionamentos acerca dos rumos da coletividade. No âmbito político, o neoliberalismo se alia ao fator tecnológico, formando uma nova forma de enxergar a realidade que nos cerca: a tecnocracia. Essa sistemática se dá com base na credibilidade da atuação do Estado alicerçada no conhecimento técnico enquanto verdade científica, de modo que esta se mistura com a ideologia política.    

Por mais que esteja vestido sob os trajes de neutralidade, este estudo teórico continua submetido à estrutura mercadológica, sujeito aos interesses de quem a controla - as big techs - razão pela qual é de grande importância a regulamentação do meio digital, viabilizando uma maior segurança dos dados e informações fornecidos online. 

 É possível entender a virada tecnológica feita pelas grandes corporações a partir do livro “A cidade Inteligente: Tecnologias urbanas e democracia”. Os autores são Evgeny Morozov e Francesa Bria. Morozov publicou Big Tech: a ascensão dos dados e  a morte da política. Já a edição de 2018 da Forbes citou Bria como uma das cinquenta mulheres mais influentes da Tecnologia pelos seus projetos focados em democracia digital. 

O livro explica como o neoliberalismo faz parte do conceito das cidades inteligentes, as quais continuarão buscando soluções digitais corporativas - em especial das plataformas digitais, dando magnitude aos nossos dados a partir dos sistemas algoritmos - lugares de controle e modulação de comportamentos. Surge então o questionamento sobre a ideia de neutralidade tecnológica e modernização constante. Isso porque as smarts cities se beneficiam deste tipo de governo, no qual a sua administração passa por uma descentralização. Assim, mesmo tendo que seguir alguns dispositivos regulatórios de governança, há uma ausência  de regulamentação das plataformas. 

 

                                           

                                            Legenda: Carro elétrico em Yokohama, Japão Foto: Smart Cities World

 

No universo das redes sociais, essa regulação também assume um papel primordial. Isso porque, em razão da rapidez exacerbada inerente aos tempos atuais, os indivíduos acabam por experienciar cada vez mais a sensação de pressa e inquietação. Decorrente disso, as redes sociais acabam por ocupar um papel de “poupar” o nosso tempo, e dentro deste contexto, tornam-se o meio mais prático de observar e compreender o que está acontecendo no mundo. 

Sobre o tema, o professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) Marcus Bastos opina, dizendo sobre a importância do regulamento das redes sociais, já que estas se transformam em um vetor dominante da construção do imaginário das pessoas e podem ser extremamente problemáticas em função da polarização, discursos de ódio e das fake news.

Não apenas ele, o advogado especializado em direito digital Bruno Bícego também destaca a importância da regulação dos ambientes online. Atuando de maneira próximo ao universo aqui elucidado, ele evidencia a questão sob seu aspecto político, enfatizando que a regulamentação em nada se confunde com o impedimento da liberdade de expressão, direito assegurado aos cidadãos brasileiros. 

Ao contrário disso, Bruno ainda expõe, em uma conversa realizada também digitalmente, sobre como a regulamentação precisa visar responsabilizar estas big techs, que atuam promovendo e investindo em campanhas em massa de propagação de fake news, de discurso de ódio ou até manipulação da opinião pública e de processos eleitorais e, consequentemente, colocando em risco a nossa democracia. 

A questão política resta, então, cada vez mais sensível dentro deste cenário. Os nossos dados são valiosos para o algoritmo e, dentro de um ciclo quase que interminável, os conceitos de informação e propaganda política se misturam na formação da opinião pública. Através da coleta e análise de dados de maneira extremamente personalizada, é possível delimitar perfis cada vez mais assíduos dos usuários, o que faz com que as grandes corporações estejam até mais íntimas de cada indivíduo do que eles mesmos. 

Para o professor, isso implica numa grande capacidade de manipulação em termos de marketing ou propaganda política. Durante a conversa, ele versa também sobre o fenômeno da pós -verdade e das fake news, destacando que, inicialmente, a pós verdade surge no sentido de derrubar narrativas que expliquem o mundo de forma absoluta. 

Contudo, a disputa de narrativas leva a uma dificuldade de encontrar consensos objetivos sobre muitas coisas - inclusive, às vezes, sobre fatos nomeadamente incontroversos. Com o algoritmo cada vez mais direcionado aos próprios interesses de cada um, torna-se mais palatável acreditar em tudo aquilo que aparece em nossos feeds, e, desta maneira, a checagem dos fatos torna-se cada vez mais acessória no processo de consumo e compartilhamento de informações. 

Conforme as pessoas ficam cada vez mais restritas a seus círculos e bolhas, essa dinâmica se acentua, pois elas perdem o acesso ao contraditório, fazendo com que se tornem cada vez mais convictas de suas visões de mundo. A discussão acerca da importância da regulação das redes sociais é de suma importância nessa geração tão tecnológica. No Brasil, entre as discussões no Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, o debate sobre o tema aguarda os próximos capítulos para que tenha seus detalhes mais bem delineados. 

 

 

Estudo comandado pela NewsGuard aponta que 20% das buscas na plataforma trazem desinformação
por
Sophia Pietá Milhorim Botta
Isabella Santos
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06/11/2023 - 12h

Após o sucesso estrondoso da rede social chinesa Tiktok, durante a pandemia de Covid-19, a plataforma ultrapassou seu posto de postagens de danças, entretenimento e brincadeiras para uma rede em que as fake news e a disseminação de conteúdos ofensivos e mentirosos dominaram os perfis dos usuários. Desde desinformações sobre política, cultura, ciência e até sobre a manipulação de vozes e imagens através da inteligência artificial. Um caso recente foi a recriação da voz do ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama se defendendo de uma nova e explosiva teoria da conspiração sobre a morte repentina de seu ex-chefe de cozinha, em uma falsificação convincente para criar narrativas falsas na internet. “Embora eu não consiga compreender a base das alegações feitas contra mim, peço a todos que se lembrem da importância da união, da compreensão e de não se precipitar em julgamentos”, diz a voz. 

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Francês de Opinião Pública (Ifop), em 2023, apontou para uma preocupação entre os jovens: a desconfiança na ciência. E um dos grandes motivos seria a forte propagação de fake news nas redes sociais, principalmente no TikTok. Por meio de vídeos rápidos, com muita imagem, áudios e legendas claras, usuários que não se identificam e criam perfis sem nomes reais, disseminam uma série de conteúdos falsos, utilizando de imagens adulteradas e inverdades para convencer o público, principalmente os jovens que ainda estão em formação estudantil. A “Geração Tik Tok”, como ficou conhecida, se torna refém, uma vez que elas nascem sabendo mexer nos celulares, computadores e são experts nas redes sociais. Isso faz com que esses jovens se informem somente das plataformas digitais, não leem um livro, jornal ou revista, todo o conhecimento deles vem das informações expostas nessas plataformas em que as fake news e teorias da conspiração dominam os conteúdos.

Um exemplo é o atual conflito de Israel X Hamas, que dominou a internet e o Tiktok vem sendo acusado de espalhar desinformação e conteúdos ilegais em sua plataforma. Vídeos de outras guerras antigas, áudios de outros conflitos e informações falsas sobre a cultura desses povos são espalhados rapidamente tendo um alto alcance em todo o mundo. Recentemente um comentarista político francês Jackson Kinkle fez uma postagem via Twitter alegando que estaria acontecendo protestos na França Pró-Palestina compartilhando um vídeo que alegava ser o protesto. Após internautas checarem a veracidade, foi constatado que o vídeo se tratava da torcida do time brasileiro de futebol Palmeiras em uma comemoração durante um partida contra o Boca Juniors. 

Após casos de fake news, preconceito cultural e muita desinformação, o comissário europeu Thierry Breton enviou uma carta direcionada ao CEO da plataforma, Shou Zi Chew, em que o Tiktok teria 24 horas para remover conteúdos irregulares divulgados na plataforma ou deverá arcar financeiramente com multas. Segundo Breton, a rede social deve ser “oportuna, diligente e objetiva” na remoção de informações erradas. “Em primeiro lugar, dado que a sua plataforma é amplamente utilizada por crianças e adolescentes, você tem uma obrigação especial de protegê-los de conteúdo violento que retrata a tomada de reféns e outros vídeos explícitos que supostamente circulam amplamente na sua plataforma, sem as devidas salvaguardas”, escreveu Breton.

Por se tratar de uma plataforma 100% gratuita e que proporciona um alto alcance e monetização aos usuários que tiverem seus vídeos viralizados, o sensacionalismo acaba dominando os conteúdos. Através de imagens explícitas, efeitos de voz, sonoplastia e pouca fiscalização, o deep fake publicado alcance pessoas ao redor do mundo de diferentes idades, fazendo com que segundos se torne fatal para a desinformação generalizada.

Segundo um estudo da NewsGuard, empresa de segurança dos Estados Unidos, 20% das buscas no Tiktok trazem desinformação. O estudo do “pesquisar” do aplicativo foi constatado que dos 540 vídeos analisados, 105 foram classificados como conteúdos contendo informações falsas. Executivos do Google reconheceram o Tiktok como mecanismo de busca padrão da Geração Z, esse fato explica a falta de informação verdadeira propagada pelos jovens. 

 

Como a tecnologia pode impactar costumes tradicionais conhecidos mundialmente
por
Fernando Muro Schwabe
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02/10/2023 - 12h

A morte é algo presente na vida de todo ser humano. Esse fenômeno desperta diferentes emoções, reflexões e crenças em diferentes culturas, religiões e indivíduos. Recentemente, com ajuda da inteligência artificial, diversas pessoas têm a possibilidade de serem “recriadas”. Apesar de parecer loucura, bastam apenas áudios e imagens e diversas ferramentas podem “renascer” alguém. Esse novo “avanço” colocou em pauta a discussão sobre a permissão do uso da ferramenta e como diferentes culturas poderiam ser impactadas.

Para o povo Trojan, que vive em uma região central em uma das milhares de ilhas da Indonésia, é comum ver os cadáveres dos entes que já partiram  dentro das casas. Isso acontece para que a família possa arrecadar o dinheiro suficiente para organizar um funeral digno. Em outras regiões do sudeste asiático, os defuntos são vestidos e levados para fazerem atividades que eram rotineiras na vida da pessoa, como por exemplo fumar um cigarro ou assistir ao pôr-do-sol. Em uma reportagem da BBC Brasil, a equipe foi até a região onde habitam os Trojans e visitaram uma das casas.

Ao chegar lá, a equipe pergunta se pode falar com o pai de uma das meninas. A jovem trata o já falecido pai como se ainda estivesse vivo, mesmo tendo partido a mais de 10 anos: “Pai, o senhor tem visita. Espero que você não se incomode.”

Cultura Trojan
Homem da cultura Trojan está morto a mais de 10 anos e segue vivendo em sua casa (Foto: Reprodução/BBC)

No Brasil, um dos recentes casos de recriação de falecidos ganhou notoriedade. Trata-se do produtor João Lee, de 44 anos, que utilizou da ferramenta para recriar a voz de sua mãe, a famosa cantora Rita Lee, que faleceu em maio deste ano. É muito comum encontrar recriações, principalmente vocal, de famosos nas redes sociais, majoritariamente no Tik Tok. Não é raro ver vídeos onde o já falecido Michael Jackson canta músicas do artista Bruno Mars ou até mesmo cantando músicas em português. Até mesmo o astro brasileiro Neymar Jr. virou cantor na rede social. 

Outro país que tem uma ligação cultural muito forte com a morte é o México. No país latino, ao contrário de muitos países, o feriado do Dia dos Mortos é uma data feliz. Tradicionalmente, nos dias 1º e 2 de novembro, milhares de pessoas saem pelas ruas fantasiadas, com músicas e comidas típicas. Apesar dessas culturas passarem por diversas gerações, a possibilidade de recriar uma pessoa que faleceu, através da inteligência artificial, poderia mudar essas comemorações para sempre. Com isso, buscamos entender e buscar a opinião de pessoas que vivem nestes países e nessas culturas. 

Em entrevista para a AGEMT, o mexicano Axel Solalinde, de 22 anos, opinou sobre a possibilidade das pessoas falecidas serem recriadas por inteligência artificial: “Acho que é uma forma muito legal de homenagear os falecidos, pois com a tecnologia poderíamos recriá-los em qualquer fase da vida deles”. O jovem também comentou sobre como essa nova tendência poderia impactar na tradicional cultura mexicana do Dia de Los Muertos: “Eu não acho que isso mudaria, mas seria uma ‘atualização’ do que já conhecemos. Não vejo problemas em usar a tecnologia atual, já que a celebração consiste em lembrar que a morte, que faz parte da vida, e em honrar a memória de nossos entes queridos. Podemos usar a inteligência artificial para inovar esta celebração”. 

 

Dia de los Muertos
Tradicional celebração do Dia dos Mortos no México (Foto: Reprodução/ National Geographic)

De fato, no caso da cultura mexicana, a inteligência artificial pode dar uma “nova versão” à tradicional comemoração. Entretanto, é necessário a permissão dos familiares ou a permissão do próprio falecido, em um testamento ainda em vida. Definitivamente, o futuro sobre as comemorações típicas da morte e como as culturas seguem suas tradições é incerto. A tecnologia é uma grande aliada para essa e para as próximas gerações, mas é impossível assumir se a recriação de pessoas que já faleceram fará ou não parte da cultura e do dia a dia das pessoas. 

 

 

Uso de IAs traz facilidades, mas pode causar desemprego na área de programação
por
Lucas Gomes
Matheus Marcolino
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21/11/2023 - 12h

Todos os dias, por volta das 7h00min, André chega no trabalho, toma café e se posiciona em sua mesa. Depois de uma reunião com o restante da equipe, começa a escrever - é assim que ele e outros do ramo da programação chamam a prática de desenvolver linhas de códigos. Em meio a trabalhos mais abstratos e diferentes, surgem demandas mais básicas, que precisam de mais execução que criatividade; nesses momentos, ferramentas de inteligência artificial são acionadas. André Luís deixou o Recife-PE há quase quinze anos. Em São Paulo, encontrou oportunidades de estudo e trabalho. Trabalha na mesma empresa, do ramo de tecnologia, desde 2018, em muitas funções. Já foi auxiliar administrativo, mas hoje trabalha numa função que lhe agrada mais: é um desenvolvedor júnior, responsável pela programação  de softwares para outras empresas, fato que comprova o crescimento do mercado tecnológico.

Essas tecnologias estão assumindo cada vez mais protagonismo na área de programação - e assustam: uma pesquisa recente da Microsoft aponta para esse cenário: 49% dos entrevistados estão preocupados com a possibilidade de serem substituídos por inteligência artificial. Economistas do banco Goldman Sachs, estimam que 300 milhões de empregos poderão ser totalmente automatizados com esse tipo de ferramenta. O setor de programação e desenvolvimento, entretanto, não é o único mercado afetado pela tecnologia nos últimos anos. Ricardo Antunes, sociólogo, escritor e professor da Unicamp, considerado o maior especialista em trabalho do Brasil, conta que alguns dos muitos trabalhadores impactados por tecnologia são os entregadores e motoristas de aplicativo.

Esses profissionais passam por um processo chamado de “trabalho intermitente”. Os aplicativos dão duas escolhas ao trabalhador: ou recebe, ou descansa. Se o entregador parar para descansar e fechar o app, não será recomendado para uma entrega tão cedo; se o motorista recusa corridas para almoçar, idem. “Entre o almoço e a janta, e entre o café da manhã e o almoço, são horários com menos demanda. Eles [entregadores] ficam parados e não recebem. É criminoso, mas é assim que funciona. E o fato de ser intermitente faz com que os algoritmos paguem o que quiserem, explica Ricardo Antunes.

Apesar das críticas, o pesquisador diz não ser contra o avanço tecnológico, e sim contra o modelo capitalista vigente. “A tecnologia existe na humanidade desde o primeiro microcosmo familiar. O capitalismo mudou a tecnologia para ser um instrumental para acumulação de mais riqueza”, afirma.

UNIVERSO DA PROGRAMAÇÃO

André é especialista em “C#” (a pronúncia é C Sharp), uma das várias linguagens de programação existentes, assim como Java, HTML e Python, por exemplo. Ele conta que a parte mais difícil de seu trabalho não é escrever os códigos, e sim decifrar como “traduzir” uma ideia inicial na linguagem de programação. “Você tem que escrever algo que outros programadores possam entender, pra que eles não gastem dias tentando decifrar seus códigos”, conta. Há algumas estratégias para isso.

As inteligências artificiais ajudam, principalmente, na execução de tarefas repetitivas que demorariam muito mais para serem concluídas sem o uso delas. André conta que, quanto mais específico o pedido para a IA, maiores são as chances de um desempenho satisfatório. A assertividade de uma inteligência artificial depende dos dados que ela recebe. Vinicius Cassin, 29, também é desenvolvedor e trabalha como SRE (sigla em inglês para engenheiro de confiabilidade de sites) para a BEES, célula tecnológica da Ambev. Ele passou a utilizar inteligência artificial no dia a dia do trabalho há seis meses; desde então, o ganho foi tanto que a empresa resolveu adquirir uma versão do ChatGPT, da Open AI, para uso interno - e parar de fornecer dados para a versão aberta do site.

“O ChatGPT é assustador”, conta Vinicius. “Há muita coisa que eu não sei, e que em vez de comprar um curso para resolver um problema, eu só digitava lá e ele fazia para mim”. Ele relata que usa a IA como um bom apoio no desenvolvimento de sua função.

 

O MEDO

Em recente visita ao Brasil, Sam Altman, cofundador da Open AI, empresa criadora do ChatGPT, admitiu que, sim, o mercado de inteligência artificial vai causar desemprego: "Achamos que muitos empregos vão desaparecer, isso acontece em toda revolução tecnológica, mas muitos empregos vão melhorar. Eu acho que vamos ver impacto em todos os lugares. A sociedade pode regulamentá-la, mas não vai impedir isso de acontecer", afirmou o ex-executivo que foi contratado pela Microsoft para desenvolver projetos de IA. 

Apesar do uso majoritariamente positivo das IAs, André Luís admite que essas tecnologias assumem funções básicas que anteriormente eram realizadas por programadores humanos. O GitHub Copilot, por exemplo, é um serviço de inteligência artificial que pode substituir facilmente um auxiliar ou um funcionário de suporte em alguns casos.

Ricardo Antunes afirma que, mesmo com seus evidentes benefícios, as inteligências artificiais tem um objetivo claro: substituir o trabalho humano - e isso pode causar um desemprego monumental. Para ele, as IA's são "um demônio contra a humanidade" quando poderiam ser um instrumento favorável - isso, porém, depende do sistema que molda a inteligência artificial. Hoje, é o "capitalismo destrutivo".  Ele também conta que o cenário é mais preocupante do que a Open AI assume ser, e dá um exemplo hipotético: para cada 100 empregos eliminados, surgirão outros dez. A conta não fecha. É por isso que Elon Musk, dono do Twitter, e outras grandes high techs como Google, Microsoft e Amazon assinaram uma carta (divulgada em março de 2023) pedindo que os laboratórios de IA “parem imediatamente” o treinamento de sistemas mais poderosos que o ChatGPT4. É muito fácil se iludir com os primeiros passos. O capitalismo agora teme sua criação.
 

As pressões, desafios e preconceitos na visão de uma profissional
por
Davi Garcia
Matheus Santariano
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24/10/2023 - 12h

Por Davi Garcia (texto) e Matheus Santariano (audiovisual)

 

Letícia Dias tem 24 anos e é mais conhecida como “let”. No silêncio da noite, sentada em sua cadeira, ela tem um único objetivo e os olhos vidrados na tela de seu computador. O brilho do monitor reflete em seu rosto e mostra uma grande determinação, ele não está jogando apenas um jogo, está perseguindo um sonho de competir nos maiores palcos virtuais do mundo. Nos últimos anos, os esportes eletrônicos, ou e-sports, emergiram na indústria global em um enorme crescimento, atraindo jogadores de todas as idades e origens. No entanto, por detrás do glamour dos torneios, do dinheiro e da fama dos profissionais dos games, há histórias pessoais de sacrifício, resiliência e superação, que exigem muito do psicológico de quem escolhe essa carreira.

Let é jogadora profissional de VALORANT e já participou dos maiores campeonatos do Brasil, chegando em oito finais e conquistando três títulos. Quebrando qualquer estigma ou predefinição da sociedade, conheceu e se apaixonou pelos FPS (first person shooting) ainda com 12 anos. Não teve muito a presença de amizades femininas em sua adolescência, devido a estar sempre em lan houses assistindo seu irmão. 


Foto: Reprodução / B4

À medida que viajamos através de suas experiências, vamos mergulhar no cenário atual dos e-sports, onde o brilho das competições é equilibrado pelas complexidades da saúde mental e a pressão de sustentar famílias. Para os jogadores novos, o caminho parece ser longo e cheio de desafios. A desconfiança dos pais pode ser um grande obstáculo difícil de ser superado antes que os resultados apareçam. Muitas vezes eles desejam um futuro estável e tradicional para seus filhos, e a ideia de seguir uma carreira “jogando videogame” pode ser vista com ceticismo. A paixão e o comprometimento que o jovem leva para o jogo são os primeiros passos em direção ao seu sonho e o principal “combustível” para assim conseguir convencer os familiares. Com dedicação, comunicação e mostrando o potencial que o atleta possui, ele pode gradualmente conquistar a confiança de seus pais e provar que este é um caminho válido e promissor. Mas pode haver problemas a enfrentar.

Let conta que seu início não foi nada fácil, principalmente com a desconfiança das pessoas que mais ama, quando chegou a largar o competitivo para cursar Medicina Veterinária. Porém, com o lançamento de VALORANT na pandemia, a hora de Letícia tinha chegado. Por fim, também conta de seu início complicado no Counter-Strike: Global Offensive, onde estava na fase considerada decisiva para estudos e seus pais eram contrários, com o argumento de ser algo sem futuro e que não dava um rumo para a vida. Contudo, Let queria ser diferente, não desistiu até chegar ao seu sonho e conseguir mostrar para seus pais que conseguiu


Foto: Valorant ZONE / Loud

Quando chegou o lançamento do VALORANT, era a sua hora. Ela começou a ter uma carreira profissional, com salário, apoio na área de saúde, escritório para treinamentos, então só assim os pais da jovem reconheceram os E-sports como uma profissão, e que Letícia Dias poderia viver disso. Seu pai virou seu maior fã, tendo uma coleção de camisa de todos os times que passou. Além da desconfiança dos pais, os jogadores muitas vezes se deparam com preconceitos presentes no mundo dos games. É um cenário onde estereótipos de gênero, idade e até mesmo habilidade podem criar barreiras. Como mulher, essas situações se agravam drasticamente, com diversos comentários misóginos sendo direcionados às atletas. Ainda assim, Let se mantém esperançosa e firme nessa batalha, vendo como algo que é de muito tempo dentro dos jogos, onde já se teve uma evolução, mas que a luta não pode parar de jeito nenhum. Mesmo o preconceito incomodando e mexendo com aquelas que querem uma carreira nos esportes eletrônicos, a vontade de vencer de Let é ainda maior, e ela já provou isso.


Foto: Reprodução / LOUD
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É fundamental lembrar que talento e paixão não têm gênero, idade ou cor. À medida que eles avançam em suas jornadas, podem se deparar com comentários desagradáveis ou resistência de outros jogadores e espectadores. Afinal, em uma posição de imagem pública que os atletas ficam, estão suscetíveis ao linchamento virtual e golpes baixos no psicológico. Let sabe que não é fácil, ainda assim, toma todos os cuidados possíveis para se manter nos trilhos, indo atrás de cuidados para a saúde mental em lidar com a toxicidade do público no cenário inclusivo, onde chega a ser muito pior, para que não a afete tanto. Com o passar dos tempos existem mais pessoas que se unem para combater esses preconceitos, o cenário está evoluindo. Quem está começando agora têm a oportunidade de desafiar essas normas antiquadas, demonstrando que o talento e a dedicação são as únicas métricas que realmente importam. À medida que ganham experiência e constroem suas reputações, criam um grande legado pelo caminho. Essas histórias, repletas de desconfiança, sacrifícios financeiros, e uma paixão inabalável, revelam um lado do mundo virtual que muitas vezes passa despercebido.

A tecnologia como mudança definitiva do mundo artístico causa adaptações no mercado e nos artistas
por
Ian Valente Rossignoli
Rodolfo Soares Dias
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26/09/2023 - 12h

Por Rodolfo Dias (texto) e Ian Valente (audiovisual)

 

Os melhores dias para visitar o Louvre são na segunda e na quinta, como ele fecha às terças, na quarta-feira é lotado, assim como na sexta e fim de semana, o museu mais famoso do mundo recebe cerca de 190 mil visitantes por semana, para aproveitar suas 35.000 exposições. Na minha primeira visita ao site oficial do “forte” Francês, a primeira imagem que me deparo é com a Mona Lisa, a inestimável pintura de Leonardo da Vinci com os dizeres “Welcome to the Louvre”. A arte mais famosa do mundo marca o Renascimento, as técnicas usadas com a genialidade de seu criador a tornam única, e a estranheza de suas histórias que passam por roubos, tentativas de destruição e por ser pintada em madeira são o atrativo para a maioria dos visitantes do museu, que lotam a Salle des États o maior salão do local.

Continuando o tour pelo site, saindo do que seria os pontos altos do local, rolando um pouco o mouse para baixo, me deparo com a aba Louvre at home, como uma visita ao espaço sem precisar estar na frança, de casa é possível conhecer as lendárias paredes do museu. Entre as atrações possíveis de “visitar” em casa está a tal da Mona Lisa, porém em realidade virtual, um jeito de conhecer a mística criação sem precisar visitar a Europa, pegar horas de fila e enxergar por trás de um vidro espesso a prova de balas, a bela Mona Lisa.

A constante mudança na forma de fazer arte impacta diretamente na forma de vendê-la, para uma instituição como o Louvre a renovação de algo criado a 500 anos atrás é necessária, apesar do alto número de visitas feitas à obra, e seu valor em dinheiro inestimável, são muitos os motivos que levam o museu a adotar uma estratégia de interação digital, visto como um paradigma a artistas que trabalham com a tecnologia contemporânea, a utilização da internet é capaz de aproximar as pessoas da arte - É esse lugar que eu tento desvendar com a arte, a gente não pode negar que ela ajuda o desenvolvimento - Comenta Fernando Velázquez, expoente artista visual de São Paulo.

Velázquez além de artista é curador e professor, nascido em Montevidéu (Uruguai) atualmente reside e trabalha em São Paulo, suas principais expressões artísticas vão de encontro com o desenvolvimento tecnológico presente na sociedade contemporânea. Multimidiático, suas obras misturam os aspectos que ligam a arte à tecnologia. Com objetos interativos, elementos audiovisuais e a sustentação do algoritmo nas lógicas de programação, a arte do uruguaio é responsável por reunir a capacidade de percepção intrínseca ao corpo humano com os meios tecnológicos, misturando a arte com fatores científicos, filosóficos e antropológicos.

O artista afirma que a criação de artes relacionadas com a tecnologia é algo intrínseco na sociedade, que a sua evolução depende da relação dos artistas com as diferentes formas de inovar o seu trabalho com tais tecnologias. Considerar a arte como um complexo de ‘’coisas’’ conclui Velázquez, para ele é impossível defini la, já que caso ela seja, o seu caráter subjetivo, o de cada indivíduo interpretar de uma determinada forma, morrerá, impedindo a formação de um campo humano que trabalha justamente com imaginário. 

A tecnologia constantemente associada como sinônimo de progresso, ressaltando a sua capacidade de compartilhar conhecimentos de forma instantânea e por permitir a interação entre vários setores, países, culturas e opiniões de forma global, pode apresentar perigos existentes nos meios tecnológicos, sobretudo com o desenvolvimento das Inteligências Artificiais (IA’s), capazes de reproduzirem algoritmicamente características até então monopolizadas pelos seres humanos, a mesma tecnologia capaz de auxiliar o desenvolvimento sociocultural é capaz também de cercear o fator humano das fontes relacionados ao desenvolvimento cultural.

Por serem criadas pelos humanos, esses meios estão, também, propícios a repetir nossos próprios erros e preconceitos. Como o seu desenvolvimento ocorreu de forma mais acelerada nos países colonizadores, elas, consequentemente, foram infectadas com a perspectiva de que o mundo está à mercê do homem branco europeu ocidental que segue tendo o protagonismo da humanidade. Ou seja, as Inteligências Artificiais podem ter alta capacidade de reproduzir o racismo, a homofobia, o machismo, entre outras mazelas, o assunto gera polêmica, mas para Velazquez a construção disso carrega responsabilidades, como indivíduos consumidores destas tecnologias intrínsecas na sociedade, é necessário pensar e analisar o viés desta inteligência. 

Um terreno vasto e ainda muito inexplorado que depende de caminhos criativos para, por enquanto, dominar uma arte sem preconceitos. Em sua exposição Rituais da Complexidade, Velázquez consegue expressar artisticamente uma dualidade entre o passado e o futuro, o humano e tecnológico. Nela, imagens são criadas a partir de experiências que envolvem o uso das IA’s obtidas a partir de algoritmos manipulados pelo autor que aprendem e geram novas figuras através do hibridismo, resultado do encontro de estéticas diferentes, como a grega com a africana que, posteriormente, foram impressas por impressoras 3D e expostas. Refletindo sobre a Pós-modernidade, cria-se uma manifestação crítica a respeito de um passado que sequer existiu, bem como de um futuro que mistura arte e tecnologia de outras fontes de conhecimento que fujam de qualquer perspectiva eurocentrista. 

 

Em um panorama, as manifestações artísticas estão sempre ligadas ao objetivo imagético de seu autor, as tecnologias que disparam na atualidade e dominarão potencialmente o futuro destas demonstrações culturais, acompanham as motivações de seus criadores, oligopólios massivos dominam o que há de mais novo no quesito tecnológico, empresas como Google, Microsoft e Meta são alguns nomes consideradas “Big Techs” que detém as melhores e mais novas ferramentas para impulsionar os avanços como lhes convém. Fernando Velázquez conclui falando sobre o papel dos artistas independentes que, diferentemente do Louvre, devem usar as tecnologias para “quebrar” sua lógica programada, criar processos que fujam a todo custo de uma ideia hegemônica e impositiva.

A Rádio Cidadã, no Butantã, transmite diariamente um pedaço de São Paulo
por
Artur dos Santos
Kawan Novais
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14/11/2023 - 12h

Por Artur dos Santos (texto) e Kawan Novais (audiovisual

 

A antena de 30 metros com uma fundação de toneladas de cimento da Rádio Cidadã não há motivo para (e nem intenção de) cair. O que já foi uma antena leve de 20 metros com um dos pés amarrados em uma parede - arrancada com facilidade por uma chuva que Deus mandava enquanto os radialistas se abrigavam em um bar próximo - hoje seguraria até um avião.

 

Antena da Rádio Cidadã
Antena que distribui o sinal da Rádio Cidadã. Foto: Artur Santos.

 

O sinal varia, é circular, depende da topografia, no Butantã tem muito morro, e pode alcançar o estádio do Morumbi, mas não na avenida a menos de 2 quilômetros. 500 mil ouvintes são contemplados pela amplitude das ondas todo dia, bairros com mais densidade demográfica têm rádios com maior alcance de pessoas, consequentemente. A sintonia é FM 87.5, dial das rádios comunitárias (RC) legalizado pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) na cidade de São Paulo. “Entrando na Sola” e “Na Onda do Forró”, dois dos programas mais badalados da rádio, atingem ouvintes dos arredores de sua localidade, assim como suecos e tailandeses, via digital, mesmo que sem entender o idioma.

 

Cachorros guardando a entrada do estúdio.
Descida para o estúdio da Rádio Cidadã. Foto: Artur Santos.

 

Cachorros guardando a entrada do estúdio.
Ródio e Baguan na entrada do estúdio. Foto: Artur Santos.
Estúdio
Metade áudio, metade vídeo. Foto: Artur Santos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Assim como a antena sobe, por rampas ou escadas, a entrada para o estúdio desce, guardada por dois cachorros, um magro com focinho molhado e um velho, que ameaçam fugir do QG de Julio César, responsável pela Rádio Cidadã. “Não repare a bagunça” - diz qualquer dono de estúdio em qualquer lugar. As habilidades de Julio e seus anos de experiência como programador cortam os custos e a dor de cabeça de se manter uma rádio comunitária em pé. Os segredos nas tomadas e o raciocínio lógico de quem trabalha com a área de programação automatizam o funcionamento, e a rádio está no ar mesmo se ninguém estiver em casa.

“Bem tranquilo, apesar de parecer bagunçado. Tem uma parte aqui que você programa tudo que vai acontecer, toda a parte obrigatória, como prefixo, publicidades, tem que passar tem que falar a hora certa de hora… regras que você precisa seguir. Ele programa todas as playlists com parâmetros. Eu coloco a música que o menos tocou, então ele vai pegando sempre essa e separa por estilo também. Samba toca no meio-dia uma, de manhã um reggae, MPB… madrugada putaria toca.”

O estúdio da Cidadã mescla áudio e vídeo, tendência não muito escapável atualmente. Os programas transmitidos via FM 87.5 são, simultaneamente, veiculados no canal do YouTube e no site da rádio, possibilitando mais adesão do público aos programas no ar. Julio não sabe explicar o sucesso de um de seus programas, o Na Onda do Forró, apresentado por “Neguinho da Bahia”, que conversa com o público, faz piadas e realiza seus anúncios. As “tiradas” divertidas de Neguinho ser o motivo do encanto que faz a transmissão ao vivo atingirem 400 ouvintes, algo fora do comum na vida diária da rádio. Mesmo assim, foi impossível explicar como resulta em tanta audiência. Rádios comunitárias como a Rádio Cidadã estão sob as mesmas burocracias de rádios comerciais, com alguns adendos. Os radialistas de uma RC não podem anunciar os preços, a forma de pagamento de anunciantes, ou ao menos anunciar marcas que não tenham representação dentro do bairro. Mas, Neguinho da Bahia tem anunciantes de sobra.

Julio Cesar, responsável pela rádio Cidadã.
Julio trabalhou na Rádio Tupi e na Atual. Foto: Artur Santos

A lei n° 4133, de 2012, impedia as rádios comunitárias de se adequarem a qualquer tipo de financiamento público ou privado visando custear seus serviços ou melhorar as atividades a serem prestadas. Como apoio cultural, era permitido patrocínio, mas restrito apenas aos estabelecimentos situados na mesma área que o rádio estaria estabelecido. Neste ano, 2023, ao fim de agosto, a Câmara Municipal de São Paulo sediou o terceiro Congresso das Rádios Comunitárias de São Paulo, reunindo radialistas da cidade paulista e de outros estados, como do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Bahia. Autoridades federais que também participaram dos debates, expuseram os auxílios existentes para os radialistas e apresentaram as “novidades” que visam suprir as necessidades dos comunicadores.

O principal tema da reunião foi a criação de políticas públicas e a regulação de leis vigentes direcionada às rádios comunitárias. Para se tornar um radialista desta modalidade, o processo se inicia por meio do requerimento para a abertura de uma rádio comunitária através do Plano Nacional de Outorgas (PNO), que é a identificação e seleção de municípios que ainda não têm esta modalidade comunicadora, mas que manifestaram o interesse de tê-la. Após uma série de etapas, o processo resulta no funcionamento legal do veículo de transmissão por 10 anos, podendo ser renovado por outro processo no fim da década.

Julio apresentou seu documento, uma espécie de RG (Registro Geral), mas que não o identifica enquanto um cidadão, e sim enquanto um radialista comunitário legal perante a lei. Mas, no início da vida da Cidadã, quando ainda era caracterizada como uma rádio clandestina, o atual responsável por ela chegou a entrevistar dois ministros, a qual ele não tem mais acesso atualmente. Criada em 1994, era assim que tinha que ser. Clandestina ou regularizada, as Rádios Comunitárias servem uma função social nos bairros em que atuam.

Em 1970, as da Zona Leste eram caixas de som hasteadas em um pau nas esquinas, disseminando informação que se recusava a chegar nas periferias pelos meios tradicionais. A criatividade é a saída. As favelas oferecem um público muito mais engajado, mais do que qualquer outro. Até a transmissão da queima de fogos realizada aos finais de anos, apenas por áudio acontecia, e mesmo que sem a imagem, atraía público a rádio. Pessoas de outras regiões, inclusive mais nobres, paravam para observar em um local que já ocupava o triplo de pessoas de sua capacidade. Mesmo com todo o engajamento, não é suficiente para tornar a Cidadã autofinanciável. De acordo com a lei já citada, as rádios comunitárias, assim como as educativas, conseguem financiamento por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Trata-se de empréstimo realizado por este órgão com a finalidade de modernização, aquisição de equipamentos e instalação de sistemas radiantes.