Maior evento europeu do setor continua na rota por novidades eletricas e mais concorrência a cada ano
por
Vítor Nhoatto
|
22/09/2025 - 12h

Ocorrido entre os dias 9 e 14 de setembro, o IAA Mobility recebeu mais de 500 mil visitantes, superando a sua última edição em 2023. Estiveram presentes as germânicas Audi, BMW, Mercedes, Opel, Porsche e Volkswagen, mas Fiat, Peugeot e nenhuma japonesa compareceu. Com isso, mais uma vez uma grande parte de Munique foi palco para as chinesas se consolidarem e expandirem.

Com o lema “It’s all About Mobility”, em tradução livre, “É Tudo Sobre Mobilidade”, o foco da mostra se manteve em soluções inteligentes e inovadoras. Startups como a Linktour com  seus micro carros elétricos, e marcas de bicicletas e motocicletas elétricas estavam por todos os lados do München Expo Center. E repetindo o formato aplicado desde 2021, com o chamado “Open Space”, uma área de experiências interativas gratuitas ao ar livre, os visitantes podiam experimentar tudo isso.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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 Além disso, a inovação tecnológica foi tema de muitos debates e coletivas de imprensa com representantes da indústria. Fornecedoras como a Bosch, Aisin e Revolt, além de empresas de carregadores como a Charge X e E-Mobilio e a gigante de baterias CATL foram só alguns dos mais de 750 expositores presentes. 

Setor premium atento

Falando em eletricidade, ela estava no centro das atenções de todas as marcas, apesar das vendas de carros elétricos (BEV) terem sido prejudicada na Europa no ano passado. O fim ou diminuição de subsídios governamentais e metas de descarbonização estagnadas na União Europeia foram os principais motivos segundo o Global EV Outlook 2025 da International Energy Agency (IEA). No entanto, as projeções para esse ano e os próximos são de crescimento.

De olho nisso a BMW lançou o novo iX3, modelo mais importante em anos ao inaugurar uma nova era para a alemã. A segunda geração do modelo estreia uma plataforma sob medida e exclusiva para elétricos de nova geração, chamada de Neue Klasse. O destaque fica com a nova bateria de 108.7kWh de capacidade integrada ao chassi, compatível com carregamento ultrarrápido de até 800V - ganha 372km em apenas dez minutos - e autonomia de 805km em uma carga segundo o ciclo WLTP. 

No quesito design a ruptura com o passado é ainda mais evidente, com uma nova linguagem visual, inspirado nos modelos da BMW dos anos 80. No interior foi inaugurado o Panoramic iDrive, com o painel de instrumentos correndo ao longo de todo o para-brisa, um novo volante de quatro raios e um multimídia com inteligência artificial de 17,5 polegadas. “A Neue Klasse é o nosso maior projeto futuro e marca um grande salto em termos de tecnologias, experiência de condução e design”, frisou o presidente do conselho de administração da marca, Oliver Zipse.

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Alemã aproveitou o evento para apresentar o futuro Sedan i3, que seguirá o capítulo iniciado pelo SUV iX3,  irmão de plataforma. Foto: BMW Group / Divulgação 

Do outro lado do pavilhão, a Mercedes-Benz fez um movimento parecido, lançando a segunda geração do GLC elétrico. O modelo foi o primeiro elétrico da marca, ainda em 2018 como EQC. Mas pelas vendas baixas havia sido descontinuado no ano passado, e agora retorna com o nome “GLC With EQ Technology”, para evidenciar as mudanças. Rival direto do iX3, segue a linguagem de design inaugurada no novo CLA no ano passado, aqui com uma grade iluminada e enormemente proeminente.

Construído sob a inédita plataforma elétrica MB.EA Medium, independente do GLC, a combustão portanto, possui carregamento de até 800V e uma bateria de 94kWh, traduzidos em 713 km de autonomia. No interior, o SUV inaugura o “Hyperscreen”, transformando o painel inteiro em uma tela de 39.1 polegadas. O interior pode ser todo vegano e certificado, e a comunicação Car-to-X - que coleta e envia dados para comunicar outros veículos - se destaca no quesito segurança. O preço inicial deve girar em €60 mil quando chegar às lojas ainda esse ano, tal qual o rival.

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Faróis possuem tecnologia Matrix, e sob o capô há um espaço de 128 litros para bagagens. Foto: Mercedes-Benz / Reprodução

Mas nem só de SUVs o mercado premium é formado, e a Polestar compareceu a Munique para o lançamento mundial do seu novo modelo de topo, o sedã 5. A marca do grupo Geely, divisão de performance da Volvo até 2017, aposta em sustentabilidade e alta performance, estreando a nova plataforma PPA do grupo. São 872 cavalos, tração integral, aceleração de 0 a 100 em 3,2 segundos e ausência de janela traseira, tal qual no crossover 4.

Um presente e futuro elétrico

Nas duas últimas edições do Salão de Munique, ambientalistas protestaram em frente ao evento em defesa de uma mudança sistêmica da indústria, o que se repetiu. As ONGs Extinction Rebellion e Attac levaram placas pedindo por mais investimento em transporte público e justiça social, jogando atenção para uma mentalidade individualista e o preço dos elétricos. 

Em relação a essa questão, um estudo da empresa de consultoria, Gartner, mostra que até 2027 os BEVs serão mais baratos de produzir que os carros a combustão (ICEVs), e o Grupo Volkswagen promete preços competitivos para sua nova geração de elétricos. 

Foram revelados no evento quatro modelos para o segmento B baseados na plataforma MEB Entry do conglomerado. O principal deles foi o ID.Polo da Volkswagen, com previsão de início de vendas em maio na casa dos € 25 mil. Como o seu nome sugere, é a versão elétrica do hatch Polo, e contará com baterias de 38 e 56 kWh, com uma autonomia de 350 e 450 km respectivamente. Uma versão GTI do modelo será também comercializada, com 223 cavalos.

Continuando o apelo esportivo que a versão encurtada da plataforma em que os modelos do segmento C, ID.3 e ID.4, são construídos, a espanhola Cupra mostrou a versão de produção do Raval. Com dimensões e motorizações basicamente iguais às do ID.Polo, promete continuar a expansão da nova marca do grupo, antigamente uma divisão de performance da Seat.

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Cupra Raval, ID.Polo e ID.Polo GTI  (direita) serão lançados em março do ano que vem, enquanto os SUVs Epiq e ID.Cross (esquerda) chegarão no segundo semestre. Foto: Volkswagen AG / Divulgação

Como era de se esperar pela relação do Polo com o T-Cross, sua versão SUV, o conceito ID.Cross foi mostrado. Com o mesmo tamanho do modelo que substituirá em 2026, integra o segmento disputado dos B-SUV elétricos, formado por nomes como Peugeot e-2008, Renault 4 e Volvo EX30. Focando em espaço e ergonomia, marca a volta de botões físicos no volante e do ar condicionado, além de um maior uso de materiais reciclados. 

Por fim, a Skoda apresentou a sua versão do SUV, denominada Epiq. Tal qual os irmãos de plataforma, será construído em Pamplona, na Espanha, e contará com a capacidade de carregar dispositivos externos como eletrodomésticos (V2L). A velocidade de carregamento é de até 125 kW, indo de 10% a 80% em 20 minutos, e o modelo estreará uma nova identidade visual para a tcheca no ano que vem.

Ascensão chinesa continua 

Aprofundando essa questão dos preços, são as marcas chinesas que se destacam globalmente, como destaca a IEA. Com grandes reservas dos minérios utilizados nas baterias, as fábricas para construí-las e anos de investimento estatal na tecnologia, seguiram com sua expansão em solo alemão. 

A BYD, maior marca chinesa em números, marcou presença com o recém lançado Dolphin Surf - a versão europeia do Dolphin Mini. Avaliado com cinco estrelas pelo Euro NCAP, é um dos BEVs mais baratos hoje à venda na Europa, custando cerca de € 20 mil. No campo dos híbridos plug-in (PHEV) a Station Wagon do segmento D, Sealion 06, foi lançada, focada em conforto e tecnologia com até 1.092 km de autonomia combinada.

Outra marca com novidades foi a Leapmotor, que já vende o hatch subcompacto T03 e o D-SUV C10 no continente, de lançamento marcado para o Brasil ainda em 2025. Pertencendo 20% à Stellantis, que controla a sua operação internacional, apresentou o inédito hatch B05, rival de Volkswagen ID.3 e BYD Dolphin. Sob a mesma plataforma do C-SUV B10, terá cerca de 400 km de autonomia e início de vendas para o ano que vem por cerca de € 30 mil.

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"O B05 (direita) reflete nosso compromisso com a inovação, acessibilidade e a capacitação da próxima geração de motoristas em toda a Europa e além", declarou o CEO global da marca, Zhu Jiangming. Foto: Leapmotor / Divulgação

Munique foi para além de um lugar de novos modelos, mais uma vez o palco de marcas inteiras debutando em solo europeu. A marca AITO, do grupo Seres, que usa a tecnologia da Huawei, se lançou no mercado internacional com os SUVs 9, 7 e 5. Mirando as marcas premium alemãs nos segmentos E e D, podem ser tanto BEVs ou elétricos com extensor de autonomia (REEV), repetindo a abordagem da Leapmotor com o C10.

O grupo Changan Auto iniciou as operações da sua marca Deepal com os SUVs de apelo jovem e esportivo S05 e S07, ambos com opções de serem elétricos ou PHEVs. No campo de luxo, a marca Avatr da gigante chinesa mostrou seu primeiro concept car, o Xpectra, além dos modelos 06, 07 e 12, já comercializados em alguns países europeus e com planos de chegarem a 50 mercados em breve.

A premium Hongqi esteve presente e revelou o C-SUV elétrico EHS5, além de anunciar planos de expansão com 15 modelos e 200 pontos de venda pela Europa nos próximos anos. E aumentando a sua aposta no evento, a Xpeng teve um stand dentro do pavilhão e apresentou a nova geração do P7, sedã que começou a ser comercializado na Europa no IAA Mobility 2023.

Além disso, a recém chegada ao Brasil, GAC, estreou no velho continente levando cinco modelos para a mostra. Seguindo com o “European Plan Market” anunciado no ano passado, lançou como modelos de topo o novo GS7, um SUV grande híbrido plug-in, e a MPV híbrida (HEV) E9. Mas os destaques da marca foram o hatch AION UT, rival de BYD Dolphin, e o D-SUV rival de Tesla Model Y, o AION V.

O primeiro possui bateria de 60 kW/h com 430 km de autonomia e previsão de início da comercialização em 2026 na casa dos € 30 mil. Já para o segundo, comercializado no Brasil por R$214.990, o preço de € 35.990 foi anunciado, muito competitivo para o segmento. Com 510km de autonomia e cinco estrelas no teste do Euro NCAP - com mais ADAS que o brasileiro - será o primeiro a chegar às lojas, já em setembro em mercados como Portugal, Finlândia e Polônia. O plano é que a marca venda em todos os países europeus até 2028.

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Estava ainda em Munique o carro elétrico voador GOVI AirCab (ao fundo) buscando mostrar os avanços da indústria chinesa, segundo a empresa. Foto: GAC Group / Divulgação

Eletrificação em todos os níveis 

Para além das novatas, ícones do mercado aproveitaram os holofotes da feira para se renovarem completamente. Esse foi o caso da única francesa presente, a Renault, que lançou a sexta geração do hatch Clio, o segundo carro mais vendido no continente em 2024.

Construído sob a mesma plataforma que o seu predecessor, mantém o motor 1.2 TCe e uma opção movida a GPL, mas as semelhanças acabam por aqui. No powertrain, estreia um novo sistema full-hybrid (HEV) formado por um motor 1.8 e dois elétricos, resultando em 160 cavalos e modo de condução elétrico na cidade. Conforme a estratégia da marca, o Clio não terá versão elétrica, papel delegado ao hatch de estilo retrô, o 5.

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Hatch cresceu 6 centímetros em comprimento, evocando uma silhueta mais esportiva e afilada. Foto: Renault Group / Divulgação

No quesito design, o carro rompe por inteiro com a geração anterior, o oposto do que havia acontecido com a quinta geração em relação à quarta. A frente ostenta uma nova assinatura em DRL, que forma o símbolo da Renault, e a traseira possui lanternas duplas, nunca vistas em um Clio. O interior é todo novo também em relação ao antecessor, mas com o mesmo layout e sistema operacional do Google do irmão elétrico 5.

A Volkswagen foi outra que debutou no IAA uma nova geração de um best-seller, o T-Roc. Em sua segunda encarnação, também não terá versões elétricas, sendo o último novo carro a combustão desenvolvido pela marca. Haverão pela primeira vez no SUV opções micro-híbridas (MHEV), já conhecidas dos irmãos de plataforma como o Golf e A3, além de um novo sistema HEV, com 134 e 168 cavalos. Não haverá, pelo menos por ora, versões PHEV, sendo o único modelo sob a MEB Evo sem essa possibilidade, no entanto.

Seu exterior é uma evolução da primeira geração, mantendo linhas semelhantes e o seu apelo descolado, descrito pela marca. As dimensões aumentaram, 12 centímetros em comprimento, chegando a 4.37 metros, o colocando alinhado a rivais como o Toyota CH-R e Mazda CX-30. Por dentro a abordagem continua, com telas maiores e mais itens de conectividade e segurança assistida, mas com uma disposição de elementos clássica, vista nos últimos Golf e Tiguan.

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Modelo construído em Portugal foi o quinto carro mais vendido na Europa no ano passado. Foto: Volkswagen Group / Divulgação

Concorrência de todos os lados

Além das chinesas em franca expansão nos últimos anos no continente, outras concorrentes vêm se destacando na corrida pelos elétricos principalmente. A coreana Kia compareceu ao evento e mostrou ao público os novos integrantes da família EV, o EV4 e o EV5. 

O primeiro é um hatch do segmento C, acompanhado de uma variante sedã. Já o último se trata de um modelo lançado em 2023 - inclusive a venda no Brasil desde o ano passado - mas que chega só agora à União Europeia como a versão elétrica do Sportage. Sua conterrânea e marca irmã também esteve em Munique com o Concept 3, prevendo o futuro Hyundai Ioniq 3, equivalente do EV4.

Mas nem só da Ásia as novidades chegam, com a primeira marca turca de automóveis elétricos, a Togg, debutando em solo alemão a sua ofensiva no continente europeu. Fundada em 2018 e com a primeira fábrica inaugurada em 2022, apresentou o C-SUV T10X e o sedã T10F ao público. A pré-venda dos modelos começará em 29 de setembro na Alemanha, e no ano que vem a empresa pretende iniciar seus trabalhos na França e Itália, com meta de ter até 2030 um milhão de veículos em toda a Europa.

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Preços ainda não foram divulgados, mas devem ficar em torno de € 40 mil tomando como base as cifras no mercado turco. Foto: Togg / Divulgação

Construídos sob uma plataforma elétrica, ambos receberam nota máxima no Euro NCAP recentemente, com mais de 9% de proteção para adultos e 80% nos ADAS. A respeito do desempenho, a bateria possui 88.5 kWh de capacidade, e autonomias de até 500 e 600 km para o SUV e o sedã respectivamente. 

“Nossos modelos proporcionam uma experiência de mobilidade voltada para o usuário e voltada para o futuro”, comentou Gürcan Karakaş, CEO da marca durante o evento. A marca anunciou ainda que trabalha no terceiro de cinco modelos que irá lançar até o fim da década, o B-SUV T8X. Karakaş finalizou destacando que prepara para introduzir baterias de pirofosfato de lítio (LFP), e que a indústria deve estar preparada para as mudanças e maior concorrência.

Evento continua sua evolução com mais atrações e marcas patrocinadoras, mesmo com menos montadoras
por
Vítor Nhoatto
|
18/06/2025 - 12h

 

Em sua quarta edição, ocorrida entre os dias 12 e 15 de junho, o Festival Interlagos Edição Carros se consolidou no setor. Realizada no autódromo de mesmo nome, na zona sul de São Paulo, contou com lançamentos de Ford, Honda e GWM. Além disso, nomes como IZA e Ferrugem animaram os amantes das quatro rodas.

Ao todo, estiveram presentes 18 marcas de automóveis, contando Omoda e Jaecoo como marcas separadas. A quantia diminuiu em relação à edição de 2024, que teve 19. Este ano, marcas como Chevrolet e Renault não compareceram. Mas ao andar pelos boxes da pista e no gramado que recebe os festivais Lollapalooza e The Town, a diferença é imperceptível. 

Se por um lado havia uma fabricante a menos, o número de stands de marcas patrocinadoras aumentou e chamava bastante a atenção. Desde casas de apostas até plataformas de venda de produtos online, com direito a uma estátua de leão que atraia as câmeras dos celulares. Completava o cenário a roda gigante popular nos eventos musicais que ali ocorrem, mas que não estava disponível para passeio.

No quesito alimentação, havia um número grande de opções, com uma dezena de food trucks e quiosques para petiscos e um restaurante com buffet também. Ponto importante é a falta de bebedouros pelo complexo, obrigando a todos a comprarem água, mesmo com os shows musicais que pedem por estações de hidratação.

Já em relação à organização do evento, mesmo com as obras aparentemente incessantes em Interlagos, com tapumes e entulhos em alguns locais, estavam menos intrusivas no campo de visão do espectador que as edições passadas. A sinalização continuou precária, com muitas pessoas perguntando para seguranças como descer para a área dos boxes e para o meio da pista, onde as grandes marcas ficavam.

Baseado no conceito de experiência automotor, o formato das edições anteriores foi mantido. Diferente de um Salão do Automóvel tradicional, os interessados poderiam andar na pista por R$593 com o ingresso Drive Pass, e também negociar com representantes de concessionárias a compra dos carros expostos e testados.

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Era possível ainda se sujar na lama, e nem precisava pagar mais pelo Drive Pass, com o Street Pass de R$107 já era suficiente. Foto: Vítor Nhoatto

Tudo isso faz do festival um exemplo atraente financeiramente para as marcas e emocionalmente para o público. Em Portugal, isso acontece de forma parecida com o ECAR Show e, na Espanha, com o Automobile Barcelona, por exemplo. Mas é só no Brasil que uma pista de corridas todo pode ser explorada. Além disso, para diminuir os custos, a edição Carros aconteceu apenas duas semanas depois da edição Motos, reaproveitando a estrutura e agilizando o processo para as montadoras, segundo a organização do evento. 

Palco de lançamentos 

Mesmo sem Volkswagen e o novo Tera, e a Chevrolet tendo optado por lançar os facelift de Onix e Tracker em julho em evento fechado, grandes revelações tomaram Interlagos. No quesito modelo inédito não houve nenhum caso por parte das montadoras tradicionais, limitadas a reestilizações e apresentações ao público de carros já mostrados em solo brasileiro.

Dessa vez presente somente com a Abarth, o conglomerado Stellantis aproveitou o ambiente de corrida que a marca do escorpião evoca e mostrou o renovado Pulse. Seguindo as atualizações da versão não envenenada da Fiat, ganhou nova grade frontal e teto panorâmico, além de banco do motorista com ajuste elétrico para o esportivo. Ficaram de fora, no entanto, novos assistentes de condução como leitor de placas de trânsito e piloto automático adaptativo, disponíveis em veículos mais baratos que os R$157.990 anunciados.

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Por trás do Pulse de hoje, o Abarth 600 dos anos 1960, exposto também pela marca em Interlagos. Foto: Vítor Nhoatto

Ainda em relação às europeias, a Volvo esteve presente novamente, inclusive reaproveitando muitos dos EX30 amarelos da edição passada. Falando nele, que não oferece mais a cor citada, ganhou uma nova versão em território brasileiro, a Cross Country. Apresentada em fevereiro na Europa, chega aqui como topo da gama por R$314.950. Se diferencia das demais pelas caixas de roda e proteções na frente e atrás em plástico preto, além de estrear um novo sistema de propulsão, com  tração integral e 428 cavalos, e indo de 0 a 100km/h em apenas 3,7 segundos.

Também foram mostrados ao público o XC90 atualizado, lançado em 2015, que ganhou sobrevida após a decisão da sueca de prolongar o ciclo dos seus modelos a combustão até uma maior maturação do mercado de elétricos. E ao lado dele estava também o recém lançado no Brasil, o novo EX90, antes tido como sucessor do irmão e agora como complemento e modelo topo de gama da marca. 

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De alguma forma a eletrificação chega para o cliente Volvo, seja com o elétrico EX30 ao fundo ou com o híbrido plug-in XC90 dourado à direita. Foto: Vítor Nhoatto

Mudando de continente, a Honda aproveitou a ocasião para apresentar o facelift do Civic e do HR-V. Ambos receberam mudanças sutis na grade dianteira e parachoques, além de novas lanternas traseiras e desenho de rodas para o segundo. No interior, o sistema multimídia do sedã ganhou novas funcionalidades e o console central do SUV foi alterado levemente para facilitar o acesso ao carregador por indução. Os preços não foram divulgados, no entanto. 

A conterrânea Mitsubishi estava presente novamente, mas diferente da edição 2024 trouxe modelos realmente novos em sua linha, apesar de nenhuma revelação no evento. Lançado no país há poucos meses, a nova geração da picape Triton estava presente e o destaque do stand foi o novo Outlander, anunciado no mês passado. Agora híbrido plug-in, se coloca como modelo mais tecnológico da marca no Brasil, mas custa quase R$400 mil. 

Novidade este ano no festival, a Hyundai também não trouxe novidades, mas aproveitou para mostrar para os consumidores o recém-lançado Kona, o SUV de oito lugares Palisade e o eletrônico Ioniq 5. Os modelos marcam uma nova fase da divisão de importados da coreana no país, administrada pela CAOA e separada da HMB que fabrica os modelos HB20 e Creta. 

Por fim, a estadunidense Ford levou a Interlagos a linha Tremor de suas picapes Maverick, Ranger e F-150, reforçando o apelo off-road da marca com direito a um segundo stand só para elas próxima à pista off-road. Já dentro dos boxes, a reestilização do seu segundo modelo mais importante no país hoje, o Territory, foi revelada.

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Além da mudança estética que tenta alinhar o Territory a linguagem visual da marca, também conta com novo design para as rodas.Foto: Vítor Nhoatto

Atrás apenas da Ranger em vendas e popularidade, é rival de modelos best-sellers como os Jeep Compass e Toyota Corolla Cross, SUVs médios. Com uma frente toda remodelada, mais arredondada e passível de julgamentos, mudou a cor dos estofados internos mas manteve o seu preço de R$215 mil. Importado da China, pretende crescer na categoria com a estratégia, custando menos que os dois concorrentes citados em versões equivalentes.

Ascensão chinesa continua 

Falando mais sobre a potência asiática, se nenhuma surpresa veio por parte das montadoras já estabelecidas, mais uma vez as chinesas ocuparam em todos os sentidos Interlagos, e tiveram destaque. Com revelações importantes e presentes na pista e no barro, elas focaram em mostrar qualidade e potencial tecnológico irreverente.  

Veteranas do Festival, BYD e GWM foram desta vez por caminhos distintos, com a primeira sem lançamentos no mercado de fato, mas trabalhando fortemente o imaginário da marca no Brasil. No stand o ato principal foi o supercarro elétrico YangWang U9, chamando todas as atenções com o seu vermelho vivo e asa traseira enorme. Além disso, era impossível não reparar o carro “dançando”, demonstrando a suspensão independente sofisticada do modelo que consegue saltar e andar somente com três rodas.

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Ao lado de Dolphin Mini e King, U9 roubava os olhares com seus 1.300 cavalos elétricos. Foto: Vítor Nhoatto

Do lado de fora quem brilhava era o também elétrico YangWang U8, agora sob o formato SUV. Capaz de girar no próprio eixo e flutuar, corria pela pista e chamava atenção pelo porte de cerca de cinco metros de comprimento e design singular. Nada foi falado sobre a possível comercialização de ambos no Brasil, o que não era esperado, mas sim as onomatopeias e expressões de surpresa que eles provocam.

Já em relação ao rival GWM, a estratégia foi repetir o que fez em 2024: apresentar novos modelos. A picape híbrida Poer e o SUV Tank 9 foram as estrelas da vez, com a primeira já tendo aparecido em evento com o vice-presidente Geraldo Alckmin na futura fábrica da empresa no Brasil. No caso do segundo, promete complementar a linha Tank após a chegada do Tank 300, na edição passada revelado, e agora ocupando a pista off-road e as ruas também. 

Cenário similar ocorreu no stand da Omoda & Jaecoo, marcas do grupo Chery que em 2024 debutaram em Interlagos e agora já contam com cerca de 50 lojas pelo país. Foram apresentados a versão híbrida do Omoda 5, vendido aqui até então somente como elétrico sob o nome E5, e o inédito Omoda 7, um híbrido plug-in para rivalizar com BYD Song Plus e o GWM Haval H6. Ambos tem previsão de lançamento até final do ano.

Porém, o destaque da mostra foi a novata GAC, que chegou ao mercado brasileiro oficialmente no mês passado já com 33 lojas e cinco modelos. Estilizada sob o slogan Go and Change, vá e mude em português, é o acrônimo para Guangzhou Automobile Group, e se pronuncia “gê á cê”. 

Com um dos maiores estandes da edição, o mesmo que a também estreante chinesa Neta usou no ano passado, era um dos mais movimentados também. O centro das atenções era o elétrico Hyptec  HT com suas portas traseiras “asa de gaivota”, ao estilo do rival Tesla Model X. Custando a partir de R$299.990, é o modelo topo de gama da marca à venda aqui, e promete agitar o mercado dos SUVs elétricos grandes, com uma cabine extremamente luxuosa.

Mais ao fundo estava o também elétrico e SUV, Aion V, com uma pegada mais quadrada e prática. Com porte de GWM Haval H6, tela para o ajuste do ar condicionado no banco de trás, massagem nos dianteiros e até 602 km de autonomia segundo o ciclo chinês NDEC, custa a partir de R$214.990, mesmo preço que o rival híbrido. A MPV (Multi Purpose Vehicle) Aion Y e o sedã Aion ES completavam a linha elétrica.

E apostando também nos híbridos, o SUV GS4 marcou presença, rival direto do supracitado H6 e do recém atualizado BYD Song Plus. A partir de R$189.990 é tido pela marca como o modelo com maior potencial de vendas, e aposta em um design ousado cheio de vincos e quinas, além de qualidade, conforto e tecnologia por um preço mais acessível que modelos menores como o Toyota Corolla Cross inclusive.

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Espaço da GAC remetia a conforto, natureza e um estilo de vida novo, como proposto pela marca. Foto: Vítor Nhoatto

Vale notar, no entanto, que apesar de todo o apelo high tech, nenhum dos modelos conta com leitor de placas de trânsito e detector de fadiga, presentes nos rivais da GWM e BYD. Além disso, o sedã Aion ES, com a mira para o BYD King, não possui nenhum assistente de condução e acabamento digno de Fiat Mobi por R$170 mil. Só o tempo dirá se a estratégia será efetiva ou desaparecerá em um ano como a Neta.

Museu a céu aberto

Ao lado da imersão chinesa a nostalgia tomava conta no segundo espaço da Honda no evento. Entrando era possível admirar o Civic Type-R, o mais potente já feito e vendido por quase meio milhão no Brasil. De frente a ele estava o primeiro Civic fabricado no Brasil, parecendo que havia saído da loja em 1997.  

E como um espaço de memória da japonesa pedia, um tributo a parceria de Ayrton Senna e a marca levou ao festival itens exclusivos do ídolo brasileiro. Acompanhado do capacete usado por ele estava exposto um exemplar 1992 do Honda NSX, esportivo que contou com a participação do piloto no desenvolvimento e que é lembrado pelos fãs por isso. Os entusiastas das pistas ainda puderam ver de perto o primeiro Honda que ganhou na Fórmula Indy.

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História não se compra e contra isso as chinesas não podem lutar. Foto: Vítor Nhoatto

Não necessariamente só de antiguidades que se faz um museu, mas também obras de arte, como abrigava um pavilhão mais adiante. Nele os interessados podiam fazer tatuagens no estúdio presente enquanto admiravam os dois carros mais caros do Brasil. 

No seu tom azul vibrante de lançamento, o superesportivo Bugatti Chiron estava sempre rodeado de câmeras, queixos caídos e pessoas de todas as idades. Com 1.500 cavalos, estima-se que custe cerca de R$40 milhões e é o único exemplar em solo brasileiro. E acompanhando o francês estava o Pagani Utopia, feito artesanalmente e em apenas 99 unidades. O único exemplar no país é branco e possui faixas azuis e vermelhas, importado por cerca de R$60 milhões.  

Estavam mais ao fundo ainda uma Porsche Taycan e uma Mercedes G-Class, que torcem pelos pescoços pelas ruas, mas se contentavam em ser apenas os figurantes do espaço desta vez. Falando na alemã, pela primeira vez esteve no evento, com um stand discreto no gramado e apenas quatro modelos, mas que estavam quase sempre rodeados de interessados. Ao lado também estavam as novatas no evento, BMW e Mini, com seus últimos modelos, mas sem novidades.

De volta ao prédio, Lexus e Toyota repetiam a estratégia das alemãs, sem alardes, e para completar o mundo das exclusividades, um cercado contava com um Rolls Royce Ghost, um McLaren GT, alguns Mitsubishi Lancer Evolution e até mesmo uma Tesla Cybertruck. Se não fosse o suficiente, no andar de cima empresas de acessórios e produtos automotivos em geral trouxeram Nissan GT-R, Ford Mustang e mesmo Ferrari. Lembrando que se fosse de desejo, por  R$1.970 à R$3.950 era possível pilotar máquinas como essas com o ingresso Sport Pass.

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Seja criança ou não, entusiasta ou leigo, muitos modelos chamavam atenção de todo mundo que passava por Interlagos. Foto: Vítor Nhoatto

Para completar a experiência no fim da noite, ainda aconteceram shows de cantores a lá Lollapalooza em pleno mês de junho. No dia 13 se apresentaram Seu Jorge e IZA, seguidos da dupla Maiara e Maraisa no dia seguinte, e Diogo Nogueira e Ferrugem no domingo (15). 

A Prefeitura de São Paulo anunciou em abril deste ano que renovou o contrato com a organização do evento para edições anuais até 2028, comprovando o sucesso do formato. Mesmo que o Salão do Automóvel de São Paulo volte depois de sete anos em novembro, como foi anunciado, o espaço do Festival Interlagos é só dele, e parece mais que nunca robusto e consolidado pelas marcas, governo e também pelo público. 

Para Mércia Cristina, a ausência do celular trará um aproveitamento melhor dos conteúdos educacionais
por
Laila Santos
Tamara Ferreira
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09/06/2025 - 12h

Em 13 de janeiro deste ano, foi sancionada a lei nº 15.100/2025 pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que limita o uso de celulares em escolas das redes pública e privada. O objetivo é diminuir os impactos negativos deste aparelho, como o vício em tecnologia, a falta de concentração e os prejuízos à saúde mental dos jovens. Não está proibido portar os dispositivos eletrônicos nas classes, mas sua utilização é apenas para emergências, necessidades de saúde e atividades pedagógicas que necessitam deles. Tudo fica sempre sob supervisão do professor. Essa 'brecha' tem levado muitos alunos a tentar burlar as regras, afirma Mércia Cristina de Freitas Andrade, inspetora de alunos em uma escola da rede pública, em entrevista à AGEMT. 

Com foco em diminuir o cyberbullying, que causa dificuldades nas relações interpessoais e no desempenho escolar, além dos problemas de sono e das questões psicológicas, as instituições de ensino tiveram que definir as estratégias de implementação da lei, inclusive em recreios e intervalos entre as aulas.   

Estudante com um celular em sala de aula
Estudante com um celular em sala de aula. Foto/Agência de Notícias Yonhap

Com a dependência em inteligências artificiais (IAs) atualmente, a funcionária do Educandário comentou se notou alguma diferença na aprendizagem dos alunos com a utilização desenfreada da internet e o acesso à inteligência artificial: "O uso de celulares e a utilização da IA, de certa forma, fez com que os alunos fizessem o uso demasiado de respostas e pesquisas prontas. Dessa forma, a aprendizagem e o aprimoramento da bagagem cultural foram seriamente comprometidos", ressalta. 

São Paulo foi o primeiro estado a adotar a medida, antes mesmo da criação da lei federal. Os regulamentos mais detalhados da implementação da legislação ficaram ao cargo do CNE (Conselho Nacional de Educação), órgão consultivo do Ministério da Educação (MEC), que decidiu dar autonomia aos colégios na maneira de armazenar e lidar com os aparelhos. Para Mércia, a proibição foi uma medida tardia, mas necessária e, com isso, os estudantes poderão fazer melhor uso do tempo e se concentrar melhor nos estudos. Ela cita: “Notei uma ligeira melhora nas relações humanas. Uma atenção mais direcionada às disciplinas, mas ainda uma resistência à proibição…" 

A entrevistada: Mércia Cristina
A entrevistada: Mércia Cristina de Freitas Andrade. Foto/Arquivo Pessoal

Essa atitude reflete um relacionamento não saudável com um dispositivo que era, praticamente, parte do material escolar e que está cada vez mais presente na vida social. Quando foi proibido, causou uma onda de irritação nos jovens, relata a inspetora.   

A partir de 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) começou a reconhecer a dependência do celular e em outros meios digitais como um transtorno chamado nomofobia. Um estudo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) diz que cerca de 25% dos adolescentes brasileiros são viciados na internet. Além disso, a Opinion Box traz os dados de que 95% das crianças do país, entre 10 e 12 anos, têm acesso a pelo menos um smartphone.  Com essa medida, espera-se que a escola volte a ser um ambiente de interação, que os estudantes voltem a ter uma aprendizagem mais fluida e que desenvolvam uma relação mais equilibrada com a tecnologia. 

Apontada como uma ferramenta no combate às mudanças climáticas, a nuclearização envolve questões colaterais complexas
por
Vítor Nhoatto
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30/05/2025 - 12h

O setor de energia respondeu em 2024 por 68% de toda a emissão de CO2 no mundo, segundo relatório da United Nations Environment Programme (UNEP). O gás é o principal causador do aquecimento global e precisa diminuir drasticamente nos próximos anos, apontando para a necessidade da chamada transição energética e descarbonização. Mudar a forma como se produz energia é um desafio, e a nuclearização ressurge como uma possível resposta.

A produção de energia a partir de material nuclear é antiga, e de forma simplificada funciona em algumas etapas. O combustível radioativo (urânio) tem seus átomos divididos no processo de fissão, liberando uma grande quantidade de energia que aquece a água em torno do reator e o vapor gerado acaba movimentando turbinas na usina que geram a energia. 

O que chama a atenção para a modalidade é a produção de grandes quantidades de energia com pouco material e baixa pegada de carbono em comparação aos combustíveis fósseis. De acordo com dados de 2020 da German Environment Agency levantados pela organização holandesa fundada em 1978, World Information Service on Energy (WISE), para cada Kwh gerado por usinas nucleares, cerca de 117 gramas de CO2 são emitidos. No caso do carvão e do gás natural as médias giram em torno de 950 e 440 gramas respectivamente. 

Cláudio Geraldo Schön, doutor em Ciências Naturais pela Universität de Dortmund, mestre em Engenharia Metalúrgica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor titular na instituição destaca o potencial e a evolução nuclear com o passar dos anos. "Expandi-la poderia substituir as usinas termelétricas, diminuindo a geração de gases de efeito estufa [...] “o processo é continuamente atualizado, e resulta em avanços mesmo sendo uma tecnologia consolidada”.

Foi na extinta União Soviética que a primeira usina nuclear para uso doméstico começou a funcionar para contextualização, a Obninsk em 1954. Em seguida vieram outras, como a de Calder Hall no Reino Unido em 1956 e Shippingport nos Estados Unidos da América (EUA) em 1957. No Brasil, a usina Angra I foi a pioneira, com operações iniciadas em 1985.

Cinza e não verde

No entanto, o cinzento urânio traz um efeito não tão expressivo. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), se a capacidade de produção nuclear triplicasse, a redução na emissão de CO2 do setor de energia seria cerca de apenas 6% devido principalmente à grande quantidade de carbono liberada na construção de reatores e usinas, que exigem grandes quantidades de recursos e décadas até começarem a funcionar, e para a mineração do urânio também. 

Além disso, a pegada de carbono das principais fontes renováveis de produção de energia são bem mais baixas que a nuclear. Ainda de acordo com o levantamento de 2020 da German Environment Agency, no caso da solar, cada Kwh emite algo em torno de 30 gramas de CO2, para a eólica a cifra é inferior a 10 e para a hidrelétrica de apenas 4 aproximadamente. 

Para o especialista sênior em energia nuclear e integrante da WISE International, Jan Haverkamp, a energia nuclear não é efetiva e nem tem a emergência climática como foco. “O uso do argumento climático é uma cobertura para outros interesses [...] os países com uso tradicional de energia nuclear não a desenvolveram devido às alterações climáticas, o fator inicial foi militar como EUA, China, Rússia e Brasil. Já para outros países era um sinal de importância, como no caso da Romênia, Bulgária e Coreia do Sul. Ou ainda visando a redução da dependência do petróleo como na Alemanha e Reino Unido, ou ainda uma tentativa fracassada de desenvolver uma fonte barata de energia como na Suécia e Canadá”.

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Última usina nuclear na Alemanha começou a ser demolida em 2023, mas novo governo de extrema-direita avalia reativar a base; “resumindo, para alguns é geopolítica” comenta Jan Haverkamp - Foto: Thomas Frey / DPA / Picture Alliance

Atualmente existem 437 reatores nucleares em funcionamento no mundo, que representam 14% de toda a energia gerada no mundo, de acordo com a World Nuclear Association (WNA). Os EUA ocupam a primeira posição do ranking com 96 unidades, com França, China e Rússia em seguida com 56, 55 e 37 cada, respectivamente. O país asiático tem planos inclusive de se tornar uma potência nuclear, e até 2035 ter o dobro da capacidade atual dos EUA. 

No caso do Brasil, a geração nuclear responde por apenas 2% da matriz energética, produzidos nas usinas Angra I e Angra II. Ambas fazem parte da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, ao lado da Angra III, ainda em obras, e o complexo começou a ser construído durante a ditadura militar no país.  

Aquilino Senra Martinez, doutor em Ciências da Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia da Presidência da República explica as nuances da modalidade: “O seu uso para geração de eletricidade depende do contexto de cada país. Em lugares com alta demanda e poucos recursos renováveis, a sua expansão pode ser estratégica. No cenário das mudanças climáticas, ela não pode ser descartada, mas também não deve ser tratada como solução única".

Com dimensões continentais e clima tropical, o Brasil se destaca no cenário mundial justamente pelo seu potencial de produção energética renovável, e hoje é referência no quesito. O Balanço Energético Nacional (BEN) de 2024, feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em parceria com Ministério de Minas e Energia (MME), constatou que foi de 49% o índice de energia proveniente de fontes renováveis. 

Mesmo assim, no fim do ano passado a usina Angra I teve seu licenciamento para operação renovado por mais 20 anos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão do Governo Federal, e demandará investimento de R$3,2 bilhões nos próximos 3 anos. A continuação das obras de Angra III seguem em análise, mesmo com a administradora das usinas, a empresa de capital misto Eletronuclear, tendo uma dívida de R$6,3 bilhões com a Caixa e o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). 

As operações no terceiro reator foram paralisadas em 2015 e voltaram somente em 2022 após reajuste do orçamento, com 65% das obras concluídas. Isso demandou um investimento até então de R$7,8 bilhões, e apesar da conclusão não ter sido incluída no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) anunciado em 2023, estima-se cerca de R$20 bilhões necessários para tal.

Para Rárisson Sampaio, porta-voz da Frente de Transição Energética do Greenpeace Brasil, essas cifras revelam como a nuclearização desvia dinheiro necessário das fontes renováveis e ameaça um desenvolvimento sustentável e acessível. “O investimento em usinas nucleares não se conecta com a realidade do país, que poderia direcionar tais recursos para outras áreas, fortalecendo políticas como o Luz para Todos, que garante acesso a fontes de energia limpa, segura e barata, combatendo a pobreza energética e alinhando-se aos ODS da Agenda 2030”, diz Sampaio. 

Criado em 2003, o programa do Governo federal tem como intuito universalizar o acesso à energia no país, especialmente em áreas afastadas e periféricas e já impactou 17,5 milhões de pessoas. Para essa nova fase, uma das frentes é justamente possibilitar a instalação de placas solares em domicílios de baixa renda. 

Jan Haverkamp, da WISE, defende como em muitos países o investimento na energia nuclear desvia efetivamente o foco e dinheiro para medidas concretas no combate às mudanças climáticas, o que não é verídico: “As fontes de energia renováveis ​​produzem atualmente mais energia do que a nuclear em todo o mundo, e essa quantidade continua aumentando. A geração nuclear está mais ou menos estável há 3 décadas. A Finlândia, por exemplo, está atrasada na implementação de energia eólica desde que decidiu construir a usina Olkiluoto 3, que sofreu um atraso significativo”.

Segurança x planejamento

De acordo com estimativas de 2024 da Agência Internacional de Energia, a demanda energética global aumentará 4% ao ano entre 2024 e 2025, cifra bem maior que os 2,5% registrados em 2023. Os principais impulsionadores serão o maior uso de ar-condicionado devido justamente às mudanças climáticas, a progressiva eletrificação da frota de veículos, imprescindível na descarbonização do setor, e pelo avanço das Inteligências Artificiais (IA). 

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Demanda por energia pelas big techs só cresce, tal qual o uso de água potável para resfriamento dos computadores, o que aponta para uma necessidade de consciência ao usar IAs e a internet -  Foto: Microsoft / Divulgação

Os data centers deverão mais que duplicar as suas necessidades de energia até 2030 segundo a AIE, ultrapassando em alguns anos a energia consumida pelo Japão. Corroborando com esses indicativos, o Ministério de Minas e Energias realizou um estudo que aponta para um aumento de 25% na necessidade de produção energética brasileira até 2034. Nesse cenário, uma questão levantada na transição energética é a segurança e expansão necessárias para a manutenção sadia da sociedade.

Carlos Schön argumenta sobre o papel da energia nuclear, portanto, e as questões em relação ao clima: “Nós produzimos muita energia, mas ainda é pouco considerando o tamanho do país [...] a energia nuclear é a principal aliada das fontes renováveis, justamente porque essas dependem de fatores extrínsecos (sol na geração fotovoltaica, vento na geração eólica) que por sua própria natureza são flutuantes”.

Uma vez extraído do solo, o urânio pode abastecer por décadas uma usina nuclear, as quais em média podem funcionar por 40 anos, com a possibilidade de extensão, como no caso de Angra I, em funcionamento desde 1985 e renovada até 2044. Tudo isso acontece também sem depender de fatores externos como o vento, que pode danificar as hélices das turbinas eólicas, as nuvens que afetam a produção solar e a variação dos reservatórios que impactam as hidrelétricas. 

Contudo, Ana Fabiola Leite Almeida, professora do Departamento de Engenharia Mecânica e Produção da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Mestre em Química pela instituição, destaca que o problema reside no planejamento energético. Mesmo que a produção diminua, é algo manejável com vontade. “O risco não está nas renováveis em si, mas na falta de planejamento. Em cenários críticos, pode haver queda média de 20 a 40% na produção energética dependendo da região, mas com previsibilidade climática, diversificação geográfica e sistemas híbridos conseguimos mitigar esses efeitos”, explica Almeida.

Em períodos como de ondas de calor em que a demanda energética aumenta, fontes como as termelétricas passam a ter maior participação na produção de energia, e como são mais caras que as hidrelétricas, a conta de luz pressiona o bolso da população. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no acumulado de 2023 o aumento na tarifa foi de 9,52%, bem acima da inflação, de 4,62% no mesmo período. 

Relatório de 2024 do Tribunal de Contas da União (TCU) em parceria com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Empresa de Pesquisa Energética aponta que a nuclearização não resolveria justamente essa questão. A energia nuclear produzida em Angra III aumentará em 2,9% a conta de luz por ano e custará à população até 77 bilhões em despesas na contratação se a obra for concluída.

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“Existe todo um investimento que pode ser perdido, mas não justifica a continuidade de Angra III. É o resultado do  mal planejamento e desalinhamento com a política energética aponta Rarisson do Greenpeace - Foto: Eletrobras / Divulgação

O mesmo estudo do TCU destaca que as despesas com a obra “parada” chegam a R$2 bilhões por ano e uma desistência definitiva custaria cerca de R$13 bilhões, menos que o montante necessário para conclusão. Países como Áustria, Portugal e Dinamarca não classificam a energia nuclear como uma fonte limpa, e Itália e mais recentemente Alemanha, desativaram seus reatores ainda em funcionamento.

No caso do Brasil em relação ao setor de energias, as renováveis se destacam em várias frentes. Segundo o “Atlas Eólico” de 2022 do governo do Espírito Santo em parceria com a Embaixada Alemã, o potencial de geração pelo vento somente no estado é de 160 GWh, quase um terço da demanda anual do país hoje.

A energia solar também é outro enorme potencial, levando em consideração que o Brasil é o país que mais recebe irradiação solar no mundo, até então desperdiçado. Em 2023 a companhia de consultoria BloombergNEF apontou que se as políticas de incentivo à modalidade permanecerem iguais, em 2050 a capacidade de geração será de 121 GW por ano. Na ocasião, o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), Ronaldo Koloszuk, defendeu que isso pode acontecer ainda em 2040 com apoio e expansão do setor. 

Ana Fabiola destaca: "O Brasil tem um dos maiores potenciais renováveis do mundo, mas para isso precisamos investir em inovação, infraestrutura de rede, armazenamento e educação técnica [...] é preciso ter suporte de armazenamento, interligação entre regiões e tecnologias de resposta à demanda. As fontes renováveis podem sim suprir a demanda crescente se houver vontade política e investimento contínuo", afirma. 

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Maior parque solar do mundo fica em Minas Gerais e foi inaugurado em 2023, fazendo com que a capacidade do estado chegue a 8 GW por ano - Foto: Solatio / Divulgação

Potencial radioativo denso

Falando em demandas futuras e recursos para sanar problemas sem gerar mais, uma outra implicação da energia nuclear gira em torno dos resíduos perigosos da atividade. A World Nuclear Association aponta que o resíduo nuclear equivalente à demanda de uma pessoa por um ano é do tamanho de um tijolo. Pode não parecer tanto de início, mas o problema está na radioatividade do material. 

A meia vida do urânio 235, o tempo que o material leva para se desintegrar e deixar de ser extremamente radioativo, gira em torno de 700 milhões de anos. Durante esse tempo as substâncias líquidas e sólidas precisam ficar armazenadas e isoladas do mundo, seja em reservatórios subterrâneos, piscinas gigantes ou toneis de chumbo. Não existe hoje uma solução para esse material, e como os primeiros usos são do século passado apenas, respostas sobre o comportamento dele também não foram encontradas. 

Isso em si já acende um alerta pois relega uma questão das gerações passadas às futuras, e a possível fuga de material radioativo das usinas pode colocar em risco a segurança nacional com a produção de bombas. Mas olhando para a história mais uma vez, a situação se complica. Em 1986 ocorreu na atual Ucrânia o famigerado desastre nuclear de Chernobyl, zona até hoje inabitável. A explosão da usina contaminou uma área de milhares de quilômetros ao seu redor, causou milhares de mortes e adoeceu os que resistiram. Um caso mais recente foi em Fukushima no Japão em 2011, que apesar de menor e diferente, reforça o cuidado exigido. 

Aquilino Senra afirma que a questão é muito relevante no debate atual, mas avanços foram feitos e que não deve ser a única levada em consideração: “É essencial que seja considerado dentro de um contexto histórico e tecnológico, à luz dos avanços obtidos nas décadas subsequentes e da comparação com outras fontes de geração de energia, como as fontes fósseis, que também provocam milhares de mortes anuais em decorrência da poluição atmosférica”.

A Organização das Nações Unidas estima que por ano a poluição atmosférica mata entre 7 e 8 milhões de pessoas ao redor do mundo. Somente no ano de 2021, 8,1 milhões de pessoas morreram, além do fator contribuir decisivamente para o desenvolvimento de câncer de pulmão e doenças respiratórias. 

Fazendas de turbinas eólicas, sítios de placas solares e usinas hidrelétricas também estão sujeitas a acidentes e impactam o meio ambiente, mas em um grau muito menor. Além dos grandes desastres, existe a possibilidade de vazamento de material radioativo. No Brasil, por exemplo, a Comissão Nacional de Energia Nuclear constatou um caso em 2022 na unidade de Angra I, no qual a água contaminada chegou ao mar. Na ocasião, a Eletronuclear foi multada em mais de R$2 milhões de reais pelo órgão

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ONG fez protestos em frente a usina de Angra I e relembrou o desejo ilegal de milhões de litros de água contaminada pela usina em 1986 - Foto: Greenpeace Brasil / Divulgação

Rárisson do Greenpeace destaca: “a energia nuclear não tem lugar em um futuro seguro, limpo e sustentável. A energia nuclear é cara e perigosa. Apesar de oferecer energia não intermitente, há outras soluções no país que podem ser mais eficientes, seguras e baratas [...] só porque a poluição nuclear é invisível não significa que seja limpa, nessa conta toda, a energia nuclear é inexpressiva”.

Mesmo assim, nos últimos anos empresas e nomes do vale do silício floresceram no cenário da nuclearização em defesa dos chamados Small Modular Reactors (SMR), em tradução livre, pequenos reatores modulares. Segundo a Agência Internacional de Energia, as unidades menores podem ser uma solução para a demanda crescente por energia dos data centers, e por serem menores, construídos em uma fábrica e depois enviados ao local de destino, podem baratear os custos.

Com um tempo de construção diminuído para cerca de 5 anos em comparação aos reatores convencionais e cinco vezes menores em tamanho, o primeiro SMR instalado no mundo data de 2023 na China, o Linglong One. A capacidade do reator será de 1 GW quando entrar em operação regular segundo a Corporação Nacional de Energia Nuclear da China. Mesmo assim, de acordo um estudo independente da Universidade de Stanford que avaliou os dados preliminares da empresa norte-americana NuScale Power, mais lixo radiativo é gerado e há maior dispersão de energia no interior dos SMRs.

Os principais projetos na área ainda vão levar tempo também, com expectativa de começarem a operar em meados da próxima década apenas, como o da britânica Rolls Royce. Ainda existe a startup de Bill Gates, Terra Power, com expectativa que o seu reator em Wyoming, o estado menos populoso do país, entre em operação no começo de 2030. No entanto, nessa data as emissões de CO2 na atmosfera já deverão ter caído 42% para que o aquecimento fique em 1,5 graus celsius de acordo com o relatório de 2024 da United Nations Environment Programme.

 “Não é surpresa que tecno-oligarcas como Gates, Musk, Zuckerberg e Bezos sejam especialmente atraídos pelas ideias por trás de pequenos reatores nucleares modulares. Mas eles não percebem que essas tecnologias são fundamentalmente diferentes da internet ou mesmo das estruturas de energia renovável, incluindo armazenamento, com custos mais elevados em comparação com sistemas totalmente renováveis, tempos de desenvolvimento muito mais longos e sérios riscos”, alerta Jan Haverkamp da WISE International.

Esclarecendo dúvidas sobre os riscos em uma conversa com Luiz Padulla
por
Clara Dell'Armelina
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05/05/2025 - 12h

O mundo está farto de plástico. Estão presentes em utensílios, móveis, roupas e, agora, também nos alimentos, mas não para por aí, estudos recentes, como o feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), comprovam a existência de plástico acumulado no corpo humano. Estamos falando de microplásticos, pequenas partículas de plástico com dimensões inferiores a 5 milímetros causadoras de danos tóxicos aos seres vivos. 

A presença de plástico nos oceanos foi detectada pela primeira vez na década de 70 e só em 2004, com o pesquisador Richard Thompson, que tivemos o conhecimento dos "microplásticos". Entre 2010 e 2020 foi quando  identificaram a presença de microplástico em toda a cadeia alimentar, mas só a partir de 2023 que as pesquisas se voltaram para mapear seus impactos na saúde humana. O professor, biólogo, doutor e autor do blog "Biólogo Socialista", Luiz Fernando Padulla, conversa sobre o assunto com a repórter da AGEMT. Confira!

Acompanhe como foi a primeira mesa do evento , realizado no Tucarena, teatro da PUC-SP
por
Beatriz Alencar Gregório
João Pedro Lopes Oliveira
Geovana Bosak Santos
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15/03/2024 - 12h

Na quarta-feira (13), a Agência Pública celebrou seus 13 anos de jornalismo investigativo no Tucarena, em Perdizes, em  parceria com o   curso de Jornalismo e a Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes da PUC São Paulo. O evento "Pública 13 anos: O jornalismo na linha de frente da democracia", contou com três mesas de debate ao longo do dia, reunindo nomes ilustres do jornalismo, da antropologia e do clima. A comemoração discutiu temas como a desinformação, a crise climática e a defesa da democracia.

A primeira mesa, com o tema “Desinformação e Populismo Digital”, foi mediada por Natalia Viana, co-fundadora e diretora executiva da Pública, ela também se graduou em Jornalismo na PUC e mencionou a escolha da universidade para sediar o evento. Segundo ela, “a democracia é a cara da PUC”. Como convidadas, juntaram-se à mesa a antropóloga Leticia Cesarino e a pesquisadora Nina Santos para discutir as ondas de desinformação, a regulamentação da inteligência artificial e o poder das big techs e algoritmos nos sistemas de informação.

Ao final da discussão, também foram abertas perguntas ao público. Geovana Bosak, estudante de jornalismo perguntou: "Como você vê o futuro do jornalismo em um ambiente que está cada vez mais dominado pela manipulação dos algoritmos e pela desinformação?"

Nina Santos:

"O jornalismo está passando por um momento de transformação, porque de fato a economia da atenção, que é o rege o funcionamento das plataformas digitais, acaba mudando muito até a forma de acesso das pessoas ao jornalismo. O que a gente vê nas últimas pesquisas é que as pessoas acessam cada vez mais o conteúdo jornalístico através das plataformas. Ao invés de entrar diretamente nos veículos, elas entram nas plataformas digitais, que são espaços de informação e também de entretenimento, e através dessas plataformas que elas acabam se informando sobre o que tá acontecendo, o que é importante, e sobre o quê que elas precisam agir".

A Agência Maurício Tragtenberg esteve presente na primeira mesa de discussão "Desinformação e Populismo Digital", e gravou um vídeo de cobertura. Para conferir, acesse: 

https://www.instagram.com/reel/C4icdfIOyQo/utm_source=ig_web_copy_link&igsh=MzRlODBiNWFlZA==

 

Como a adesão do sistema de videomonitoramento no Brasil representa a falência da segurança pública
por
Gabriela Figueiredo
Victoria Leal
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27/11/2023 - 12h

Por Gabriela Figueiredo e Victoria Leal 

"Estão criando uma polêmica em algo que a gente já construiu, um sistema que muitas cidades já desenvolvem, que no metrô tem, em vários locais tem, é como se fosse algo muito inovador e na verdade estamos atrasados. São Paulo está correndo atrás de um prejuízo". Ricardo Nunes, prefeito da cidade de São Paulo, sobre o sistema de videomonitoramento Smart Sampa.

O Smart Sampa é o novo sistema de videomonitoramento da cidade de São Paulo, que iniciou, na segunda-feira (7) de agosto de 2023, a instalação de 20 mil câmeras inteligentes de segurança, que integram a tecnologia de biometria facial, com serviços públicos da cidade, para monitoração em tempo real da população. 

O sistema funciona unindo informações captadas dos rostos dos cidadãos pelas câmeras de segurança distribuídas pela cidade, com o banco de dados do sistema de segurança pública da região, para identificar, principalmente, pessoas que cometem infrações, mas segundo prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes, a monitoração será utilizada em união com outros órgãos, para identificar possíveis acidentes e chamados voltados para políticas públicas.

O prefeito explicou ainda que “tem que ter mais de 90% de similaridade na biometria facial [para iniciar uma operação de busca] e não teremos a transmissão automática às forças policiais quando for detectado alguém que seja, por exemplo, um procurado da Justiça. Ele vai passar ainda por um comitê integrado à Controladoria Geral do Município para a análise antes do envio”.

A decisão do consórcio que cuidará do sistema passou por um pregão eletrônico, que contou com a participação de 12 empresas, em que o contratado foi o Consórcio Smart City SP, formado pelas empresas CLD – Construtora, Laços Detentores e Eletrônica LTDA, Flama Serviços LTDA, Camerite Sistemas S.A. e PK9 Tecnologia e Serviços LTDA, com previsão de instalação das câmeras em 18 meses, por um custo mensal de R$ 9,8 milhões.

 

HISTÓRICO

O sistema de videomonitoramento já tem seu histórico no Brasil, com instalações no Rio de Janeiro e Bahia. Em uma pesquisa publicada em novembro deste ano, pela Rede de Observatórios da Segurança - grupo criado em maio para coletar indicadores que não são divulgados oficialmente - de março a outubro, foram detidas 151 pessoas com o uso de tecnologias de reconhecimento facial, sendo 52% dos casos na Bahia, 37% no Rio de Janeiro e 7% em Santa Catarina.

A organização não oficial levantou os dados usando reportagens de veículos de imprensa, páginas das polícias e de outras organizações e órgãos nas redes sociais. Ainda, segundo a pesquisa, o perfil das pessoas presas segue a tendência da população carcerária, sendo 90% das pessoas negras, 88% homens, com idade média de 35 anos e com abordagens por tráfico de drogas e roubo.

E é aqui que o histórico passa a ter seu contrapeso na implementação da tecnologia. Em um primeiro teste executado durante os quatro dias de Micareta, em Feira de Santana, Carnaval fora de época que acontece no município próximo a Salvador, mais de 1,3 milhão de pessoas tiveram seus rostos captados e 903 chamados foram gerados, mas apenas 33 mandados de prisão foram cumpridos.

No Rio de Janeiro, uma mulher e um homem foram detidos por engano em Copacabana, em julho, com acusação de homicídio, em que, no processo de investigação do caso, foi descoberto que a procurada já estava na prisão havia 4 anos.

A professora do Programa de Tecnologias Inteligentes e Design Digital (TIDD) PUC SP, Dora Kaufman, explica que "o reconhecimento facial é uma das aplicações da técnica de aprendizado de máquina, subcampo da inteligência artificial", a aplicação serve para diversas atividades, desde reconhecimento de imagens em pesquisas no Google até biometria facial, em que o algoritmo aprende com base exemplos extraído de dados.

No caso da biometria facial, um dos obstáculos é processo de reconhecimento do rosto, que não chega à precisão completa. O cálculo acontece a partir da distância entre alguns pontos do rosto e comparação com o banco de dados. Quando um certo grau de semelhança é emitido, o alerta é direcionado.

A professora ainda aponta que “existem estudos de ONGs indicando que mais de 20 secretarias de segurança de cidades brasileiras estão usando esses sistemas, com falhas significativas. O problema é alguém ser reconhecido equivocadamente, ou seja, ser preso sem ter incorrido em nenhum crime simplesmente porque o sistema falhou”.

 

O CICLO SE REPETE

Com 90% de identificação da população preta em alvo do sistema e uma das maiores porcentagens da instalação de câmeras na zona mais rica da cidade - 3.300 câmeras na região central, 6 mil na Zona Leste, 3.500 na Oeste, 2.700 na Norte e 4.500 na Sul -

Amailton Azevedo, professor do Programa de Estudos Pós-graduados em História e do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais da PUC-SP, aponta que "trata-se de outros mecanismos para renovar e sofisticar o racismo made in Brazil. Se há a tese de que considera o racismo brasileiro se manifesta de modo silencioso e velado, de outro, pode-se defender que políticas de segurança como essas tornam explícitas as soluções brancas para problemas negros e mestiços".

O prefeito Ricardo Nunes afirmou ainda que “quem tem que estar preocupado é quem fez alguma coisa contra a lei, mas quem não tem nada contra a lei, fique despreocupado. Alguém que fez algo contra a lei, alguém que traz transtorno para a sociedade, acho que essas pessoas têm que estar preocupadas”.

Em uma alusão com o mundo real, o anime japonês “Psycho-Pass” mostra, ainda no primeiro episódio, como o sistema de monitoramento por inteligência artificial pode ser falho a ponto de pôr em risco a vida da população que “não tem nada contra a lei”. O episódio apresenta um medidor de “potencial de criminalidade”, monitorado pelo Estado, que após atingir certos estágios, pode levar a prisão ou execução.

Após sofrer um trauma por tentativa de abuso, a personagem vítima tem seu psycho-pass elevado a nível de execução, mesmo sem nunca ter apresentado qualquer sinal natural do “potencial de criminalidade”.

Sendo 90% de potencial de identificação do sistema de monitoramento ou 90% dos alvos sendo pessoas pretas, a falta de precisão do Smart Sampa e de qualquer outro sistema vira mais um agravante para um problema estrutural da sociedade.

 

IMAGEM DE CAPA: Reprodução Portal Outras Palavras

Qualidade da água do rio continua muito ruim, mas margens recuperadas já trazem benefícios para a população
por
Lucas Gomes
Matheus Marcolino
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21/11/2023 - 12h

Por Lucas Gomes (texto) e Matheus Marcolino (audiovisual)

 

Jhonatan Barbosa cresceu e passou grande parte de sua vida adulta em Cidade Tiradentes, extremo da Zona Leste de São Paulo. O dia a dia na periferia não era fácil. Ele começou a trabalhar aos 14, em buffets nas festas dos ricos do centro da capital. Já que a rotina de horas e horas dentro do transporte público era extremamente desgastante, sonhava em viver em um grande centro. E esse sonho é antigo: quando criança, nos anos 1990, sua mãe costumava levá-lo a um consultório médico na avenida Paulista. No caminho, passavam por hospitais e grandes monumentos da cidade, além da Marginal Pinheiros, que margeia o rio. Ele via os prédios na região da Vila Olímpia com espanto. Parecia uma outra realidade. 

Em 2019, Jhonatan conheceu sua atual esposa. Na época, ela morava numa kitnet em Santo Amaro, Zona Sul da capital. Com o início da pandemia, em 2020, ele decidiu se mudar para lá. O sul oferecia a Jhonatan o que o leste não tinha: além de conseguir morar perto do trabalho, agora ele e a companheira tinham opções de lazer, como as margens do Rio Pinheiros, que vive um processo de despoluição há quatro anos. Inaugurou-se um programa de casal: andar de bicicleta, caminhar, ou até mesmo fazer yoga no recém-inaugurado Parque Bruno Covas. Criou-se uma relação com um rio que estava morto.

O Rio Pinheiros sempre fez parte da história de São Paulo. Ele foi navegável até o início do século passado, quando o interesse do setor energético impulsionou uma mudança: o curso do Pinheiros mudou, e o rio passou a correr em direção à represa Billings, construída para servir como um reservatório para geração de energia hidrelétrica. Nos quase 100 anos que se passaram desde então, o Pinheiros foi um dos rios mais violentados pela população e pelo poder público, e se tornou sinônimo de sujeira, mau cheiro e descaso.

Em 2019, João Dória, então governador do Estado de São Paulo, fez uma promessa bastante ambiciosa: despoluir o Rio Pinheiros até o fim de 2022. O programa “Novo Rio Pinheiros” previa o investimento de mais de R$ 1,5 bilhão, que focaria no tratamento de esgoto para impedir que lixo e dejetos continuassem chegando ao rio. 

O mapeamento “Observando os Rios”, da ONG SOS Mata Atlântica, acompanha a situação do Rio Pinheiros e dá uma nota para a qualidade da água em três pontos de medição: Ponte João Dias, Ponte do Jaguaré e Ponte da Cidade Jardim. Desde o início do monitoramento mensal, em agosto de 2021, somente em duas vezes os pontos de medição não receberam a nota mínima (péssimo): em outubro de 2021, João Dias recebeu nota “ruim”, sendo o mesmo caso da Ponte Cidade Jardim, em janeiro deste ano. 

César Pegoraro, biólogo e integrante da Equipe de Água da SOS Mata Atlântica, conta que, passados quatro anos desde o início do programa Novo Rio Pinheiros, os avanços são inegáveis, mas a situação segue calamitosa. Foram registradas 650 mil ligações de domicílios à rede de esgoto, diminuiu-se a carga orgânica do rio, mas o estado da água do Pinheiros ainda é horrível. “A gente ressuscitou um rio e conseguiu devolver esse rio à UTI. Ele não é um rio saudável”, explica.  Na visão de César, João Dória cometeu um erro ao estipular uma data de entrega, já que a natureza tem um tempo próprio - e, às vezes, resultados concretos podem demorar a chegar.

A principal métrica usada no mundo para medir a limpeza de um rio é a de DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio). Ela determina quanto oxigênio é consumido em cada litro de água por causa da poluição. Em 2022, a gestão Dória afirmou que a meta estava sendo cumprida. “Dos 13 pontos de monitoramento do rio, 11 já apresentaram o chamado DBO abaixo de 30 mg/L, quantidade mínima para que a água não tenha odor, melhore a turbidez e permita vida aquática”, relata, em nota, a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (SEMIL) do Governo do Estado de SP. 

José Carlos Mierzwa, chefe do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Escola Politécnica (POLI) da USP, conta que um DBO de 30 mg/L não é o ideal para um rio vivo. Segundo ele, para que haja vida aquática é necessário um DBO na faixa dos 5 mg/L. O projeto de despoluição é coordenado pela SEMIL-SP e conta com participações da Sabesp e da Cetesb. 

Os órgãos e empresas citadas foram procurados, mas não responderam até o fechamento da reportagem. 

O CHEIRO 

Jhonatan conta que sentiu uma melhora no odor vindo do rio Pinheiros durante os últimos anos. O cheiro não incomoda seu trajeto para o trabalho ou quando ele sai com sua companheira para caminhar no Parque Bruno Covas, por exemplo. Na estação Cidade Universitária, da Linha 9-Esmeralda, porém, a história é outra: um odor forte de esgoto é notado pelos usuários do transporte público. A estudante Ana Carolina diz que o cheiro se intensifica em dias de chuva ou de calor, que estão se tornando cada vez mais comuns na capital.

Pegoraro explica que as diferenças entre os diferentes pontos do rio se dão pelos muitos afluentes do Pinheiros e do processo de saneamento nas regiões atendidas por eles. Enquanto nos arredores do Parque Bruno Covas o rio é mais verde e o tratamento de esgoto é localizado e avançado, regiões como a da estação Cidade Universitária ou do Parque Villa-Lobos sofrem para tratar grandes quantidades de esgoto. Os rios Pirajussara e Jaguaré, principais afluentes dessas localidades, ainda têm uma carga orgânica maior - o que acaba deixando o cheiro mais forte.

A IMPORTÂNCIA DO RIO

Um rio vivo impacta a comunidade de seu entorno de muitas formas, mas duas são as mais destacáveis. O primeiro - e mais imediato - aspecto é o da oferta de lazer. O Rio Pinheiros, por exemplo, teve suas margens revitalizadas, e pessoas como Jhonatan e outros moradores da Zona Sul ganharam uma nova opção de convívio com a família, amigos e natureza, mesmo que nem todo ambiente esteja próprio para isso. A despoluição de rios é uma boa oportunidade para o setor de turismo, e o caso do Rio Sena, na Europa, chama atenção: antes tido como “morto”, o canal francês agora é favorito a receber competições de natação nas Olimpíadas de Paris, em 2024.
 

O segundo aspecto impactado por um rio vivo é a saúde física e mental da população. A baixa qualidade da água dos rios vem, principalmente, do mau tratamento de esgoto - que afeta especialmente os mais pobres. Um relatório da OMS, divulgado em 2013, apontou que cada dólar investido em saneamento gera 4,3 dólares de economia na saúde global. “Saneamento é qualidade de vida e saúde pública”, afirma José Carlos Mierzwa, que acredita que o investimento do poder público nesse sentido é extremamente necessário.

A saúde mental também não fica para trás. Publicado em 2010, um estudo da Universidade de Chiba (JAP) aponta que a convivência com áreas verdes reduz o estresse e a pressão arterial. “Teríamos muito mais saúde se tivéssemos rios mais limpos. (...) Ajudariam muito a melhorar a saúde mental das pessoas e a diminuir a violência urbana”, aponta Pegoraro. 

Apesar dos avanços tímidos nos quatro anos do Novo Rio Pinheiros, o poder público e a sociedade civil devem continuar engajados no processo de recuperação do rio. Assim, quem sabe, o próximo passo pode ser tirar o Pinheiros da UTI.
 

Como a falta de regulamentação das plataformas digitais modula o comportamento civil e estatal
por
Amanda Tescari
Fernanda Querne
|
12/11/2023 - 12h

Por Amanda Tescari (texto) e Fernanda Querne (audiovisual) 

 

A modernização contínua das sociedades atuais a partir dos avanços tecnológicos alavancou diversos questionamentos acerca dos rumos da coletividade. No âmbito político, o neoliberalismo se alia ao fator tecnológico, formando uma nova forma de enxergar a realidade que nos cerca: a tecnocracia. Essa sistemática se dá com base na credibilidade da atuação do Estado alicerçada no conhecimento técnico enquanto verdade científica, de modo que esta se mistura com a ideologia política.    

Por mais que esteja vestido sob os trajes de neutralidade, este estudo teórico continua submetido à estrutura mercadológica, sujeito aos interesses de quem a controla - as big techs - razão pela qual é de grande importância a regulamentação do meio digital, viabilizando uma maior segurança dos dados e informações fornecidos online. 

 É possível entender a virada tecnológica feita pelas grandes corporações a partir do livro “A cidade Inteligente: Tecnologias urbanas e democracia”. Os autores são Evgeny Morozov e Francesa Bria. Morozov publicou Big Tech: a ascensão dos dados e  a morte da política. Já a edição de 2018 da Forbes citou Bria como uma das cinquenta mulheres mais influentes da Tecnologia pelos seus projetos focados em democracia digital. 

O livro explica como o neoliberalismo faz parte do conceito das cidades inteligentes, as quais continuarão buscando soluções digitais corporativas - em especial das plataformas digitais, dando magnitude aos nossos dados a partir dos sistemas algoritmos - lugares de controle e modulação de comportamentos. Surge então o questionamento sobre a ideia de neutralidade tecnológica e modernização constante. Isso porque as smarts cities se beneficiam deste tipo de governo, no qual a sua administração passa por uma descentralização. Assim, mesmo tendo que seguir alguns dispositivos regulatórios de governança, há uma ausência  de regulamentação das plataformas. 

 

                                           

                                            Legenda: Carro elétrico em Yokohama, Japão Foto: Smart Cities World

 

No universo das redes sociais, essa regulação também assume um papel primordial. Isso porque, em razão da rapidez exacerbada inerente aos tempos atuais, os indivíduos acabam por experienciar cada vez mais a sensação de pressa e inquietação. Decorrente disso, as redes sociais acabam por ocupar um papel de “poupar” o nosso tempo, e dentro deste contexto, tornam-se o meio mais prático de observar e compreender o que está acontecendo no mundo. 

Sobre o tema, o professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) Marcus Bastos opina, dizendo sobre a importância do regulamento das redes sociais, já que estas se transformam em um vetor dominante da construção do imaginário das pessoas e podem ser extremamente problemáticas em função da polarização, discursos de ódio e das fake news.

Não apenas ele, o advogado especializado em direito digital Bruno Bícego também destaca a importância da regulação dos ambientes online. Atuando de maneira próximo ao universo aqui elucidado, ele evidencia a questão sob seu aspecto político, enfatizando que a regulamentação em nada se confunde com o impedimento da liberdade de expressão, direito assegurado aos cidadãos brasileiros. 

Ao contrário disso, Bruno ainda expõe, em uma conversa realizada também digitalmente, sobre como a regulamentação precisa visar responsabilizar estas big techs, que atuam promovendo e investindo em campanhas em massa de propagação de fake news, de discurso de ódio ou até manipulação da opinião pública e de processos eleitorais e, consequentemente, colocando em risco a nossa democracia. 

A questão política resta, então, cada vez mais sensível dentro deste cenário. Os nossos dados são valiosos para o algoritmo e, dentro de um ciclo quase que interminável, os conceitos de informação e propaganda política se misturam na formação da opinião pública. Através da coleta e análise de dados de maneira extremamente personalizada, é possível delimitar perfis cada vez mais assíduos dos usuários, o que faz com que as grandes corporações estejam até mais íntimas de cada indivíduo do que eles mesmos. 

Para o professor, isso implica numa grande capacidade de manipulação em termos de marketing ou propaganda política. Durante a conversa, ele versa também sobre o fenômeno da pós -verdade e das fake news, destacando que, inicialmente, a pós verdade surge no sentido de derrubar narrativas que expliquem o mundo de forma absoluta. 

Contudo, a disputa de narrativas leva a uma dificuldade de encontrar consensos objetivos sobre muitas coisas - inclusive, às vezes, sobre fatos nomeadamente incontroversos. Com o algoritmo cada vez mais direcionado aos próprios interesses de cada um, torna-se mais palatável acreditar em tudo aquilo que aparece em nossos feeds, e, desta maneira, a checagem dos fatos torna-se cada vez mais acessória no processo de consumo e compartilhamento de informações. 

Conforme as pessoas ficam cada vez mais restritas a seus círculos e bolhas, essa dinâmica se acentua, pois elas perdem o acesso ao contraditório, fazendo com que se tornem cada vez mais convictas de suas visões de mundo. A discussão acerca da importância da regulação das redes sociais é de suma importância nessa geração tão tecnológica. No Brasil, entre as discussões no Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, o debate sobre o tema aguarda os próximos capítulos para que tenha seus detalhes mais bem delineados. 

 

 

Estudo comandado pela NewsGuard aponta que 20% das buscas na plataforma trazem desinformação
por
Sophia Pietá Milhorim Botta
Isabella Santos
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06/11/2023 - 12h

Após o sucesso estrondoso da rede social chinesa Tiktok, durante a pandemia de Covid-19, a plataforma ultrapassou seu posto de postagens de danças, entretenimento e brincadeiras para uma rede em que as fake news e a disseminação de conteúdos ofensivos e mentirosos dominaram os perfis dos usuários. Desde desinformações sobre política, cultura, ciência e até sobre a manipulação de vozes e imagens através da inteligência artificial. Um caso recente foi a recriação da voz do ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama se defendendo de uma nova e explosiva teoria da conspiração sobre a morte repentina de seu ex-chefe de cozinha, em uma falsificação convincente para criar narrativas falsas na internet. “Embora eu não consiga compreender a base das alegações feitas contra mim, peço a todos que se lembrem da importância da união, da compreensão e de não se precipitar em julgamentos”, diz a voz. 

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Francês de Opinião Pública (Ifop), em 2023, apontou para uma preocupação entre os jovens: a desconfiança na ciência. E um dos grandes motivos seria a forte propagação de fake news nas redes sociais, principalmente no TikTok. Por meio de vídeos rápidos, com muita imagem, áudios e legendas claras, usuários que não se identificam e criam perfis sem nomes reais, disseminam uma série de conteúdos falsos, utilizando de imagens adulteradas e inverdades para convencer o público, principalmente os jovens que ainda estão em formação estudantil. A “Geração Tik Tok”, como ficou conhecida, se torna refém, uma vez que elas nascem sabendo mexer nos celulares, computadores e são experts nas redes sociais. Isso faz com que esses jovens se informem somente das plataformas digitais, não leem um livro, jornal ou revista, todo o conhecimento deles vem das informações expostas nessas plataformas em que as fake news e teorias da conspiração dominam os conteúdos.

Um exemplo é o atual conflito de Israel X Hamas, que dominou a internet e o Tiktok vem sendo acusado de espalhar desinformação e conteúdos ilegais em sua plataforma. Vídeos de outras guerras antigas, áudios de outros conflitos e informações falsas sobre a cultura desses povos são espalhados rapidamente tendo um alto alcance em todo o mundo. Recentemente um comentarista político francês Jackson Kinkle fez uma postagem via Twitter alegando que estaria acontecendo protestos na França Pró-Palestina compartilhando um vídeo que alegava ser o protesto. Após internautas checarem a veracidade, foi constatado que o vídeo se tratava da torcida do time brasileiro de futebol Palmeiras em uma comemoração durante um partida contra o Boca Juniors. 

Após casos de fake news, preconceito cultural e muita desinformação, o comissário europeu Thierry Breton enviou uma carta direcionada ao CEO da plataforma, Shou Zi Chew, em que o Tiktok teria 24 horas para remover conteúdos irregulares divulgados na plataforma ou deverá arcar financeiramente com multas. Segundo Breton, a rede social deve ser “oportuna, diligente e objetiva” na remoção de informações erradas. “Em primeiro lugar, dado que a sua plataforma é amplamente utilizada por crianças e adolescentes, você tem uma obrigação especial de protegê-los de conteúdo violento que retrata a tomada de reféns e outros vídeos explícitos que supostamente circulam amplamente na sua plataforma, sem as devidas salvaguardas”, escreveu Breton.

Por se tratar de uma plataforma 100% gratuita e que proporciona um alto alcance e monetização aos usuários que tiverem seus vídeos viralizados, o sensacionalismo acaba dominando os conteúdos. Através de imagens explícitas, efeitos de voz, sonoplastia e pouca fiscalização, o deep fake publicado alcance pessoas ao redor do mundo de diferentes idades, fazendo com que segundos se torne fatal para a desinformação generalizada.

Segundo um estudo da NewsGuard, empresa de segurança dos Estados Unidos, 20% das buscas no Tiktok trazem desinformação. O estudo do “pesquisar” do aplicativo foi constatado que dos 540 vídeos analisados, 105 foram classificados como conteúdos contendo informações falsas. Executivos do Google reconheceram o Tiktok como mecanismo de busca padrão da Geração Z, esse fato explica a falta de informação verdadeira propagada pelos jovens.